AngelsTears(Angel's Kiss Livro 2)

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Tudo começou com um beijo e agora Katryna precisa cumprir seu destino e encontrar a chave para abrir uma prisão milenar.Sua jornada não será fácil e em seu caminho ela encontrará um rio de sangue e lágrimas.Onde essa prisão está, como ela fará para abrir ou o que está preso nela são perguntas para as quais Katryna ainda não tem uma resposta. Sua única certeza é que, se ela não o fizer, muitos irão morrer.

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Angel’s Kiss livro 2Angel’s Kiss livro 2Angel’s Kiss livro 2Angel’s Kiss livro 2

Por E.V.Franzmann

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Todos os direitos reservados por E.V.Franzmann. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, armazenada em um sistema de recuperação, ou transmitida em qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem a prévia autorização dos editores e / ou autores

Os personagens, eventos e lugares retratados neste livro são fictícios e puramente invenções da imaginação fértil do autor. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, é mera coincidência e não pretendido pelo autor.

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“Existem tantas noites quanto dias, e um é tão longo quanto o outro ao curso de um ano. Até uma

vida feliz não pode existir sem uma medida de escuridão e a palavra "feliz" perderia seu significado

se não fosse balanceada pela tristeza.”

Carl JungCarl JungCarl JungCarl Jung

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ÍndiceÍndiceÍndiceÍndice

Prólogo

1. Bloody Mary (Mary Sangrenta)

2. No Calor do Deserto

3. Grãos de Areia

4. Antes

5. Vazio

6. Agora

7. Sonhos e Pesadelos

8. Território Desconhecido

9. Através do Espelho

10. Divergência e Insurgência

11. Azul

12. Marcas

13. Respirando Embaixo D’água

14. Fome Cega

15. Outono

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16. Cicatrizes

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PrPrPrPrólogoólogoólogoólogo MMMMeu nome é Angelic Sorrow que significa literalmente angelical tristeza. Um nome dado pela

enfermeira do hospital em que nasci. Mal ela sabia o quão profética seria sua decisão. Tristeza é meu nome e o que espalho ao meu redor. Minha mãe morreu ao dar a luz, então eu nunca cheguei a conhecê-la, mas eu esperava que ela fosse tão má e perversa quanto eu. Ao menos era assim que a imaginava toda vez que pensava nela. Meu pai era um qualquer que fugiu assim que conseguiu o que queria, levar minha mãe para a cama. Eu fui criada pelo meu padrasto, que fazia questão de deixar claro que não tinha nenhum parentesco comigo. Toda vez que se dignava a focar sua atenção em mim era para me dizer como me desprezava me chamando de pequena assassina ingrata ou me abusando fisicamente.

Quando eu atingi a idade de seis anos eu já tinha tido fraturas em quase todo o meu corpo, mas eu me curava rápido e isso o deixava ainda mais furioso. Suas agressões eram constantes e escalavam cada vez mais. No inicio eu chorava, mas com os anos eu aprendi que isso só tornava meu espancamento mais satisfatório para ele. Então eu simplesmente me mantinha calada e distante agüentando seus golpes contra meu corpo e imaginando como seria olhar em seus olhos e ver a dor de cada golpe neles.

A cada surra eu me perdia em fantasias assassinas imaginando os inúmeros modos que tiraria sua insignificante vida com minhas próprias mãos. De todos os modos que haviam passado pela minha mente, a que se tornou realidade não chegava nem perto da criatividade que minha imaginação possuía. Quando eu tinha feito onze anos ele não estava mais contente em só me espancar e seus olhos brilhavam perversamente. Eu já tinha idade e conhecimento bastante para saber o que eles significavam e aquele foi o empurrão que me jogou do precipício.

Enquanto eu olhava nos olhos vazios e sem vida do meu padrasto eu não tinha raiva, tristeza ou qualquer outro sentimento. Eu só tinha a certeza de que eu jamais deixaria alguém me machucar de novo.

Meu nome é Angelic Sorrow, mas eu não sou nenhum anjo. Eu mato e torturo pessoas. Meu motivo não é nobre, dinheiro. Pelo preço certo você tem meus serviços e a certeza de que seu dinheiro foi bem gasto. No mundo onde vivo, à parte da maioria, me chamam de Sorrow. Uma alusão ao que eu faço em meu trabalho. Eu os faço sofrer.

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1. 1. 1. 1. Bloody Mary (Mary Sangrenta)Bloody Mary (Mary Sangrenta)Bloody Mary (Mary Sangrenta)Bloody Mary (Mary Sangrenta) AAAA lâmina afiada do canivete deslizava sobre a parte interna do meu antebraço deixando um

traço vermelho vivo de sangue enquanto abria lentamente minha pele. Meus olhos assistiam com fascínio o sangue tingir a lâmina enquanto eu absorvia a ardência que se espalhava através dos meus nervos e rapidamente se extinguia com a cicatrização acelerada do meu metabolismo.

Olhei ao meu redor soltando um suspiro tentando me lembrar de como tinha ido parar naquele buraco. O motel era uma de quinta categoria com lençóis gastos, pouca mobília e papel de parede florido cafona que estava à um sopro de se descolar totalmente da parede.

Minha cabeça latejava e flashes da noite anterior vinham à minha mente. Ao meu lado estava um garoto que eu não sabia o nome. Eles sempre me diziam seus nomes, mas minha memória era terrível e eu não me importava o bastante para tentar lembrar.

Ele era loiro, bem construído com músculos definidos e enquanto eu observava seu corpo despido sobre a cama notei manchas rochas e arranhões cobrindo suas costas. Meus lábios se curvaram em um sorriso maldoso ao me lembrar da expressão no rosto dele ao descobrir que não estava lidando com uma garotinha inocente.

Todos agiam da mesma forma, impressionados e chocados no começo, mas logo se submetiam aos meus desejos sem pestanejar. Meu método era agressivo, mas satisfatório. Eles saíam mais machucados do que eu, que cicatrizava mais rápido do que uma pessoa comum.

Ergui o braço do garoto que não devia ter mais do que vinte anos para ver seu relógio. Era mais de três horas da tarde e eu precisava de um drink. Me ergui indo até o banheiro e tomando um banho rápido para tirar o cheiro de fumo e álcool da minha pele.

Após alguns minutos embaixo do chuveiro escaldante me vesti e fui embora batendo a porta do quarto na minha saída. Meus olhos arderam com a luminosidade enquanto eu andava até o carro no estacionamento do hotel.

“Saco!” Exclamei fechando os olhos em frente à porta do motorista e batendo os bolsos da minha calça jeans. Eu tinha esquecido a porcaria das chaves no quarto e minha chave reserva estava dentro do porta-luvas.

Eu tinha duas opções: voltar até o quarto para pegar a chave e correr o risco do loirinho estar acordado e eu acabar gastando minutos valiosos do meu tempo dando o fora nele ou arrombar a porta e ter que pagar uma tranca nova para o carro.

A maçaneta cedeu facilmente sob a pressão das minhas mãos deixando escapar um leve ‘click’. Eu realmente não estava a fim de perder meu tempo e, aliás, minha cabeça já estava doendo o bastante sem o bláblábla que eu certamente iria escutar se voltasse para o quarto.

Entrei no carro batendo a porta com força sentindo ela emperrar. Isso iria me custar alguma grana para concertar. Girei a chave e liguei o rádio no volume máximo sentindo minha pele vibrar com o som das baterias. Nada melhor para anestesiar uma ressaca do que um bom e velho rock.

Eram mais de quatro da tarde quando entrei no Tryst que, como de costume, já estava cheio. Me sentei no balcão e pedi uma tequila para o barman dando três batidas no balcão de madeira envernizada. Billy era como eu o chamava, mas não era seu verdadeiro nome. Nunca fui boa com nomes e ele tinha cara de Billy, então o apelido pegou.

Após algumas doses minha cabeça parou de latejar e eu consegui pensar de novo. Ao meu lado um universitário tinha se sentado e sua atenção estava focada em mim. Seus olhos percorriam meu corpo de alto a baixo como se estivesse tentando ver através de mim. Os lábios dele se moviam e eu estava certa de que sons saíam, mas aos meus ouvidos, os sons pareciam se misturar com a música alta e os sons de copos se batendo.

“Billy!” Exclamei batendo três vezes no balcão com a mão. “Meu copo está vazio.” “O meu caixa também está, baixinha.” Ele se inclinou sobre o balcão me lançando um

sorrisinho. “Acho que está na hora de você pagar o que bebeu.”

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“Sem problema, Billy.” Falei com um sorriso. Eu normalmente acertaria um bom de direita em qualquer um que falasse daquela maneira comigo, mas Billy era legal e não se metia no que não era da conta dele. Então resolvi relevar suas palavras. “Meu amigo Jhonny aqui vai cuida disso, não é?”

Jhonny, primeiro nome que me veio à mente, pareceu chocado por eu ter finalmente notado sua presença. Seus olhos encontraram os meus e concordou com um movimento de cabeça enquanto pegava a carteira no bolso. Ele entregou as notas e eu as coloquei sobre o balcão com uma sonora pancada.

Enquanto eu virava a dose garganta abaixo, sentia os olhos de Jhonny sobre mim e seus lábios continuavam se movendo. Aparentemente o fato de eu ter reconhecido sua existência era como um sinal verde para ele continuar falando.

Me virei furtivamente e olhei Jhonny de cima abaixo para avaliar com o que eu estava lidado. Ele tinha cabelos castanhos claros ondulados, olhos castanhos e rosto liso como o bumbum de um bebê. Típico formando de Direito que decidiu aproveitar as férias da faculdade em uma viagem à Las Vegas. Eu conhecia o lema muito bem: O que acontecia em Vegas, ficava em Vegas.

Ele era sem sal e insípido como qualquer outro almofadinha e me bastou uma boa olhada nele para saber seu tipo. Maníaco por controle, organizado e nunca faz nada fora do planejado. Mas então decide fazer uma coisa espontânea antes de iniciar a vida adulta e blá,bláblá.

Enquanto meus olhos passavam pelo seu corpo sem prestar atenção ao que ele falava, notei que sua voz ficava mais rápida. Ele estava nervoso. Isso seria até bonitinho se não fosse patético. Que tipo de cara ficava nervoso quando uma garota olhava seu corpo? Bom, de repente ele era virgem.

Agora, isso sim é iria ser patético. Mas, virgem ou não, ele tinha potencial. Se conseguisse ficar com a boca fechada por mais de cinco segundos eu até podia ensinar alguns truques à ele. Minha próxima reunião tinha sido marcada só para as onze horas da amanhã do dia seguinte, então eu tinha muito tempo para gastar até lá.

Meus olhos se focaram nos dele e eu levei meu dedo indicador até meus lábios fazendo um som de shhhhh silencioso. Jhonny ficou em silencio instantaneamente e eu sorri levando o limão até minha boca. Desde cedo eu descobri que minha voz era uma arma e se eu concentrasse meu olhar nos olhos da pessoa enquanto falasse ela faria praticamente tudo que eu quisesse.

Um vulto se moveu ao nosso lado e quando me virei dois olhos azuis pálidos me observavam com curiosidade. Ele voltou sua atenção para Jhonny e sussurrou algumas palavras que o fizeram se levantar e sair sem dizer uma palavra. Aquilo foi esquisito, muito esquisito.

Ao contrario de Jhonny, o cara que havia tomado seu lugar não gostava muito de falar. Ele era alto, cabelos escuros, quase negros, olhos azuis pálidos e pele pálida. Pálida demais para o sol escaldante do deserto. Não era só sua pele que parecia fora de lugar, todo seu estilo parecia errado. Suas roupas eram chamativas e feitas de tecidos que fariam um porco suar, seus movimentos eram firmes, precisos e mais delicados do que qualquer homem que eu já tinha conhecido.

Isso sem falar do seu rosto. Ele era lindo como uma escultura que tinha sido calculada até o último milímetro. Perfeito demais para ser natural. Devia ser um daqueles metrosexuais que a mídia falava tanto ultimamente.

Ele me olhava intensamente, mas seus olhos estavam focados nos meus ao invés do meu corpo. Isso me incomodava mais do que se ele estivesse olhando para meus peitos. Me virei de frente para o balcão e tomei outra dose de tequila tentando ignorar seu olhar, mas ele continuou me olhando.

Billy se aproximou e eu segurei minha respiração tentando escutar a voz do estranho. Aquilo era tão idiota. Eu realmente estava curiosa para saber como era a voz dele. Talvez eu só estava curiosa para ver se a voz era tão perfeita quanto sua aparência. De qualquer maneira, minhas expectativas estavam certas. Sua voz era grave e intensa assim como seus olhos e pareciam penetrar minha mente. Era como se eu pudesse escutá-lo nitidamente mesmo através de todo o barulho ao nosso redor.

Sua língua enrolava em um sotaque que eu não conhecia, mas eu podia apostar que era europeu. Ele pediu um Bloody Mary e mais uma dose de tequila. Quando Billy colocou os copos à sua frete ele deslizou a tequila até minha frente e ficou mexendo sua bebida como uma criança que brinca com seu achocolatado sem realmente ter vontade de beber.

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“O que é isso?” Perguntei apontando para o copo. “Tequila.” Ele respondeu com sua voz profunda e irritante calma. “Não lembro de ter pedido nada para você.” Em um movimento rápido eu devolvi o copo à ele

sem olhar em sua direção. “Isso se chama cavalheirismo. Eu pedi a bebida para você.” Ele falou mergulhando o dedo no

seu copo assistindo o liquido vermelho pingar lentamente. “Ou você só se sente confortável aceitando bebidas pagas por meios de compulsão?”

“O quê?” Exclamei me virando e o encarando em descrença do que eu tinha escutado. “Eu vi o que você fez com ele. Você não é muito boa nisso, mas com o tempo você desenvolverá

melhor sua habilidade de compulsão.” “Eu não sei do que você está falando. Você não viu nada e assim que sair desse bar não vai nem

ao menos se lembrar de mim ou do meu rosto.” Meus olhos eram intensos nos dele e eu coloquei o máximo de concentração em cada palavra.

Ele franziu a testa e por um momento eu achei que ele fosse fazer o que eu tinha dito, mas então ele soltou uma leve risada sacudindo a cabeça. Eu estava confusa e com certeza chocada com o que estava acontecendo. Era como se minhas palavras não tivessem nenhum efeito sobre ele.

“Você é muito mais interessante do que eu imaginei que seria.” “Quem é você?” “Onde estão meus modos?” Ele exclamou se erguendo do banco e segurando minha mão entre as

suas. “Me chamo Liam.” “Liam?” Eu falei retirando minha mão enquanto sentia seus dedos gelados sobre a minha pele.

“Esse nome é meio gay, você não acha?” Minha resposta não era o que ele esperava. Talvez ele não estivesse acostumado à escutar o que

não queria, pois sua expressão com certeza não era a das mais agradáveis. Eu não era a única a ter os encantos anulados naquela noite.

“E por acaso Sorrow é muito feminino?” Ele respondeu se recompondo e erguendo uma sobrancelha.

Minha respiração ficou presa em minha garganta. Como diabos ele sabia meu nome? Quem diabos ele era?

“Eu leio mentes.” Ele sussurrou aproximando seu rosto do meu. “E também, eu perguntei para o barman.” Eu continuei séria o observando enquanto ele sorria seu sorriso perfeito.

“Isso foi uma piada.” Ele falou mexendo sua bebida novamente. “Eu sei.” Minha voz sem inflexão enquanto eu observava seu rosto impassivelmente. “Você não está rindo.” “Não foi uma piada engraçada.” “Eu tenho a impressão de que não tivemos um bom começo.” Ele falou se recostando sobre o

balcão. “Mas ainda podemos ter um ótimo final.” Suas palavras me pegaram desprevenida, mas eu tentei não demonstrar. Calmamente passei

meus olhos sobre ele e minha curiosidade tomou o melhor de mim. Minha mão foi instintivamente em direção ao copo e virei o líquido de uma vez em minha boca sentindo o álcool queimar minha garganta em sua descida.

“Meu carro está estacionado lá fora.” Falei descendo do banco e indo em direção à porta sem olhar para trás. Não precisava olhar para saber que ele me seguia, eu sentia seu corpo próximo do meu enquanto andava à passos largos para fora do bar.

Entrei no carro me sentando atrás do volante e o observei enquanto ele entrava com seus movimentos estranhamente perfeitos e coordenados. Era como assistir à um balé, se bem que eu nunca tinha assistido à um então eu podia estar enganada.

“O que foi?” Ele se virou com o rosto expectante. “Eu realmente espero que você não seja gay.” Respirei fundo deixando o ar sair lentamente dos

meus pulmões enquanto girava a chave na ignição fazendo o motor rosnar. Seus olhos pareciam confusos com minhas palavras, mas então em um movimento rápido ele se

moveu me pressionando contra seu corpo. Seus movimentos foram tão rápidos que me deixaram

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sem ação. Senti minha pele vibrar com sua intensidade e o ar foi roubado de mim enquanto sentia seu corpo pressionar ainda mais contra o meu. Sua mão segurava minhas costas firmemente e os movimentos da minha respiração iam de encontro ao seu peito imóvel.

Seu rosto se aproximou do meu e minha cabeça girou com o efeito do álcool no meu sistema. Então fechei meus olhos sentindo a ponta da sua língua delinear meus lábios com uma lentidão agonizante. Os músculos do meu abdômen se contraíram ao sentir seus lábios tomarem os meus e então ele se afastou novamente enquanto eu arfava por ar.

“E então?” Ele falou me observando com um sorriso malicioso. “Gays também sabem beijar.” Respondi me virando novamente para o volante enquanto

afundava o pé no acelerador. Sua resposta ao meu comentário foi apenas sacudir a cabeça enquanto se recostava sobre o banco

de couro. Durante todo o trajeto não houve nenhuma palavra entre nós e isso rendeu muitos pontos à favor dele, mas o modo como ele me olhava me deixou inconfortável e até um pouco nervosa. Era como se ele conseguisse ver dentro de mim ou algo do tipo.

A viajem durou somente alguns minutos e logo estávamos estacionando no pátio atrás do hotel. Desliguei o motor e me virei para abrir a porta, mas quando toquei na maçaneta ela se abriu sozinha me deixando com a mão suspensa no ar e uma expressão no rosto que, tenho certeza, não era nada sexy.

Liam, nome que estranhamente estava gravado em minha memória, estava à minha frente segurando a porta para que eu descesse. Em uma fração de segundos ele tinha saído do carro, fechado a porta, dado toda a volta no carro até meu lado e aberto minha porta. Tudo isso em um piscar de olhos e sem emitir nenhum som.

A escuridão da noite nos cercava e meus olhos eram curiosamente atraídos em direção à ele. Os olhos azuis pálido pareciam acesos e, embora seus lábios se curvassem em um leve sorriso, eles pareciam frios e vazios. Era como olhar uma perfeita estátua de cera de perto, linda e inatingível.

“O que você está olhando?” Perguntei ao notar seus olhos fixos e mim. “Alguém já lhe falou que você possui olhos excepcionalmente raros?” Sua mão se ergueu até

meu rosto e ele tocou minha pele deslizando as pontas geladas dos seus dedos lentamente enquanto delineava meu maxilar.

“Alguém já falou que você tem pés leves?” Desci do carro e fechei a porta acionando o alarme. Eu vivia na estrada então não tinha uma casa, por assim dizer. Minha casa, se é que posso

chamar assim, eram os hotéis de beira da estrada e eu normalmente me mudava aproximadamente duas ou três vezes por mês. Pedras que rolam não criam limo e continuam vivas.

O hotel era pequeno, na verdade tão pequeno que nem tinha um elevador. Então o único meio de chegar ao terceiro andar era pelas escadas e a iluminação era realmente péssima. Minha visão era ótima até mesmo o escuro e, pelo modo como ele se movia, podia apostar que o escuro não estava afetando sua visão também.

Abri a porta do quarto, mas quando me virei Liam continuava parado na porta imóvel. Fiquei co a mão sobre a maçaneta esperando que ele entrasse, mas ele continuava parado.

“O que foi?” Perguntei confusa. “Precisa de um convite?” “Sim.” Ele falou erguendo a sobrancelha e inclinando a cabeça. “Na verdade eu preciso de um

convite para poder entrar.” “Você é o que? Um vampiro ou coisa parecida?” Soltei um suspiro e fiz uma reverencia

exagerada sem abaixar a cabeça. “Ó alteza, por favor entre em meus humildes aposentos.”, Ele sorriu e entrou no quarto colocando as mãos nos bolsos da calça e dando uma boa olhada à

sua volta. Assim como no bar, ele parecia estar fora do seu habitat e, mesmo assim, parecia estar extremamente à vontade.

Fechei a porta dando duas voltas na chave e acendi a luz. O papel de parede florido parecia gritar ‘cafona’ ao meu redor. Aparentemente o hotel havia sido decorado no ano floral à uns vinte anos atrás e ninguém teve a decência de mudar a decoração.

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Andei até Liam, que permanecia de costas para mim e em um movimento rápido coloquei o metal gelado contra suas costas engatando o gatilho. O som pareceu extremamente alto no silêncio do quarto.

“O que é isso?” Ele perguntou em voz calma sem se virar. “O barman não sabe meu nome.” Falei pressionando mais a arma. “Quem é você?” “Bom,” Ele ponderou sem demonstrar qualquer alteração na voz após minha revelação. “Se não

foi o barman, então eu devo mesmo ter lido sua mente.” “Então leia minha mente agora e me diga o que eu vou fazer.” Falei por entre os dentes e

pressionei a arma contra suas costelas. “Se você acertar eu posso,,” Eu aprendi na escola que a mente é mais rápida que as palavras e a luz de um raio é mais rápida

que o som do trovão que a segue, mas aquele sacaninha era mais rápido do que eu jamais havia pensado ser possível. Em um segundo eu o tinha em minha mira para um ferimento mortal e o outro estava sendo atirada contra a parede do quarto.

“Isso não é maneira de se tratar uma dama.” Me ergui sentindo minhas juntas estalarem conforme eu me movia.

“E isso por acaso são maneiras de se tratar um convidado?” Ele andou alguns passos até o centro do quarto ainda com as mãos no bolso. “Além do mais, eu não vejo nenhuma dama por aqui.”

“Eu vejo.” Meus lábios se curvaram e um sorriso enquanto eu me aproximava dele. “E está bem à minha frente.”

Dessa vez eu estava preparada, então quando ele me atacou eu me movi o mais rápido que consegui. Mesmo assim, minha velocidade não era o bastante para evitar o golpe, mas foi o bastante para eu conseguir revidar e evitar ser lançada contra a parede novamente.

Meu braço latejava devido à intensidade do impacto enquanto eu tentava me erguer do chão novamente. Quando ergui meus olhos sorri ao ver que sua camisa toda rasgada e machada de sangue. Ele me observava com espanto nos olhos e algo que se assemelhava com satisfação.

Suas mãos enlaçaram meus ombros e, no momento em que nossos olhos se encontraram, tudo ficou turvo e distante, como se eu estivesse envolta em uma neblina. Meu cérebro era como uma caixa de areia onde meus pensamentos tentavam funcionar, mas a cada passo afundavam mais e mais.

Eu fiquei parada enquanto assistia ele se afastar e ir em direção ao velho aparelho de som. A música preencheu o vazio o quarto penetrado mina mente e eu quase podia sentir cada nota tocar minha pele. Lentamente ele se virou retirando a camisa e expondo a enorme tatuagem que cobria grande parte do seu torso.

Seus passos eram languidos enquanto se aproximava novamente. Meus olhos se fecharam e senti o ar escapar pelos meus lábios. Quando os abri novamente, Liam estava à alguns centímetros de distancia. Sua proximidade era quase sufocante e então eu dei um passo para trás, mas ele colocou um braço em volta a mina cintura impedindo que me afastasse.

Normalmente eu teria reagido, mas era como se eu estivesse anestesiada. Meu corpo ao obedecia à minhas ordens e eu tia a impressão que ele estava seguido as ordens de Liam. Eu teria ficado muito irritada com isso, mas ele tinha feito alguma coisa comigo, pois eu simplesmente não conseguia ficar irritada.

“Quem é você?” Minha voz parecia tão distante que eu me perguntei se era mesmo minha. “Liam.” Seus lábios estavam próximos ao eu rosto e seu hálito soprou contra minha pele fazendo

minha boca repentinamente ficar seca. “Por que você está aqui?” Nossos corpos começaram a se mover em uma dança lenta ao ritmo da

musica. “Porque você me chamou.” Minha mente estava tão lenta que o significado das suas palavras

demorou mais que o normal para ser absorvido. “Não.” Foi a única palavra que consegui balbuciar enquanto passava a língua sobre meus lábios

secos. Seus dedos gelados deslizaram sobre meu rosto afastando meus cabelos. Seu rosto se aproximou

do meu até sua bochecha colar na minha e seus lábios tocarem levemente minha orelha. Ele riu

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levemente e eu senti seu hálito quente ir de encontro à minha pele me fazendo tremer em seus braços.

“Sim, você me chamou.” Sua voz parecia penetrar e minha mente. “Todas as noites que você passou com estranhos sem rostos e sem nomes era à mim que você procurava.”

“Eu procurava um hobby e não um metrossexual com o ego maior do que de um deus.” “Suas palavras e ameaças são tão vazias quanto seu interior.” Seus lábios tocaram meu maxilar e

eu suspirei inconscientemente com o contato. O que diabos estava acontecendo comigo? Eu estava agindo como uma virgem boba que se

derrete com um simples toque. Essa não era eu e isso devia me fazer ficar preocupada, mas tudo que eu conseguia pensar era no corpo dele contra o meu. Ele tinha me chamado de promiscua, vazia e nem isso tinha feito eu me afastar.

Minhas mãos se ergueram percorrendo a extensão das suas costas até que minhas unhas encontraram sua carne. Em um movimento rápido ele me ergueu em seus braços e eu me segurei sentindo cada centímetro dele se moldar contra meu corpo.

Suas mãos tocaram minha cintura erguendo minha blusa e um calafrio subiu pela mina espinha quando nossa pele nua se tocou. Seus olhos pálidos percorreram meu corpo até se focarem nos meus olhos do mesmo modo que haviam feito anteriormente.

“O que foi?” perguntei com a voz arfante. “Seus olhos.” Ele falou com a voz distante enquanto nos movia para perto da cama. “Quando eu

olho para eles é quase como se eu pudesse ver o nascer do sol novamente.” Meus olhos eram castanhos, mas tinham um tom alaranjado com nuances douradas que muitos

diziam se assemelhar aos tons do nascer do sol. Eu já estava acostumada com os comentários, mas aquela era a primeira vez que alguém se referia à eles com tanta nostalgia.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, seus lábios cobriram os meus enquanto subíamos de joelhos no colchão macio demais. Minhhas mãos foram de encontro ao seu cinto que se mostrou bem menos cooperativo do que eu esperava.

Liam, por outro lado, não teve qualquer problema em remover mina calça jeans. Eu circulei sua cintura com minhas pernas o trazendo para mais perto enquanto sentia suas mãos me marcarem dolorosamente.

Meus músculos pareciam fios de aço esticados e eu sentia como se estivesse à beira de um precipício lutando para não cair. Meus dedos se enroscaram em seus cabelos e eu joguei o peso do meu corpo em um giro que me colocou sobre ele.

Meus olhos percorreram seu tórax enquanto as pontas dos meus dedos delinearam lentamente a tatuagem que cobria grande parte do seu peito. Seus olhos pálidos continuavam sobre mim e eu os sentia queimar mina pele.

Meu corpo se dobrou para frente enquanto uma onda de eletricidade percorria minha pele da minha cabeça até a ponta dos meus dedos do pé. Minhas mãos estavam espalmadas sobre seu peito quando eu me movi sentindo ele estremecer sob meu toque.

Abaixei meu rosto e direção à sua tatuagem e, sem desviar meus olhos de seu rosto, a delineei com a ponta a mina língua. Um sorriso maligno se formou em meus lábios ao escutar o grunhido escapar dos seus lábios.

. Cravei minas unhas fundo sobre a tatuagem assistindo o sangue brotar do ferimento, mas para minha surpresa, vi que sua pele se regenerava tão depressa quanto a minha.

Em um movimento brusco Liam se ergueu sobre mim e mais nada importava. Estrelas dançavam em minha frente e a única coisa nítida era os olhos dele. Suas pupilas dilatadas faziam o azul quase desaparecer. Fechei meus olhos sentindo o toque aveludado os seus lábios percorrerem a linha da minha mandíbula até meu pescoço.

Seus lábios se partiram e seus dentes arranharam meu pescoço levemente até que os senti perfurarem minha pele me fazendo congelar. Minha respiração parecia presa em minha garganta enquanto sentia ele sugar meu sangue.

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Mas então algo realmente esquisito aconteceu, eu percebi que não estava com medo. O fato dele ter me mordido não me assustava e o modo como meu coração corria em meu peito dizia que estava me divertindo até demais com aquela experiência.

A sensação era como a de estar em um sonho louco, mas por mais louco que ele fosse, enquanto você está nele tudo faz sentido. Meu coração parecia acelerar a cada movimento do seu corpo contra o meu e então tudo pareceu parar. Como se o tempo estivesse congelado e meu coração simplesmente parou enquanto eu sentia o ar escapar meus lábios em um suspiro. Tudo escureceu ao meu redor me fazendo sentir como se tivesse caindo em um buraco negro sem fundo onde eu continuava caindo, caindo sem nunca parar.

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2. No Calor 2. No Calor 2. No Calor 2. No Calor ddddo Desertoo Desertoo Desertoo Deserto MMMMeu corpo se ergueu da cama como se tivesse sido atingida por uma corrente elétrica. Meu

coração palpitava em meu peito e minha respiração era rápida como a de alguém que tivesse acabado de correr uma maratona.

O quarto estava escuro sendo iluminado somente pela luz que vinha da TV ligada. Eu sentia os lençóis colados sobre minha pele encharcada de suor. Por um momento eu não sabia onde estava e nem quando.

Por breves segundos, minha mente me levou para anos no passado e eu estava novamente presa no meu quarto esperando até meu carrasco me encontrar e me fazer pagar pelos meus pecados. Mas então a certeza de que ele estava morto e nunca mais tocaria em mim foi como um anestésico me acalmando instantaneamente.

As lembranças começaram a voltar como uma onda e a mais recente era de envergonhar qualquer um. Minha mão foi em direção ao meu pescoço sentindo o local onde ele tinha me mordido, mas não tinha nada além de suor.

“Droga, droga, droga.” Exclamei em voz baixa para mim mesma passando as mãos sobre meu rosto molhado e afastando os cabelos que estavam colados sobre minha pele.

Olhei ao meu redor tentando achar minhas roupas e as descobri espalhadas por todos os lados. Após minha terceira tentativa, eu finalmente consegui ficar de pé sem ficar zonza e vesti a primeira coisa que consegui colocar as mãos.

O mais difícil com certeza foi meu sutiã. Eu não sabia quando nem como, mas de alguma maneira em algum momento da noite passada ele havia ido parar sobre o candelabro no centro do quarto. Não tinha jeito de eu conseguir alcançá-lo sem uma escada então eu simplesmente resolvi que não valia a pena o sacrifício.

“Merda.” Avistei meu celular e ele brilhava com ligações perdidas. “Você beija a sua mãe com essa boca?” Eu me virei rapidamente e ele, Liam, estava parado à porta com a chave em uma das mãos e um

pacote de papel pardo na outra. “Minha mãe está morta.” Meus olhos se fixaram nas chaves em sua mão. “E quem te deixou sair

com meu carro?” “Bom dia para você também.” Ele passou por mim ignorando minha pergunta e colocando o

pacote sobre a mesa. “Eu trouxe café da manhã.” “A porcaria do carro é meu e ninguém toca nele, entendeu?” Falei erguendo meu dedo e andando

em sua direção. “Ninguém.” “Ok, ok.” Ele falou erguendo as mãos. “Vejo que é bem seletiva com quem toca no volante do

seu carro, pena que essa mesma regra não se aplica ao seu corpo.” “Sai!” Falei por entre os dentes sentindo meu sangue queimar em minhas veias. “Agora!” Quando ele não se moveu e dei um passo à frente com toda a intenção de forçá-lo a sair, mas

tudo à minha volta começou a girar e eu precisei me segurar na mesa para não cair no chão. Ele deu uma olhada em minha direção, mas não se aproximou de mim.

“Não seja indelicada e se sente à mesa comigo.” Ele falou puxando uma cadeira e se sentando no lugar oposto da onde eu estava. “Você está fraca e precisa se alimentar se quiser recuperar suas forças.”

Minha primeira reação era fazer exatamente o oposto do que ele tinha dito, mas eu não era tão idiota a ponto de ignorar o zumbindo no meu ouvido ou o fato de tudo à minha volta continuar girando. Então sentei na cadeira à sua e o observei enquanto ele retirava uma caixa de rosquinhas.

“Isso é o que eu chamo de café da manhã dos campeões.” Falei sarcasticamente enquanto pegava uma nas mãos sentindo o óleo tocar meus dedos.

“Você precisa de glicose.” Ele falou se recostando no encosto da cadeira. “Você perdeu muito sangue ontem a noite.”

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“Eu me pergunto como isso foi acontecer.” Minha voz era carregada de sarcasmo enquanto eu mordia um pedaço da rosca de geléia e limpava a boca com as costas das mãos.

“Não jogue jogos infantis comigo quando tento ser honesto com você.” Por algum motivo seu tom de voz fez eu me sentir uma criança boba sendo xingada por um adulto. “Você sabe muito bem como isso aconteceu.”

Meus olhos se fecharam inconscientemente ao me lembrar da sensação dos seus lábios sobre a pele do meu pescoço. De como eles percorreram a extensão do meu maxilar até a base e do momento em que seu dentes penetraram minha carne. Um calafrio subiu minha espinha e, quando abri os olhos, minha visão estava turva novamente.

“Você me mordeu.” Eu balbuciei pronunciando o óbvio e isso me rendeu uma revirada de olhos Embora dezesseis anos possa parecer pouco eu posso garantir que eu vi mais coisas do que uma

pessoa de noventa anos jamais viu em toda a sua vida. Pedófilos, sadomasoquistas, assassinos, suicidas, viciados, eu já tinha conhecido muitos esquisitos na minha vida, mas era a primeira vez que eu era mordida e bebiam meu sangue.

“Entre outras coisas.” Ele me lançou uma piscada maliciosa que rendeu a ele uma revirada de olhos minha.

“Por quê?” “Por que o quê?” Ele perguntou com ar de falsa inocência. “Corta essa!” Falei pegando outra rosquinha da caixa. Elas tinham o gosto melhor do que a

aparência. “Por que você me mordeu?” “Pelo mesmo motivo que você está devorando essa caixa de rosquinhas. Eu estava com fome.” “Você é o que, afinal? Algum canibal pervertido, ou algo assim?” Falei devolvendo a rosquinha

para a caixa. Seu comentário tinha estragado completamente meu apetite. “Eu não sou canibal.” Ele falou sorrindo como se eu tivesse contado alguma piada. “Eu sou um

vampiro.” “Sim, claro e eu sou a reencarnação do seu amor perdido e agora você quer que eu seja sua

rainha das trevas para todo o sempre.” Minha visão ainda estava turva, mas eu conseguia ver que ele estava se segurando para não rir da minha piada.

“Você anda lendo muitas histórias fantásticas, garotinha. Eu não tenho e nunca terei um amor.” “É do tipo Vampiro solitário, então?” Falei recostando sobre a cadeira já me sentindo mais forte.

“Se eu tivesse um coração ele estaria quebrado agora.” Falei lhe lançando uma piscada zombeteira. “Eu não acredito que isso seja verdade.” Ele falou pensativamente enquanto olhava fitava meus

olhos. “Qual parte? A de eu não ter coração ou a que ele teria se partido com o que você falou?” “As duas.” Ele respondeu ainda com o mesmo tom distante na voz. “O que faz você pensar isso?” Perguntei cruzando os braços sobre meu peito e erguendo meu

queixo em sua direção. Ele agia como se soubesse tudo sobre mim. Como se me conhecesse melhor do que eu mesma e

sua atitude já estava me dando nos nervos. Eu me sentia irritada, com raiva e sentia que bastava uma palavra para o meu autocontrole se desmanchar como uma estátua de areia sendo arrastada pela maré.

“Seus olhos.” Ele se inclinou para frente e se debruçou sobre a mesa se aproximando de mim. A luz da TV iluminou seu rosto e toda a perfeição de cada detalhe. Sua pele parecia tão macia

que eu precisei me conter para não esticar a mão e tocar seu rosto. Seus olhos pareciam duas piscinas de água cristalina refletindo a luz como um espelho. Meus

olhos pairavam sobre a mecha de cabelos escuros ondulados que caía levemente sobre sua testa contrastando com a palidez da sua pele.

Droga, droga, droga! Eu estava fazendo de novo. Estava sendo hipnotizada por ele e babando como uma adolescente idiota. Meu estômago se contorcia e eu não sabia o que me irritava mais em toda aquela situação. Se era o fato dele estar inventando uma historia ridícula de que era um vampiro ou se era a reação que cada palavra que ele pronunciava causava em mim.

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“Essa cantada barata já funcionou alguma vez?” Eu perguntei me recompondo enquanto me ajeitava na cadeira.

“Você não acredita em mim.” Ele constatou após avaliar calmamente minha expressão. “Quando disser a verdade eu acreditarei.” Me ergui da cadeira e comecei a andar dando as costas

para ele. Eu tinha um compromisso e não tinha a menor idéia de que horas eram, mas eu não pretendia

desperdiçar mais nenhum minuto escutando as tolices de um cara que eu mal conhecia. Mas, assim que me virei de costas para ele algo bloqueou meu caminho e quando ergui meu rosto me deparei com ele a minha frente.

Instintivamente virei meu rosto ara trás olhando para o lugar onde ele estava a poucos segundos atrás. A cadeira estava vazia. Ele tinha se erguido da cadeira e passado por mim sem emitir um som sequer. Era como se ele tivesse se movido com o vento e senti minha pele arrepiar com sua proximidade.

“Você tem pés leves para alguém do seu tamanho. Talvez devesse usar aqueles sininhos que os gatos usam ao redor do pescoço.”

Ele pareceu achar graça na minha observação e seus lábios se contraíram em um sorriso frio. Meus olhos estavam fixos em seus lábios e então eu as vi. Seus dentes perfeitamente brancos completos com ,,, presas.

Parabéns Angelic Sorrow! Você nunca ouviu o antigo ditado que diz: Quem procura acha? Bom, se segure firme garota, porque você conseguiu o que queria. Depois de muito tempo vivendo entre lunáticos e assassinos, você finalmente encontrou um louco pior que você.

“Não é muito educado ou seguro dar as costas quando alguém está falando com você.” Ele permaneceu parado, mas mesmo assim senti que o espaço entre nós havia diminuído e dei um passo para dar batendo na cadeira.

“Eu não acredito em vampiros.” As palavras saíram rápidas e foi só depois que as pronunciei que percebi o quão idiota elas eram.

Eu não acredito em vampiros? Que merda era aquela? Eu teria batido com a cabeça na parede se eu não estivesse petrificada pelo vampiro à minha frente. Vampiro? Até pensar a palavra parecia algo falso. Ótimo, era só o que me faltava, agora eu estava falando sozinha.

“Você não devia mesmo.” Ele falou fazendo sombra sobre mim. “Vampiros são seres muito mentirosos.”

“Vampiros não existem.” Falei ignorando a piada sem graça dele. Mesmo que por um momento eu acreditasse que ele fosse mesmo um vampiro, ele continuava

sem ter o mínimo senso do que era engraçado. Eu, de maneira nenhuma iria rir de uma piada sem graça, afinal, eu tinha meus princípios e os manteria até eu dar meu ultimo suspiro que, pelo modo que ele me olhava, não demoraria muito para acontecer.

“Você é tão egocêntrica a ponto de achar que só porque não acredita em algo quer dizer que não exista?” Ele falou cruzando os braços à sua frente.

Minha mente estava confusa e, por um momento, eu considerei suas palavras. Seria eu tão egocêntrica à ponto de descartar algo só porque eu não acreditava? Mas ele estava dizendo que era um vampiro, um ser lendário da literatura. Vampiros eram ficção, ou não?

Mas, por outro lado, quem era eu para dizer o que era ou não ficção? Eu, uma aberração ambulante. Minha regeneração era acelerada, como a de mais ninguém. Uma fratura era curada em pouco mais de dois dias e cortes eram fechados em poucos segundos, dependendo da sua profundidade. Eu era a pessoa mais forte que já havia conhecido e podia persuadir pessoas a fazerem o que eu queria apenas com a minha voz.

Liam tinha me mordido e bebido meu sangue, era muito forte, rápido e, pelo que conseguia me lembrar da noite anterior, também se cicatrizava ainda mais rápido do que eu. Ah, sem falar nas presas que ele continuava me mostrando e que não pareciam nada falsas.

“Você está dizendo a verdade?” “Sim.” Ele falou sem hesitar. “Mas você disse que vampiros são mentirosos.” Respondi sem desviar o olhar dele.

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“Sim.” “Então como posso saber que não está mentindo agora?” Falei erguendo uma sobrancelha

dubiamente. “Você não tem como saber isso.” Ele falou dando de ombros. “Você apenas escolhe acreditar ou

não no que estou lhe dizendo.” “Se eu descobrir que isso é algum tipo de piada,,,” Eu comecei a falar assumindo uma expressão

ameaçadora, mas ele me interrompeu sacudindo a cabeça e franzindo levemente a testa. “Por que eu faria uma piada sobre ser vampiro?” Ele perguntou como se fosse a coisa mais

absurda que ele já tinha escutado antes. “Por que você iria confessaria ser um vampiro se expondo dessa maneira para alguém que não

conhece?” “Porque foi o modo mais rápido que eu consegui pensar para manter você viva.” Aquela conversa estava ficando cada vez mais incoerente a cada minuto que passava. Mesmo ele

dizendo que estava falando a verdade, eu continuava esperando pelo momento em que a encenação iria acabar e eu descobriria que tudo aquilo não passava de mais uma de suas piadas sem graça. Mas esse momento nunca veio.

“O que o fato de você me contar que é um vampiro tem a ver com isso?” Considerando o que eu fazia, a profissão que eu tinha e as pessoas com quem eu me relacionava,

o fato da minha vida estar em risco já era uma constante na realidade em que eu vivia. A possibilidade do fim estar na próxima esquina que eu virar não era novidade para mim, mas o fato disso ser da conta de mais alguém além de mim era algo que eu não cogitava ser possível.

“Você pode não saber ainda, mas foi etiquetada e o preço é extremamente tentador.” Etiquetar é um termo usado entre os assassinos para denominar quando uma quantia era

oferecida abertamente pela morte de alguém. Etiquetar é literalmente colocar uma etiqueta de preço em uma pessoa, ou mais precisamente, colocar um preço pela morte dela.

A notícia costumava se espalhar rápido como fogo em pólvora e, normalmente, eu estava entre os primeiros à saber. Entretanto, eu não havia notado nada, nem ao menos um indício de que uma oferta havia sido feita. Isso era muito preocupante para um assassino que se preze, especialmente se a oferta era pela sua cabeça.

“Se meu preço é tão tentador, por que você ainda não me matou?” Era claro que ele estava ali pela recompensa, afinal, para ele ter acesso àquele tipo de informação

ele só podia ser um assassino. Eu não tinha idéia do valor que estava em jogo, mas devia ser realmente alto para alguém que se dizia ser um vampiro estar disposto a enfrentar o sol e o calor escaldante do deserto por ele.

Aliás, isso era algo que eu precisava perguntar. Até onde eu sabia vampiros não podiam sair no sol, mas, por outro lado, meus conhecimentos sobre esse assunto eram extremamente limitados. Mas isso era assunto para outra hora. Talvez quando minha vida não estivesse em jogo.

“Eu ia matar você ontem à noite. Foi por isso que fui até aquele bar. Para encontrar você.” Esperei ele continuar a falar, mas, aparentemente, aquela meia resposta deveria me bastar.

Paciência não estava entre minhas quase inexistentes virtudes e eu tentei não demonstrar, mas minha voz me denunciou assim que comecei a falar novamente.

“O que mudou? A oferta foi retirada ou o vendedor não era confiável?” Após uma oferta entrar no mercado e a noticia se espelhar, era um caminho sem volta. Mas em

raríssimos casos, a oferta era retirada e, caso a morte fosse concluída, seria por conta do assassino. A razão para isso ser tão raro era simples. No momento em que a oferta fosse retorada, a pessoa

que a fez se tornava o alvo e, automaticamente, entrava no mercado. Não era colocado um valor em sua morte, era mais uma questão de honra, bem, honra não era

exatamente a palavra. Talvez respeito, bom, que seja, o caso é que era uma morte certa e uma nada agradável. Ela servia como uma punição para quem quebrava as regras e também como um aviso para quem não sabia onde estava se metendo.

Nos casos em que o vendedor não era confiável, o que também era relativamente raro, alguns ossos quebrados já resolviam.

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“O que mudou foi a circunstância.” Ele andou em minha direção até quase tocar meu corpo com o seu.

“Circunstância?” Balbuciei tentando dar um passo para trás, mas eu já estava colada contra a mesa e tive que me equilibrar para não cair sobre ela.

“Sim. Você fez tudo mudar ontem à noite.” Sua voz era calma e enquanto seus olhos desviavam momentaneamente para meus lábios.

Sem esperar que ele se aproximasse mais, eu girei meu corpo rapidamente para fora do seu alcance e corri em direção à porta, mas o desgraçado era mais rápido do que eu. Antes que eu pudesse tocar a maçaneta suas mãos me seguraram e ele me ergueu me girando para que eu ficasse de frente para ele.

Eu comecei a sacudir minhas pernas tentando acertar ele e me libertar. Alguns golpes eu consegui acertar, mas o máximo que eu consegui foi deixá-lo mais irritado ainda. Ele então colocou meu corpo contra o dele e enlaçou seus braços sobre os meus me imobilizando.

Minha força era maior do que a maioria dos homens que eu conhecia, mas parecia ser apenas um incômodo para o cretino à minha frente. À medida que seu abraço se estreitava meus movimentos eram cada vez mais limitados e o ar parecia não chegar até meus pulmões.

Após alguns segundos minha visão começou a ficar embaçada e meu corpo ficou dormente, mas mesmo assim eu não desistia. Estava decidida à não ter uma morte calma e lutaria até meu último suspiro.

“Pare com isso agora ou eu vou quebrar seu ossos.” Meu instinto era de ignorar sua ameaça e continuar tentando me libertar, mas a pressão dos seus

braços ao redor de mim dizia que ele não estava blefando. “Você mentiu.” Eu balbuciei erguendo meu rosto. “Porque você não me matou?” Ele observou meu rosto por um momento e sorriu friamente sem me soltar. Nós começamos a

nos mover e ele me colocou sobre a cama. Eu teria tentado correr novamente, mas eu sabia que seria inútil então permaneci aonde ele havia me colocado.

Então ele se afastou e puxou uma cadeira se sentando à minha frente. Sua expressão era fria apesar do leve sorriso que continuava em sues lábios. Na escuridão do quarto seus olhos azuis pálidos pareciam acesos e, por mais que eu odiasse, eles eram como um imã e era quase impossível não olhar para eles.

“Por que você acha que eu menti quando disse que o motivo era você?” Ele perguntou erguendo levemente o queixo em minha direção.

“Eu sei que você mentiu.” Falei me erguendo com dificuldade e me sentando na beirada da cama à sua frente. “Seus olhos me disseram que você estava mentindo.”

“Meus olhos?” Ele falou erguendo a sobrancelha levemente. “Você desviou seus olhos quando falou e sua pálpebra tremeu.” Falei passando as mãos sobre os

nós dos meus cabelos e os colocando atrás das orelhas. “Na verdade, você até ficou um pouco vesgo.” Ele não pareceu ter achado aquilo engraçado e seu sorriso se desvaneceu.

“Então você quer saber a verdade?” Ele aproximou seu rosto se inclinando em minha direção como se fosse me contar um segredo e eu apenas balancei meu rosto para cima e para baixo sem me afastar. “O que vou receber a mantendo viva é mais do que estão oferecendo pela sua morte.”

Então era isso que o havia feito mudar de idéia: uma oferta melhor. A idéia de que alguém me queria morta era perturbadora, mas aceitável. Eu podia pensar em vários motivos para me colocarem na mira dos assassinos, mas era desconcertante que alguém fizesse uma oferta melhor para me manterem viva.

“Mas você ainda não me respondeu.” Falei me afastando o bastante para ver seu rosto em sua total extensão. “O que isso tem a ver com você me dizer que é um vampiro.”

“Nós fomos seguidos e em poucos minutos vamos estar sob um ataque. Agora, quando isso acontecer, você verá coisas que nunca viu antes e se você entrasse em choque ou coisa parecida, não ia me ajudar em nada.”

“Eu posso me defender sozinha.” Falei me erguendo da cama, mas ele me segurou se erguendo também.

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“Se eu consegui me aproximar de você o bastante para prendê-la eles também vão conseguir e você não vai sobreviver sem minha ajuda.”

Eu queria dizer que ele estava mentindo, mas eu não podia porque sabia que, por mais louco e impossível, ele me dizia a verdade.

Eu abri minha boca para falar, mas fui interrompida pelo som dos vidros das janelas se estilhaçando e a porta sendo arrombada. Em alguns minutos porcaria nenhuma. Nós estávamos sendo atacados agora e minhas armas estavam fora do meu alcance.

Uma garota apareceu na porta e seus olhos eram vazios e fundos como a de um cadáver e eu senti minha pele se arrepiar no momento em que eles me encontraram. Logo atrás dela apareceu um garoto com os mesmos olhos mortos e eles não precisaram de nenhum convite para entrar.

Eles vieram em minha direção rapidamente, mas antes que pudessem me alcançar Liam os deteve e com um simples movimento os lançou contra a parede. O garoto se levantou e pulou sobre Liam tentando alcançar seu pescoço e meus olhos desviaram a tempo de ver a garota se erguer e se lançar contra mim.

A vadia era forte, mas eu era mais rápida do que ela imaginava e com um leve jogo de corpo eu consegui sair da sua frente pouco antes dela me acertar. Seu corpo caiu sobre a cama e eu não esperei ela se recuperar para atacá-la.

Subi nas suas costas tentando imobilizá-la, mas então ela ergueu sua cabeça me acertando no rosto me fazendo perder o equilíbrio e ela jogou seu corpo para trás me derrubando no chão. Ela se jogou sobre mim tentando me imobilizar, mas eu consegui acertar alguns socos em seu rosto antes dela conseguir segurar.

Sua mão foi em direção ao meu pescoço e seus dedos se estreitaram ao redor da minha garganta roubando meu ar. Eu comecei a lutar e então ela foi retirada de cima de mim e eu comecei a tossir sentindo o ar circular novamente em meus pulmões.

Liam a segurava pelo pescoço sem nenhuma expressão enquanto sua outra mão a golpeou atravessando seu peito e sendo retirada com algo nela. Era o coração da garota que ele segurava e ela continuava lutando e tentando se soltar. Foi só quando seus dedos se estreitaram esmagando o coração que ela parou de se mover e soltou um som terrível que me fez querer cobrir meus ouvidos.

Com um leve movimento ele a jogou para longe e veio em minha direção estendendo sua mão para que eu pegasse. Eu hesitei olhando em seu rosto, mas eu sabia que ele era minha única chance se eu quisesse me manter viva. Pelo menos tempo o bastante para descobrir quem estava por trás de tudo aquilo.

“Quem eram eles?” Perguntei enquanto colocava minhas coisas dentro da mochila e me preparava para fugir.

“Sem almas.” Ele respondeu sem olhar para mim. “O que quer dizer isso?” “Sem almas são humanos que venderam suas almas e agora são escravos para aqueles que

possuem suas almas. O único modo de destruir um deles é arrancando e destruindo seus corações ou colocando fogo neles, mas isso seria chamar muita atenção.” Ele falou sorrindo zombeteiramente.

“Eu achei que só os vampiros não tivessem alma.” Comentei pegando meu celular de cima do criado mudo e olhando as mensagens. “Falando nisso, você consegue sair no sol?”

Minha pergunte parece ter o pego desprevenido e ele hesitou um momento antes de responder. “Não. Eu não posso sair no sol. Nessa parte a lenda está certa. Mas os sem alma conseguem sair durante o dia, por isso precisamos ir para um lugar seguro.”

“E o que seria um lugar seguro para você?” “No momento o lugar mais seguro seria uma igreja ou um cemitério, mas eu conheço um lugar

onde ficaremos seguros.” Ele falou pegando minha mochila e indo até a porta. “Igreja?” Falei em voz alta sem entender. “Solo sagrado para falar mais especificamente.” Sua mão enlaçou meu pulso e ele me guiou para

fora do hotel olhando ao nosso redor calmamente. “Mas o fato de eu não poder entrar em solo sagrado iria dificultar as coisas.”

“Eu nunca estive em uma igreja.” Falei pensativamente.

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Minha mente viajou pelas minhas memórias tentando encontrar algo que pudesse me fazer acreditar que era um engano, mas não. Eu realmente nunca havia estado em uma igreja e talvez não tivesse nem ao menos sido batizada.

Nós chegamos ao estacionamento e eu tive que fazer a coisa mais difícil que já fiz em toda a minha vida. Com a mão trêmula, entreguei as chaves do meu carro para ele dirigir. Soltei um suspiro e o assisti subir no acento do motorista enquanto eu subia no lado do caroneiro.

O relógio no rádio do carro dizia que era pouco mais de onze horas da noite. Isso queria dizer que eu tinha dormido o dia inteiro e perdido minha reunião com o cliente e as mensagens no celular me diziam que ele não tinha ficado nada contente com isso. Mas isso tudo era passado agora.

Eu nunca pensei que fosse dizer isso, mas, no momento eu estava fugindo com um vampiro através do deserto tentando não ser morta por humanos que haviam vendido suas almas. Minha vida havia oficialmente se tornado um filme de terror de baixo orçamento.

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3.3.3.3. Grãos de Areia Grãos de Areia Grãos de Areia Grãos de Areia EEEEra uma vez uma garota que nunca chegou a conhecer sua mãe ou seu pai e foi criada por um

monstro maldoso e mesquinho. Com ele a garota aprendeu a ser cruel e a enterrar cada vestígio de reais sentimentos que ela ainda pudesse ter.

Ela então cresceu e se tornou vazia, fria e mais forte do que o monstro até que um dia ela se libertou da prisão e destruiu seu carrasco. Mas o que ela não sabia era que ela levaria consigo sua prisão na pior forma possível: pesadelos, terríveis pesadelos.

Cada vez que ela fechava os olhos era como se voltasse para aquele pequeno apartamento e se tornasse pequena e frágil novamente. Em um piscar de olhos ela voltava a ficar à mercê das crueldades da pessoa que deveria lhe proteger e estimar mais do que tudo.

O único modo que ela encontrara de ter um sono sem pesadelos era através de cansaço extremo. Então ela passava dias em claro sem nem ao menos fechar os olhos, se exaurindo e bebendo até que o cansaço a fizesse cair em um sono profundo o bastante que nem mesmo suas terríveis memórias conseguissem alcançá-la.

Infelizmente, seu método não era cem por cento a prova de falhas e algumas vezes os monstros conseguiam penetrar. Nesses dias ela acordava gritando, mas não de medo, gritava de ódio e raiva, pois em seus pesadelos ela era indefesa. Talvez tivesse sido por isso que ela escolheu a linha de trabalho que exercia nos dias de hoje: assassina de aluguel.

Durante os anos em que caçou e matou pessoas sem rosto, sem passado e, graças à ela, sem futuro, ela conheceu muitos monstros, mas nenhum como ela. Ela era mais forte do que eles e não era fora do comum ver um assassino com o dobro do tamanho dela desviar os olhos quando ela entrava.

Assim era sua vida, a única que ela conhecia e que não pretendia mudar tão cedo até que alguém entrou em sua vida e lhe mostrou que há coisas piores do que ela na escuridão. Liam, um vampiro que agora a ajuda a continuar viva fugindo e lutando com eventuais ataques dos sem almas, humanos que venderam suas almas e agora perambulam pela terra trabalhando como escravos para demônios.

Não, isso não é um filme de terror da seção da tarde e, embora a garota tenha ido para cama com muitos, incluindo o vampiro, isso também não é um filme pornô. Isso é vida real, pelo menos a minha vida real. E é por isso que agora eu me encontro parada ante uma escadaria que leva até uma porta, mas não qualquer porta, a porta de entrada de uma igreja.

Você deve estar se perguntando o que diabos uma assassina com a cabeça a premio está fazendo no meio do dia parada na frente de uma igreja. Bom, pelo menos é isso o que eu estava pensando quando uma velha passou por mim fazendo uma careta que a deixou mais horrorosa ainda.

Liam, o vampiro que eu havia mencionado antes, me falou que o solo da igreja era sagrado e quem estava atrás de mim não poderia entrar devido à um sacrifício há muito tempo atrás, mas eu nunca fui à escola dominical e com certeza não tive tempo ou interesse para estudar a bíblia. O ponto é que ele, sendo um vampiro, também não podia entrar.

Eu nunca havia entrado em uma igreja e o fato dele não poder entrar em uma devido à ser um pecado ambulante, literalmente porque não tem como você olhar para ele sem pensar coisas pecaminosas e eu sou prova disso, me fez ficar terrivelmente curiosa para saber se eu seria capaz de entrar. Ele não tinha me dito o que aconteceria se ele tentasse, mas eu imaginava que fosse algo bem dramático como pegar fogo instantaneamente ou alguma coisa do tipo.

Após permanecer por quase uma hora olhando o prédio e receber inúmeros olhares desaprovadores de pessoas usando roupas terrivelmente cafonas eu resolvi que era hora de tentar minha sorte do lado de dentro. Sem querer desperdiçar tempo ou coragem, subi as escadas dois degraus de cada vez e abri a porta respirando fundo enquanto dava o primeiro passo.

Olhei hesitantemente ao redor da igreja que estava praticamente vazia sem perceber nenhuma alteração. Não senti nem ao menos cheiro de fumaça, então presumi que o caminho estava livre e

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continuei a andar até uma das fileiras bem do fundo. Me sentei observando a enorme estátua bem a frente no altar. Eu queria chegar mais perto para ter uma visão melhor, mas preferi não arriscar e manter a distancia. Iria ser meio constrangedor se a estátua resolvesse cair na minha cabeça me revelando uma pecadora no meio daquelas carolas de Las Vegas.

Ah, é, acho que me esqueci de dizer. Depois de correr através do deserto por dias e conhecer cada hotelzinho barato de beira de estrada, nós acabamos vindo para Las Vegas. Quando eu perguntei o porquê de continuarmos na mesma área e não irmos para algum lugar distante ele respondeu que era mais seguro se ficássemos onde o sol era mais forte e as noites não eram tão longas. Aparentemente ele não era o único vampiro que estava atrás da recompensa pela minha cabeça.

Durante as noites ele mantinha vigília e ocupava meu tempo de maneiras que prefiro não comentar abertamente pois, como eu falei antes, isso não é um filme pornô. Mas posso dizer que tem contribuído e muito para os meus sonos profundos a ponto de me deixar impossibilitada de acordar antes das duas horas da tarde e, em alguns dias, eu acordava quando o sol estava prestes a se pôr.

Era um pouco depois das três horas da tarde e o sol queimava como nunca do lado de fora. Tanto que até mesmo com meus óculos escuros meus olhos ardiam um pouco pela claridade. Ah, isso é outra coisa que me esqueci de mencionar. Por mais que Liam me mordesse eu continuava tão humana como eu sempre fui.

Aparentemente para tornar um humano em vampiro você precisa fazer um tipo de ritual. Não me pergunte como o ritual é feito ou coisa do tipo porque, como me tornar uma vampira está na minha lista de ‘coisas que não faria nem que minha vida dependesse disso’, eu não me dei ao trabalho de saber os detalhes.

Las Vegas era conhecida como a cidade da perdição então não era de se estranhar que igrejas e capelas estavam espalhadas por toda a parte por aqui. Até mesmo um anjo cairia em pecado nessa cidade como tanta tentação a cada esquina que se virasse.

O silêncio da igreja era ensurdecedor e extremamente inconfortável para uma pessoa como eu que era acostumada com o barulho e gritaria dos bares. Minhas mãos se contorciam sobre meu colo enquanto eu observava os detalhes dos vidrilhos nas enormes janelas.

Talvez esse fosse o efeito que impedia Liam e os outros de entrar na igreja. Essa inquietação e extremo desconforte que parecia me queimar por dentro era uma sensação nada agradável. Eu quase achava a idéia de entrar em combustão espontânea reconfortante.

Ajeitei meus óculos escuros sobre o nariz e me virei para sair quando uma garota entrou pela porta e andou até o banco onde eu estava. Ela era alta com longos cabelos loiros ondulados que se moviam a cada passo que ela dava.

Eu tive que piscar para ter certeza que não estava tendo uma visão divina ou algo do tipo, porque ela parecia um anjo. Nossa, esse papo de igreja estava começando a afetar minha cabeça. Vai ver era isso que acontecia com aqueles fanáticos que a gente via na TV.

Começava inocentemente com uma ida à missa e o vírus carolas extremus se implantava no seu cérebro até que você se transformava em um viciado por hóstia e tentava converter todos à sua volta. Mas eu não seria pega naquele ciclo vicioso então decidi que já era hora de sair daquele antro de perdição religiosa e ir para o meu templo sagrado: um bar mais próximo.

Saí da igreja o mais rápido possível tropeçando e quase caindo sobre os bancos no meu caminho até a porta. Minha fuga com certeza deve ter me rendido olhares amorosos das beatas de ocasião que provavelmente estavam achando que eu era uma vadia qualquer querendo absolvição pelos pecados que fez durante a noite. Esse pensamento não me fez sair mais rápido de lá, mas também não me fez sair mais devagar também.

Liam, o vampiro metrossexual já mencionado anteriormente, havia me feito o favor de esconder a porcaria da chave do carro de mim para o meu próprio bem. Sendo assim, eu estava à pé e muito agradecida pela cidade ter tantos bares quanto igrejas e em menos de três quadras eu encontrei um que me pareceu bom o bastante para eu entrar sem ter grandes problemas.

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Respirei fundo ao entrar sentindo a mistura de álcool e cigarro no ar e era como se eu finalmente conseguisse respirar de novo. O barulho, as discussões, os cheiros, tudo era tão familiar que beirava a nostalgia para mim.

Fui até uma cabine mais afastada querendo um pouco de privacidade e chamei o garçom com um estalo alto de dedos. Um garoto cuja aparência gritava ‘mão de obra infantil’ se aproximou tentando ver meus olhos através das lentes escuras que ainda cobriam boa parte do meu rosto, mas eu virei meu rosto me focando no cardápio.

“Tequila.” Falei erguendo a mão e estalando os dedos. “E seja rápido Bobby.” Mesmo sem olhar para ele eu senti que ele ia falar alguma coisa, mas minha doce atitude

provavelmente o espantou e ele decidiu melhor não diminuir ainda mais sua gorjeta. Com passos rápidos ele foi até o bar entregar os pedidos e em menos de cinco minutos eles estava de volta à minha mesa com meu pedido.

“Mais alguma coisa?” Ele perguntou e pude notar que sua voz tinha mudado de timbre. Desviei meus olhos momentaneamente em direção ao garoto ao perceber essa mudança e seu

rosto estampava um enorme sorriso nervoso. Ele passou os dedos por entre os cabelos e sua pele parecia ficar cada vez mais vermelha.

Meus olhos desviaram do seu rosto encontrando os do barman que observava a cena junto com outro garçom e os dois pareciam achar tudo aquilo muito engraçado. Eles não viam que eu os estava observando e continuaram a conversar entre si.

Por um momento meus instintos tomaram conta de mim e a sensação de aquilo ser um ataque foi tão forte que fez meu corpo tencionar. Mas então eu foquei meus olhos em seus lábios e pude entender palavras desconexas como: idiota, nunca, fácil e aposta.

Eu sacudi a cabeça relaxando minha postura. Pelo o que havia conseguido captar da conversa dos dois, eles tinham apostado com o Bobby ali que ele não conseguiria nada comigo. Eu não sabia o valor da aposta, mas de qualquer maneira para ele estar ali parado como uma besta na minha frente ele só podia ter aceitado a aposta.

Medi o garçom de alto à baixo com os olhos pensando o quão idiota ele era por ter se colocado naquela situação. Eu quase tinha pena dele pela sua tolice. Infelizmente, para o Bobby ali, eu não me importava o bastante para chegar a sentir qualquer coisa a seu respeito então simplesmente ajeitei os óculos escuros sobre a mesa sinalizando com um movimento de mão que ele podia ir embora.

O que aconteceu com ele após isso eu não tenho como dizer, pois minha atenção não estava mais voltada à ele. Assim que lhe dei o sinal para se afastar escutei a porta do bar se abrir e curiosamente algo me fez olhar quem estaria entrando àquela hora da tarde em um bar.

Pela porta entrou uma garota loira, a mesma garota loira de cabelos longos que havia entrado na igreja quando eu estava prestes a sair. Ela parecia tão fora do seu habitat natural que era difícil não olhar para ela. Era como observar uma borboleta dentro d’água.

Ela parou na porta olhando ao seu redor como se procurasse algo e eu me encolhi instintivamente no assento. Mesmo assim ela conseguiu me encontrar e quando seus olhos se focaram em mim e seus lábios se curvaram levemente em um breve meio sorriso que logo desapareceu.

Enquanto a observava não conseguia parar de pensar em como a roupa que ela usava não combinava em nada com o ambiente ou a decoração do local. A garota usava uma blusa sem mangas em um tom de verde água que parecia ser de seda ou algo assim, e ela parecia tão leve como se flutuasse sobre sua pele. Usava também calças de jeans preto que parecia ter sido desenhada no corpo dela. Por um momento me senti muito mal vestida, mas aí eu voltei a ser eu mesma e ergui o copo de tequila sentindo o liquido ser absorvido pela minha garganta como a chuva é absorvida pelo deserto.

Quando eu abaixei o copo sentindo meu peito queimar deliciosamente pelo efeito do álcool a garota estava parada à minha frente e quase engasguei quando a vi. Eu nem havia percebido ela se aproximar e tudo que consegui fazer foi olhar para ela sem pronunciar uma única palavra.

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Ela de perto era ainda mais intimidadora com seu rosto angelical e seus grandes olhos verdes que pareciam ter luz própria. Eu não era uma pessoa que encarava estranhos em bares, muito menos garotas, mas era como se ela fosse um imã ambulante, pois eu não era a única de olhos vidrados nela.

“Obrigada.” Ela falou com voz doce se sentando à minha frente na mesa sorrindo acolhedoramente em minha direção.

“O que?” Falei piscando sem entender o que havia acontecido. “Obrigada pelo que?” “Você me convidou para me sentar e me pagar uma bebida.” Ela falou pegando o cardápio à sua

frente e colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha, mas em poucos segundos a mecha cobria seu rosto novamente.

“Não, eu não convidei.” Afirmei sacudindo a cabeça e olhando à nossa volta. “Eu nem conheço você.”

“Nós já passamos essa parte uns minutos atrás.” Sua voz era tranqüila enquanto folhava o cardápio despreocupadamente. “Você me disse seu nome eu disse meu nome e você me convidou para sentar com você.”

“Então me diga qual é meu nome?” Falei asperamente arrancando o cardápio da mão dela a fazendo olhar em meus olhos.

“Sorrow, seu nome é Sorrow.” Ela falou sem hesitar observando minha reação que provavelmente foi um pouco maior do que uma expressão de choque. “Ok, vamos fazer isso de novo então.”

A garota se ergueu ajeitando cuidadosamente as dobras da blusa e esticando sua mão direita em minha direção. Meus olhos foram em direção à sua mãos esticada enquanto ergui minha sobrancelha em desconfiança. Mas minha atitude a desencorajou um pouco então ela abaixou a mão e soltou um suspiro.

“Meu nome é Katryna.” Assim que o nome foi pronunciado uma sensação esquisita tomou conta de mim, como se eu já

tivesse escutado ele em algum lugar, mas não conseguia lembrar quando ou onde. Olhei intensamente em seu rosto tentando me lembrar, mas era como correr sobre dunas de areias, extremamente cansativo e frustrante.

“É agora que você me convida para me sentar e me oferece uma bebida.” Ela falou colocando a mão sobre os lábios como um ator que sussurra as falas para um colega de cena.

“Não. É agora que você da meia volta e vai embora.” Respondi fazendo o mesmo gesto que havia feito para o garçom sinalizando que era hora de ela sair e me deixar em paz.

Ergui o copo, mas lembrei que ele estava vazio e ergui minha mão estalando os dedos para chamar o garçom. A garota Katry-alguma coisa se sentou à minha frente novamente como se nada tivesse acontecido e pegou o cardápio passando os olhos sobre as páginas como quem olha uma revista.

“O que você pensa que está fazendo?” “Escolhendo uma bebida.” Ela falou aproximando o rosto do cardápio enquanto enrugava o nariz

ignorando meu tom ríspido. “Que tipo de bebida é ‘grilo saltador’?” “Para fracos.” Falei arrancando o cardápio das suas mãos. “Você está certa.” “O que?” O fato de ela ter concordado comigo tão facilmente me pegou um pouco desprevenida. Eu

acreditava que teria ao menos um pouco de resistência da parte dela e foi por isso que fiquei mais chocada ainda com o que ela falou a seguir.

O garçom pré-adolescente se aproximou parecendo mais nervoso ainda com a presença da loira irritante. Seu sorriso era tão extremo que se aumentasse mais iria fazer rachaduras no rosto dele. Aquilo parecia doloroso só de olhar.

“Uma rodada de tequilas.” Sua voz era firme e decidida, mas ela só podia estar blefando. “Por minha conta.”

“Isso é algum revolucionário método para me converter para a sua igreja?”

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“Então era mesmo você. Eu achei que era, mas não tinha certeza.” Por algum motivo ela não me convenceu. Ela sabia que era eu quem estava na igreja embora

nem eu mesma consiga acreditar que eu estava lá mesmo, e estava noventa e nove vírgula nove por cento certa de que ela estava me procurando quando entrou no bar.

Eu não sabia qual era o joguinho dela, mas estava disposta à pagar para ver. Além do mais, eu não era do tipo que dispensava um desafio ou bebida de graça.

"Você tem certeza que quer fazer isso?" Perguntei examinando seu rosto enquanto o garçom se afastava para buscar o pedido.

"Por quê? Você não está pensando em amarelar, não é?" Eu me considero uma pessoa relativamente paciente e, na maioria das vezes, até mesmo racional,

mas meu sangue ainda corre quente em minhas veias. A loirinha tinha quebrado a regra número um: Nunca desafie minha coragem estando em meu território.

A partir do momento que ela pronunciou aquelas palavras não tinha mais volta. Seu destino estava selado e nada que pudesse acontecer poderia ser culpa de mais ninguém além dela mesma. Quem sabe assim ela aprenda à não mexer com quem ela não conhece.

O garçom voltou e colocou oito copos à nossa frente os alinhando em duas carreiras. No centro da mesa foi depositado um pequeno cesto com alguns limões cortados em gomos e, ao seu lado, um saleiro. O campo de batalha estava pronto e nessa guerra não haveria misericórdia.

"Cuidado, Carola ou essa sua boca grande vai te arranjar problemas." Peguei o saleiro derrubando um punhado sobre minha mão sem tirar os olhos do rosto dele e

passei a língua sobre minha pele. Ergui o copo como se estivesse brindando no vácuo e bebi o conteúdo em um único gole devolvendo o copo e o depositando de ponta cabeça sobre a mesa com uma batida forte.

A loirinha não respondeu nada, simplesmente pegou o copo à sua frente e o virou delicadamente em um único gole todo o seu conteúdo sem ao menos mudar de expressão. Após colocar o copo sobre a mesa ela pegou um limão e levou até os lábios e eu tenho que admitir que era a primeira vez que via alguém chupar um limão sem fazer careta.

O fato dela não ter tido a reação que eu esperava era um pouco desconcertante, mas eu não iria me intimidar tão fácil. Se a loirinha queria jogar, então era melhor ela se preparar porque, bom, porque ela mexeu com Sorrow e ninguém mexe comigo e sai ileso, ou andando, ou vivo. Já deu para ter uma idéia do que estou falando, certo?

Eu peguei o próximo copo e assim continuamos até o final, nenhuma das duas hesitando e eu descobri que ela era mesmo dura na queda. Eu havia subestimado ela e sua aparência. Enquanto a observava pedir mais uma rodada ao garçom que agora estava feito um cachorrinho aos pés dela, eu me perguntava o que mais ela escondia por trás da sua aparência inocente.

A porta do bar se abriu mostrando a escuridão da noite do lado de fora e então curvei meus lábios levemente ao ver quem havia entrado e se dirigia à nossa mesa. Ao ver o rosto de Liam eu sabia que minha pequena fuga não ia passar impune. Minha pele formigava só de pensar no que ele faria comigo e isso fez meu sorriso aumentar enquanto eu observava seu rosto em uma máscara de maldade me encontrar em meio à multidão de bêbados que agora enchiam o bar.

Eu havia até me esquecido da garota à minha frente quando notei os olhos dele desviarem de mim em direção à ela e uma fagulha se acendeu neles.

"Ora, ora." Ele falou abrindo um sorriso mais falso que uma nota de três dólares. "Se não é a garota que partiu meu coração e me deixou com o peito sangrando."

Eu estava literalmente sem reação ao ver aquela cena e a primeira coisa que veio em minha mente foi algo muito grosseiro e mal educado para ser dito em voz alta. Eu não sabia o que estava acontecendo, mas a loirinha tinha perdido muitos pontos comigo.

Liam me disse várias vezes que vampiros não amam e nem tem sentimentos como os humanos tem então o fato dele ter dito que ela partiu o coração inexistente dele me pegou de surpresa. Eu senti uma agulha espetar dentro de mim e uma vontade absurda de estragar o rostinho dela com minhas próprias mãos, mas ao perceber à expressão no rosto dela ao ver ele me satisfez mais do que qualquer dano que eu pudesse fazer nela.

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Me reclinei para trás e cruzei os braços sobre o peito me deixando mais confortável para assistir a cena que acontecia à minha frente. Eu estava prestes a ver em primeira mão algo que só podia ser descrito como uma borboleta ser desmantelada pela tempestade de areia e o que eu mais queria era ver o estrago que os grãos de areia fariam em sua infinitamente frágil estrutura.

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4.4.4.4. AntesAntesAntesAntes A frágil luz do amanhecer começava a aparecer no horizonte enquanto eu permanecia imóvel em

frente à janela do quarto de hotel observando a cena. Sentia a exaustão em cada parte do meu corpo, mas não conseguia fechar os olhos.

Toda vez que eu tentava, a dor das lembranças ameaçava me sufocar e, assim, eu já havia perdido as contas de quantas noites eu fiquei sem dormir. Inúmeras noites passadas de olhos abertos fixos no céu estrelado até os raios de sol começar a iluminá-lo lentamente trazendo a aurora.

Mais de seis anos haviam se passado desde a última vez que o vi, mas toda vez que fechava os olhos eu conseguia ver nitidamente seus grandes olhos azul turquesa à minha frente. O modo como eles costumavam pairar sobre mim ainda fazem meus olhos marejarem e meu peito arder.

Era como se meu coração tivesse sido arrancado de mim. Mas, por mais doloroso que fosse, era impossível eu não lembrar os nossos últimos momentos juntos. Talvez porque uma parte de mim ainda se recusasse a acreditar que nossos caminhos nunca mais iriam se cruzar ou talvez eu apenas gostasse de sentir dor.

Fechei meus olhos e minha mente voou no tempo para um passado onde eu ainda acreditava que tinha alguma chance de ter uma vida normal e que após tudo o que havia acontecido, as coisas podiam ser melhores do que realmente eram. Eu não podia estar mais enganada.

Eu queria ser forte o bastante para não precisar me apegar à qualquer fio de esperança, mas o frio dentro de mim era insuportável e, como sempre, eu cedi às lembranças mesmo sabendo o quão difícil era me desligar delas quando eu abria os olhos novamente. A vida de olhos fechados era bem mais fácil.

Em um passado distante eu estava deitada sem conseguir dormir e meus olhos percorriam lentamente o rosto à minha frente. Casimir parecia tão tranqüilo dormindo, mas sua mão segurava a minha firme, como se esse simples ato fosse a coisa mais importante do mundo. Na verdade, desde a noite do soulstiço esse era o único modo que ele conseguia dormir, segurando minha mão.

Seus cabelos escuros emaranhados caiam sobre seus olhos fechados de uma forma displicentes e seu rosto tinha uma expressão calma e tranqüila que só o sono profundo pode fornecer.

Eu me aproximei dele tentando não acordá-lo e toquei a mecha de cabelo sentindo seus cachos por entre meus dedos. Eu adorava tocar seus cabelos e o modo como os fios deslizavam sobre a minha pele, mas eu nunca, em hipótese alguma diria isso para ele.

Casimir já era convencido demais sem essa pequena informação e eu não pretendia lhe dar mais munição contra mim.

Ele se moveu e eu recolhi minha mão rapidamente fechando meus olhos como se estivesse dormindo. Permaneci de olhos fechados escutando atentamente à sua respiração, mas continuava rítmica como se continuasse dormindo. Então abri os olhos lentamente pensando que ele só tivesse se movido durante o sono, mas eu estava errada.

Assim que meus olhos se abriram me deparei com Casimir me observando através de olhos entreabertos e com um sorriso nos lábios. Ele se moveu em minha direção colocando os lábios sobre meu ouvido e meus olhos se fecharam novamente quando senti o calor do seu hálito sobre minha pele quando ele sussurrou.

"Mentirosa." Seu sorriso havia aumentado quando se afastou e observou minha expressão. "Do que você está falando?" Tentei colocar indignação na minha voz, mas eu ainda estava rouca

do sono e o efeito não foi o esperado. "Do fato de você ter fingido que estava dormindo quando eu me mexi." "Eu não estava fingindo, eu estava dormindo." Falei desviando os olhos e tentando me erguer,

mas sua mão me puxou de volta e ele colocou os braços ao redor de mim fazendo seus lábios ficaram sobre minhas têmporas.

"Eu senti seus dedos deslizarem sobre meus cabelos, ou você vai me dizer que é sonâmbula?"

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Eu tentei pensar em uma resposta coerente que pudesse me livrar daquela acusação, mas seus lábios deslizavam sobre a minha pele me tirando qualquer pensamento coerente que pudesse passar pela minha cabeça.

“Não precisa responder nada, eu sou paciente. Sei que quando você estiver pronta vai me dizer o que quero ouvir.”

Minha pele arrepiou, em parte por ele estar arranhando minha mandíbula com seus dentes e em parte pelo que ele estava insinuando com suas palavras.

Nós já tínhamos tido aquela conversa muitas vezes e o fato de eu não verbalizar meus sentimentos era algo basicamente de conhecimento público, mas mesmo assim Casimir insistia em dizer o contrário. Ele dizia que a vida era curta demais para que ficássemos escondendo quem realmente somos e o que sentimos.

Talvez ele estivesse certo, mas a verdade era que essa realidade não era a minha realidade. Minha vida não era contada em segundos como a dele e, ao contrario dele, eu não verbalizava cada sentimento e pensamento que passava por minha cabeça.

Quando nos conhecemos, dois dias após nos conhecermos para ser mais exata, Casimir havia literalmente jogado em cima de mim que nós éramos destinados a ficar juntos, que durante toda a sua vida ele tinha tido visões sobre mim e que ele me amava. Eu posso estar enganada, mas isso faria qualquer garota correr para longe, para bem longe dele.

Na época foi basicamente isso que eu fiz, mas depois de passar algum tempo com os ciganos, cerca de três meses, vi que isso é uma característica deles. Ser direto sem deixar nada para depois. Eu fui criada em um mundo onde se esconde o que se pensa e as aparências devem ser mantidas à qualquer preço. Então eu estaria mentindo se dissesse que o tempo que passei com eles ajudou a diminuir meu choque em relação ao modo de agir e de pensar deles.

Como se a declaração relâmpago não fosse choque o bastante, em uma discussão mental ele retirou o que disse. Isso mesmo, fácil assim. A partir daquele momento ele não tinha me dito que me amava e tudo devia voltar ao que era antes. Se ao menos as coisas fossem tão simples eu não estaria agora nos braços dele.

Eu não podia negar que eu tinha sentimentos por ele desde o momento em que o retirei da água gélida do lago congelado em Whispering Hills, mas eu não sabia se aquilo era amor. Afinal, como eu poderia amar alguém em tão pouco tempo? Era loucura achar que se pode amar alguém que se mal conhece, certo?

Visões são o bastante para se conhecer uma pessoa e se apaixonar por ela? Casimir diz que sim e que me conhece melhor do que eu mesma. Afirma que, mesmo que eu não admita, eu o amo e um dia vou dizer isso com todas as palavras. Eu não apostaria nisso, mas ele parece ter certeza o bastante por nós dois de que isso vai acontecer.

“Eu não sei do que você está falando.” Respondi tentando não me distrair com os dedos dele deslizando sobre a pele do meu pescoço.

“Não mesmo?” Ele sussurrou com ar irônico. “Eu só sei que estava dormindo e fui acordada por um javali roncando do meu lado.” O som da sua risada inundou o quarto e era tão contagiante que precisei lutar para não rir

também. Em um único movimento ele se ergueu sobre mim colocando uma mão em cada um dos meus lados e abaixou seu rosto para próximo do meu.

“Javali?” Ele perguntou fazendo uma careta. “Uhum.” “Roncando?” Ele continuou aumentando a careta e fazendo minha tarefa de manter meu rosto

sério uma tarefa quase impossível. Eu apenas assenti com a cabeça temendo que se falasse minha voz fosse me trair. Antes que eu

conseguisse adivinhar o que ele estava prestes a fazer, ele colocou o rosto de encontro ao meu pescoço e começou a roncar e pular na cama me fazendo sacudir.

“Assim?” Ele falou erguendo o rosto, mas continuou a pular sobre mim fazendo a cama toda sacudir e ranger.

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Foi naquele exato momento que minhas forças não foram o bastante e sou obrigada a admitir que minha fachada séria se desmanchou como um castelo de areia sendo levado por uma onda. Eu comecei a rir e logo nós dois estávamos quase sem ar de tanto rir e sacudir na cama.

“Mas o que é isso?” Nós dois congelamos ao ouvir a voz vinda da porta e viramos os rostos ao mesmo tempo ainda

ofegantes para ver quem havia falado. “Todo mundo esperando e vocês aí de sem vergonhice.” A voz de Theron era exageradamente

indignada. “Eu podia ter ficado cego com o choque.” Ele continuou colocando as mãos sobre os olhos em um ato teatral.

“Quem sabe assim você ia aprender a bater na porta antes de entrar.” Respondeu Casimir ainda em cima de mim.

“Aí está uma coisa que eu acho impossível de acontecer.” Respondi empurrando Casimir de cima de mim. “Privacidade é uma palavra que não existe no vocabulário dele.”

“Eu não sou o único aqui com vocabulário deficiente.” Ou eu estou enganado e a palavra intimidade já faz parte do seu vocabulário? Ele ecoou as palavras em minha mente erguendo a sobrancelha.

Ao contrario do que eu havia pensado anteriormente, o motivo de Theron poder se comunicar comigo através de pensamentos não se devia à tradicional forma de troca de sangue. Ele me contou que nunca havia ingerido meu sangue e que o fato dele ser anjo e eu ser parte anjo era o motivo.

Me explicou que essa era a forma que todos os anjos se comunicam, através de pensamentos e que no mundo celestial onde não há a forma corpórea, não existe voz e todas as mensagens e conversas são através de pensamentos e vibrações. Espíritos de luz vagando pela imensidão de tranqüilidade convivendo, na maioria das vezes, em harmonia e paz.

Enquanto eu escutava ele falar sobre o mundo celeste antes da guerra entre os anjos ser declarada, eu só conseguia pensar em como toda aquela harmonia devia ser monótona. Talvez esse fosse um dos motivos que fizeram os anjos descerem até o plano terrestre e começarem a se envolver com os humanos.

"Você se acha tão esperto, não é? Com suas tiradas irônicas e tudo mais." Minha intimidade é assunto meu e você não tem nada a ver com isso. Falei andando até ele e cruzando os braços sobre meu peito erguendo o queixo desafiadoramente.

"Então quer dizer que você me acha esperto." Toquei em um assunto delicado? Ele andou mais alguns passos encurtando a distancia entre nós também cruzando os braços à sua frente.

Ele era mais alto do que eu então ele literalmente fez sombra sobre mim, mas eu não iria me intimidar com isso. Meus olhos estavam firmes nos dele e eu não iria recuar, se ele queria jogar nós íamos jogar.

"Não coloque palavras na minha boca." Minha voz era fria, mas eu sentia meu sangue quente pulsar com a irritação que emanava de mim.

"Cas, eu acho que é hora de você dizer para o seu demônio nervosinho se afastar ou ele vai acabar machucado."

Esse era o apelido carinhoso que Theron tinha me dado e eu já nem dava mais ouvidos ou ao menos me importava com isso. No início ele realmente achava que eu era um demônio e acreditava que era perigosa.

Com o passar do tempo ele começou a me ver com outros olhos e chegou até a dizer coisas legais para mim sobre a minha pessoa. Dizer que fiquei chocada com isso é dizer o mínimo. E como se suas palavras não fossem o bastante, ele ajudou a salvar minha vida retirando minha alma de dentro do meu corpo e me curando de um ferimento mortal feito por Aislin.

Infelizmente isso teve um efeito colateral inconveniente. Após nossa junção, ou que quer que seja que aconteceu com nossas almas, nossa ligação estava mais forte do que nunca e, além da nossa conversa mental ele também recebia mensagens que eu não enviava. Era como se eu tivesse um bisbilhoteiro em minha mente e não tivesse idéia de como bloquear sua entrada.

A boa noticia era que essa era uma estrada de duas vias e eu também conseguia captar coisas que ele não queria que eu soubesse. Para falar a verdade, às vezes eu captava coisas que nem eu mesma

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queria saber. Como por exemplo, neste exato momento quando ele estava próximo à mim e seus olhos desviaram dos meus pairando sobre meus lábios e foram descendo languidamente sobre a minha camisola.

Eu senti meu rosto ruborizar e minha reação não foi nada controlada. Eu chutei a canela dele com toda a força e me afastei levando minhas mãos à cabeça. Ele fazia aquilo de propósito porque sabia que me irritava. às vezes eu achava que ele realmente sentia prazer em me fazer ficar irritada.

"Eu não sei não, mas pelo que me parece, ela sabe se defender sozinha." Casimir se ergueu apoiando o cotovelo sobre o colchão para assistir enquanto Theron mancava exageradamente e fazia caretas de dor.

"Ela me chutou!" "A culpa foi sua e você sabe muito bem." Guarde seus olhos e pensamentos para você. Ameacei

tentando manter minha voz nivelada. "Cas, eu vou esperar lá fora antes que ela resolva me morder." ele se virou indo até a porta e

quando se virou para sair me lançou um olhar que significava uma coisa: isso ainda não acabou. Casimir se levantou e foi até mim colocando seus braços nus ao meu redor enquanto eu

continuava com os braços cruzados sentindo a irritação zunir em meus ouvidos. Ele me puxou para perto dele colocando seus lábios sobre minha têmpora e os deslizando sobre a pele do meu rosto delicadamente.

"Eu adoro quando você fica irritada." Ergui meus olhos e seus lábios formavam um largo sorriso, o tipo de sorriso que eu sabia que

resultaria em encrenca, uma enorme encrenca. "Você quer levar um chute também?" Falei espremendo os olhos para enfatizar minha ameaça. Ele soltou uma risada leve que fez seu rosto relaxar e eu senti meu corpo aos poucos relaxar com

ele a medida que meu coração seguia o ritmo do dele. Não importa quantas vezes isso acontecia, eu ainda me assustava com o fato dos nossos corações baterem em sincronia.

Me lembro de estar irritada e de não prestar muita atenção ao que estava acontecendo e disso eu me arrependo até hoje, pois aquele momento, o exato momento em que ele abaixou a cabeça e colocou seus lábios nos meus seria a ultima fez que nos beijamos. Nosso último beijo. Se eu soubesse disso teria aproveitado mais cada segundo, cada toque, cada sensação que seu beijo provocava em mim, mas eu não tinha idéia do que iria acontecer e agora tudo o que eu tinha era aquele último momento antes de tudo desmoronar.

Daj havia nos chamado e Casimir e eu estávamos indo para lá quando senti tudo à minha volta parar subitamente. Isso só poderia significar uma coisa, o mensageiro. Fechei meus olhos fazendo uma prece enquanto sentia a palma de Casimir ficar fria contra a minha, mas nem toda a prece do mundo poderia mudar o inevitável.

Já fazia alguns meses que havíamos deixado Whispering Hills e foi com dor no coração de deixei Anne e Victor para trás. Me doeu ter que alterar a lembrança dos Heart e Ava, mas era imprescindível que eu não deixasse rastros.

Agora Victor poderia ter uma vida com Aine, poderia contar com a ajuda dos ciganos e, claro, poderia contar comigo sempre. Ele sabia que não importava a distancia entre nós eu sempre iria até ele no momento em que ele precisasse de mim e vice versa.

Mas Aine estava longe e como Oráculos não são muito fáceis de se encontrar, a minha curiosidade era grande. Girei a cabeça lentamente e me deparei um garoto de aproximadamente treze anos, cabelos negros, pele alva e maquiagem. Entre os olhos esbranquiçados causados pela possessão do mensageiro e o delineador preto que os contornava, eu não sabia o que era mais perturbador. Provavelmente o delineador.

"O que você está fazendo aqui?" Perguntei com voz fria soltando a mão de Casimir. "Eu vim lhe lembrar que tem uma tarefa a fazer." "Não." Respondi soltando uma risada sem graça e sacudindo a cabeça. "O que eu tenho é uma

charada que não tenho idéia ou vontade de como decifrar."

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"Eu não entrego charadas." Sua testa franziu e sua cabeça inclinou levemente para o lado como a de um cachorro. "Eu entrego mensagens. E cada mensagem é especificamente entregue de maneira com que somente o receptor a entenda."

"Então você entregou a mensagem errada." "Eu nunca erro. A mensagem é para você." "Então você não soube entregá-la porque eu não entendi a mensagem e não tenho a menor idéia

do que fazer com ela." Falei me virando e parando à sua frente. Ele me examinou por alguns segundos como se estivesse avaliando cada gesto meu e então

curvou seu lábio em um leve sorriso. Uma nuvem passou sobre seu rosto fazendo um arrepio subir pela minha espinha e eu precisei lutar para não recuar nenhum passo.

"Você é mais cabeça dura do que eu imaginava." Seus braços se ergueram ao seu lado e uma neblina começou a se formar ao nosso redor.

Minhas pernas foram a primeira parte do meu corpo a serem envoltas e imediatamente senti minha pele formigar. Tentei me afastar e descobri que não conseguia me mover. Estava imobilizada pela estranha neblina que aumentava mais e mais.

"O que é isso?" "Você tem um destino traçado e uma missão à cumprir, mas está cega demais pelo desejo de ter

o que não é seu para conseguir ver o que está à sua frente." Ele se aproximou de mim e seus olhos pareciam brilhar como a luz de um farol. Meu coração

batia forte fazendo meus ouvidos zunir e meus olhos lacrimejavam com a densidade da neblina que ameaçava nos sufocar a qualquer instante.

Em um movimento rápido o mensageiro tocou meu rosto e senti como se milhares de micro agulhas espetassem minha pele. Meus olhos se fecharam com a dor intensa e senti as lágrimas quentes rolarem sobre minhas bochechas.

O ar ficou preso em meus pulmões e comecei a arfar, mas era inútil. A única coisa que entrava em meus pulmões era a maciça neblina fazendo minha garganta se fechar mais ainda.

Tudo aconteceu muito rápido e em um segundo a dor havia sumido por completo me pegando de surpresa. Abri os olhos sentindo meus pulmões se enxerem e esvaziarem com o ar gélido da noite como se nada tivesse acontecido, mas as imagens ao meu redor fizeram com que o ar fosse novamente golpeado para fora de mim.

Os céus eram negros e não havia uma única estrela no horizonte. O breu da noite era quebrado apenas pelos relâmpagos que cortavam o céu raivosamente. Olhei ao meu redor sentindo as primeiras gotas de chuva gelada que os trovões anunciavam e me dei conta de que não tinha idéia de onde estava.

Para onde quer que olhasse eu via arvores, mas não escutava nada além do som da chuva. E então vi uma luz brilhar e um poderoso estrondo ressoar à minha volta. Sem ao menos parar para pensar no que estava fazendo eu disparei na direção em que havia visto a luz.

A floresta era mais densa do que eu pensava e logo meus braços e pernas sangravam com arranhões causados pelos galhos. Mesmo assim eu continuei correndo e uma horrível sensação de deja vu tomou conta de mim. As arvores ao meu redor começaram a parecer terrivelmente familiares e senti meu coração pular em meu peito dolorosamente.

Assim que alcancei a saída do labirinto senti minhas pernas amolecerem e precisei respirar fundo para conseguir enxergar além da vertigem. Por todos os lados haviam corpos dilacerados e o sangue escorria escuro com a força da chuva que aumentava gradativamente.

Relutantemente, comecei a avançar em direção ao que parecia ser um campo de batalha ou uma terrível chacina. Homens e mulheres estirados no chão sem vida. Conforme eu me aproximava sentia que alguns dos rostos eram estranhamente familiares, mas meu choque era grande demais para eu conseguir ligá-los à minhas memórias.

Mais afastado dali, consegui avistar uma fogueira que parecia se manter acessa por pura resignação, pois continuava queimando incessantemente mesmo com a ausência de uma substancia para queimar. Parecia iniciar do nada se mantendo acessa e nem mesmo a chuva era capaz de apagá-la.

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Escutei um som ao longe e quando me virei vi uma figura ajoelhada, mas não conseguia ver quem era, pois suas grandes asas a cobriam. Um anjo. A figura era a imagem da tristeza e suas asas trêmulas se recolhiam pra junto do seu corpo as fazendo parecer frágeis como as de uma borboleta.

Senti um buraco em meu estômago enquanto meus pés se moviam lentamente em direção ao anjo. Olhei para o chão e vi sangue escorrer em todas as direções e cobrindo meus sapatos. Respirei fundo sentindo o ar gelado passar dolorosamente pelos meus pulmões e deu mais um passo a frente.

Cuidadosamente dei a volta ao redor do anjo e senti meu coração parar de bater por um segundo quando vi seu rosto. O anjo que estava à minha frente com as roupas cobertas de sangue e uma lança atravessada em seu peito era ,,, eu.

Minhas pernas amoleceram mais um vez e eu caí de joelhos sentindo uma dormência percorrer todo o meu corpo me anestesiando instantaneamente. Em seus, meus braços estava o corpo de Casimir sem vida e meu rosto, o rosto da figura a minha frente, era uma máscara vazia de sentimentos.

Olhei ao meu redor desesperadamente tentando pensar em uma explicação para tudo aquilo e foi nesse momento que consegui realmente enxergar os rostos. Victor estava à alguns metros de mim e em seu peito havia um grande corte diagonal. Seus olhos estavam abertos e senti minha cabeça girar ao perceber que não se focavam em nada. Ele estava morto. Marko, Daj e vários outros ciganos estavam jogados pelo chão, mortos de maneira brusca e violenta.

Minha mão foi em direção ao meu peito e eu me aproximei de Casimir sentindo como se o ar escapasse de mim. Meus dedos tocaram uma mecha do seu cabelo ensopado da chuva e meus olhos ardiam com lágrimas. Onde diabos eu estava? O que é que estava acontecendo? Aquilo não podia ser real, tinha que ser algum tipo de ilusão.

Mesmo eu repetindo as palavras em minha mente e reafirmando a mim mesma que eu certamente estava em algum tipo de pesadelo induzido, a sensação dos cachos molhados sobre minha pele e o vazio dentro do meu peito eram reais demais para eu conseguir ignorar. Tinha que ter alguma explicação lógica para tudo aquilo.

Um trovão ressoou acima de mim e quando ergui a cabeça vi anjos descendo em minha direção com lanças e espadas em punho. Ao tocarem o chão seus pés não emitiram nenhum som, mas eu vi o rosto da figura à minha frente se mover em reconhecimento à chegada deles.

Sem pronunciar uma única palavra minha réplica levou a mão até o peito e em um único movimento arrancou a lança do seu peito fazendo sangue escorrer através do ferimento. Ela não mudou sua expressão ou emitiu qualquer som que indicasse a dor do seu ato. Era como se estivesse dormente demais para sentir qualquer coisa.

Ao ver o claro sinal de que não iria se entregar, os anjos ergueram suas armas e se aproximaram mais iniciando o ataque por todos os lados. Quando um deles tocou em mim senti a mesma sensação de quando o mensageiro havia me tocado, como se milhares de micro agulhas perfurassem minha pele ao mesmo tempo, só que dessa vez a sensação foi mais intensa e durou mais do que eu consegui suportar.

Quando eu abri os olhos estava deitada no chão com meus braços firmes ao redor do meu estômago e arfando, mas a dor já havia passado e eu estava de volta. O sol brilhava e tudo parecia normal novamente exceto pelo vazio e o terror que ainda permaneciam dentro de mim.

"O que você fez comigo?" "O seu lugar não é aqui. Fechar os olhos e fingir que isso não é verdade só vai levar à tragédia." "O que diabos você fez comigo?" Me ergui do chão sentindo minha cabeça latejar. Tudo ao nosso redor continuava parado no

tempo como um filme em pausa. Casimir continuava vivo e essa realização fez com que eu conseguisse respirar de novo.

O mensageiro me observou enquanto eu me movia com dificuldade sem fazer nenhum movimento em minha direção. Seus olhos pareciam mais frios do que nunca e senti minha pele arrepiar, mas eu não recuei meu olhar.

"Eu abri seus olhos. Você precisava saber as conseqüências das suas decisões erradas."

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Sua voz era tranqüila e eu sentia que era sincero, mas eu já havia tido experiências com compulsão e ele podia estar me enganando.

"Eu não acredito em você." Cruzei os braços sobre meu peito determinada a não me deixar abalar com uma simples ilusão.

"Cabeça dura." Ele falou soltando um leve e quase imperceptível suspiro. "O destino de muitos está em suas mãos neste exato momento. Você precisa aceitar quem você é."

Futuro. O que eu vi era o futuro caso eu não fizesse o que o mensageiro quisesse. Fechei meus olhos e as imagens dos corpos aos meus pés eram nítidas e tão reais que eu senti meus olhos queimarem com as lágrimas não derramadas.

"Seu destino é maior do que um marido e uma casa cheia de filhos. Uma guerra está prestes à acontecer e cada segundo que perdemos tendo esta discussão insignificante é um segundo à mais de vantagem que damos aos nossos inimigos."

Do que ele estava falando? Guerra? Inimigos? Minha cabeça girava descontroladamente e tudo que eu queria era me deitar. Coloquei meu dedo indicador e polegar sobre o arco do meu nariz fazendo uma leve pressão tentando amenizar a terrível dor de cabeça. Eu não queria acreditar no que ele estava dizendo. Eu era apenas uma garota.

No momento em que o pensamento se formou em minha mente eu soube que não era verdade. Eu não era apenas uma garota. Eu era uma nephilin e por mais que eu desejasse ter uma vida normal com um marido, filhos e uma casa com cerca branca, isso nunca aconteceria.

Meus olhos desviaram do mensageiro se focando em Casimir e toda uma vida passou em frente aos meus olhos. Me vi indo até ele, nós dois fugindo para longe, nos casando, tendo filhos, vendo nossos filhos crescerem e, claro como o dia, eu vi nós dois, velhos e enrugados sentados em cadeiras de balanço lado a lado na varanda assistindo o sol se por de mãos dadas.

Essa era outra mentira, eu nunca teria filhos e nunca ficaria enrugada. Eu seria jovem para sempre e se escolhesse continuar com Casimir eu teria dois caminhos à minha frente, um seria o que o mensageiro me mostrou, nós dois mortos violentamente em batalha e o outro seria eu assistir sem poder fazer nada enquanto Casimir definhava e morria de velhice e eu permanecia intocada pelo tempo.

Raiva, ódio e exasperação percorriam minha mente e queria correr para longe, mas eu sabia que fugir não iria mudar nada. Eu tinha uma decisão à tomar e o que me doía mais era que eu já sabia qual seria o resultado.

"Eu não entendo sua relutância em deixar esse humano. Não é a primeira vez que você deixa alguém para trás. Isso não deveria ser tão difícil para você."

"Você não sabe do que está falando." Ha muito tempo atrás eu deixei meu passado e com ele Mihai, mas aquela decisão não havia sido

minha. Ele tinha sido assassinado e minha única chance era fugir deixando tudo para trás. Eu nunca escolhi deixar ele, Mihai havia sido arrancado de mim e isso fez com que eu sentisse o chão ser retirado de debaixo dos meus pés. Naquele momento eu senti a pior dor que eu jamais havia sentido.

Agora era diferente, a escolha estava em minhas mãos e isso não tornava as coisas mais fáceis. Como eu iria abrir mão dele? Olhar em seus olhos e dizer adeus? Eu o conhecia bem o bastante para saber que ele não iria desistir de mim tão fácil. Casimir iria lutar por mim e não entenderia que nosso destino era fadado à tragédia.

Talvez tenha sido isso que me atraiu em primeiro lugar. Casimir era otimista e apaixonado. Era como se suas palavras faziam as coisas acontecerem. Eu queria tanto acreditar em suas palavras quando ele dizia que éramos destinados à ficar juntos que escolhi ignorar a parede que nos separava.

Eu não podia negar que estávamos ligados, mas eu também não podia negar o fato dele ser um humano. Como nosso destino poderia ser ficar juntos quando pertencíamos à mundos diferentes?

"O que eu preciso fazer?" Perguntei desviando meus olhos para o rosto do mensageiro que continuava me observando como uma criança curiosa observa uma fazenda de formigas.

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“Você deve ir até onde os anjos caem e procurar pelos olhos do sol. Lá encontrará angelical tristeza e com ela a chave para o que procura.” Ele respondeu automaticamente sem nem ao menos parar para pensar no que estava falando.

"Ok." Falei erguendo as mãos. "Eu não tenho idéia do que isso quer dizer. Você não pode ser mais especifico?"

"O que você quer que eu diga? Salve a líder de torcida, salve o mundo?" A resposta me pegou de surpresa e eu não sabia o que dizer. Se eu não sabia do que ele estava

falando antes, agora mesmo é que não fazia idéia do que aquilo se tratava. "O quê?" "É uma referencia à um seriado que o receptáculo é bastante apegado. Você está entre os

humanos à bastante tempo,deveria saber dessas coisas." Eu não acreditava no que estava escutando. Ele estava mesmo fazendo uma piada às minhas

custas? Numa hora daquelas? Eu olhei mais uma vez para o mensageiro enquanto ele se afastava e sacudi a cabeça sentindo que aquela mensagem criptografada seria a única ajuda que teria dele. Eu teria que encontrar a resposta sozinha embora eu não soubesse nem o que estava procurando.

Respirei fundo e andei até Casimir colocando minha mão na sua novamente e sentindo sua pele esquentar de encontro a minha. Em poucos segundos tudo estava normal como se nada tivesse acontecido.

Enquanto andávamos em direção ao encontro com Daj sentia como se uma tonelada tivesse sido colocada sobre meus ombros. Um nó se formou em minha garganta e eu não tinha coragem de olhar em direção à Casimir.

Em um movimento rápido ele se pôs à minha frente colocando suas mãos sobre meu rosto e me fazendo encarar seus olhos.

"O que foi que aconteceu?" Ele perguntou preocupado examinando meu rosto. "Nada. Só estou cansada." Respondi desviando os olhos e ele pareceu não perceber, ou fingiu

que não percebeu. Continuamos a andar e a imagem de nós dois velhos na cadeira de balanço veio a minha mente

em um flash sendo seguida pela imagem de mim com ele morto nos braços. Minha escolha era clara, mas nem por isso era simples. Mas se fosse para salvar a vida dele eu teria que ser forte para ir em frente mesmo que isso significasse perdê-lo para sempre.

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5. Vazio5. Vazio5. Vazio5. Vazio EEEEu não sei por quanto tempo permaneci parada observando cada detalhe de Casimir antes da

situação finalmente ser absorvida pelo meu cérebro. Não importava o quanto eu queria que fosse diferente, minha decisão havia sido tomada e quanto mais eu adiasse, mais difícil seria o momento de eu finalmente ir embora. Então me levantei tentando não fazer nenhum ruído e fui até o armário.

O quarto estava negro como breu quando eu comecei a pegar minhas coisas das gavetas. Não eram muitas, mas era o bastante para encher uma mochila vermelha de jeans já batida pelo tempo. Respirei fundo erguendo o peso do meu passado que ironicamente cabia em uma pequena mochila. Mais de duzentos anos e tudo o que eu tinha para mostrar eram minhas memórias e uma mochila com meia dúzia de roupas, um colar e alguns papéis. Isso era realmente deprimente, até para mim.

Coloquei a mochila sobre o sofá e fui em direção ao banheiro. Abri a torneira lentamente e jóquei água gelada sobre o meu rosto. Minha intenção era somente essa, passar uma água no rosto e sair dali para nunca mais ser vista por nenhuma daquelas pessoas, mas, assim como uma criança curiosa à beira de um precipício eu ergui os olhos e me deparei com meu reflexo no espelho.

Cuidadosamente percorri cada detalhe da imagem com meus olhos. Examinei meus cabelos longos que cobriam meus ombros em ondas dourada, minha pele clara, meus olhos verdes, meu rosto e tudo o mais tentando encontrar alguma mudança física, mas tudo continuava exatamente igual. Embora eu saiba que a juventude eterna é o sonho de muitos, o fato de nunca mudar e todo o dia encarar o mesmo rosto vazio no espelho era frustrante.

Não importa o que acontecesse eu permaneceria eternamente imutável. Sabendo disso eu quase não me olhava mais no espelho, mas de vez em quando eu cedia à curiosidade mórbida e procurava em vão pelas alterações que nunca vinham e que nunca viriam por mais que eu as desejasse e as procurasse.

Respirei fundo secando meu rosto e entrei no quarto indo silenciosamente em direção à mochila em cima do sofá. Estiquei minha mão e toquei o estofado vazio. Olhei no chão ao redor do sofá achando que ela tivesse caído quando à coloquei em cima do estofado, mas então a luz se acendeu e eu me virei rapidamente me deparando com Casimir de pé com uma das mãos no interruptor enquanto segurava a mochila com a outra.

"Você está indo embora." "Sim." Respondi desviando meus olhos dos seus. "Eu vou com você." Ele falou jogando a mochila na cama. "Não. Você vai ficar, se casar, ter filhos e seguir a sua vida." Meus olhos percorriam o quarto ao

nosso redor tentando evitar o olhar de dor que certamente Casimir estava me dando. "Você não pode me abandonar assim." Com passos rápidos ele veio até mim. "Você me ama." Meu coração se apertou como se estivesse sendo esmagado por suas palavras e meus olhos

queimavam com as lágrimas que eu não ousava derramar. "Eu não posso levar você." Minha voz saiu fraca e tremida enquanto meus olhos se fixaram no

céu estrelado do lado de fora da janela. "Você quer me proteger? É isso?" Seu coração havia acelerado e ele precisou respirar fundo

antes de continuar. "Isso é ridículo. Nosso destino é ficarmos juntos." Eu fechei meus olhos sentindo meu coração seguir o compasso acelerado do coração dele e a

imagem dele morto em meus braços apareceu diante de meus olhos. "E o quê?" Minha voz saiu firme e fria enquanto meus olhos se ergueram encontrando os dele.

"Eu assistir você definhar em frente a mim sem poder fazer nada até o momento em que você morre em meus braços?"

Ele pareceu espantado com minha reação, mas após um momento de hesitação ele respondeu com tom esperançoso. "Você pode me transformar. Assim ficaríamos juntos para sempre."

"Isso não é um filme. Você morreria antes que a transformação terminasse e, mesmo que por um milagre você conseguisse sobreviver, não seria realmente você." Meus olhos continuavam fixos nos seus e naquele momento foi como assistir sua alma se quebrar.

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Eu queria abraçá-lo, beijá-lo e dizer que tudo ficaria bem, mas isso era impossível. Ele iria sofrer, mas ao menos teria a chance de ter uma vida longa ao invés de uma imitação curta ao meu lado.

Me virei indo em direção à e peguei a mochila a colocando sobre meu ombro, mas ela foi tirada de mim em um movimento brusco. Quando me virei Casimir a segurava em suas mãos e, mesmo com sua cabeça estava baixa, eu podia ver que seus olhos estavam fechados.

"Não." Ele falou sacudindo a cabeça. "Eu não vou desistir de você tão fácil assim. Tem que ter um jeito."

"Não se iluda Casimir, é mais fácil se você aceitar o inevitável." Ergui minha mão para pegar a mochila, mas ele ergueu a mão a tirando do meu alcance.

"Isso não é inevitável, você ficar comigo é inevitável." Sua mão enlaçou meu pulso e eu precisei lutar para ficar no mesmo lugar, imóvel e inabalável quando meu instinto me puxava em direção à ele.

"Eu preciso ir embora." Ergui novamente a mão e ele novamente a tirou do meu alcance. "Por que você esta fazendo isso? Alguém está ameaçando você, é isso?" Ele falou colocando sua

mão sobre meu rosto e seu toque fez meus olhos arderem mais ainda. "Você está segura aqui, nós podemos nos proteger. Eu posso proteger você."

As palavras dele era tão seguras e eu queria acreditar no que ele estava dizendo, mas a memória da devastação que vi na visão do Mensageiro ainda era forte em minha mente. Não tinha nada que eu pudesse fazer, se eu ficasse ele ia morrer e tudo pelo que lutei estaria perdido. Meus sacrifícios seriam em vão.

"Por que você me faz machucar você?" Falei com voz fria e distante enquanto me afastei dele. "Do que você está falando?" seus olhos pareciam confusos como se pela primeira não estivesse

reconhecendo a pessoa à sua frente. "Você quer saber por que nunca disse e nunca vou dizer que amo você? É porque nunca amei e

nunca amarei você." As palavras pareciam lâminas em meus lábios e eu quase podia sentir o gosto de sangue em

minha boca quando as pronunciei. Casimir nunca me perdoaria, mas pelo menos ele viveria e, mesmo sabendo que me odiaria, isso era o bastante para mim.

"Eu não acredito em você. Eu senti o que você sentiu quando nos beijamos, quando..." Ele começou a falar, mas eu o interrompi não querendo ouvir as palavras.

"Você é tão ingênuo que eu quase sinto pena. Eu posso fazer você sentir o que quer que eu queira. Manipular seus sentimentos e seus pensamentos sem que você ao menos perceba."

Ele parecia congelado e seus olhos estampavam a dor da traição, mas eu não podia me deixar levar por meus sentimentos. Eu precisava ser forte e continuar até o fim. Ergui minha mão e peguei a mochila das suas mãos. Dessa vez ele não tentou tirá-la de mim. Ele nem ao menos se mexeu.

"Quem é você?" Ele perguntou me pegando se surpresa. "Quem é essa pessoa fria que está à minha frente e onde está a verdadeira Katryna?"

"Eu sou a verdadeira Katryna. A que você fantasiou e achava que conhecia é que era uma mentira."

Seus olhos percorreram meu rosto intensamente como se estivesse procurando algo, algum sinal que aquilo não era verdade, mas eu permaneci imóvel e sem expressão. Fria e sem qualquer emoção, embora por dentro eu estivesse sentindo meu coração se quebrar.

"Eu não sei por que você está fazendo isso, mas eu sei que essa não é você. Eu sinto isso." Ele falou com os olhos vermelhos fechando o punho e batendo no peito logo acima do coração. "Eu não vou impedir você de ir embora, mas eu sei que vamos nos encontrar novamente. Nossos caminhos podem percorrer linhas tortuosas nos afastando agora, mas eu sei que eventualmente elas se unirão novamente."

Ele foi até a porta, parou com a mão sobre a maçaneta e, sem olhar para trás falou com a voz grave. "Eu sei que minha vida escapa por entre meus dedos a cada segundo que passa, mas eu vou encontrar uma saída e quando nos encontrarmos novamente será para sempre."

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Eu não sei quanto tempo se passou desde que ele saiu por aquela porta, mas quando eu finalmente consegui me mexer a luz laranja do amanhecer coroava o horizonte. Casimir nunca voltou e não vi nenhum dos ciganos quando fui embora. Talvez por eu não conseguir ver nada à minha frente além da dor nos olhos de Casimir, eu não conseguia ver nada a minha volta e sentia um vazio tomar conta do meu peito.

Seis anos haviam se passado desde daquela noite, mas eu ainda podia ver claramente seus olhos turquesa brilharem com lágrimas que nunca chegaram a tocar seu rosto. Eu odiava que eu tive que fazer e odiava ter que procurar por algo que eu nem ao menos sei o que é. Eu já tinha perdido tanto e parecia que nunca era o bastante.

Ergui minha mão colocando minha palma sobre o vidro enquanto assistia a luz do sol iluminar minha pele e aquecer o vidro. O calor nunca chegou a me tocar. Ultimamente, eu sentia frio o tempo todo e nada que eu fizesse parecia me aquecer. Era como se o frio viesse de dentro de mim, percorrendo minhas veias, envolvendo meus ossos e músculo até chegar ao meu peito.

A ligação que eu tinha com Casimir ainda estava lá, mas eu criei uma barreira o impedindo de me contatar. Mantê-lo afastado era um esforço diário, mas me manter afastada dele era ainda mais difícil. Era como se meu coração não soubesse como bater sem o ritmo dele para guiá-lo. Eu tinha que lutar contra meu próprio instinto e dormir era cada vez mais difícil, embora eu continuasse exausta na maior parte do tempo.

Um som alto me fez sair do transe e me virei rapidamente para ver o que estava acontecendo. Após alguns segundos meu ouvido começou a discernir os sons e pude perceber que era uma música, mais especificamente uma música Cowntry bem melosa e que fazia meus ouvidos doerem só de escutar ela.

"Se você vai ficar se lamentando pelos cantos, pelo menos coloque uma trilha sonora. Assim eu tenho algo para escutar além dos seus choramingos." A voz de Theron saiu abafada de debaixo dos lençóis enquanto ele se espreguiçava.

Sim, eu tinha quase me esquecido desse detalhe. Quando eu estava na estrada tentando descobrir qual seria meu próximo passo, qual não foi minha surpresa quando me deparo com Theron à minha espera na lanchonete de beira de estrada.

Quando eu entrei ele estava sendo assediado por uma garçonete que parecia querer esfregar os peitos na cara dele. Aquela cena fez eu meu lembrar de quando o conheci no BlackCat, um bar que ficava nos arredores de Whispering Hill. Sua face era imparcial e inatingivelmente perfeita. Era como se ele não visse a pobre garota que tentava de tudo para que ele prestasse atenção nela. Um olhar dele é o que bastaria para ela entrar em êxtase.

Mas ele parecia não perceber sua existência e, quando a porta bateu às minhas costas ele ergueu o rosto como se tivesse sido retirado de um transe. Com um leve movimento ele puxou a cadeira ao seu lado e o rosto da garçonete se iluminou por um breve momento até perceber que era a mim que ele estava convidando a se sentar do seu lado.

Andei até a mesa relutantemente e me sentei na cadeira assistindo enquanto a garota marchava de volta para a cozinha com fumaça saindo dos seus ouvidos. Estiquei minha mão e segurei o menu olhando as figuras.

"O que você vai pedir?" Ele falou como se o fato de não termos nos visto por quase um mês não existisse.

"Nada. O jeito que aquela garota me olhou me faz ter medo até de usar o guardanapo que ela me trouxer."

"Uma decisão sábia." Ele falou curvando os lábios em um breve sorriso. Ele não me perguntou por que eu havia ido embora nem o que tinha se passado entre Casimir e

mim. Eu o agradeci em silêncio por isso. Apenas me contou sobre seu encontro com o Mensageiro e que ele também tinha recebido uma mensagem, mas por algum motivo que não quis me explicar, ele não me contou qual era a sua mensagem. Como Theron tinha me feito o favor de não perguntar o que eu não queria responder, achei que o mínimo que eu podia fazer era retribuir o favor e não especular a mensagem que ele havia recebido.

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O fato era que, por alguma piada do destino, estávamos atrás da mesma coisa. Eu ainda não sabia o que era essa tal coisa, mas podia jurar que Theron sabia mais do que aparentava saber.

Por muito tempo perambulamos por cidades e países seguindo pistas que chegavam a lugar nenhum. Me sentia como um rato de laboratório andando em labirintos intermináveis e chegando sempre ao mesmo começo.

Percorremos Los Angeles, fomos às Cataratas e a todos os lugares que pudessem se encaixar na descrição de 'onde os anjos caem' mas sempre chegávamos à becos sem saída. Eu estava seriamente começando a odiar aquela estúpida charada. Ops, quer dizer, aquela mensagem.

Não que nossas buscas sempre resultassem em mãos vazias, de vez em quando conseguíamos achar alguma pista que nos trazia mais próximos do que pensávamos ser nosso objetivo. Mas foi só alguns meses atrás que chegamos à algo concreto e era tão idiota que eu tive vontade de arrancar a cabeça daquele estúpido Mensageiro.

Estávamos em uma cidadezinha do Canadá em mais uma de nossas buscas e, depois de mais uma noite sem conseguir dormir, decidi ir até o restaurante do hotel tomar um café preto forte. Chegando lá me sentei na cabine mais afastada tentando evitar qualquer possível intrometido, mas quando avistei um homem se aproximar com um jornal na mão e um sorriso idiota nos lábios eu soube que minha tentativa tinha falhado.

Ele se sentou me aprisionando no canto e começou a puxar conversa desenfreadamente. Minha cabeça latejava pela exaustão e a voz dele parecia penetrar no meu cérebro como brocas de uma furadeira. Tentei o máximo que pude ignorar ele e me manter calma. Depois de um tempo suas palavras era apenas estática em meus ouvidos, mas então algo que ele falou me fez sair do transe que eu tinha me colocado voluntariamente.

Pedi que ele repetisse o que tinha falado e isso o pegou de surpresa, mas depois de gaguejar algumas vezes, falou novamente. As palavras eram claras em meus ouvidos 'a cidade onde até os anjos caem'. Eu puxei o jornal das mãos dele e a noticia falava sobre jogatina mostrando uma foto da Las Vegas.

Claro que o Mensageiro não iria falar algo tão literal como o lugar onde reais anjos caem e sim uma metáfora para o lugar que tem tanto pecado que é conhecido como sendo capaz de corromper até o mais puro. Com fama de fazer até os anjos caírem em tentação.

Com a primeira parte da mensagem decifrada, começamos a procurar pelo restante das peças do quebra cabeça. Como era de se esperar, chegamos à vários caminhos sem saída até que encontramos algo sobre um serviço muito especifico oferecido por alguém chamado Sorrow, nome que literalmente queria dizer tristeza. Era um tiro no escuro, mas depois de tanto tempo correndo no escuro, uma pista furada a mais não faria diferença.

Depois de vários contatos e o uso descarado da nossa persuasão, finalmente conseguimos uma reunião, ou o que quer os assassinos de aluguel chamam, com esse tal de Sorrow, mas quando chegou o dia ele desapareceu sem deixar pistas. Dizer que fiquei frustrada era dizer o mínimo, mas eu não estava pronta para deixar aquele lugar ainda e continuaria a buscar por pistas e descobrir o que tinha acontecido com aquele assassino para ele desaparecer no ar daquela maneira.

Theron, por incrível que pareça, esteve comigo durante todo o caminho e, tirando sua irritante mania de me contrariar e conseguir me tirar do sério, ele tem me ajudado muito. É impressionante o que se acaba descobrindo quando se passa tempo o bastante com alguém, ainda mais quando se tem uma ligação como a nossa.

As descobertas nem sempre eram algo confortável, mas em algumas vezes era algo extremamente revelador e me fazia ter uma visão totalmente diferente do anjo que um dia renunciou sua missão pelo amor de uma humana. Em alguns dias ele era o Theron que eu conheci no bar e que me seqüestrou, sínico, com humor negro, sem senso de espaço e que fazia meus dentes rangerem. Mas em outros eu via nitidamente o anjo da lenda que um dia me fez sentir sua dor somente com a representação do seu amor perdido em uma estátua.

Uma noite eu estava na janela do quarto do hotel sem conseguir dormir e tentando pensar no que fazer a seguir e escutei Theron falar durante o sono. Eram palavras desconexas em uma língua

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muito antiga que eu não tinha idéia do que era ou o que ele estava falando, mas sua voz era urgente e eu sentia que era algo importante.

Eu não devia, mas minha curiosidade tomou o melhor de mim eu me aproximei dele tentando escutar o que ele dizia mesmo tendo perdido as esperanças de entender as palavras. Suas palavras eram sussurradas e eu precisei me aproximar mais para escutar. A melodia e o ritmo daquela língua eram quase hipnóticos e fechei meus olhos escutando enquanto cada silaba era formada e delineada cuidadosamente pelos seus lábios até sair em um sopro.

Senti algo tocar meu rosto e mordi os lábios para não soltar um grito pelo susto. Theron ainda estava dormindo, mas seus dedos acariciavam meu rosto delicadamente como um sonâmbulo que imita os movimentos feitos no sonho. Quanto mais sua pele deslizava sobre a minha, mais eu sentia a onda de emoção que emanava dele em minha direção.

Me deitei ao seu lado tentando não acordá-lo e permaneci imóvel sentindo suas emoções. Felicidade, tranqüilidade, harmonia e ... amor. Seus braços envolveram minha cintura e eu enrijeci meus músculos, mas continuei imóvel temendo que ele se acordasse. Ele continuou dormindo, mas me puxou para mais perto e colocou seu rosto de encontro ao meu pescoço respirando fundo e tocando minha pele com seus lábios.

Precisei lutar para permanecer parada e não sair correndo. Mas a imagem dele acordando e me vendo ali era embaraçosa demais para eu me aventurar a me libertar de seus braços e correr o risco de ser flagrada daquele jeito. A lista de coisas embaraçosas e irritantes que Theron iria usar contra mim era interminável. Eu só precisava ficar quieta e imóvel por algum tempo e, quando sentisse que estava segura, me desvencilharia dos seus braços e nunca mais pensaria no assunto.

Falar com certeza é mais fácil do que fazer. Seu corpo estava colado ao meu e sentia seu coração bater de encontro ao meu enquanto seus dedos deslizavam sobre as minhas costas. Seus lábios se moveram e seu hálito quente bateu de encontro à pele do meu pescoço. Sua voz atingiu meu ouvido em um tom que fez minha pele arrepiar e minhas bochechas corarem mesmo sem eu entender uma única palavra que ele dizia.

Eu precisava sair dali, urgentemente. Fechei meus olhos tentando me concentrar e uma imagem apareceu na minha frente. Abri os olhos novamente piscando varias vezes e a imagem desapareceu. Esperei alguns momentos e nada aconteceu então, hesitantemente, fechei os olhos de novo e a imagem reapareceu, mais nítida e próxima de mim do que antes.

Uma garota de cabelos negros longos com as mãos erguidas como se estivesse me chamando, dor estampada em seu rosto e então começou a se afastar rapidamente até sumir por entre as nuvens. Senti os braços de Theron se estreitarem à minha volta e suas emoções emanavam mais violentamente do que antes.

Quando abri os olhos meu rosto estava úmido com lágrimas. Aquela humana era Samyra e eu estava presenciando o pesadelo dele. Aquilo nunca tinha acontecido antes e eu estava ainda um pouco atordoada, mas as emoções que eu sentia me invadirem eram tão fortes que eu estava tendo dificuldades em me distanciar e colocar uma barreira entre a minha mente e a dele.

Ele irradiava tristeza, pesar, arrependimento e um incomensurável vazio que parecia me puxar para dentro do vácuo e ameaçava me sufocar em sua imensidão. Seu hálito tocou minha pele novamente e sua voz dessa vez era entrecortada e sofrida. Mesmo não entendendo suas palavras eu soube que ele não estava falando comigo, naquele momento ele falava com Samyra.

Eu permaneci em seus braços até sentir que sua respiração tinha voltado a ficar profunda e seus braços perderem a tensão ao meu redor. Ele nunca chegou a se acordar e eu nunca lhe contei o que tinha acontecido, mas naquele momento em que estive em seus braços sentindo o que ele sentida e vendo o que ele via, eu soube que Theron falava por experiência própria quando me disse um dia que eu era danificada por dentro.

Ele também tinha feito sacrifícios e abandonado seu passado. Por mais doentio e egoísta que possa parecer, eu me sentia mais segura e menos sozinha sabendo que eu não era a única. Sabendo que o vazio que tomava conta do meu peito a cada dia que se passava também existia dentro de Theron. Mas isso foi antes e agora, naquele exato momento, eu só via o Theron que fazia meus dentes rangerem.

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"Eu não estou choramingando." falei cruzando os braços. "Você pode mentir para si mesma o quanto quiser, mas a verdade não vai mudar." ele ergueu o

lençol e se levantou da cama de pés descalços e usando somente uma calça de abrigo. "Seu choramingo é tão alto que pode ser escutado do outro lado da cidade."

O som do ranger dos meus dentes era nítido em meus ouvidos e podia apostar que nos dele também. Mas eu não conseguia responder a altura e eu sentia minha mente buscar Casimir e meu peito se contrair quando tentei me controlar novamente. Era difícil manter a barreira quando minhas emoções corriam soltas e eu sentia nossa ligação forte, quase tão forte quanto a minha ligação com Theron.

"Cas está vivo em algum lugar por aí descontando o que está sentindo em algum pobre demônio. Pelo menos ele está fazendo algo produtivo." ele passou as mãos sobre os cabelos em um gesto irritado.

Mesmo longe Theron ainda mantinha contato com os ciganos e através deles eu soube que Casimir tinha seguido seu caminho para longe deles e estava agora em algum lugar remoto caçando demônios. Por um lado eu me sentia aliviada em ter noticias sobre o seu paradeiro, mas também me deixava preocupada em pensar no que ele estaria se metendo e os perigos que estaria correndo. Mas ele não estava sozinho e eu tinha que acreditar que os outros ciganos não deixariam nada acontecer com ele.

"E eu não? É isso que você está dizendo?" meus olhos jogavam adagas em sua direção, mas ele apenas revirou os olhos.

"Eu estou dizendo que, ao contrario da sua aparência, você não tem 17 anos e já tem idade suficiente para aceitar as conseqüências das suas decisões."

"O que você acha que eu estou fazendo? Cada segundo de cada dia eu sinto o peso das minhas decisões." Como ele ousava dizer que eu não assumia as conseqüências das minhas decisões quando elas eram tudo que eu conseguia pensar.

"Não! Cada segundo de cada dia você sucumbe ao peso dessas decisões e eu tenho que assistir você se remoer de culpa e remorso." ele se aproximou e eu dei um passo para trás erguendo minhas mãos à minha frente.

"Obrigada pelo discurso motivacional, mas eu dispenso." "O que eu não entendo é como alguém que é forte o bastante para arriscar a própria vida para

salvar a de outros pode ser ao mesmo tempo tão fraca." "Chega. Eu não preciso escutar isso." Aquilo era mais do que eu conseguia aturar e eu me

recusava a continuar ali parada enquanto ele me julgava. "Sim precisa, porque só assim você vai acordar e parar de sentir pena de si mesma." Ele falou

erguendo a voz em um tom autoritário que, eu imaginava, podia fazer até o mais bravo dos homens tremerem as pernas de medo.

"E quem te nomeou o dono da razão." Meus lábios se curvaram brevemente em desdém da cena que ele estava fazendo.

"Eu tenho milênios de idade a mais que você. Eu liderei exércitos e isso me faz seu superior nessa discussão." Ele se aproximou de mim e, por um momento, eu conseguia sentir o calor emanar da sua pele nua e seu hálito me cercava fazendo minha mente ficar zonza.

"Isso faz de você um velho ranzinza e mandão e eu não sou um dos seus soldados." Me virei desviando meu corpo para não me chocar com o dele e fui em direção à porta com

passos largos sentindo ele me seguir. Quando abri a porta sua mão tocou meu braço tentando me parar, mas eu fui mais rápida e saí batendo a porta na minha saída.

Vaguei pelas ruas tentando acalmar meus nervos até chegar à frente de uma igreja. Meus olhos percorreram a fachada decorada com tema barroco e a lembrança de Aslin veio a minha mente. Sua voz me perguntando se eu já tinha entrado em uma igreja e sua expressão surpresa quando eu a respondi que sim. Fazia muito tempo que eu não colocava os pés dentro de uma igreja e uma parte de mim se perguntou se mesmo depois de tudo que havia acontecido, eu ainda seria capaz de entrar em solo sagrado.

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Antes que eu pudesse perceber, meus pés se moveram inconscientes em direção à entrada da igreja e, respirando fundo, passei pela porta. Eu não sei o que esperava que fosse acontecer, mas, enquanto ficava parada olhando para a estátua no altar eu não sentia nada. Nenhuma revelação, sinal ou algo do tipo.

Fui até o banco do fundo e me sentei observando enquanto as pessoas ao meu redor rezavam e faziam preces. Algumas estavam tão absortas em suas orações que pareciam até estar em algum tipo de transe religioso ou o que quer que aquilo se chamava. Mas então eu senti algo que fez minha pele arrepiar apesar do calor escaldante que fazia.

Quando virei minha cabeça na direção em que a vibração vinha uma garota estava se levantando rapidamente e passou por mim quase me derrubando. Seu braço tocou o meu brevemente, mas foi o bastante para eu sentir o que ela era: uma nephelin.

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6. Agora6. Agora6. Agora6. Agora

QQQQuando saí do hotel naquele dia a última coisa que passou pela minha cabeça foi olhar o que

eu estava vestindo, mas ao passar pela porta do bar e sentir todos os olhos sobre mim me fez ficar extremamente consciente desse pequeno detalhe.

Na noite anterior Theron e eu tínhamos ido a um cassino atrás de mais pistas e o que eu vestia tinha sido apropriado para aquele tipo de ambiente e clientela: roupa extremamente cara e reveladora, maquiagem marcante e penteado sedutor. Eu tinha me misturado na multidão como ninguém vestida daquele jeito.

Entretanto, usá-la para ir a um bar como aquele aonde as pessoas iam encher a cara em plena luz do dia era estar tão fora do habitat quanto um peixe entre as dunas do deserto. Mas agora era tarde demais para pensar nisso, então decidi me focar em algo mais importante e tangível.

Olhei ao meu redor lentamente tentando não chamar muita atenção embora eu soubesse que isso era inútil àquela altura dos acontecimentos. O lugar estava razoavelmente cheio levando em consideração a hora e, pela expressão de alguns homens e mulheres, aquela parecia ser uma clientela fiel.

Meus lábios se curvaram ao ver a cena à minha frente. Uma garota, a garota que havia passado correndo por mim na igreja, a nephilin, estava sentada em uma das cabines e parecia se encolher cada vez mais como se quisesse afundar sob o acento recoberto por uma imitação barata de couro até ficar invisível.

Sem conseguir me conter, abri um sorriso e andei até sua direção assistindo enquanto ela se contorcia inconfortavelmente.

A garota nephilin tinha cabelos castanhos desgrenhados que iam até os ombros, sobrancelhas bem desenhadas em um tom um pouco mais escuro embora ela não parecesse do tipo que passasse seu tempo fazendo as sobrancelhas, ou sequer que passava em frente a um salão de beleza. Sua pele era mais escura do que a minha, mas ainda assim clara para alguém que vive sob o sol do deserto, seu rosto tinha traços fortes e esboçava uma expressão de poucos amigos que, certamente, tinha a intenção de manter qualquer um afastado dela.

Conforme o espaço entre nós foi diminuindo, comecei a notar algo que não havia me chamado atenção antes, mas que me surpreendeu mais do que o fato dela ser uma nephilin. Seus olhos. Na igreja ela estava usando óculos escuros e foi por isso que não os notei antes, mas agora, mesmo na luz fraca do bar eu podia ver nitidamente sua peculiaridade. Grandes olhos castanhos dourados com pontos alaranjados que iam se mesclando em uma aquarela de cores me fazendo lembrar das cores do nascer do sol.

Foram raras as vezes em que encontrei outro nephilin e, em todas elas, as características se assemelhavam as minhas de uma maneira ou de outra. Pele clara, olhos claros, altos, alguns bem mais altos do que eu, principalmente os homens. Se me colocassem ao lado de qualquer um deles eu passaria facilmente por irmã ou prima.

Eu nunca tinha encontrado um nephilin com características tão diferentes das minhas ou de qualquer outro nephilin antes. Se alguém nos colocasse lado a lado veria as diferenças gritantes entre nós duas. Eu tinha a aparecia fria, calma com traços delicados enquanto que a nephilin tinha traços fortes, quase rústicos e emanava uma vibração nada amigável. Se eu era a lua ela certamente era o sol.

Foi então que me lembrei das palavras do mensageiro. ‘Você deve ir até onde os anjos caem e procurar pelos olhos do sol. Lá encontrará angelical tristeza e com ela a chave para o que procura.’ Sim, claro, os olhos do sol.

“Olá.” Falei usando minha voz mais melódica e isso a fez erguer seus olhos encontrando os meus. “Me diga seu nome.”

A garota hesitou por um momento como se não compreendesse o que estava acontecendo, mas logo sua resistência sucumbiu e seus olhos se tornaram sem expressão.

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“Angelic Sorrow.” Ela respondeu lentamente como se ainda estivesse lutando contra a compulsão, mas não conseguisse entender o que era.

Observei a garota atentamente tentando encontrar algo, algum tipo de pista que me dissesse qual era o papel dela naquilo tudo. Obviamente a mensagem era sobre ela. O propósito era encontrá-la e com ela a chave que me levaria até o que eu procuro. O problema é que não via nada de diferente nela, a não ser o fato dela ser nephilin.

“Onde está a chave?” Perguntei suavemente mantendo minha expressão amena. “Chave?” Ela balbuciou confusa. “Que chave?” “A chave que você precisa me entregar.” Como eu ia saber que chave era? Eu não sabia como

ela era nem o que ela abria. Tudo que eu sabia é que tinha uma chave e aquela garota deveria me levar até ela.

“Eu não tenho chave nenhuma.” Ela falou franzindo levemente a testa. “Não sei do que está falando.”

Ótimo. Era tudo que eu precisava, quando eu finalmente encontro o que aquele cretino quer que eu encontre descubro que nem ela faz idéia de que estou falando.

“Gostei das suas sandálias.” Uma voz fria ecoou e me virei olhando em direção ao balcão. Uma mulher com cabelos curtos extremamente descoloridos, maquiagem pesada que parecia

estar derretendo do seu rosto com o calor estava parada no bar virada para mim e me encarando com expressão vazia no rosto. Ela beirava os quarenta anos e sua roupa gritava desespero. Quando vi seus olhos que percebi o que estava acontecendo e percorri o bar com os olhos rapidamente me certificando.

“Desde quando você se interessa por moda?” “Eu não me interesso.” O mensageiro respondeu como se eu tivesse falado algo absurdo. “Isso

estava na mente do recipiente quando eu assumi. As palavras saíram sem nenhuma intenção e não expressam em nenhuma maneira minha opinião sobre suas sandálias.”

Eu precisei morder os lábios para não responder que ela não era um recipiente, ela era uma humana, uma pessoa com vida e sentimentos e merecia mais respeito. Mas minhas palavras cairiam em ouvidos surdos e eu tinha perguntas mais urgentes no momento.

“Cadê a chave?” O mensageiro se afastou do bar e andou até nós desviando das estátuas no meio do caminho sem

tocá-las. Seus olhos brancos e vazios foram do meu rosto até o da garota nephilin e permaneceram fixos por alguns instantes até que ela os focou novamente em mim.

“Você a encontrou.” Por um momento eu pensei ter visto algo em sua expressão que parecia satisfação, mas foi tão breve que pensei ter sido obra da minha imaginação.

“Sim, mas você falou que ela me daria uma chave e não estou vendo chave alguma.” "O que eu disse foi que você deveria ir até onde os anjos caem e procurar,,," Ele começou, mas

eu o interrompi. "Sim, sim, procurar pelos olhos do sol. Lá encontrará angelical tristeza e com ela a chave para o

que procura." Falei impaciente, pois aquela mensagem já estava me dando dos nervos. "Pois aqui estou eu e ali está a Angelic Sorrow e até agora nada de chave."

"Você sabe o que procura?" Ele perguntou com a mesma voz irritantemente impassível e sem inflexão que me fazia querer bater com a cabeça na parede.

"Como assim?" Perguntei incrédula. "Do que você está falando?" "É uma pergunta simples de sim ou não. Sua confusão é sem motivo de ser, Nephilin. Você sabe

o que procura?" "Não." Respondi entre dentes cerrados me segurando para responder apenas isso e não me deixar

levar pelo insulto. "Talvez este seja o motivo pelo qual você não encontrou a chave ainda." Ele falou se afastando e

indo em direção ao bar. "Descubra o que procura e encontrará a chave que o abrirá. Enquanto isso se lembre da mensagem e saberá o que deve fazer."

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No momento em que a mão do mensageiro tocou a bancada do bar os olhos da mulher voltaram ao normal e tudo a minha volta voltou a se mover como se nada tivesse acontecido. Me virei em direção à garota que continuava hipnotizada à minha frente e ponderei rapidamente sobre o que o mensageiro disse. Eu devia descobrir o que procurava, mas como eu ia fazer isso? Antes de ele me lançar aquela mensagem que mais parecia um maldição eu nem sabia que estava procurando algo, como eu ia saber o que eu não estava procurando para inicio de conversa?

A única coisa que sabia sobre o que eu não estava procurando era que precisava de uma chave e que, de acordo com a mensagem, eu a encontraria com a Nephilin, Angelic Sorrow. Eu não tinha mais nenhuma pista do que fazer então decidi que, ao menos por enquanto, deveria ficar o mais próximo dela para descobrir o que ela sabia e quem realmente era.

"Obrigada." Falei mudando o tom da minha voz e a retirando do transe. Sentei à sua frente sorrindo em sua direção como se nada tivesse acontecido, mas ela continuou

me olhando perplexa. "O quê?" Ela falou ainda atordoada. “Obrigada pelo que?” “Você me convidou para me sentar e me pagar uma bebida.” Se eu ia ficar próxima daquela

garota tinha que agir rápido. Eu não tinha tempo para perder com formalidades e, pela antipatia que ela emitia em minha

direção, se eu fosse esperar até ela me convidar para sentar eu tinha uma longa eternidade de espera à minha frente. Peguei o cardápio e comecei a folhear ignorando o olhar que ela lançava em minha direção.

“Não, eu não convidei.” Ela balbuciou sacudindo a cabeça. “Eu nem conheço você.” “Nós já passamos essa parte uns minutos atrás.” Falei tentando manter minha voz leve. “Você

me disse seu nome eu disse meu nome e você me convidou para sentar com você.” “Então me diga qual é meu nome?” Ela puxou o cardápio da minha mão violentamente e uma

das arestas cortou meu dedo, mas, antes que ela percebesse, eu escondi minha mão sentindo o corte cicatrizar rapidamente.

“Sorrow, seu nome é Sorrow.” Falei sem hesitação observando seu rosto ficar petrificado. Talvez eu devesse ter falado seu primeiro nome, afinal ela não parecia do tipo que dizia seu sobrenome quando se apresentava. Na verdade ela parecia mais um animal acuado que a qualquer movimento brusco pudesse atacar ou sair correndo “Ok, vamos fazer isso de novo então.” Me levantei tentando corrigir minha gafe do sobrenome e amenizar a expressão de choque no rosto dela.

Ergui minha mão lhe lançando meu sorriso mais acolhedor, falso, mas acolhedor em sua direção. A garota, Sorrow, olhou para minha mão esticada erguendo uma das sobrancelhas, mas esse foi seu único movimento.

“Meu nome é Katryna.” Falei recolhendo minha mão e, assim que o pronunciei a expressão no rosto dela mudou para uma confusa que não consegui decifrar. Esperei para que ela falasse alguma coisa, mas ela permaneceu imóvel então decidi que eu ia ter que fazer os dois lados daquela conversa ou acabaria virando uma estátua enquanto esperava ela reagir.

“É agora que você me convida para me sentar e me oferece uma bebida.” Falei colocando a mão sobre os lábios e fazendo um sussurro exageradamente alto. Aquela era minha tentativa de uma piada, mas ela não compartilhava do mesmo senso de humor que eu.

“Não. É agora que você da meia volta e vai embora.” Ela respondeu erguendo sua mão e fazendo um gesto como se estivesse enxotando um cachorro ou coisa do tipo. Que delicadeza, eu pensei sarcasticamente.

Ela ergueu o copo vazio o levando até os lábios e eu ignorei seu gesto e me sentei novamente pegando o cardápio determinada à não deixar que sua atitude me desencorajasse.

“O que você pensa que está fazendo?” Ela perguntou e notei a irritação na sua voz. “Escolhendo uma bebida.” Falei ignorando seu tom ríspido. “Que tipo de bebida é ‘grilo

saltador’?” Perguntei ingenuamente. “Para fracos.” Ela respondeu bruscamente arrancando o cardápio da minha mão novamente.

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Ótimo, eu pensei olhando para seu rosto determinado, minha estratégia estava falhando e eu já tinha percebido que gentileza e sorrisos não iam me fazer ganhar sua confiança. Era hora de mudar minha estratégia.

“Você está certa.” “O que?” Ela parecia confusa e eu estava descobrindo como aquilo me divertia. Ela estava em um bar no meio da tarde bebendo então resolvi usar isso a meu favor. O garçom

chegou até a mesa sorrindo como se sua vida dependesse disso. “Uma rodada de tequilas.” Falei para o garoto à minha frente que parecia mais nervoso a cada

segundo que se passava. “Por minha conta.” As palavras saíram pela minha boca automaticamente, mas foi então que me lembrei de não ter pegado a carteira quando saí do hotel. Bom, eu ia pensar em alguma coisa.

“Isso é algum revolucionário método para me converter para a sua igreja?” Ora, ora, a garota tinha senso de humor afinal de contas.

“Então era mesmo você. Eu achei que era, mas não tinha certeza.” Ok, ela sabia que era eu na igreja, mentir não ia me levar a lugar nenhum. Seria bem mais fácil simplesmente admitir.

"Você tem certeza que quer fazer isso?" Ela perguntou examinando meu rosto, ainda desconfiada.

"Por quê? Você não está pensando em amarelar, não é?" Se ser boazinha não tinha funcionado, talvez provocação funcionasse.

Quando vi sua reação tive minha resposta. Seus olhos agora tinham uma certeza e me observavam parecendo mais acesos do que antes. Era como se uma chama tivesse ascendido dentro dela. Agora eu não tinha mais duvida nenhuma de que ela estava bem acordada e muito irritada comigo. Isso era bom, pelo menos isso significava que ela já sentia algo por mim, mesmo que fosse raiva. Qualquer sentimento era melhor que indiferença.

O garçom voltou colocando oito copos de bebida à nossa frente os deixando alinhados formando duas carreiras. Então ele colocou um pequeno cesto com alguns limões cortados em gomos e um saleiro do lado. Os olhos da garota brilhavam e eu soube que meu desafio tinha atingido um nervo e ela não ia deixar barato.

"Cuidado, Carola ou essa sua boca grande vai te arranjar problemas." Ela falou friamente pegando o saleiro e derrubando um punhado sobre a mão sem tirar os olhos do meu rosto e passando a língua sobre a mão. Então ergueu o copo fazendo um brinde no ar e bebeu o líquido em um único gole devolvendo o copo e o depositando de ponta cabeça sobre a mesa com uma batida forte.

Aquilo não era uma ameaça e sim um desafio. Ser loira e ter rosto inocente fazia com que eu fosse subestimada constantemente e era isso o que ela estava fazendo agora. Ela estava prestar a descobrir que era preciso mais do que algumas rodadas de tequila para me derrubar.

Calmamente ergui o copo que estava à minha frente e o virei delicadamente em um único gole todo o seu conteúdo sem ao menos mudar de expressão. Devolvi o copo à mesa, peguei um limão e levei até os lábios sentindo o amargo invadir minha boca se sobrepondo ao calor que o álcool havia deixado na minha língua.

Ela parecia desconcertada pelo fato de eu não ter ao menos mudado de expressão ao fazer aquilo, mas sua expressão logo mudou para uma mais alerta e ela pegou o outro copo fazendo o mesmo ritual. Repetimos o mesmo processo, uma desafiando a outra cada vez mais, até que tivemos que chamar o garçom novamente para uma nova rodada.

Eu tenho que admitir que eu até que estava me divertindo com aquilo. Me fez lembrar da minha festa surpresa que Victor e Anne haviam feito para o meu falso aniversário. Os brindes e as risadas, a sensação de que eu podia ser assim, uma adolescente me divertindo com meus amigos à minha volta.

‘Você tem um destino traçado e uma missão à cumprir, mas está cega demais pelo desejo de ter o que não é seu para conseguir ver o que está à sua frente.’ As palavras do mensageiro vieram à minha mente enquanto eu via o rosto de Casimir, Anne, Victor, a vida que eu poderia ter. Cega

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demais pelo desejo de ter o que não é meu, essa era a definição que o mensageiro havia usado e as palavras pareciam gravadas na minha mente, me queimando como um ferro em brasas.

Meus olhos arderam por um momento e eu precisei respirar fundo para não ser envolvida pelas imagens que ainda me perseguiam. Sangue, morte, não importava o que eu teria que fazer ou o que eu teria que encontrar contanto que aquelas cenas nunca se concretizassem.

O garçom se afastou e quando olhei o rosto da garota ela sorria, mas não era um sorriso gentil. Seus lábios estava recolhidos em um sorrido malvado e nada amigável. Seus olhos focados em algo acima da minha cabeça, provavelmente alguém que havia entrado no bar, um amigo ou inimigo, talvez. Escutei passos se aproximarem da nossa mesa e então uma voz fez eu querer ter a habilidade de me transformar em fumaça como aqueles vampiros do Stoker. Mas eu não tinha tanta sorte.

"Ora, ora." A voz ecoou em meus ouvidos e era tão agradável quanto o som de unhas arranhando um quadro negro. "Se não é a garota que partiu meu coração e me deixou com o peito sangrando."

Virei meu rosto encontrando os olhos pálidos de Liam me observando com cruel satisfação e minha garganta ficou seca repentinamente. Eu sabia que nossos caminhos iriam se cruzar novamente quando o deixei viver, mas eu achei que estaria mais preparada para isso.

Ele andou até a garota inclinando sua cabeça e partindo seus lábios revelou suas presas. Meu sangue congelou ao pensar no que ele iria fazer, mas quando olhei para o rosto da garota seus olhos estavam fixos em mim. Liam deslizou languidamente as presas sobre a pele dela até duas finas linhas vermelhas se formarem sobre a clavícula.

Com um sorriso maldoso e cheio de significado ela se ergueu e ele se sentou no banco à minha frente colocando as mãos sobre a mesa e entrelaçando os dedos. A garota, Sorrow, se sentou ao seu lado e cruzou os braços sobre o peito observando meu rosto com um sorriso tão venenoso nos lábios que me fez questionar se aquele encontro havia realmente sido ao acaso ou se Liam teria armado tudo aquilo.

“Então, de onde os pombinhos se conhecem?” Sorrow falou erguendo a sobrancelha para mim. “O que aconteceu kit-kat?” Liam falou ironicamente. “O gato comeu sua língua?” Eu não sabia o que dizer e nem o que pensar. Sorrow certamente sabia o que Liam era, pois o

fato dele ter arranhado ela com as presas não pereceu afetá-la. Na verdade, parecia algo tão comum entre os dois como um aperto de mãos entre amigos, um beijo entre amantes.

Talvez minha primeira impressão dela estivesse errada e ela não era nada melhor do que o vampiro sentado à minha frente. Que tipo de monstro ela era e o que teria unido os dois?

Meus olhos vagavam sobre o rosto dela tentando ver o que se escondia por trás da máscara, mas talvez meu erro fosse acreditar que aquela era uma mascara. Talvez ela fosse tão má quanto seu hostil exterior nos deixava acreditar. O fato é que nada disso mudava o fato de que eu estava presa à ela até que eu conseguisse a chave e o que diabos ela abria.

“Em um bar.” Falei forçando um sorriso nos lábios. “Engraçado.” Ela falou soltando uma risada sem humor e olhando em direção à Liam

momentaneamente. “Isso parece acontecer muito.” “O tempo todo.” Liam falou parecendo nenhum pouco afetado pela acusação velada feita por ela. “Deixa eu adivinhar. Ele chegou sem ser convidado, oferecendo uma bebida que você não pediu

e jogando aquele papo de ‘eu sei ler mentes’ achando que você ia se derreter, mas na verdade isso só fez você achar que ele era um tarado psicótico. Estou certa?”

“É essa a história que você vai contar para os nossos netos?” Liam falou soltando uma leve risada.

“Você não vai me responder?” Sorrow perguntou ignorando Liam. “Sua mãe não lhe disse que é falta de educação não responder quando os outros fazem uma pergunta?”

“Ela é tímida.”Ele falou colocando sua mão ao redor do queixo dela e a fazendo olhar em seus olhos. “Nos deixe a sós.”

Os olhos dela se tornaram vazios e ela piscou várias vezes até que eles voltaram a se focar. Então ele trouxe seu rosto para próximo do dele lhe dando um longo beijo. Longo o bastante para eu ficar inconfortável.

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“O que você pensa que está fazendo?” Perguntei assim que ela se afastou da mesa o bastante para não conseguir mais nos escutar.

“Eu poderia lhe fazer a mesma pergunta.” “Não é da sua conta.” Respondi com voz fria me inclinando em sua direção. “Cuidado.” Sua voz era apenas um sussurro e em um movimento rápido ele segurou meu queixo

com força o suficiente para eu saber que ele falava sério. “Seja boazinha comigo e, talvez possamos chegar a um acordo.”

Segurei sua mão forçando seus dedos a se abrirem soltando meu rosto e me afastei rapidamente colando minhas costas na parede atrás de mim. Acordo? Como se eu fosse fazer qualquer tipo de acordo com ele.

“Eu tenho algo que você quer.” Ele começou se recostando na cadeira. “E você tem algo que eu quero.”

“Você andou se alimentando de algum drogado ultimamente?” Sacudi a cabeça cruzando os braços sobre meu peito. “Você só pode estar delirando se pensa que tem algo que eu queira.”

“Não se faça de boba, isso não é nada atraente.” Ele falou cruzando também os braços me imitando em um gesto exagerado. “Você sabe muito bem que estou falando da nephilin.”

Ele estava blefando, só podia ser isso. Nem eu mesma sabia que estava procurando ela até encontrá-la. Como ele podia saber disso antes mesmo de eu saber? Mas por outro lado, como ele a tinha encontrado antes de mim?

“Eu tenho meus contatos.” Ele respondeu como se lesse a expressão no meu rosto. Eu abri minha boca para falar e um som estridente me interrompeu me deixando muda com os

lábios entreabertos. Nós dois viramos a cabeça para o lugar de onde o grito havia vindo e em um piscar de olhos corremos em direção à porta de saída dos fundos do bar.

A porta estava emperrada, mas bastou eu colocar um pouco de força para ela se abrir com um estrondo. Do lado de fora havia um beco e a luz oscilava com o piscar da lâmpada do poste. O tempo tinha se passado tão rápido e eu não percebi que já era noite.

Sorrow estava de joelhos no chão com as mãos ao redor do pescoço. Ela lutava para respirar como se alguém a estivesse sufocando.

"Escroto. Dos. Infernos." Ela balbuciou entre cada respiração forçada. Foi só depois de ela ter falado que notei o homem caído a alguns metros de distância dela. Uma

linha vermelha escura ia de um lado ao outro do seu pescoço e seus olhos estavam fixos no infinito. Liam foi até ela passando por mim como uma rajada de vento sem ao menos me tocar. Observei

enquanto Sorrow segurava a mão dele como apoio para se erguer ainda tossindo pela falta de ar. "Encantador." Uma voz exclamou vinda da entrada do beco. "Theron?" Como ele havia me encontrado? "Amiguinho seu, Kit-Kat?" Liam falou entre os dentes em quase um rosnado. "Você está bem, garota?" Theron falou andando até Sorrow, mas Liam se posicionou entre os

dois agora rosnando de verdade, em alto e bom som fazendo Theron parar onde estava. "Você também vai levantar a perna e mijar em mim?" Sorrow falou irritada se afastando de

Liam, mas ele é mais rápido e a segurou puxando-a para si. "Se isso manter você viva, sim, é o que vou fazer." Liam respondeu sem tirar os olhos de Theron,

presas expostas. "Vampiro," Theron falou erguendo as mãos. "Eu acabei de salvar ela de um demônio, não me

force a salvá-la de dois." "Você não me salvou." Sorrow falou soltando um sol de desdém. "Eu estava indo bem até você

se meter e estragar tudo." Ela se desvencilho dos braços de Liam e foi cambaleando até seu sapato que estava jogado do outro lado do beco.

"Sim, claro. Eu vi isso quando avistei você pendurada no ar a beira da morte por asfixia." Theron falou soltando uma risada forçada.

Nesse momento escutei passos rápidos vindos de trás de mim e quando me virei quase não consegui desviar da lâmina que vinha em minha direção. Ele era alto, corpulento e usava um

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avental. Era o barman que estava no balcão quando o mensageiro apareceu. Eu não tinha prestado atenção nele antes, mas agora eu via nitidamente seus olhos vazios. Ele era um sem alma.

Sem alma eram humanos que faziam acordo com demônios em troca de suas almas e, após conseguissem o que queriam no acordo, eram fadados a perambular pelo mundo como escravos. Eram como peões sem consciência que faziam tudo o que lhes era ordenado pelo demônio à quem pertenciam. Não havia escolha e eles não podiam desobedecer por mais que quisessem.

Usados como marionetes para fazer o trabalho sujo dos demônios e, muitas vezes, usados para serviços que exigissem sair à luz do dia. Os sem alma era o que chamavam de mão de obra fácil para os serviços braçais para os demônios noturnos usufruírem como bem entendessem.

“Katryna.” Theron exclamou um pouco antes de eu sentir a lâmina beliscar a pele do meu braço e eu me virei rapidamente encarando meu segundo oponente.

Ele era tão alto quanto o outro, mas não era tão corpulento e isso o fazia mais ágil que o barman. Eu precisei girar e me jogar para o lado para que ele não me acertasse novamente, mas assim que consegui ganhar meu equilíbrio novamente segurei seus punhos. Com um movimento firme eu os puxei para baixo sentindo seus ossos estalarem sobre minhas palmas e ele cair de joelhos a minha frente.

Theron tinha segurado o barman e também o imobilizou o pressionando contra o chão. Mesmo estando incapaz de se mover o sem alma não parava de lutar e esbravejar espirrando sangue e saliva pelo chão ao seu redor.

“Amiguinhos seus?” Falei me dirigindo à Liam que permaneceu assistindo a tudo sem se mover. "Eu não tenho amigos." Ele respondeu friamente focando seus olhos nos meus. Liam era imune à compulsão graças a uma tatuagem que ele carregava estampada sobre o peito,

então eu não tinha como ter certeza se ele estava falando a verdade ou se aqueles dois estavam trabalhando para ele. Nós permanecemos com o olhar fixo um no outro como se estivéssemos em um concurso para ver quem pisca primeiro. Nenhum de nós dois queria ser o primeiro a desviar o olhar e mostrar fraqueza.

Modéstia a parte, eu sou ótima neste jogo e estava indo muito bem. A vitoria seria certa se o sem alma que eu estava segurando não tivesse começado a se contorcer em espasmos violentos me fazendo perder o equilíbrio e quase ir ao chão.

Eu o segurei com mais força tentando mantê-lo parado, mas os espasmos eram fortes sacudindo seu corpo inteiro. Tão subitamente quanto elas chegaram, as convulsões cessaram e ele ficou imóvel sob mim. Imóvel como um boneco que tinha ficado sem bateria.

“Mas o q,,” Comecei a falar, mas fui interrompida por um grito que se ergueu no silencio da noite.

Ergui minha cabeça para ver o outro sem alma passar pelos mesmos espasmos e convulsões. Eu assisti enquanto seus membros se contorciam e seu rosto estava a terrível dor que ele devia estar sentindo.

Assim como o sem alma que eu continuava a segurar, ele parou subitamente de se mover e tudo ficou em silencio novamente. Ao contrario de mim, Theron tinha um inabalável equilíbrio e não foi afetado pela força dos espasmos continuando a segurar o corpo, agora imóvel, preso ao chão.

Virei o corpo do sem alma em meus braços deixando seu rosto de frente para mim e tentei identificar o que havia acontecido, mas no momento em que o virei vi seus olhos sem vida refletirem minha imagem. Meus olhos, imensos como de um cervo assustado, me encaravam no fundo das suas profundas pupilas negras até que pequenos fios negros começaram a cobrir seus olhos rapidamente os tornando opacos. Em poucos segundos a escuridão tomou conta de seus olhos e eles começaram a afundar mais e mais até que me deparei com dois buracos negros me encarando.

Meus olhos começaram a ficar pesados e minha visão começou a embaçar como se eu estivesse vendo através de uma camada espessa de plástico, mas eu não conseguia desviar. Minha boca estava seca como se eu tivesse engolido algodão e eu me sentia zonza, então senti todo o lado esquerdo do meu rosto queimar e minha cabeça ir violentamente para trás.

"O que você pensa que está fazendo?" Escutei a voz de Theron se aproximando de mim enquanto eu tentava entender o que havia acontecido.

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"Estou salvando ela." Liam respondeu como se o fato dela me estapear fosse normal em um salvamento.

"O quê?" Perguntei confusa tocando meu rosto com minha mão direita. "De nada." Ele falou se abaixando. "Da próxima vez lembre-se de não olhar nos olhos de um

sem alma enquanto eles são levados ou vai acabar no mesmo lugar que eles." Levados? Eu já tinha escutado algo sobre isso. Esse era o termo usado para quando o contrato

dos sem alma era interrompido e eles morriam, por assim dizer. Mas eu nunca tinha visto isso acontecer e não me lembrei da parte mais perigosa.

Ao olhar nos olhos dos sem alma enquanto eles morrem sua alma é sugada e você fica preso nos mundo dos mortos junto com ele. Você não chega a morrer, mas seu corpo vira uma casca abandonada no plano terreno enquanto sua alma vaga sem nunca encontrar descanso em sua busca pelo caminho de volta.

"E o tapa era realmente necessário?" "Não." Ele respondeu sem erguer os olhos. "Mas você está em débito comigo então resolvi unir o

útil e o agradável." "Eu deixei você viver." "E foi por isso que não deixei você ser levada por ele." Ele falou se erguendo com um papel que

ele havia retirado da jaqueta do sem alma. "Mas não conte com isso para lhe salvar mais vezes." "Desgraçado." Sorrow falou após uma longa pausa e andou determinada até o sem alma caído

aos pés de Theron. Ela parou a alguns centímetros dele, o observou com expressão de desdém por alguns segundos e

então começou a chutá-lo. O corpo dele balançava para trás e para frente com a força de cada golpe, mas já não sentia mais nada e não emitia nenhum som. Nós escutamos o estalar de costelas se quebrando e ela parou colocando os cabelos para trás da orelha e respirando fundo.

"Você leva a expressão 'chutar quem está caído' a um nível totalmente novo, garotinha." Theron falou sorrindo, mas Sorrow pareceu não ter gostado de ser chamada de 'garotinha' e lhe lançou um olhar que congelaria um vulcão emitindo um som que mais parecia um rosnado.

Estou começando a gostar dela. Falei através da nossa conexão mental. "Eu sabia." Liam falou examinando o papel em suas mãos. "Nós precisamos sair daqui." Ele ergueu o papel em minha direção e eu vi uma foto da Sorrow. Aqueles sem alma não

estavam ali por acaso, eles estavam atrás dela e não demoraria muito para mais deles irem ao nosso encontro.

Como Theron e eu estávamos sem carro decidimos que era melhor irmos no carro deles para o nosso hotel. Lá teríamos como nos proteger melhor até decidirmos qual seria nosso próximo passo, mas eu senti que Liam já tinha algo planejado para nós.

Entramos no carro e Sorrow sentou na direção ligando o rádio alto o bastante para fazer meus tímpanos vibrarem e fechou os olhos respirando fundo. Liam levou a mão até o painel e desligou o som para a satisfação dos meus ouvidos, mas então ela se virou para ele lhe lançando um olhar venenoso.

"A porra do carro é meu e se eu quiser escutar a porcaria da musica eu vou escutar a porcaria da musica."

Theron e eu assistimos boquiabertos enquanto ela ligava de novo o rádio e Liam, para a minha surpresa, não fez nada. Eu devia estar tendo alucinações porque sua única resposta foi um sacudir de cabeça enquanto ela ligava o carro.

Eu definitivamente gosto dela. Theron falou soltando uma risada através da nossa conexão eu precisei me segurar para não rir.

Talvez eu não conhecesse Liam tão bem quanto eu pensava ou talvez essa garota fosse bem mais do que aparentava.

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7. Sonhos e Pesadelos7. Sonhos e Pesadelos7. Sonhos e Pesadelos7. Sonhos e Pesadelos

MMMMesmo depois de tudo que passei e tudo que descobri sobre Aislin, eu tenho que admitir que

aprendi muito com ela. Ela pode não ter tido as melhores das intenções, mas seus ensinamentos me ajudaram a lidar com muitas situações que eu jamais imaginava serem possíveis. Situações que podiam ter me custado a vida.

Uma de suas sábias lições era ‘Mantenha seus amigos perto e seus inimigos mais perto ainda’. Pessoalmente eu achava meio contraditório, afinal, manter seus inimigos perto era se expor e ficar indefesa. Eles teriam fácil acesso à você assim como você a eles. Como isso poderia ser uma boa coisa eu não tinha idéia.

Independentemente do que eu achava sobre o assunto, essa lição estava prestes a ser posta à prova. Liam e Sorrow estavam a uma fina parede de distância de mim e eu ainda não sabia que tipo de planos Liam tinha em mente. Graças ao ataque dos sem alma nossa conversa havia sido interrompida antes que eu pudesse conseguir algumas respostas.

Após fugirmos do bar, fomos até o hotel em que os dois estavam para buscar as poucas coisas que eles mantinham lá. Isso me fez pensar que eles estavam na estrada a algum tempo considerando que a maioria das roupas já estava em uma mala pronta para ser levada. Então voltamos para o hotel em que Theron e eu estávamos hospedados e conseguimos um quatro para Liam e Sorrow que fosse ao lado do nosso. Theron os queria o mais próximo possível para que pudéssemos vigiá-los.

Já passava das onze horas da noite e, mesmo com meus olhos pesados pelas noites mal dormidas, eu não tinha intenção alguma de dormir sabendo que estava apenas alguns centímetros de distância de um vampiro que eu tinha enfiado uma faca no peito para conseguir informações. Em verdade, eu tinha poupado sua vida, ou o que quer que fosse que ele tinha que o mantinha andando entre os vivos, mas isso não o impediria de deixar o placar empatado entre nós dois.

Theron tinha saído para buscar algo para comer já que o serviço de quarto era só até as nove horas da noite e eu me encontrava sozinha no vazio do quarto sentada de pernas cruzadas sobre a cama e encarando a parede que separava nosso quarto do deles. Meus olhos estavam focados como se, se eu me concentrasse o bastante, conseguiria ver o que estava do outro lado dela, mas depois de um tempo já estava ficando irritada com todo aquele silencio.

Se eu quisesse saber o que aqueles dois estavam tramando eu que fazer mais do que simplesmente ficar olhando sem piscar para a parede. Eu tinha que tentar fazer meu pequeno truque e ver o que estava acontecendo naquele quarto. Tentar entrar na cabeça de Liam seria equivalente a tentar enxergar através da parede a minha frente, frustrante e inútil. A tatuagem o protegia de qualquer tentativa de invasão à sua mente, mas eu tinha a intuição de que ele não tinha protegido a garota.

Quando estávamos no bar ele tinha usado compulsão nela e eu tenho certeza de que ele não iria correr o risco de perder o controle sobre ela, mesmo que isso a deixasse vulnerável à influencia de outros também. Então eu respirei fundo e foquei minha mente na garota que estava do outro lado da parede me preparando para o momento em que minha mente penetrasse a sua.

"Que diabos estamos fazendo aqui?" a voz da garota ecoou na minha mente enquanto sentia suas emoções fluírem através de mim.

Eu me sentia fria e vazia como se minhas forças tivessem sido drenadas de mim. Eu sabia que ela não era humana, mesmo assim eu pensei que encontraria algum sentimento humano nela, mas tudo que conseguia sentir era a ausência dele. Eu queria ir mais fundo, tentar encontrar o que havia tornado ela tão inumana, mas eu a senti pausar e sabia que ela tinha notado que algo estava diferente então decidi que era melhor apenas observar, por agora.

"Esse hotel é uma vergonha." Liam falou ignorando a pergunta dela e se erguendo com mini garrafas de bebidas em suas mãos. "Você acha que pelo preço que eles cobram teriam bebida de melhor qualidade. Que decepção."

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Sorrow cruzou os braços sobre o peito e o observou soltando um suspiro e sacudindo a cabeça. Ele ergueu a cabeça e lhe lançou um olhar que valia mais do que mil palavras. Liam estava sem camisa deixando seu peito a mostra e usava uma calça jeans preta com cós baixo, baixo o bastante para eu saber que ele não estava usando roupa de baixo.

Assim como qualquer vampiro, Liam tinha musculatura línea, tórax desenhado e uma postura que deixaria qualquer modelo masculino da Calvin Kline com inveja. As tatuagens destacavam sua pele alva e seus olhos azul pálido pareciam acesos em contraste com seus cabelos escuros.

Ele ergueu o canto dos lábios e a imagem me lembrou uma pantera se aproximando da presa indefesa e hipnotizada pelos movimentos do seu predador. Não, aquele não era meu pensamento, era o que a garota estava pensando e não eu. Eu achava Liam repulsivo, eu não podia me esquecer disso não importa o quanto ele podia parecer aos olhos da garota, eu sabia que ele não passava de um vampiro frio e sem vida.

"O que diabos estamos fazendo aqui?" A garota repetiu a pergunta aparentemente inabalada pela imagem que estava vendo.

"Aproveitando a hospedagem." Ele falou se sentando na cama e escorando na cabeceira enquanto virava uma das garrafas em seus lábios.

"Eu não confio naqueles dois." Pelo menos nós tínhamos algo em comum, desconfiança mútua. "E por acaso você confia em mim?" "O que você acha?" "Eu acho que você tem coisas mais importantes para se preocupar do que aqueles dois no

momento." "Mesmo?" Ela falou com ironia na voz. "Como o que, por exemplo?" "Ah, eu não sei. Quem sabe o fato de você ter quase morrido hoje?" Ele respondeu com o mesmo

tom irônico enquanto virava outra garrafinha em seus lábios e passava as costas da mão para secar as gotas que escorriam sobre seu queixo.

"Eu tinha a situação sob controle." Ela falou irritada, mas eu sentia que o que a deixava irritada era parecer fraca nos olhos dele e não por ter quase morrido.

"Claro que tinha." "Quem sabe se você não estivesse se derretendo pra cima da Katy Sue você teria percebido."

Katy Sue, até onde eu tinha percebido, era eu e pelo que podia sentir, minha conversa a sós com Liam não tinha rendido muitos pontos com Sorrow.

Ele ergueu os olhos os passando cuidadosamente sobre o rosto dela e franzindo a testa levemente.

"Você está com ciúmes?" "Vai pro inferno!" Ela falou soltando um rosnado e se virou indo em direção ao banheiro. Em um piscar de olhos Liam estava na sua frente e seus olhos a observavam com curiosidade. "Você esta com ciúmes." Ele falou acentuando cada palavra calmamente. "Isso é,,, adorável." Sorrow soltou um som de desgosto e deu dois passou para trás, mas não sem antes vagar os olhos

sobre a tatuagem que cobria o peito dele. De perto eu podia ver o quão intricada e cheia de detalhes ela realmente era, mas antes que pudesse examiná-la melhor a garota desviou os olhos e se virou.

"Adorável o caramba." Ela falou andando para longe dele. Uma musica começou a tocar e ela parou se virando lentamente em direção a Liam. O solo de

guitarra era alto e fazia a minha pele, a pele da garota arrepiar. Eu sentia que aquela musica significava algo para ela, ela gostava daquela musica.

Liam estava parado em frente ao aparelho de som com a mão estendida em direção à Sorrow. Ela ficou alguns segundos observando a mão antes de finalmente dar um passo em direção até ele. Seus dedos tocaram a pele gelada e ele a puxou contra seu peito enlaçando sua cintura com o outro braço.

"Você é tão irritante." Ela falou erguendo a cabeça em direção à ele. "Isso faz parte do meu charme." Ele falou passando os dedos sobre a pele do pescoço dela e um

arrepio subiu sua espinha fazendo seus músculos tencionarem. Eles começaram a se mover ao som da musica, seus corpos colados e eu podia jurar que estava

sentindo o ritmo de um coração contra meu peito. Mas isso era impossível, vampiros não tinham

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ritmo cardíaco. Provavelmente era algum truque que ele estava fazendo para fazê-la acreditar que ele tinha um coração e fazê-la pensar que ele ainda tinha algo humano nele.

Senti seu rosto ir em direção à ela e seus lábios tocarem seu pescoço. Ok, era hora de eu dar o fora dali antes que eu experimentasse algo que eu realmente não queria. Me concentrei tentando ignorar seus lábios deslizando sobre meu pescoço e quando finalmente consegui voltar ao meu corpo meu coração estava acelerado e a ultima coisa de que me lembro é a sensação de presas roçarem contra minha pele prestes a me perfurarem.

Minhas mãos foram instintivamente em direção ao local onde eu ainda sentia as pontas afiadas tocarem a pele do meu pescoço. Não, não do meu pescoço, do pescoço da Sorrow. Eu sabia que era uma ilusão, apenas um eco do que eu havia sentido enquanto estava na mente dela, mas mesmo assim uma sensação de alívio caiu sobre mim ao sentir minha pele intacta sob minha mão.

Liam estava se alimentando dela e, pelo que percebi da reação dela, aquela não era a primeira vez. Na verdade me pareceu que ela gostava de ser mordida por ele. No momento em que as presas dele tocaram sua pele eu senti seu corpo tencionar em antecipação pelo momento em que elas a penetrariam e escutei a excitação em sua mente. Sorrow não apenas gostava, ela ansiava pela mordida e pelo toque das mãos dele sobre seu corpo.

Ele não a estava usando apenas para se alimentar, nem ao menos usava compulsão para fazê-la cooperar, não havia necessidade disso. Ela estava alerta e ciente de cada decisão que tomava.

A lembrança de Casimir veio a minha mente e de como sua voz soou rouca e languida ao meu ouvido quando ele me pediu que o mordesse. Eu ainda podia sentir sua pele, seu perfume e de como naquele momento meu corpo ansiava por ele. O pior de tudo é que mesmo após todos aqueles anos, mesmo com a distância nos separando, mesmo sabendo que minha decisão era para salvá-lo, eu ainda ansiava por ele.

"Descobriu alguma coisa interessante?" A voz de Theron era relativamente baixa, um pouco mais alta que um sussurro, mas após tanto

tempo em silencio o som repentino me fez dar um sobressalto. Meus olhos se focaram novamente e virei levemente minha cabeça para a esquerda me deparando com ele sentado confortavelmente na poltrona me observando.

Theron estava usando uma camiseta cinza sem mangas que envolvia seu dorso como uma luva e uma calça jeans que lembrava vagamente a que Liam estava usando. Por um instante a imagem de Liam veio a minha mente, mas embora os dois tivessem quase a mesma altura, Theron era ainda um pouco mais alto e sua estrutura era maior, seus músculos mais definidos. Ele não chegava a ser exagerado como alguns humanos viciados em musculação, mas era sólido e até mesmo intimidante.

Um guerreiro, Theron era um guerreiro do inicio ao fim, da pose até o modo como lutava. Um guerreiro que podia ler meus pensamentos, algo que tinha escapado totalmente minha mente, e agora estampava um sorriso irritando no rosto. Um sorriso que eu queria muito tirar a tapa dele.

"Não diga uma palavra ou eu não respondo por meus atos." "Eu não disse nada." Ele falou erguendo as mãos defensivamente. "Só perguntei se você tinha

descoberto alguma coisa interessante sobre nossos novos vizinhos." Theron havia descoberto sobre meu dom de entrar na mente dos outros quando tentei entrar em

sua mente, sem nenhum resultado devo acrescentar, e me explicou que aquele era um dom dos anjos. Me disse que todos os anjos o possuíam em diferentes níveis de acordo com sua posição na escala celestial, sua posição social no céu por assim dizer.

Me explicou que até mesmo os anjos caídos possuíam esse dom. Que mesmo após perderem suas asas eles mantinham dons celestes. Mesmo assim, ele me falou que nunca tinha visto ou escutado falar de tais dons serem herdados por nephilins. Parecia que quanto mais eu descobria sobre meus dons, mais eu me dava conta do quanto eu ainda não sabia sobre mim mesma e minhas origens.

"Nada útil." Falei descruzando minhas pernas. "Sorrow não confia em nós e estou certa de que Liam tem algo planejado para ela, mas eu ainda não sei o que é e tenho a impressão de que nem ela mesma sabe."

Theron apenas escutou minhas palavras e pareceu ponderar sobre elas como se estivesse tentando decifrar algum significado escondido.

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"O que é isso?" Perguntei apontando para o saco de papel pardo que estava no chão recostado ao lado da poltrona.

"Ah, isso é um pedido de desculpas." "Desculpas?" Theron nunca pedia desculpas. "Sim." Ele ergueu o saco de papel e andou em minha direção estendendo-o a minha frente. "Eu

sei que agi como um idiota hoje de manhã gritando daquele jeito com você." Eu peguei o saco de papel das suas mãos e olhei dentro, a curiosidade tomando o melhor de

mim. Ele tinha me trazido um pote de sorvete de baunilha com pedaços de chocolate, meu favorito, e algo que eu não esperava.

"Tequila?" "Considere como uma oferta de paz." "Eu não sei." Falei hesitando enquanto olhava a garrafa em minhas mãos. "A ultima vez que bebi

o que você me ofereceu eu acabei em um hotel barato, algemada em uma cadeira." Theron havia drogado minha bebida no dia em que Victor e Aine fizeram a festa do meu

aniversário de mentira em um bar chamado BlackCat que ficava nos arredores da cidade Whispering Hills. Após ter me atacado do lado de fora do bar, ele me levou inconsciente até um hotel de beira de estrada em outra cidade.

Horas mais tarde eu acordei me dando conta de que estava em uma cadeira com os pulsos algemados em uma cidade que eu não fazia idéia de onde era. Aquilo parecia ter acontecido a séculos atrás.

"Eu achei que você tivesse mais coragem do que isso." Ele falou desafiadoramente pegando a garrafa das minhas mãos e indo até a mesa. "Além do mais, eu não tenho motivos para te drogar, você já está em um hotel comigo."

Eu dei uma risada forçada e irônica enquanto ele voltava carregando um copo e duas colheres. "Isso é um desafio?" "Por que tudo com você precisa ser uma briga?" Ele falou se sentando no chão e colocando a

garrafa a sua frente. "Você acha que consegue passar uma noite sem ficar na defensiva para tudo?" "Eu não sei ser de outro jeito." Falei honestamente, afinal minha vida inteira eu tive que me

defender e manter minha guarda. Antes mesmo de Aislin aparecer na minha vida. "Trégua." Theron falou puxando meu braço e me fazendo sentar no chão ao seu lado. "Uma noite

de trégua é tudo o que estou pedindo." Eu olhei seu rosto, fixei meu olhar em seus olhos castanhos esverdeados tentando decifrar sua

expressão, mas ele estava sendo sincero. "Certo." Falei pegando a colher e abrindo o sorvete. "Eu vou tentar." "Que tal tornarmos isso mais interessante?" "Como assim?" "Verdade ou conseqüência." Ele falou colocando uma colher cheia de sorvete na boca. "Não." Respondi sacudindo a cabeça e tentando me levantar, mas ele me segurou me puxando de

volta para o seu lado. "Katryna, você prometeu." "Eu prometi uma noite de trégua e não de jogos adolescentes." "Pense por esse lado, você vai poder perguntar o que quiser ou me mandar fazer o que quiser e

eu vou ter que fazer por que essas são as regras do jogo." Ele falou erguendo a sobrancelha como se estivesse tentando me seduzir com suas palavras. Dizendo exatamente o que tinha certeza que me faria cooperar e aceitar seu joguinho infantil.

Uma bandeira branca para eu explorar a mente de Theron era uma chance em um milhão e era uma oferta bastante tentadora. Ele via em meus olhos como eu queria dizer sim, mas se eu aceitasse isso significava que ele também teria passe livro para me perguntar o que ele quisesse e eu teria que responder. Mesmo que eu tentasse mentir ele ainda veria em minha mente e isso o deixava em vantagem sobre mim.

"Eu aceito." Minha curiosidade seria minha ruína. "Você primeiro." Um sorriso se abriu em seu rosto enquanto ele encheu o copo com tequila.

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"Verdade ou conseqüência?" "Verdade." Ele falou bebendo todo o conteúdo em um único gole. "Por que você está comigo?" O fato de Theron ter me seguido e estar me ajudando ainda era um mistério para mim então

resolvi aproveitar essa oportunidade para fazer a pergunta que sabia que, em outra ocasião ele não me responderia.

"Eu tenho uma missão a cumprir e para conseguir isso preciso estar com você." Ele respondeu tão automaticamente que por um momento me perguntei se ele tinha bolado essa resposta a muito tempo prevendo que eu a faria mais cedo ou mais tarde.

"Mas que tipo de missão?" Perguntei enquanto ele enchia o copo novamente. "Não. Nada de perguntar mais de uma vez sobre o mesmo assunto e além do mais, agora é a

minha vez." "Mas," Eu comecei a protestar, mas ele ergueu o copo a minha frente me interrompendo. "Verdade ou conseqüência?" "Verdade." Respondi contrariada bebendo o conteúdo do copo em um único gole como ele havia

feito. "Quem é Mihai?" Suas palavras foram como um soco no meu estômago fazendo o ar sair em um acesso de tosse

causado pela minha surpresa. Eu sabia que minha decisão de aceitar participar daquela brincadeira ia fazer eu me arrepender, mas eu não achei que fosse ser tão cedo.

"Foi alguém que eu conheci há muito tempo." Respondi usando a mesma técnica evasiva dele e devolvi o copo vazio.

Ele estreitou os olhos como se dizendo que sabia o que eu estava fazendo, ficando na defensiva novamente. Mesmo assim ele não falou nada, pois sabia que eu estava apenas refletindo o que ele havia feito. Se ele queria que minhas respostas fossem mais detalhadas do que isso ele teria que dar o primeiro passo.

"Verdade ou conseqüência?" "Verdade." Seus olhos ainda me observavam com desconfiança, mas ele não hesitou em sua

resposta enquanto enchia o copo novamente. "Você se sente culpado pelo que aconteceu com a Samyra?" Agora era a vez dele ser golpeado. Assiste seus olhos se alargarem em espanto com a minha

pergunta e, em um movimento leve, Theron levou o copo até os lábios e lentamente bebeu seu conteúdo como se estivesse usando o tempo para pensar. Eu continuei esperando pacientemente por sua resposta.

O silêncio se estendia enquanto eu observava seu perfil imóvel, olhos fixos na parede à nossa frente, mas sem realmente enxergá-la. Eu estava começando a achar que ele não iria responder quando ouvi sua voz sair em um sussurro tão fraco que não tive certeza se ele realmente tinha dito algo.

“Theron?” “O tempo todo.” Ele respondeu um pouco mais alto confirmando a resposta que eu havia

escutado da primeira vez. “Eu,” Ele se virou em minha direção e sua expressão me fez perder as palavras e esquecer o que

eu estava prestes a dizer. “Samyra me deu uma alma, me mostrou sentimentos e me ensinou mais do que eu jamais

pudesse imaginar.” Sua voz firme e calma. “Por mais que eu queira, o passado está feito, culpa não ira mudar isso.”

Em um movimento quase mecânico ele encheu novamente o copo e bebeu seu conteúdo sem nem mudar de expressão.

“O tempo cura tudo.” Ele falou enchendo o copo novamente. “Esse é um ditado que provavelmente você já deva ter escutado.” Seus lábios se curvaram levemente em um meio sorriso que não chegou a alcançar seus olhos e em um piscar deixou seu rosto.

“Sim.”

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“Essa é uma cura que não se aplica a nós. Nunca esquecemos não importa a quantidade de tempo que passe. Séculos, milênios não afetam em nada nossa memória. Quando eu fecho os olhos consigo ver nitidamente cada detalhe dela e sentir a dor de quando a perdi.” Ele estendeu a mão a minha frente com o copo e eu o aceitei sem ter certeza do que fazer com ele. “Por isso precisamos ser mais fortes que eles.”

Eu sabia que o que ele estava falando era verdade, pois cada uma das minhas lembranças tinha a nitidez do momento em que aconteceram. Nada ficava mais brando, imagens não se embaçavam com o passar do tempo e, se eu buscasse em minha mente podia sentir elas como se estivessem acontecendo de novo.

A memória da dor que senti quando perdi meu pai, a imagem de minha mãe quando a encontrei morta, a lembrança do dia em que Mihai sacrificou sua vida por mim, a visão da dor estampada no rosto de Casimir quando o deixei, tudo era dolorosamente nítido em minha mente. Cada um deles gravado em mim permanentemente.

Talvez esse seja o motivo de eu não poder sonhar, mas então me lembrei de que Theron sonhava e ele era um anjo. Anjos podiam sonhar, mas eu não sou um anjo, sou um nephilin, raça originada da união de anjos caídos com humanos e condenada pelo ‘todo poderoso’. Durante minhas aulas na capela eu sempre aprendi o quão bondoso e piedoso nosso Senhor era com seus filhos, mas a idéia de que esse mesmo Deus tivesse me sentenciado a uma maldição como aquela me fazia achar que existiam dois Deuses ao invés de um.

"Verdade ou conseqüência?" Sua voz quebrou o silencio e quando ergui meus olhos, quebrando minha concentração, seu rosto

não estampava mais a seriedade de segundos atrás. Sua expressão era leve e senti meu estômago dar uma cambalhota ao pensar no que ele poderia estar pensando em me perguntar.

"Conseqüência." "Conseqüência?" Ele ecoou minha resposta cruzando os braços sobre o peito e erguendo a

sobrancelha em minha direção. "Você tem certeza disso?" "Sim." Mas a verdade é que eu não tinha certeza de mais nada. Ele pausou por um momento me examinando. "Sua conseqüência será olhar fixamente dentro

dos meus olhos por um minuto sem piscar ou desviar." "Eu acho que não quero mais brincar disso." Sacudi minha cabeça e comecei a me levantar, mas

ele me puxou me fazendo sentar novamente. "Ok, se você fizer isso eu prometo ,," Ele começou mas eu o interrompi. "Não, isso é infantil e eu estou cansada. "Aquilo não era inteiramente mentira, eu realmente

estava cansada. "Você pode dormir na cama sozinha." Ele falou chamando minha atenção. "A cama de casal,

macia e enorme. Só para você. O que me diz?" Meus olhos foram em direção a cama que estava coberta por um lençol de cetim azul claro e me

imaginei espreguiçando sobre ela. "Certo. Um minuto." Theron, até mesmo sentado era mais alto do que eu então eu fiquei de joelhos e me posicionei a

sua frente tentando mostrar que nossa proximidade não me afetava. Ele constantemente fazia piadas sobre eu ter medo de intimidade então eu não queria dar mais material para o seu repertório.

"Ok," Falei olhando para o relógio ao lado da cama. "Um minuto." Respirei fundo focando meus olhos no dele e tentando ignorar o quão inconfortável o calor da pele dele me fazia sentir.

Sim, eu ia conseguir. Eu só precisava me focar em algo fixo e tentar tirar o que me incomodava da minha mente então me foquei nos detalhes dos olhos de Theron. A cor deles era castanha esverdeados, isso eu já sabia, mas os observando de tão perto eu podia ver como as cores se mesclavam delicadamente neles.

Um aro cor de caramelo mais escuro circulava a iris em um anel sendo seguido por manchas douradas e verdes. Do centro deles saiam raios de um verde um pouco mais intenso que os das manchas os fazendo parecer profundos e criavam a ilusão de que eles se moviam. Eles eram hipnotizantes.

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Eles pareciam crescer cada vez mais e então eu senti a respiração de Theron sobre meu rosto fazendo minha pele formigar e minha respiração acelerar. Eu estava me inclinando cada vez mais em direção à ele sem nem ao menos perceber. Nós agora estávamos à poucos centímetros um do outro. Nossos lábios estavam prestes a se tocar e eu quase podia sentir seu gosto na ponta da minha língua.

Meus olhos desviaram em direção aos lábios dele e quando os ergui vi que ele estava olhando para os meus. Minha boca estava seca como se eu tivesse engolido algodão e molhei meus lábios passando minha língua sobre eles. Theron se moveu como se estivesse respirando fundo e meus olhos se focaram em seus lábios novamente.

O que eu estava fazendo? Aquele era Theron. Eu não podia estar pensando nele em nenhum outro modo a não ser como o anjo que eu não suportava e que sempre conseguia me tirar do sério. Ele era irritante e eu nem ao menos gostava dele. Não, eu ia me afastar, ir para a cama e quando eu acordasse iria fazer de conta que nada tinha acontecido. Sim, esse era um bom plano. E era o que eu ia fazer, agora.

É engraçado como contamos mentiras para nós mesmos e esperamos que, se formos convincentes o bastante, as mentiras se tornem verdade. Mas isso nunca da certo e é por isso que mesmo eu repetindo em minha mente o que eu devia fazer eu continuava me inclinando lentamente em direção aos lábios de Theron. Sim, era uma loucura, mas ali estava eu, coração acelerado e prestes a beijar ele. Em minha mente eu sentia sua boca tocar a minha, lentamente sua língua partiria meus lábios e ,,,

Um grito aterrorizante quebrou nosso pequeno encanto e nos erguemos rapidamente correndo na direção de onde o grito havia ecoado.

Com um leve movimento a maçaneta cedeu e entramos no quarto de Liam e Sorrow. Minha respiração ficou presa quando vi Liam a segurando e ela gritava como se seus ossos estivessem sendo esmagados. Sem pensar duas vezes eu me lancei em direção a eles preparada para arrancá-la de suas mãos, mas Theron me segurou.

Me solte. Eu o ordenei através na nossa ligação. Ele não esta machucando ela. Suas mãos continuavam firmes sobre mim e eu tentei me libertar

mais uma vez sem sucesso. Você está surdo? Não esta ouvindo os gritos de dor? Você não está vendo direito o que está acontecendo. Ele falou calmamente apesar de eu ter

explodido com ele. Olhe. Eu me virei para a cena a minha frente tentando entender o que Theron estava falando. Sorrow se

debatia sobre a cama, os lençóis enroscavam em suas pernas nuas e ela urrava tentando se soltar. Sua camiseta branca estava suja de sangue, mas quando vi Liam percebi que o sangue vinha dele e não dela, pois ainda conseguia ver as marcas de arranhões cicatrizando ao mesmo tempo em que Sorrow o atacava novamente.

Liam estava sentado sobre a cama atrás dela e seus braços estavam firmes ao redor dela sem demonstrar qualquer dor pelos constantes golpes que sofria. Seu rosto estava colado no rosto dela e seus lábios se moviam, mas sua voz era muito baixa para eu conseguir entender o que ele estava dizendo. Os olhos dela estavam abertos, mas estavam desfocados, ela estava sonhando.

Eu preciso ajudá-la. Antes que Theron pudesse me responder eu respirei fundo imergindo minha mente à dela.

Assim que penetrei sua mente senti uma onda de medo me golpear, mas antes que eu pudesse entender do que ela tinha medo eu a vi, Sorrow, ela devia ter aproximadamente sete anos, mas eu sabia que era ela sentada no chão, pequena e frágil com seus joelhos colados em seu peito e seus olhos enormes fixos em minha direção.

Alguém entrou pela porta que estava atrás de mim e tudo ao nosso redor começou a se transformar, as paredes tremiam e uma onda de ódio passou por mim me fazendo ficar sem ar. Meus olhos foram em direção a Sorrow e ela não estava mais sentada. Ela havia se erguido, seu corpo estava coberto de cortes e ela sangrava como se ainda estivesse recebendo os golpes. Seus

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olhos se focaram nos meus como se ela estivesse me vendo e então eu fui jogada de novo para dentro do meu corpo, ofegando e sentindo minhas pernas cederem sob mim.

"Katryna." Theron me virou em seus braços tentando ver meu rosto e ele parecia preocupado. "O que você pensa que está fazendo?"

"Eu não sei como,," Falei ainda ofegante tentando me equilibrar. "Mas ela me expulsou da mente dela."

"Impossível." A voz de Theron parecia firme, mas o modo como ele desviou seu olhar em direção a ela, me fez pensar que uma teoria já começava a ser criada em sua mente.

"O que você viu?" "Um pesadelo." Eu virei meu rosto em direção a Sorrow , ela havia parado de gritar e agora Liam

a embalava em seus braços como se ele estivesse tentando acalmá-la. Os olhos deles estavam fechados e Sorrow não estava mais lutando contra ele. Ele continuava movendo seus lábios de encontro ao seu ouvido e escutei ela respirar fundo relaxando seu corpo de encontro ao de Liam.

"Sobre o que?" Theron sussurrou sem tirar os olhos do meu rosto. "Eu não sei." Minhas palavras pareciam altas demais embora eu tivesse sussurrado elas. Desviei

meus olhos me sentindo desconfortável como se estivéssemos assistindo a um momento intimo entre os dois e a imagem dos olhos de Sorrow no sonho apareceram a minha frente novamente. "Mas o que quer que seja deixou marcas profundas nela."

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8. Território Desconhecido8. Território Desconhecido8. Território Desconhecido8. Território Desconhecido

AAAAlgo estava me incomodando, mas minha mente estava lenta pela sonolência. Após o

incidente no quarto de Liam e Sorrow eu achei que nunca seria capaz de dormir, mas assim que minha cabeça tocou o travesseiro macio do hotel eu percebi que havia subestimado minha exaustão. Meu sono foi profundo e o colchão macio da gigantesca cama com certeza foi um fator determinante para isso.

Luz. Era isso que estava me incomodando. Uma claridade forte pairava sobre meus olhos fechados e sua intensidade estava fazendo eu me acordar de um modo nada confortável. Em um movimento quase letárgico eu me virei de costas para a luz.

Sim. Bem melhor agora. Eu pensei respirando fundo e deixando o ar escapar lentamente dos meus pulmões. Mas assim que me senti confortável novamente eu sabia que não podia continuar dormindo. Eu precisava me levantar e resolver qual seria nosso próximo passo e o que faríamos com Liam e Sorrow.

Relutante eu comecei a abrir os olhos, mas assim que a imagem a minha frente ficou nítida eu os fechei novamente. Alguns segundos depois os abri novamente, mas a situação não tinha se alterado e não estava tendo uma alucinação. Eu estava mesmo vendo a pele dourada e os músculos definidos de Theron somente a alguns centímetros de distancia de mim, na mesma cama.

A luz do sol que entrava através da janela iluminava sua pele nua. Meus olhos deslizaram sobre seu peito e, por um momento, eu tive medo do que encontraria quando meus olhos encontrassem o que estava abaixo da sua linha da cintura.

Theron e eu já tínhamos tido varias conversas sobre o que ele podia ou não vestir para dormir no mesmo quarto que eu. Em minha opinião o mínimo que ele devia usar em minha presença era, pelo menos, a parte de baixo de um pijama, mas isso parecia ser roupa demais para ele e algumas vezes o peguei no quarto com bem menos que isso.

Eu sei o que parece, mas eu não sou puritana e sim, já vi vários homens nus. Bem, vários seria um exagero. Afinal, minha mãe não me criou para me tornar uma qualquer. Mas eu já tinha vista minha parte, uma boa parte, da anatomia masculina. Meus olhos não eram estranhos a tal visão, mesmo assim eu prefiro não adicionar esta distração à minha já complicada existência. Eu já tenho muitas coisas para me preocupar e não quero adicionar um anjo andando nu na minha frente à está já longa lista.

Para o meu alivio, ele estava usando a parte de baixo do pijama. Não que isso cobrisse o suficiente, pois o material era delicado o bastante para desenhar cada curva dele e eu conseguia ter uma idéia bem detalhada do que estava sob a superfície.

Fechei meus olhos tentando me lembrar da minha linha de raciocínio e foi então que me dei conta do que estava errado naquela cena. Theron estava deitado na cama comigo. Na cama que devia ser só minha. Na cama que eu tinha ganhado o direito de ter só para mim por uma noite inteira. Mesmo assim, ali estava ele. Dormindo tranquilamente como se nada tivesse acontecido.

Trapaceiro de uma figa. Pensei olhando fixamente em seu rosto, mas ele parecia estar dormindo profundamente e não deu sinal de que havia me escutado.

Uma luz se acendeu sobre o criado mudo do lado da cama em de Theron estava e um leve som de vibração rompeu o silêncio. Meu celular estava tocando e, como eu tinha dado meu número somente a uma pessoa, não tinha duvidas de quem estava me ligando e da importância daquela ligação.

Me levantei e dei toda a volta ao redor da cama para chegar até o telefone, de jeito nenhum eu ia passar por cima de Theron. Se acordado ele já era imprevisível eu não queria nem pensar o que ele faria dormindo. Não importava o quanto ele se esforçasse para parecer natural e relaxado, no fundo ele era e sempre seria um guerreiro. Sempre alerta e com reflexos rápidos capaz de quebrar meu pescoço como um graveto. Eu não sabia se isso me mataria, mas com certeza não seria uma sensação agradável.

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Apanhei o celular e andei até o banheiro fechando a porta atrás de mim cuidadosamente para não fazer barulho.

"Eu achei que não fosse me atender." A voz exclamou irritada quando apertei o botão verde e eus lábios se abriram em um sorriso amplo. "Você quer me matar de preocupação?"

"Também senti sua falta, mãe." Me sentei na beira da banheira escutando atentamente ele respirar fundo tentando desfazer o sorriso que certamente estava em seu rosto. Victor podia reclamar e fazer cara feia, mas eu sabia que ele se divertia com nossas pequenas discussões e apelidos.

"Como você está, irmãzinha?" Nós não éramos realmente irmãos. Victor era um soldado que a muitos anos atrás havia arriscado

a vida para me salvar de um lobisomem nas ruas desertas da antiga Paris e acabou sendo ferido gravemente no processo.

Eu usei meu sangue para impedir que a infecção do sangue contaminado da besta se espalhasse, mas ainda assim haviam ficado algumas seqüelas. Força sobre-humana, velocidade e longetividade eram algumas delas. Mas o que me preocupava era o modo como seus olhos se transformavam quando ele tinha emoções muito fortes, especialmente adrenalina. Eles ficavam ferozes e perigosamente lupinos.

"Eu estou bem." Eu minto e agradeço silenciosamente por ele não poder mais ler minha mente. Durante o tempo em que passamos juntos nós mantínhamos nossa ligação mental de trocas de

sangue constantes. Mas agora nosso laço estava enfraquecido demais pela falta dessa troca e o máximo que ele podia sentir era uma intuição sobre meu humor e emoções. Isso quando estávamos perto um do outro, a quilômetros de distancia e através do telefone nossa ligação era totalmente anulada.

"Claro e eu fui nomeado Presidente da Associação de Decoradores de Whispering Hills." "Eu não sabia que Whispering Hills tinha uma Associação de Decoradores." "Katryna!" Talvez Victor não precisasse ter uma ligação mental comigo para saber quando eu

não estava falando a verdade. "A mudança da estação já começou?" "O quê?" Ele perguntou confuso pela minha mudança brusca de assunto. "O outono, está começando." Eu podia imaginar Whispering Hills coberta de folhas marrons

enquanto o verão se despedia. "Você não quer saber como eles estão?" Eles, os Heart, nos acolheram em sua casa quando Victor e eu chegamos a Whispering Hills.

Eles nos trataram como se fôssemos sua família. Inclusive ao ponto de colocarem Theron contra a parede e o intimidarem quando ficaram sabendo que ele me levaria ao baile, algo que verdadeiros pais fariam por suas filhas.

Por um momento eu pensei em perguntar se eles estavam bem, se eles estavam felizes, mas isso seria irrelevante. Quando eu os deixei, suas memórias sobre mim foram removidas e, assim como Victor previu, era como se eu nunca tivesse existido. Ver seus olhos me observarem como uma estranha me afetou mais do que eu gosto de admitir e a lembrança disso me fez desistir do meu impulso. Era melhor eu não saber, quanto mais cedo eu deixasse essa parte do meu passado para trás, mas rápido eu poderia mover em direção ao futuro, mesmo que eu não tivesse idéia do que ele seria.

"Eu prefiro saber por que você está me ligando." "Ainne," Ele falou após um momento de silencio. "Ela teve outra visão." "Nenhum arco íris no meu futuro?" Perguntei com voz sem inflexão já sentindo que boas

noticias eram algo distante. "Tempestade à frente e, se ha algum arco íris, ele está coberto por nuvens gigantescas." As palavras de Victor me fez lembrar da visão que o Mensageiro havia me mostrado, mas eu

sacudi a cabeça dispersando o pensamento no momento em que a imagem apareceu por trás dos meus olhos. Eu me afastei, não havia motivo para que ela se concretizasse, mas ainda assim, minha pele se arrepiou pensando em que tempestade estaria à nossa frente.

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Victor me contou sobre o sonho, mas não havia detalhes o bastante para eu ter uma idéia do que realmente iria acontecer e, o mais importante, como eu poderia evitar. Apenas imagens desconexas e palavras soltas no ar que poderiam ou não ficar mais nítidas com o tempo.

"Mais alguma coisa que eu deva saber?" Perguntei ainda digerindo o que Victor havia me contato.

"Sim, Aine pediu para lhe dizer: Doces mentiras cobrem seus olhos, dor é o que a mantém viva." "O que isso significa?" "Não tenho idéia, mas eu manteria meus olhos abertos se eu fosse você." Sua voz se abaixou

como se alguém tivesse entrado e ele não quisesse que nos escutasse. "Katy, eu não sei o que você está procurando, mas eu não certeza se encontrar é a opção mais sabia. Nós não sabemos quem escondeu e nem seus motivos. Talvez fosse melhor continuar perdido."

"A decisão está fora das minhas mãos, Victor. Eu não tenho outra escolha." Falei exasperada revivendo a discussão que tive com o Mensageiro enquanto tentava lutar contra o que ele me dizia.

"Nós sempre temos escolhas, Katryna." As palavras dele ficaram em minha mente após nos despedirmos: Nós sempre temos escolhas.

Sim, ele estava certo, mas minhas outras possíveis escolhas, de acordo com o Mensageiro, não me estavam disponíveis.

Saí do banheiro indo até a cama e me sentei ainda tentando decifrar o que as imagens realmente eram. Assim que toquei o colchão senti algo se mover atrás de mim e quando percebi o que estava acontecendo já era tarde demais. Meus braços estavam erguidos acima da minha cabeça e meu copo estava preso sob o corpo de Theron que me encarava friamente, mas parecia não me ver.

"Theron." Eu fixei meus olhos nele tentando fazê-lo sair do transe que ele estava, mas era como se ele não conseguisse me escutar.

Cada centímetro do corpo dele estava colado ao meu e seu coração batia contra meu peito tão forte e rápido. Naquele momento eu entendi porque algumas pessoas eram claustrofóbicas. Não havia nenhum espaço que eu pudesse me mover e a pressão sobre meu peito estava me deixando sem ar.

Chamei seu nome várias vezes, mas seus olhos continuavam a me contemplar com frieza e suas mãos estavam tão firmes ao redor dos meus pulsos que eu já não conseguia mais sentir minhas mãos. Eu tinha que fazer alguma coisa e não tinha muito que eu pudesse fazer afinal eu era apenas meio anjo e ele era um arcanjo guerreiro muito mais forte do que eu, então eu fiz a única coisa que consegui pensar e torci para que funcionasse.

Usando toda a minha força eu ergui minha cabeça e bati contra sua testa o fazendo soltar um rosnado, mas não foi o bastante para ele me soltar. Aos poucos seus olhos começaram a se clarear como se ele estivesse acordando e, finalmente se dando conta do que estava fazendo.

"Katryna?" Ele perguntou analisando meu rosto e erguendo a mão até sua testa. "Você me deu uma cabeçada!"

"Você me atacou!" Assim que meus braços ficaram livres o sangue começou a circular novamente fazendo minhas mãos formigarem dolorosamente. "Qual é o seu problema?"

"Será que vocês dois podiam dar um tempo na sacanagem?" Sorrow estava de braços cruzados sobre o peito e batendo o pé no chão impacientemente. "Estou com fome e o serviço de quarto aqui é uma desgraça."

Desviei meus olhos dela e percebi que Theron ainda estava em cima de mim. Assim que ele notou minha expressão ele se levantou cambaleando.

"Onde está Liam? Ele não está com você?" Perguntei me levantando e tentando inutilmente ajeitar minha camiseta amassada.

"Na sombra." O tom dela fez eu me sentir uma idiota por perguntar. O sol estava alto e ele era um vampiro, era mais do que óbvio o fato de que ele não estaria com

ela, mas eu tinha muito na minha mente para conseguir ver as coisas óbvias. Era difícil de acreditar, mas não eram nem nove horas da manhã ainda. Eu temia ao pensar no que o resto do dia me reservava.

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"Eu vou esperar no saguão." Ela falou medindo Theron de alto a baixo e saiu me lançando um olhar que com certeza podia ter me feito pegar fogo.

"Ela odeia você." Theron exclamou se virando em minha direção. "Ela realmente odeia você." "Eu ouvi você da primeira vez." Resmunguei me sentando na cama. "O que aconteceu?" "Não sei, é a você que ela odeia e não a mim." "Não é disso que estou falando." Sacudi a cabeça soltando um suspiro. "Você me atacou." "Reflexo, eu acho." Ele falou passando a mãos sobre os cabelos e avistei marcas vermelhas sobre

seu peito no lugar onde eu estava a poucos minutos atrás. Eu ainda o sentia contra mim e o modo como seu coração batia violentamente em seu peito. "Eu senti um perigo e,,"

"Perigo?" Falei me erguendo. "Você não estava me vendo e eu posso apostar que estava tendo outro pesadelo."

Sua expressão ficou sombria e algo em mim congelou. "Acho melhor nos apressarmos, Sorrow está esperando."

Theron andou até o banheiro e eu soube que aquela conversa havia acabado, mas se ele achava que eu ia deixar aquilo passar ele estava enganado.

Quando descemos, sem dizer uma palavra durante todo o trajeto, Sorrow estava parada na frente da porta e assim que nos viu mudou sua expressão para uma menos amigável, se é que isso era possível. Aquela garota tinha um sério problema de atitude.

"Já era tempo." Ela falou revirando os olhos. "Achei que ia criar raízes esperando por vocês dois."

Theron e eu assistimos calados enquanto ela girava nos calcanhares e saia pela porta nos deixando para trás.

"Isso vai ser divertido." Ele balbuciou ajeitando os óculos escuros sobre o nariz antes de sair também.

Eu apenas rosnei sentindo que aquele dia ia ser muito, muito longo e o segui. Ergui meu pulso e o relógio marcava nove horas e vinte e três minutos. Eu precisava de café e respostas, mas eu já me contentava somente com o café. Ultimamente eu havia aprendido a sonhar baixo, isso fazia a queda ser menos dolorosa.

A lanchonete ficava a algumas quadras do hotel e era uma réplica quase exata das lanchonetes dos anos cinqüenta. Tinha até mesmo uma daquelas gigantescas máquinas Jukebox com várias luzes brilhantes. As garçonetes vestiam aventais com o nome bordado no peito e um sorriso que parecia ter sido carimbado em seus rostos.

"Em que posso lhes ajudar?" A garçonete de cabelos azuis perguntou com voz açucarada se dirigindo exclusivamente à Theron.

"Um hambúrguer." Sorrow falou sem olhar em direção à ela. "Me traz ele sangrando." "Um café preto." Eu falei tentando ignorar o modo como a garçonete estava se jogando para

cima dele. "E você?" Ela se inclinou e eu mordi os lábios tentando não deixar minha náusea aparente. "Nada." Theron respondeu friamente e ela me lançou um olhar que não me agradou nada. Eu estava sentada ao seu lado e, com o canto dos meus olhos vi o modo venenoso que ela me

olhou. Soltando um pequeno suspiro ela se virou e nos deixou. "O que diabos vocês são?" Ela perguntou me olhando nos olhos. "Eu sou o que você é." Respondi em voz branda cruzando as mãos sobre a mesa. "Não." Ela respondeu friamente. "Você não é." "Nephilin." Theron falou se inclinando para frente. "Katryna quis dizer que ela também é uma

Nephilin." "Eu sou humana." Sorrow falou rispidamente antes de adicionar uma observação. "Tecnicamente

falando." Ela parecia falar sério e não parecia estar mentindo, mas eu sentia algo nela e sabia que ela era

sim uma Nephilin. Talvez de uma linhagem mais distante, mas com certeza ela tinha sangue angelical nela. Seus olhos me diziam que ela não estava aberta à discussões então preferi mudar de assunto.

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"Ontem a noite." Falei me recostando no banco. "Sobre o que era o seu pesadelo?" "Pesadelo?" Ela franziu a testa, mas seus olhos me diziam que ela sabia do que eu estava

falando. "Eu não me lembro de nada." "Mesmo?" Theron falou examinando o rosto dela. "Mesmo." Ela repetiu com ar de deboche. "Eu apaguei ontem a noite e, se eu sonhei, não me

lembro de nada." "Nós escutamos barulhos," Theron começou e Sorrow ergueu os olhos em sua direção. "Isso aqui por acaso é um interrogatório?" "Não, nós só," Eu comecei a falar, mas ela me interrompeu. "Escuta, eu estava cansada, na verdade ainda estou e se vocês querem saber, os barulhos que

ouviram foram provavelmente feitos por nós." Ela se inclinou sorrindo maliciosamente. "Eu não consigo ficar de boca fechada enquanto Liam me vira do avesso."

"Que encantador." Theron falou soltando uma risada forçada. "Eu não sei se você percebeu, mas só estamos tentando ajudar."

"Eu não preciso desse tipo de porra de ajuda." Ela falou cruzando os braços. Eu vou dar umas palmadas nela. Theron falou em minha mente e eu tive que me segurar para

não rir. Entre na fila. Eu abri a boca para falar, mas Sorrow ergueu a mão estudando meu rosto com ar de curiosidade. "O que foi?" Theron perguntou confuso. "Eu quero testar uma coisa." Ela respondeu se inclinando em minha direção e observando meu

rosto atentamente. "Porra." Seus lábios se curvaram e ela continuou. "Ca-ra-lho." Ela falou dando ênfase a cada silaba. "Fo-da."

"O que você está fazendo?" Perguntei olhando ao nosso redor, mas ninguém estava nos olhando. "Eu não acredito." Sorrow exclamou se jogando para trás e soltando uma risada que relaxou seu

rosto e a fez parecer quase simpática. "O que foi?" Theron perguntou confuso, seus olhos indo e vindo entre nós duas. "Alguém pode

me explicar?" "Você está incomodada, não é? Aposto que não consegue dizer também." Ela soltou um longo

suspiro sacudindo a cabeça. "Você, tendo o passado que tem, e ainda assim, isso te incomoda. Incrível."

"Nossa," Theron falou chamando nossa atenção. "Quinze minutos e ela já descobriu seu segredo, Carambola." Ele falou me lançando uma piscada.

"Carambola? Não, isso é demais para mim." Era o que me faltava, mais uma comediante. "Já sei, vamos criar um código. Ao invés de falar a palavra vamos dizer algo que não vá fazer essa daqui torcer as calcinhas." Ela falou erguendo o queixo em minha direção.

"Torcer as calcinhas?" repeti lhe lançando meu olhar mais ameaçador. "Ontem a noite Liam colocou o gato no muro, muitas e muitas vezes. Aquele gato subiu e desceu

do muro tantas vezes que eu ainda sinto,,," Ela parou e me olhou. "Vamos dizer que o gato morreu com traumatismo craniano."

Eu retiro o que eu disse. Essa garota tem potencial. Theron falou em minha mente, mas eu mal consegui entender suas palavras, pois tudo que eu escutava era o som de rangido que meus dentes estavam fazendo.

"Você precisa ir. Agora." "Por quê?" Ele perguntou me lançando seu olhar mais inocente. "Você tem uma ligação." Ergui o celular o colocando em sua mão. "Ele não está tocando." Seus olhos passaram sobre o celular obviamente desligado. "Então vá fazer uma ligação." Ficamos nos encarando por um tempo até que ele finalmente se levantou e se afastou indo em

direção à porta. Eu não estarei longe.

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Eu sabia o que ele queria dizer com aquilo. 'Eu não estarei longe' na língua de Theron significava 'Eu estarei escutando'.

Eu precisava falar com Sorrow e ela já me odiava o bastante sem a ajuda de alguém alimentando idéias de como me torturar. Conhecendo Theron como eu conhecia, isso seria exatamente o que ele faria caso ficasse. Ele se voltaria contra mim pela mais leve oportunidade de uma boa risada as minhas custas.

Estar afastado não significava que ele não falaria nada durante nossa conversa, mas deste modo eu seria a única a escutar. Essa era uma graça disfarçada. Ele ainda seria capaz de me atormentar, mas em particular.

Os olhos de Sorrow seguiram Theron enquanto ele se afastava e saia pela porta, então ela soltou um suspiro quieto.

"Ele também não é humano, certo?" "Não." "Mas ele não é um vampiro." "Ele é um anjo." Falei me recostando enquanto assisti seus olhos se expandirem. A garçonete se aproximou e, no momento em que ela notou que Theron não estava mais ali sua

expressão entristeceu. E tinha que lhe dar credito pois mesmo querendo muito, ela não perguntou onde ele tinha ido. Aquilo exigia uma grande força de vontade da parte dela. Ainda assim, seus olhos vasculharam cada canto da lanchonete.

"Então," Sorrow falou assim que a garçonete deixou nossa mesa. "Ele é bom de cama?" Eu quase engasguei ao ouvir a pergunta. É desnecessário dizer que minha cabeça foi

imediatamente inundada pelo som da risada de Theron. Oh, claro, ele devia estar adorando aquilo. "O quê?" "Ah, qual é!" Ela exclamou colocando ketchup no hambúrguer. "Você estava esfaqueando

aquela garçonete com os olhos. Além do mais, eu vi vocês em ação, pervertidos." "Não ha nada entre nós." Falei friamente. "Por quê?" Ela perguntou mordendo com vontade o hambúrguer. "Como assim, por quê?" "Ele é um homem, você é uma mulher e dormem no mesmo quarto. Preciso contar estória das

abelhas para você ou isso já é suficiente para você entender onde eu quero chegar?" "Você acredita que isso é o bastante?" Falei observando seu rosto impassível. "Ele é um homem

e eu sou uma mulher. Simples assim?" "As coisas só são complicadas se você as faz desse jeito." Ela soltou um som de desgosto

enquanto dava mais uma mordida no hambúrguer. "Ele é gay por acaso?" Se eu tinha quase engasgado antes agora eu iria precisar da manobra heimlich para conseguir

respirar de novo. Pelo som que ecoou em minha mente eu tinha certeza de que não era a única a ser pega de surpresa pela pergunta da Sorrow.

"Mas eu tenho que admitir," Ela continuou sem esperar pela minha resposta. "Isso ia ser uma pena. Um total desperdício."

"O que o Liam pensa disso?" "Não sei, nunca perguntei, mas seria algo a se pensar." Ela falou vagando os olhos e mordendo

os lábios. "Pelo que me lembro Liam pode ser bem possessivo." Ao ouvir minhas palavras seus olhos se focaram em mim e vi fogo neles. Pelo modo que ela me

olhou pude notar que seu ódio havia voltado. Mas ela não falou nada, apenas continuou examinando meu rosto e as chamas se apagaram dando lugar è uma fagulha de reconhecimento.

Eu senti que ela estava prestes a falar algo, mas no momento que seus lábios se partiram uma musica começou a tocar alto nos fazendo virar. Uma garota de longos cabelos ruivos estava debruçada sobre o Jukebox e, com um movimento rápido se virou fazendo seus cabelos voarem sobre seus ombros.

Seu rosto se abriu em um largo sorriso e ela começou a dançar indo em direção a um garoto que estava sentado. Com um movimento do dedo indicador ela o chama e ele vai em sua direção. Seus

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braços enlaçam a cintura da garota e eles dançam. O sorriso em seus rostos é ofuscante e é nítido o que sentem um pelo outro. Meus lábios se curvam em um leve sorriso que logo desfaço.

"Noite e dia." Sorrow falou chamando minha atenção. "Nós duas somos tão diferentes quanto a noite e o dia." Sua voz era grave e ela estava tão calma que parecia outra pessoa.

"Você não me conhece." "Eu mato pessoas." "Eu já matei mais do que você pode imaginar." Fechei meus olhos momentaneamente tentando

fazer as memórias continuarem enterradas fundo na minha mente. "O que você sentiu quando matou? Dor? Remorso? Prazer? Eu não sinto nada, nem ao menos

pena. Essa é a diferença." "Sorrow," Eu comecei, mas ela me interrompeu erguendo sua mão. "Eu mato pessoas e não há nenhuma emoção ou expressão que eu já não tenha visto antes.

Homens com o dobro do meu tamanho imploraram por suas vidas aos meus pés. Eu vejo as coisas como elas são. Eu sinto fome eu como, eu sinto sede eu bebo, eu sinto tesão eu transo. Simples assim. Não se engane, o único motivo para eu estar com vocês é porque quero continuar viva e, no momento vocês são minha melhor chance."

"E se isso mudar?" "Vamos descobrir quando chegar a hora."

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9. Através do Espelho9. Através do Espelho9. Através do Espelho9. Através do Espelho

SSSSangue, sangue, sangue, sangue, sangue. A palavra ecoava em mim despertando sentimentos

controversos. Medo, desejo, ódio e era tudo que eu conseguia pensar. Mais nenhuma palavra existia além dela, mais nada existia, além disso. Eu queria, eu ansiava, eu precisava. Minha pele formigada e parecia estar pegando fogo. A febre.

Abri meus olhos sentindo meu coração bater violentamente contra minhas costelas. Eu estava ofegante e o suor derramava sobre minhas têmporas. O quarto estava escuro a ponto de eu não enxergar um palmo à minha frente, mas eu tinha certeza de que não estava mais no quarto do hotel.

Saltei da cama estranha sentindo a adrenalina correr em minhas veias como um veneno. Meus cabelos emaranhados estavam colados à minha pele e eu me sentia elétrica. Corri para a janela e olhei para baixo de uma altura que parecia ser de três andares. Tentando não fazer barulho, subi no parapeito e fui subitamente atingida por uma onda de náusea que fez meu estômago se contorcer. Tudo ao meu redor começou a girar e medo se agarrou à minha espinha como uma erva daninha.

Desde quando eu tinha medo de altura? Tropecei de volta para dentro do quarto e o mundo voltou a ter foco. O que eu tinha de errado?

Fui tateando até encontrar a porta do quarto e saí indo para o andar debaixo. Continuei andando e olhando tudo ao meu redor tentando ver a porta de saída da casa. Enquanto eu passava os quartos e corredores, tive a sensação de que já havia estado ali antes.

Como que por instinto, encontrei meu caminho para sair, mas assim que a porta se abriu fui atingida por uma brisa gelada que parecia penetrar minha pele até os ossos. Foi nesse momento que me dei conta do que estava usando: uma regata e calcinha. De jeito nenhum eu ia voltar para cima e tentar achar algo para vestir então olhei rapidamente ao meu redor e agarrei o primeiro casaco que vi pendurado. Por sorte ele era longo e cobria a maior parte do meu corpo.

Folhas secas se quebravam sob meus pés gelados enquanto eu andava através do pátio da frente e saia pelo portão em direção à rua. Assim que meus pés tocaram o asfalto eu corri, mas não tinha idéia para onde estava correndo. Era como se minhas pernas tivessem vida própria.

Após algumas quadras eu parei e olhei ao meu redor tentando encontrar algo, mas não sabia o que. Andei mais um pouco e fui parar em frente à uma casa de dois andares com cerca branca.

Sem pensar pulei sobre a cerca e fui até o lado da casa. Quando olhei para cima tive uma estranha sensação, como se e já tivesse feito aquilo um milhão de vezes. Acima da minha cabeça, no segundo andar estava uma janela. Colei minhas mãos sobre a roseira que agora não continha rosa devido à mudança de estação e comecei a subir.

A janela estava com o vidro abaixado, mas não estava trancada. Coloquei minhas duas mãos sobre o vidro e a deslizei o bastante para que eu pudesse passar. A janela era mais pesada do que pensei e foi preciso algum esforço até que ela se abrisse.

Ergui minha perna e a passei para dentro me curvando para frente e passando minha cabeça por baixo do vidro. Tudo estava escuro, mas a lua estava alta e eu conseguia distinguir algumas formas. Meus pés estavam dormentes e era difícil não fazer barulho quando não conseguia dominar os movimentos dele. Logo à minha frente estava uma cama e alguém estava dormindo sob as cobertas.

Como se eu estivesse sendo puxada, comecei a andar em direção à cama sentindo meus batimentos como tambores em meus tímpanos. Ergui minha mão e toquei a coberta com dedos dormentes. Respirei fundo e as ergui cambaleando para trás até minhas costas tocarem a parede. Minhas pernas cederam e eu fiquei encolhida no chão observando a cena a minha frente sem conseguir acreditar em meus olhos.

O que eu estava fazendo ali? O que ele estava fazendo ali? Como eu o tinha encontrado? Eu tinha lutado tanto para me manter afastada e agora tudo estava arruinado. A visão ia se tornar verdade e a culpa era minha, a culpa era toda minha.

Um som escapou meus lábios e ele se moveu me fazendo dar um sobressalto. Seus olhos se abriram lentamente e me encontraram na escuridão como eu sabia que iriam. Ele sorriu, mas

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quando viu meu estado seu rosto tomou uma expressão preocupada e ele se ergueu da cama indo até mim.

Eu me recolhi quando sua mão me tocou e tentei me encolher, mas não havia espaço para onde eu pudesse me afastar. Suas mãos tocaram meu rosto afastando meu cabelo ainda molhado de suor.

"O que aconteceu? Você está quente." Seus lábios tocaram minha testa como se estivesse tirando minha temperatura e deslizaram sobre meu rosto carinhosamente.

Seus braços me envolveram e eu estava congelada sem conseguir pensar. Meu corpo reconhecia seu toque e respondia como se nunca tivéssemos estado separados. Hesitantemente ergui meus olhos me perdendo na imensidão turquesa. Seus lábios tocaram os meus e isso era tudo que eu precisava saber. Eu estava exausta e não queria lutar mais. Eu só queria ficar ali nos braços de Casimir, perdida em seus lábios.

Não. Algo estava errado. Me afastei dele tentando clarear meus pensamentos e me lembrar de como eu havia parado ali. Eu me lembrava de estar na lanchonete com Sorrow, mas tudo depois disso era um vazio. Nós havíamos saído de lá? O que aconteceu depois disso?

"Eu achei que você estava de castigo." Casimir falou indo em direção ao abajur ao lado da sua cama e ascendendo a lâmpada.

"Castigo?" "Você veio até aqui de pés descalços?" Ele me olhou de cima a baixo como se estivesse

percebendo pela primeira vez o que eu estava vestindo. "Onde está Theron?" Me concentrei tentando encontrá-lo com minha mente, mas só havia

silêncio. "Theron?" Ele perguntou se aproximando novamente e analisando meu rosto com cuidado. "Sim, Theron. Onde ele está?" "Qual é meu nome?" Seu rosto ficou sério e um calafrio subiu minha espinha. "Que tipo de brincadeira é essa Casimir? Onde está Theron?" Minha voz saiu exasperada e

minhas mãos se abriam e fechavam ao meu lado. Ele me olhou por mais alguns segundos e se virou soltando um suspiro cansado. Andou até sua

calça que estava pendurada atrás da porta pegando um celular e o abriu discando alguns números nele.

"Alô?" Ele falou após alguns segundos. "Aconteceu de novo." "Casimir?" Minha voz saiu trêmula e eu não conseguia me mover. "Sim. Pior do que da ultima vez." Ele respondeu à pessoa do outro lado da linha me lançando um

olhar que me fez sentir como se eu tivesse dez anos de idade. "Ok." "Casimir. O que está acontecendo? Por que você não me responde?" "Seu irmão vai chegar em poucos minutos." Ele andou até mim fechando o celular e soltando um

longo suspiro. "Casimir." tentei fazer minha voz ficar firme, mas meu corpo todo tremia. Ele se aproximou tocando meu rosto delicadamente. "Theron não existe." "Que tipo de brincadeira é essa?" Minha voz saiu tremida apesar dos meus esforços para parecer

firme. "Você precisa se olhar no espelho." Por um momento eu pensei que ele estivesse falando figurativamente, mas então ele enlaçou meu

pulso e me puxou em direção à uma porta. Nós passamos através da porta e ele me posicionou à sua frente enquanto tocou algo na parede com sua mão livre. Meus olhos foram atingidos pela luz intensa e eu os fechei defensivamente. Soltei um gruído de dor ao sentir o que pareciam adagas penetrarem minhas têmporas.

"Abra os olhos." Ele falou no meu ouvido colocando seu braço ao redor da minha cintura. Imediatamente meu corpo respondeu ao seu toque e eu molhei os lábios respirando fundo.

Lentamente, meus olhos se abriram ainda doloridos pelo golpe da claridade repentina. Pisquei algumas vezes tentando adaptá-los e as imagens começaram a ter forma novamente. Assim que ergui meus olhos me deparei com uma estranha à minha frente.

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A garota tinha longos cabelos loiros com mechas platinadas, azuis e rosas que se misturavam no emaranhado que estava colado ao seu pescoço e têmporas suados. Sua pele era pálida apesar do rubor das suas bochechas.

Me inclinei para frente analisando seu rosto e um calafrio subiu minha espinha quando ela também se moveu em minha direção. Seu rosto se parecia com o meu, mas ela parecia mais velha do que eu. Minha aparência era de uma garota de dezessete anos e ela aparentava ter vinte anos e possuía uma pequena, mas visível cicatriz na sua sobrancelha esquerda.

Ergui minha mão tocando as pontas dos dedos sobre meu rosto e a garota refletiu meu gestou com expressão confusa. Foi então que vi seus olhos e qualquer dúvida que eu ainda poderia ter de que aquela garota à minha frente era eu foi apagada imediatamente.

Aqueles eram os meus olhos, verdes delineados por um aro mais escuto que ia clareando em direção ao centro e possuíam pequenas manchas douradas. Mesmo formato, mesma cor e exatamente a mesma expressão.

"Cas," Eu balbuciei sentindo meus olhos se enxerem de lágrimas. Ele me virou em seus braços e colocou suas mãos ao redor do meu rosto. Seus polegares

deslizaram por baixo dos meus olhos afastando as lágrimas que transbordavam. "Rhine." Ele sussurrou aproximando seu rosto do meu e seu hálito quente soprou sobre minha

pele me fazendo corar. "Eu sei que você está aí." Seus olhos eram firmes nos meus e minha respiração ficou presa em meus pulmões. "Volte pra mim." Ele murmurou sua súplica e eu fechei os olhos me rendendo ao seu gosto na ponta da minha língua à medida que nossos lábios se uniam em um beijo profundo.

“O que essa psicótica está fazendo aqui?” Meus olhos se abriram e me afastei rapidamente olhando para o local de onde a voz irritada

havia vindo. Incredulidade tomou conta de mim enquanto assimilava a forma à minha frente. Seus olhos castanhos lançavam adagas em minha direção e ela estava exatamente como eu me lembrava.

“Jennifer?” Era impossível, mas ela estava ali viva e me odiando como sempre. “Eu devia chamar a polícia.” “Jennifer.” A voz de Casimir foi firme e ela desviou sua atenção em direção à ele por um

momento antes de me lançar um olhar venenoso. Sua voz era languida quando se dirigiu à ele. “Cas, ela é uma ameaça e eu tenho as cicatrizes

para comprovar.” “Ameaça?” Ecoei suas palavras tentando fazer sentido delas, mas nada do que estava

acontecendo tinha sentido. Eu havia acordado em um lugar estranho e ido instintivamente ao encontro de Casimir como se

estivesse programada para fazer isso. Meu rosto e meu corpo não me pertenciam e eu não tinha idéia do que tudo aquilo significava. Jennifer estava morta, eu havia testemunhado ela ser morta por Aislin e, no entanto, ali estava ela à minha frente, viva e me atacando verbalmente.

“Com quem eu estou falando dessa vez?” Ela perguntou com tom irônico cruzando os braços sobre o peito e estreitando os olhos como se estivesse tentando ver dentro da minha mente.

“Jennifer, fora do meu quarto. Já!” Casimir posicionou seu corpo entre nós duas e eu podia sentir a tensão dos seus músculos através do fino tecido da sua camiseta.

Após soltar um longo suspiro, ela girou nos calcanhares e saiu do quarto batendo a porta. Casimir deixou a cabeça cair soltando um suspiro e se virou em minha direção.

“Eu sinto muito. Ela não tem o direito de falar com você dessa maneira, mas você sabe como são as irmãs.”

“Irmãos? Jennifer é sua irmã?” “Sim.” Ele respondeu hesitante. Eu não sabia o que me deixou mais chocada, o fato de Jennifer estar viva ou dela ser irmã de

Casimir nessa realidade destorcida. Na verdade eu havia levado tantos choques ao mesmo tempo, que me sentia dormente dos pés à cabeça tingida com as cores do arco íris.

Por mais incrível que pudesse parecer, a cor dos meus cabelos me abalou profundamente. Que tipo de pessoa tinha cabelos daquela cor? Eu sei que em vista de tudo que estava acontecendo

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minha preocupação com meu cabelo podia parecer superficial e exagerada, mas eu precisava me focar em algo e, no momento, a cor do meu cabelo era algo suficientemente concreto para eu focar minha frustração.

“Rhine? Você escutou o que eu disse?” Pisquei os olhos rapidamente e a imagem de Casimir ficou nítida à minha frente. Aparentemente,

ele estava tentando chamar minha atenção há algum tempo, mas eu estava distraída demais pensando no meu cabelo colorido para conseguir ver ou escutar qualquer coisa ao meu redor. Sacudi a cabeça para clarear meus pensamentos e foi então que eu percebi algo que havia me passado despercebido.

“Do que você me chamou?” "Rhine." Ele respondeu confuso. "Por quê?" Meu corpo tencionou e me afastei alguns passos. "Esse é seu nome." Casimir deu um passo em minha direção e eu me afastei mais querendo

manter o máximo de distância entre nós dois. "Não." Minha voz saiu estrangulada e eu sentia que estava a ponto de começar a hiperventilar.

"Meu nome é Katryna e você sabe disso." Ao escutar meu nome ele pausou vasculhando meus olhos e todo o resto de mim com uma

intensidade que fez meu rosto corar. Pela primeira vez eu tive a chance de ver ele, de realmente enxergar Casimir e perceber as

diferenças entre as imagens em minhas lembranças e a que estava à minha frente. Seu rosto, assim como o meu, estava diferente, um pouco mais velho e, se eu tivesse que

adivinhar, diria que aquele era o rosto de alguém com vinte e dois, vinte e três anos. Ele ainda possuía os mesmos cabelos castanhos cacheados emoldurando seu rosto, até mesmo a mecha que teimava em cair sobre seus olhos. Algo que, para ele, era irritante, mas para mim era simplesmente adorável. Sua pele ainda continha o mesmo tom moreno que deixaria qualquer surfista com anos de bronzeado com inveja. Eu me perguntava se ela continuava tão macia quanto eu me lembrava e precisei me conter para não estender meu braço e tocá-lo.

Meus olhos deslizaram sobre seu rosto examinando os pequenos detalhes e se focaram em seus lábios. Casimir tinha lábios desenhados com a parte superior levemente mais cheia do que a inferior. Seus lábios eram extremamente beijáveis e o modo como eles se curvavam quando ele sorria me fazia querer coisas que eu não devia, que eu não podia querer.

Um estrondo ecoou e nos viramos para ver a porta do quarto aberta e Victor parado nos observando com uma mistura de preocupação, irritação e alivio estampada em seu rosto.

"Victor?" Eu balbuciei sem ter certeza das minhas palavras. "Catherine Heart Beckett!" Ele exclamou marchando até mim e eu sorri ao ver seu rosto

percebendo o quanto eu sentia sua falta. "O que você estava pensando quando decidiu sair no meio da noite e sumir desse jeito?"

Ok, ao menos uma coisa não havia mudado nesse mundo sem sentido em que eu estava. Victor continuava superprotetor e totalmente exagerado quando se tratava da minha segurança.

"Katryna." Casimir falou sem tirar os olhos de mim. "Ela é a Katryna, Victor." "Você tem certeza?" Victor perguntou colocando suas mãos ou redor do meu rosto e examinando

meus olhos. "Ela mesma me falou e, pelo modo que ela está agindo isso não parece nenhuma brincadeira." Os dois me observavam com o interesse de um cientista ao fazer uma experiência e falavam

como se eu não estivesse no quarto com eles. Para ser sincera eu já tinha agüentado minha quota de esquisitices e já estava cheia de escutar eles falarem de mim ao invés de falarem comigo.

"Será que alguém aqui poderia me explicar o que está acontecendo? Minha paciência está se esvaindo e a cada segundo que passa sem que vocês se expliquem ela fica mais escassa."

Os dois me observaram alguns segundos e se olharam como se estivessem tendo uma conversa mental.

"Eu não disse?" Casimir falou erguendo a mão em minha direção. "Você já viu Rhine falar assim antes?"

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"Eu nem ao menos tenho certeza de que ela sabe o que a palavra escassa significa." Victor concordou soltando meu rosto e dando alguns passos para trás. "Isso é sério."

"Eu sei." Casimir concordou passando os dedos por entre os cabelos, algo que ele fazia quando estava nervoso.

"Victor? Casimir? Alguém vai me responder?" "Katryna," Victor começou com voz hesitante. "Isso pode parecer estranho, mas eu quero que

você fique calma e preste atenção no que eu vou lhe dizer." "Calma?" Aquela conversa não tinha começado bem e eu tinha a sensação de que não iria

melhorar. "Seu verdadeiro nome é Catherine," Ele começou novamente e eu instintivamente sacudi minha

cabeça. "Sim. Seu nome é Catherine. Você está doente e precisa de ajuda." "Isso é algum tipo de brincadeira?" Minha voz parecia histérica aos meus ouvidos, mas eu não

conseguia mantê-la calma ou no mesmo tom. "Não." Casimir respondeu se aproximando. "Você precisa acreditar no que dizemos. Seu nome é

Catherine." "Eu não preciso fazer nada!" Minha visão começou a embaçar e eu queria fugir, correr para longe. O que eu estava escutando

era uma mentira. Eu sabia quem eu era e aquilo não passava de uma piada sem graça. A qualquer momento Eles iam começar a rir e dizer que eu era uma tola por acreditar em uma mentira tão absurda como aquela. Mas eles continuavam a mover seus lábios com expressões sérias. Eu não conseguia escutar nada além dos tambores dos meus batimentos cardíacos que ressoavam nos meus ouvidos abafando todos os outros som, mas eu ainda via seus lábios se moverem e sabia que eles falavam comigo.E então tudo ficou escuro.

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10.10.10.10. Divergência e InsurgênciaDivergência e InsurgênciaDivergência e InsurgênciaDivergência e Insurgência MMMMeu nome é Katryna Sarisbury, nascida em 17 de setembro de 1779, filha de Philip e

Margaret Sarisbury. Em minhas veias corre o sangue amaldiçoado dos Nephilins o que me faz ter que consumir sangue regularmente. Com minha voz posso ordenar praticamente qualquer um a fazer o que eu quiser e, até onde eu sei, sou imortal. Essas eram verdades em meu pequeno e imperfeito mundo. Eram as bengalas sobre as quais eu me apoiava para seguir adiante. Meu nome, minha origem, essas certezas eram quem eu era, eram minha essência. Mas o que acontece quando a base para o que você é desaba debaixo de você? A resposta é muito simples: você cai.

Após eu desmaiar como uma donzela daqueles romances que eu costumava adorar tanto e agora não tinha paciência para ler, eu esperava acordar e descobrir que tudo não passava de um pesadelo, mas eu devia saber que isso não era possível. Eu nunca sonhei e não ia ser agora que eu ia começar, infelizmente. Então, eu acordei em uma cama estranha, novamente, em um mundo em que nada fazia sentido.

Victor estava no quarto quando eu acordei ainda confusa e começou a me explicar, ou tentar explicar o que estava acontecendo. Ênfase na palavra tentar, já que a explicação fazia menos sentido do que a minha confusão inicial.

Catherine (Rhine) Heart Beckett, cantora em uma banda de rock chamada Angel's Kiss. Quando tinha quatorze anos começou a mostrar sinais de distúrbios que após foram descobertos como sendo sintomas de um câncer localizado em uma área vital do cérebro. Essa descoberta foi conseguida após vários tratamentos dolorosos e sem sucesso. Com dezesseis anos ela fez a cirurgia para retirar o câncer, mas vem tendo o acompanhamento de um psiquiatra devido às seqüelas deixadas pelo câncer. Eu não tinha idéia de quem era essa garota, mas, de acordo com Victor, essa garota era eu.

Uma parte de mim ainda achava que tudo aquilo era uma trama elaborada de algum demônio e a qualquer momento a ilusão ia se desfazer, mas até lá eu iria reunir qualquer informação que eu conseguisse sobre o que estava acontecendo. E era por isso que eu estava sentada em uma poltrona branca extremamente desconfortável aguardando para ser recebida pela pessoa que, teoricamente, poderia me explicar tudo que eu precisava saber. O psiquiatra de Rhine.

A sala de espera era relativamente grande, mas continha apenas duas poltronas, um quadro de um pintor desconhecido, uma planta, um relógio e a mesa da recepcionista. Decoração clean levada ao extremo. A recepcionista era loira e usava um uniforme azul bebê que era constituído de sapatos Mary Jane, saia na altura dos joelhos, blazer e camisa branca por baixo. Seus cabelos eram presos em um impecável rabo de cavalo e ela sorriu em minha direção quando me informou que eu podia entrar.

Olhei na direção de Victor que estava sentado na outra poltrona ao meu lado e ergui meus olhos em direção à Casimir que estava parado ao lado da planta mexendo nervosamente em suas folhas. A partir dali eu teria que entrar sozinha, mas eles me garantiram que iam me esperar ali fora, então eu respirei fundo e me ergui da poltrona. Victor pressionou minha mão antes de me soltar e Casimir foi até mim afastando uma mecha colorida do meu rosto e dizendo que tudo ia ficar bem.

Eu não sabia como o fato de eu, Katryna, não existir e de tudo que eu conhecia ser uma mentira podia acabar bem, mas eu não falei nada. Isso não ia ajudar e, pela sua expressão eu podia ver que ele sofria por não poder fazer nada para me ajudar, então eu sorri automaticamente em sua direção e atravessei a porta do consultório.

"Katryna Sarisbury." Meu corpo enrijeceu ao escutar a voz e minha boca ficou seca. À minha frente estava uma mesa

de mogno escura com uma meia dúzia de livros cuidadosamente organizados e atrás dela estava sentado um homem de trinta e poucos anos, cabelos ondulados, barba rala e um par de óculos adornando seu rosto. Um perfeito estranho se não fosse por um detalhe, sua voz. Eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar.

"Você."

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"Finalmente nos encontramos." Ele sorriu abertamente e andou em minha direção esticando o braço.

Eu permaneci imóvel apenas desviando meu olhar brevemente em direção à sua mão estendida e retornei para seu rosto. "Mensageiro." Minha voz era solene e seu sorriso aumentou.

"Então você se lembra de mim." Ele constatou recolhendo a mão e indicando para que eu me sentasse na poltrona marrom enquanto ele se sentava na cadeira à minha frente. "Mas você pode me chamar de Patrik."

"Isso é mais uma de suas visões?" Falei me sentando na poltrona que era macia e bem mais confortável do que aparentava. "Alguma charada que eu tenho que decifrar para sair dessa ilusão?"

"Katryna," O mensageiro, Patrik, começou respirando fundo e eu senti que o que ele tinha para dizer não ia ser nada agradável. "Isso é a realidade. Seus olhos estão abertos como jamais estiveram antes e, embora possa ser difícil de aceitar, você já está fora da ilusão."

“Corrija-me se eu estiver errada, mas como essa pode ser a realidade se nesta realidade eu não existo?” Cruzei minhas pernas me recostando na poltrona e esperei pela sua resposta.

“Quem lhe falou isso?” Ele questionou retirando os óculos e franzindo a testa. “Isso é irrelevante.” Suas sobrancelhas se ergueram com minha resposta, mas ele não pareceu

realmente surpreso. “Você é real, Katryna, assim como Tempest e Sorrow também são reais. Vários lados da mesma

moeda.” Sua voz era calma e modulada, mas seus esforços eram desperdiçados em mim, uma vez que eu estava elétrica demais para ser acalmada com um mero tom de voz doce.

“E essa moeda seria Catherine.” “De certa forma.” Ele respondeu me lançando um sorriso satisfatório por eu ter entendido seu

pequeno enigma. “O que isso significa?” Minha voz amena. “Catherine é algum tipo de esquizofrênica ou algo

assim?” “Você já viu um prisma, Katryna?” Ele ergueu a mão e pegou um vidro que estava sobre um dos

livros. Meus olhos foram em direção ao vidro e ele o ergueu à minha frente. A luz que entrava pela

janela refletia em cada uma das lapidações dele fazendo pequenos arco-íris aonde tocava. “Um todo dividido em várias faces.” Ele continuou sem esperar que eu respondesse. Seu punho girou o prisma fazendo as luzes dançarem. Uma onda de tontura passou através de

mim e eu precisei fechar os olhos e respirar fundo para não desmaiar. “Vertigem?” Ele perguntou se inclinando em minha direção e eu me afastei instintivamente. "Sim." Respirei fundo sentindo a brisa que vinha da janela aberta, mas a sensação se foi tão

rápido quanto chegou. "Eu temia que isso fosse acontecer." Ele se afastou pegando um bloco de notas e rabiscou

rapidamente nele. "Isso deve resolver o problema." Com um sorriso ele rasgou o papel e me entregou.

"O que é isso?" Eu olhei o pedaço de papel intensamente, mas não consegui decifrar uma única palavra.

"O tratamento é o que causa a vertigem e, possivelmente náuseas também. Esse remédio vai inibir esses pequenos efeitos colaterais."

Tratamento, efeito colateral, tudo isso me parecia terrivelmente familiar. Meu estômago se contraiu ao me lembrar das crises de dor que vinham com a vertigem e a náusea. Memórias de um passado tão distante que parecia ter voltado para me assombrar.

A prospectiva de voltar a ser tão vulnerável e fraca me fez baixar minha fachada e fazer algo que eu nunca fazia: pedir ajuda.

"Por favor." Eu balbuciei engasgando com o medo que crescia em meu peito. Medo de passar novamente por aquele tormento e sentir que dessa vez eu poderia não suportar. "Diga-me o que está acontecendo. Me ajude."

Depender de alguém para qualquer coisa não estava em minha natureza. Eu ajudava e não ao contrário. Essa sempre foi minha constante, a não ser no inicio quando eu era frágil e sofria com as

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crises de dores. Efeitos colaterais do tratamento que minha mãe administrava com a ajuda de médicos. Tratamento que me mantinha fraca, que me deteriorava de dentro para fora me fazendo definhar aos poucos.

A lembrança da traição era forte demais e lágrimas começaram a rolar sobre minha face. Os olhos do mensageiro, Patrik percorreram meu rosto e ele se inclinou em minha direção, mas eu recuei novamente. Então, soltando um leve suspiro, ele começou a me explicar cuidadosamente o que era o tratamento e o que eu era.

Ele falou que, em casos de extremo estresse ou sobrecarga emocional, o cérebro usa mecanismos para se defender. Quando somos criança, a mais comum é a criação de um amigo imaginário. A criação de um confidente com quem repartir seus segredos e temores. Alguém que não o deixará sozinho e sempre irá lhe proteger.

No caso de Catherine foi criado uma realidade imaginária onde ela poderia mudar o que não gostava em sua realidade. Eu fui a primeira de suas faces e continha características que ela almejava e, por isso, éramos praticamente idênticas em aparência. Mas eu era apenas a parte cautelosa e representava as virtudes que ela queria ter. Então, com o tempo ela criou Tempest que era, basicamente, meu oposto. Ela agia por impulso e suas emoções eram devastadoramente fortes. Por último veio Sorrow, sua parte que sentiu a perda do que amava e agora era vazia e dormente.

O tratamento consistia em fazê-la unir suas partes fragmentadas e torná-la inteira novamente. Os remédios a deixava suscetível à hipnose e, com o tempo ele, o mensageiro, havia conseguido me contatar na realidade criada por Catherine e me entregar mensagens que somente eu seria capaz de decifrar, mas sem revelar demais para não correr o risco de arruinar o tratamento.

Aparentemente, essa não era a primeira vez que uma das personalidades vinha à tona, mas normalmente bastava uma olhada no espelho para fazer Catherine voltar. Da última vez Tempest havia submergido e atacado Jen.

Foi então que as palavras dela começaram a fazer sentido e eu me perguntei que tipo de cicatrizes Tempest havia deixado nela. Meus lábios se curvaram levemente em um sorriso, mas eu sacudi a cabeça mudando minha linha de pensamentos. Aquela não era a hora para isso.

Respirei fundo tentando absorver todas as informações, mas era difícil. Descobrir que você é o fragmento de alguém, que toda a sua vida, suas lembranças, tudo não passava de uma criação da mente de alguém é mais do que uma pessoa pode agüentar. Meus olhos vagaram pela sala, mas sem realmente enxergar nada até voltar para o rosto de Patrik. Ele estava sorrindo.

"O que foi?" Perguntei me sentindo desconfortável com o modo que ele me olhava. "Me desculpe, mas," Ele pausou retirando os óculos e passando a mão sobre os cabelos. "É

difícil acreditar que você está realmente aqui." "Eu posso imaginar." Falei me recostando na poltrona e cruzando as pernas. "Não. Eu não acredito que possa." Ele sacudiu a cabeça rindo nervosamente, o que,

estranhamente me deixou mais calma. "Todo o tratamento tinha como objetivo trazer a tona o ponto zero da divisão, o stopin que fez tudo começar: você. Mas isso se mostrou um desafio, você não é nada fácil de achar. Por um momento achávamos que seria impossível, mas agora você está aqui."

"E o que acontece agora? Uma luta até a morte e a mais forte ganha o domínio do corpo para sempre?"

Seus olhos me analisaram com espanto e então ele riu alto como se a tensão tivesse sido quebrada. Eu me senti reconfortada na certeza de que pelo menos meu senso de humor não tinha sido abalado pelo que estava acontecendo.

"Com a continuidade do tratamento suas memórias irão voltar e se tornarão uma única pessoa novamente."

"E eu vou sumir com os outros." Constatei observando sua expressão. "Como se eu jamais tivesse existido."

"Não, você é a mais complexa de todos e a mais próxima da realidade. Rhine costumava brincar que às vezes chegava a acreditar que você e sua realidade eram a verdade e que ela não passava de uma fantasia. Dizia que ela era cabeça oca e que pensar que você era fruto da cabeça dela era o impossível." Ele soltou um suspiro se lembrando das palavras e então assumiu um tom mais sério

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com voz firme se erguendo da poltrona e se ajoelhando à minha frente. "Você sempre existirá, mas não da mesma forma. As lembranças virão à tona, mas você conseguirá distinguir a verdade da mentira."

"Uma mentira bem contada pode ser mais verdadeira que a própria verdade." As palavras escaparam meus lábios antes que eu pudesse perceber.

"Esse é um modo interessante de ver isso." Ele falou estreitando os olhos em minha direção. "Essas palavras não são minhas." "Mesmo? De quem são?" Eu tentei me lembrar, mas a memória estava além do meu alcance. "Eu não me lembro."

Confessei ainda perturbada. "Não se preocupe." Sua voz era calma e estranhamente reconfortante. "Isso é normal durante a

fase inicial de transição." Transição. A palavra soou aguda aos meus ouvidos e eu senti um gosto amargo na boca fazendo

minha língua ficar dormente. Eu já havia sentido aquele gosto antes e sabia muito bem o que ele significava: medo.

Eu lembrava do medo que costumava ter de Aislin, do medo de não conseguir proteger aqueles com quem eu me importava. Eu ainda sentia o medo ao lembrar de Casimir morto em meus braços na visão, mas estes eram medos dos quais eu tinha como fugir ou até mesmo lutar. O medo que eu sentia agora era completamente diferente e eu não tinha idéia de como lutar. Como eu poderia lutar contra o que eu não podia ver, contra algo que estava dentro de mim, dentro da minha mente?

Sentada na poltrona eu mantinha meus olhos fixos à minha frente e sentia as memórias, minha essência escapando por entre meus dedos como grãos de areia. O tempo havia parado e eu não conseguia mais ver ou escutar o que se passava ao meu redor.

Meu mundo aos poucos deixaria de existir, eu deixaria de existir. Sumindo lentamente junto com minhas memórias esquecidas. Morte em vida. De todas as mortes que eu já havia imaginado aquela me parecia a mais cruel.

O pânico crescia em mim, então respirei fundo fechando meus olhos. Me concentrei empurrando o medo para o fundo da minha mente. Um ataque de pânico não ia me ajudar e perder o controle na frente do psiquiatra só iria piorar a situação.

"Espere." Minhas palavras o pegaram desprevenido. "Se meu mundo é uma fantasia, como você explica o fato de Casimir e Victor existirem nele?"

Ele se ergueu retornando à sua poltrona, mas não pareceu surpreso com minha pergunta. Em verdade, era quase como se ele estivesse esperando que eu fosse fazê-la.

"A arte imita a vida." Ele pausou passando a mão sobre sua testa como se estivesse organizando seus pensamentos. "Essa é uma verdade irrefutável e foi de onde eu comecei minhas pesquisas para tentar achar uma solução ao que estava acontecendo com Rhine."

Patrik explicou que, com a separação das personalidades ou, como ele preferia chamar, os lados de Catherine, a possibilidade de uma das outras vir a tona e assumir o controle em meu lugar era muito grande.

"Como se estivesse acontecendo um tipo de guerra civil dentro da sua mente." Ele exemplificou. "Enquanto separadas elas aumentavam suas forças então decidimos tomar uma linha mais ativa."

"Ativa?" "Com o passar do tempo você estava se distanciando cada vez mais então Victor apareceu. Ele

foi nossa primeira tentativa de lhe trazer para mais perto da sua verdadeira realidade." "Você está sendo redundante." Eu não queria ser indelicada, mas não estava com paciência para

escutar a versão longa da explicação. "Eu apreciaria se você pudesse ir direto ao ponto." "O ponto," Ele pausou me lançando um olhar indulgente. "É que com isso conseguimos começar

a mesclar as duas realidades e trazer você para um pouco mais perto. Victor foi somente o primeiro, depois dele veio Aine, Casimir e outros."

"Se foi você que me fez encontrar com Casimir por que me fez deixá-lo? E o que você quis dizer com aquela estória de eu querer o que não posso ter?"

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Não fazia sentido o que ele estava dizendo. Qual seria o propósito de fazer Casimir entrar na minha vida somente para afastá-lo de mim depois? Aquele era algum joguinho cruel que ele gostava de fazer? Eu me perguntava se quando ele era criança também queimava formigas com a lente de aumento no sol. Provavelmente sim.

"O encontro entre vocês foi o que a fez encontrar Tempest e avançar com o tratamento, mas depois de um tempo você se acomodou e precisávamos fazer você seguir em frente e encontrar o ultimo elo da corrente. Encontrar Sorrow. Com Casimir ao seu lado isso não iria acontecer então o único modo era fazer você se afastar dele."

"Me fazendo acreditar que estando comigo ele morreria? Me fazendo vê-lo morto em meus braços?"

"Rhine a conhece e sabia que o único modo de afastar vocês seria se você acreditasse que ele corria perigo ao seu lado."

Eu abri a boca para falar, mas assim que meus lábios se partiram as palavras escaparam da minha mente. Havia algo importante que eu precisava saber, mas eu não conseguia me lembrar o que era. Alguém que eu precisava encontrar. Eu podia ouvir sua voz ao longe sussurrando meu nome e quase podia ver sua imagem, mas toda vez que eu tentava a imagem se desvanecia e a memória se perdia nos labirintos da minha mente.

O toque do telefone nos deu um sobressalto. Patrik se levantou e foi até a mesa se desculpando. Sua voz era baixa quando respondeu ao telefone e balbuciou algumas palavras que eu não consegui compreender apesar da nossa proximidade.

"Eu sinto muito," Ele falou devolvendo o telefone à mesa e indo em minha direção. "Nossa conversa levou mais tempo do que eu havia previsto e o meu próximo paciente está começando a ficar impaciente."

Ele deu uma leve risada da própria piada, mas eu estava preocupada e confusa demais com tudo o que havia escutado para fingir que ela era engraçada.

"Como eu posso ter certeza?" Perguntei ignorando o que ele havia falado sobre nosso tempo ter acabado. "Como eu posso ter certeza de que isso não é um truque? Apenas uma ilusão criada por um demônio e eu estou tão imersa que não consigo ver a verdade."

"Katryna." Ele falou suspirando e colocando seus óculos novamente. "Pense no que está falando. O que você acha mais plausível? Este mundo onde você é uma garota normal, com amigos, família ou o mundo onde você é um ser imortal que precisa se alimentar de sangue e não tem ninguém? Uma garota sozinha e cheia de pesar e sofrimento?"

"A resposta plausível é que eu não sei quem é você e não confio em uma palavra do que você está dizendo."

Ele me examinou por um momento e foi até a sua mesa abrindo a gaveta e pegando algo de dentro.

"Nós sabíamos que isso iria acontecer." Ele falou sorrindo e sacudindo a cabeça. "Eu esperava que não, mas aparentemente eu perdi uma aposta."

"Aposta?" "Sim, Catherine apostou que você ia ser difícil de convencer e que precisaria de mais do que meu

rosto bonito e meu charme para acreditar em minhas palavras; Ela falou que você precisaria de provas." Ele estendeu o braço à minha frente me oferecendo um envelope azul.

Eu o peguei ainda hesitante e o virei vendo meu nome escrito à mão. A caligrafia era quase idêntica à minha e no centro dele havia um selo lacrando sua abertura.

"O que é isso?" Perguntei erguendo meus olhos e ele apenas encolheu os ombros. "Eu sou apenas o mensageiro."

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11.11.11.11. AzulAzulAzulAzul A viajem de volta foi silenciosa. Nenhum dos dois me perguntou nada embora eu sentisse que

queriam saber o que o psiquiatra havia me falado e, o mais importante, quando Rhine iria voltar. Ao pensar nela eu sentia o envelope azul queimar dentro do bolso da minha calça jeans

esperando para ser aberto. De acordo com o psiquiatra, Patrick, o envelope continha provas de que o que ele falava era verdade, mas isso também significaria o fim do mundo como eu o conhecia.

Quando o carro parou escutei a porta do meu lado se abrir e fui guiada por Casimir até a porta da frente, mas antes que a sua mão pudesse tocar a maçaneta, a porta se abriu e minha respiração ficou presa.

Braços envolveram minha cintura tão rápido e tão forte que perdi o equilíbrio e quase caí para frente. Casimir me segurou me estabilizando e me lançou um sorriso ao ver minha expressão.

"Acho que alguém estava com saudades." A voz de Victor a fez erguer a cabeça e um grande sorriso iluminou seu rosto.

"Ava." Eu sussurrei deslizando meus dedos pelos seus cabelos e afastando seus cachos bagunçados para que eu pudesse ver seu rosto.

"Ava." Uma voz familiar veio de dentro da casa e eu ergui meu rosto em sua direção. "Não faça isso, querida. Assim você vai machucar sua irmã." A Sra. Heart falou se aproximando com um avental cor de lavanda amarrado na cintura e secando as mãos em um pano de prato.

"Ta bom, vó. Disculpa." Ava falou soltando minha cintura e pegando minha mão enquanto se posicionava ao meu lado.

"Irmã? Vó?" Eu sussurrei em direção à Casimir tentando manter minha voz baixa o bastante para que os outros não me escutassem.

"Sua família." Ele sussurrou de volta aproximando seu rosto do meu e tocando minha testa com seus lábios.

"Ei, ei, ei. Não me façam ficar enjoado antes do almoço." Victor passou por nós entrando na casa e nos lançou uma careta que me lembrou meu Victor.

"Acho melhor vocês entrarem ou vamos ficar só com as migalhas." Sra. Heart falou rindo e fazendo gestos com as mãos para que nós entrássemos.

"Eu ouvi isso." Victor gritou lá de dentro e Ava soltou uma risada e sacudindo nós duas. "Desculpe, Sra. Heart, mas eu prometi à minha mãe que estaria em casa para o almoço." Casimir

falou e se virou em minha direção. "Eu volto mais tare para ver como você está." Nós nos despedimos dele e entramos na casa. Meu coração acelerou ao perceber como os moveis

e os cômodos eram familiares. Eu sentia como se estivesse estado ali muitas vezes e, ao mesmo tempo, sentia como se fosse a primeira vez.

Durante o almoço eu precisei me policiar para não ficar encarando as pessoas ao meu redor. Todos estavam à mesa, Sr. e Sra Heart, Victor e Ava. Minha família. E eles conversavam e contavam estórias uns para os outros. Eles pareciam tão felizes e era como se eu pertencesse àquela imagem, tudo aquilo era tão natural que eu sentia medo.

Após o almoço eu subi para o quarto de Rhine, meu quarto e me sentei na cama retirando o envelope no meu bolso e o colocando a minha frente. Era agora ou nunca. Eu já havia prolongado aquele momento o máximo que podia e agora eu simplesmente não podia mais deixar para depois. O que quer que fosse que aquele envelope azul guardava não podia ser pior do que a antecipação da descoberta.

Respirei fundo pegando o envelope com minhas duas mãos e o sentindo vinte vezes mais pesado do que eu tinha certeza de que ele realmente era e o abri espiando seu interior. Um suspiro escapou meus lábios e retirei o papel dobrado que estava dentro do envelope.

Quando o abri havia o que parecia um endereço de um blog e alguns números rabiscados com uma caneta vermelha. Confusa, eu fechei o papel e o abri novamente para me certificar de que não estava tendo algum tipo de alucinação. Não era uma alucinação.

Após fazer o ritual de dobrar e desdobrar o bilhete mais algumas vezes e me sentir uma idiota por fazê-lo, fui até a escrivaninha que ficava ao lado da janela e liguei o computador. Assim que a

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página da internet abriu eu digitei o endereço que estava no papel tomando cuidado para não digitar nada errado e apertei a tecla enter sem saber o que iria aparecer na tela.

Uma janela pop up apareceu no monitor me pegando de sobressalto e uma frase em letras garrafais se formou ocupando quase toda a tela. Era um tipo de charada, mas eu não estava realmente surpresa. A frase dizia: Cativa em janelas que vêem a mentira e são cegas para a verdade, em seu interior encontrarás a pureza e a maldade.

A resposta era algo que somente eu poderia saber uma vez que o envelope era endereçado à mim, mas eu não tinha idéia do que era. Repeti as palavras em minha mente tentando entendê-las, mas tudo que consegui foi ficar mais tonta e exasperada com a situação. Por que as coisas não podiam ser simples? Por que eu tinha que me prender em palavras entrelaçadas, em nós que me forçavam a lutar? Eu estava exausta e queria descansar, queria fazer tudo à minha volta desaparecer.

Me ergui da cadeira sentindo meu corpo pesar e me sentei na cama deixando minha fadiga deitar meu corpo sobre o colchão macio. Meus olhos se fecharam automaticamente e eu respirei fundo pela primeira vez em muito tempo sentindo o ar penetrar meus pulmões e limpar minha mente. Após alguns segundos deitada em silêncio eu senti que comecei a adormecer e uma dormência tomou conta dos meus membros os deixando pesados.

Katryna. A voz me fez saltar da cama e meu coração pular em meu peito. Percorri o quarto com os olhos,

mas não havia ninguém além de mim. Fechei os olhos tentando me concentrar nos ruídos à minha volta, mas tudo que escutei foram sons abafados vindos do andar de baixo e as risadas de Ava que pareciam se propagar até o andar de cima.

"Eu devo estar ficando louca." Falei em voz alta precisando ouvir o som da minha própria voz, mas ela soou estranha aos meus ouvidos, mais rouca que o normal.

Esfreguei meus olhos e sacudi a cabeça indo em direção ao computador novamente. Me sentei em frente à tela sacudindo o mouse e fazendo a mensagem aparecer novamente na tela. Elas continuavam as mesmas, mas pareciam estranhamente familiares como se eu já tivesse às escutado antes.

Minha mente correu mais rápido do que eu podia antecipar e uma sensação de vertigem me atingiu fazendo meu corpo estremecer. Sim, eu sabia o que aquelas palavras significavam. Há muito tempo atrás eu às tinha escutado e agora a memória daquele dia me golpeava dolorosamente enquanto eu olhava fixamente para a tela do computador.

Meu pai tinha morrido à poucos dias e eu me sentia perdida, então minha mãe chamou um Pastor para nos visitar acreditando que sua visita afastaria os maus espíritos que poderiam ser atraídos pelos maus sentimentos. Ela acreditava que minha profunda tristeza só atrairia desgraça e mais sofrimento. Espíritos malignos se alimentavam da dor e ela temia que eles poderiam me levar com eles a deixando sozinha e cheia de pesar.

Na época eu acreditei em suas palavras, mas agora eu já não tinha certeza de seus motivos para tê-lo chamado até nossa casa ou do que ela tinha medo. O fato é que o Pastor foi gentil comigo e suas palavras realmente tiveram efeito sobre mim. Ele falou sobre as provações à que somos postos todos os dias e que, embora eu não pudesse vê-lo, meu pai sempre estaria comigo.

Eu questionei, como sempre, sua lógica argumentando que eu não podia acreditar em algo que não podia ver, mas sua resposta foi automática e sem hesitação:

"Nossos corpos nos deixam cegos para o que não pertence mais à esse mundo e enquanto vivermos nossas almas continuarão cativas à janelas que vêem a mentira e são cegas para a verdade que se esconde sob ela. A alma é essencialmente tudo e contem tanto o bem quanto o mal. Você precisa manter seu coração aberto, criança. Somente com o coração aberto a neblina que cobre seus olhos se dissipará e a verdade será revelada."

Meus dedos trêmulos digitaram a resposta no teclado e senti meu coração pular quando a tela se dissipou sendo substituída por uma imagem de uma cadeira. Me aproximei da tela tentando vê-la melhor e um rosto apareceu à minha frente me fazendo recuar tão bruscamente que quase caí de costas no chão. Felizmente meus reflexos, embora não fossem tão bons quanto antes, ainda eram rápidos e consegui me equilibrar antes que fosse tarde demais.

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Endireitei a cadeira rapidamente retornando meus olhos para a tela e percebendo que o rosto que havia aparecido à minha frente e me surpreendido era o meu rosto. Minha imagem ajeitou a câmera a virando algumas vezes e andando de costas se sentou na cadeira ficando de frente para mim. Seus olhos estavam fechados e ela respirou fundo antes de abri-los novamente. Seus lábios se partiram e senti meu corpo tencionar em antecipação para o que ela estava prestes a dizer.

"Katryna." Sua voz soou rouca me fazendo piscar em surpresa. "Se você está vendo este vídeo significa que eu não sobrevivi."

Seu rosto era grave e eu me inclinei para frente não tendo certeza do que eu realmente havia escutado, mas então ela passou as mãos sobre os cabelos e começou a falar novamente.

"Os zumbis finalmente me pegaram." "O quê?" Eu exclamei incrédulo sacudindo a cabeça enquanto tentava fazer algum sentido

daquilo. Minha imagem ficou em silêncio por alguns segundos com a mesma expressão solene e então

seus ombros começaram a sacudir e um sorriso se abriu em seu rosto. Ela estava rindo e eu tinha a nítida impressão de que era de mim.

"Me desculpe, mas é que eu sempre quis dizer isso." “Catherine.” Balbuciei soltando o ar que estava preso em meus pulmões. “Brincadeiras à parte, se você está vendo esse vídeo significa que eu estava certa e que ganhei a

aposta.” Um sorriso orgulhoso tocou seus lábios e ela ergueu a mão esquerda colocando uma mecha de cabelo azul para trás da orelha em um gesto automático. “Agora Patric vai ter que parar de me chamar de Catherine.”

A imagem na tela fez uma careta ao pronunciar o nome e um som de desdém escapou seus lábios antes de continuar.

“Catherine, esse nome é tão clichê que meu cabelo começa e frisar só de escutar ele.” Então seu rosto ficou sério e ela voltou a fixar sua atenção à câmera. “Não me entenda mal, eu gosto de ‘Morro dos Ventos Uivantes’ tanto quanto qualquer um, mas ,,,” Ela pausou respirando.

“Ter o nome de outra pessoa é como ser fadado ao mesmo destino dela. Eu não quero ter o destino de ninguém além do meu. Por isso eu prefiro que me chamem de Rhine.”

Agora foi a minha vez de franzir a testa ao escutar o nome. Que tipo de nome é Rhine? Mesmo que fosse um apelido, não era um dos melhores.

“Ei!” A garota da tela falou franzindo a testa também. “Eu sei o que você está pensando e posso assegurar que Rhine é um ótimo nome. Então pare de fazer careta.”

Era paranóia e eu estava totalmente ciente de que aquilo era só uma gravação, mas não pude evitar olhar ao meu redor para me certificar de que não havia nenhuma câmera me filmando ou algo parecido. Não havia ou, pelo menos, não uma que eu conseguisse detectar.

“Eu nunca gostei de ser chamada por esse nome então quando eu tinha uns sete anos mais ou menos, comecei a procurar um nome que fosse só meu. Cas foi quem me deu a idéia do nome Rhine. Ele sempre foi mais inteligente do que eu e muito ‘nerd’. Quando perguntei por que o nome Rhine ele me falou que Rhine era o nome de um rio muito importante da Europa e era assim que ele me via. Livre e indomável. Eu não entendi direito o que ele tinha falado afinal, eu tinha sete anos. Eu recém estava entendendo o conceito de que o mundo não era chato como uma panqueca e ainda acreditava que Papai Noel existia. Não, não foi o que ele me falou e sim o modo como ele me falou.”

Rhine respirou fundo se recostando na cadeira e cruzando as pernas. Seu olhos perderam o foco por um momento como se ela estivesse vendo algo além do que estava à sua frente.

“Intenso. Ele é intenso.” Ela soltou um sonoro suspiro e um sorriso ergueu o canto direito dos seus lábios. “Mesmo sem saber o que diabos ele estava falando, naquele momento eu soube que eu tinha me apaixonado por ele.”

Senti minha boca ficar seca e foi quando percebi que meu queixo havia caído consideravelmente fazendo minha boca ficar aberta. Olhei a minha volta novamente enquanto fechava a boca e engolia em seco tentando pensar em outra coisa a não ser o gosto amargo na minha língua.

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"O que eu estou fazendo?" Sua voz se ergueu e ela se recostou na cadeira focando sua atenção novamente para a câmera à sua frente. "Você está atrás de respostas e aqui estou eu tagarelando sobre meus sentimentos como uma adolescente idiota."

Meus olhos estavam colados à sua imagem no monitor e senti meu coração acelerar ao ver seu rosto tomar uma expressão grave e quase dolorida.

"Meu nome é," Ela pausou soltando uma risada curta que mais parecia um latido de um cachorro pequeno. "Bom, se você está vendo esse vídeo, estou certa de que já sabe meu nome. Aliás, conhecendo você como eu conheço, você provavelmente vai querer a versão mais curta da explicação então acho melhor irmos direto ao assunto."

Eu não sei o que estava esperando escutar, mas eu posso dizer que nada nem ninguém poderia ter me preparado para o que Rhine estava prestes a me contar. Em verdade o que me abalou mais não foi o que ela me contou em si, mas o que as revelações despertaram em mim.

Ela me falou sobre sua infância, sua família, seus amigos e flashes de memória começaram a se ascender em minha mente. Quando ela falou sobre seu pai meu coração parou em meu peito por um instante e a imagem do meu pai apareceu em minha frente, mas a lembrança que eu tinha dele, assim como as outras, foi se alterando. Ao invés das roupas do século dezoito que eu sempre o via, ele usava um terno razoavelmente atual e seu rosto era desprovido de barba e bigode.

Rhine perdeu seu pai em um acidente de carro deixando ela e sua mãe sozinhas. Alguns meses depois Rhine começou a ter desmaios e perdas de memória então sua mãe resolveu buscar ajuda. Após vários exames os médicos encontraram um tumor em seu cérebro. O tumor estava alojado em um local de difícil acesso e resolveram tentar um tratamento ao invés da cirurgia.

Meu estômago se contorceu ao recordar das dores, as náuseas e vertigens que eram efeitos colaterais. Fechei meus olhos me concentrando para não ser levada pelas ondas de lembranças que me assaltavam sem piedade, mas era difícil. Quando Rhine começou a contar sobre sua mãe e como ela a encontrou morta sobre a cama após um ataque cardíaco fulminante eu corri para o banheiro sentindo a bile subir pela minha garganta.

Quando a náusea finalmente passou, meu corpo tremia pela tensão e eu cedi ao cansaço me sentando ao lado do vaso e colocando as mãos sobre meus ouvidos. Eu precisava abafar o som da minha voz, da voz de Rhine. Só assim eu conseguiria voltar a pensar e fazer as imagens sumirem. Respirei fundo sentindo o perfume dos produtos de limpeza. Lavanda. Eu odiava o perfume de lavanda. É engraçado como às vezes em meio a um tornado nos vemos focando nossa atenção nas coisas mais insignificantes.

Minha atenção estava no meu olfato então não escutei quando ela falou pela primeira vez, mas mesmo assim meus olhos se ergueram em direção à tela que agora estava longe demais para eu poder entender o que seus lábios diziam. Me ergui rapidamente correndo até o computador e voltei o vídeo para ter certeza do que ela havia dito.

Assim que as palavras deixaram os lábios de Rhine as imagens inundaram minha mente me deixando temporariamente imobilizada.

“O tratamento não está funcionando. Eu sinto isso no meu corpo, eu vejo nos olhos dos médicos e no rosto dos,,” Ela pausou fechando os olhos e continuou com a voz trêmula. “Meu avós tentam esconder, mas eles não mentem tão bem quanto eles acham que mentem.”

Seus olhos se encheram de lágrimas e todo o humor e leveza que ainda restava em seu rosto desapareceram.

“Mais cedo ou mais tarde eu vou ter que fazer a cirurgia e ,,” Sua voz quebrou e suas mãos se ergueram cobrindo seu rosto.

Após alguns segundos ela recolheu as mãos respirando fundo e continuou com voz trêmula. “As chances de eu sobreviver não são tão ruins, mas mesmo assim as chances de eu perder boa parte da minha memória são muito grandes.”

De repente uma risada escapou seus lábios em um modo quase histérico e ela cobriu novamente seu rosto com as mãos tentando se conter, mas sem sucesso.

“O que eu estou dizendo?” Ela exclamou batendo com a palma da mão no centro da testa e sacudindo a cabeça. "Como eu sou idiota. Se você está me vendo é claro que eu estou viva, mas,"

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Ela pausou enxugando as lágrimas com as costas das mãos. "Talvez eu não esteja realmente viva. Perder minhas memórias e quem eu sou não deixa de ser um tipo de morte."

Eu já havia escutado aqueles argumentos antes, eles eram meus argumentos. Quando Patrick mencionou que minhas memórias iriam ser substituídas pelas de Rhine, ser sobrepostas e eu senti que a perda das minhas lembranças seriam uma morte em vida para mim.

“Eu não quero morrer Katy, eu não quer me perder ou desaparecer.” Ela suplicou e eu senti meu rosto quente. Quando toquei minha bochecha senti as lágrimas molharem meus dedos. “Você precisa se lembrar, acreditar em mim, em você. Por favor, não me deixe ir, não se esqueça de mim.”

Ainda soluçando ela se ergueu e desligou a filmadora interrompendo a gravação e eu continuei olhando para a tela escura e sentindo um vazio dentro do meu peito. Era ridículo, mas eu sentia como se eu estivesse matando ela pelo simples fato de continuar existindo.

Não tenho ideia do tempo exato que continuei olhando para a tela antes de me erguer e ir até o espelho, pois minha mente estava em uma nuvem, mas eu sabia que nada do que eu havia escutado até agora havia completamente me convencido. Demônios tinham dons terrivelmente poderosos e isso podia não passar de uma ilusão, mas se isso era uma ilusão, como explicar o fato da garota saber sobre meu passado quando mais ninguém sabia?

Eu sabia como eu teria certeza, mas quando me posicionei em frente ao espelho a imagem me fez pausar. Após a hesitação inicial, retirei minhas roupas até ficar apenas de roupa de baixo e examinei cada centímetro da minha pele, mas tudo parecia estranhamente normal. Respirando fundo eu peguei a tesoura que estava em cima da escrivaninha e me preparei para a prova de que tudo aquilo era uma mentira.

Fechei meus olhos tomando coragem e as faces dos Heart, de Ava vieram à minha mente. Seria tão fácil eu simplesmente acreditar, eu queria acreditar, mas algo em mim lutava contra e eu precisava ter certeza. Então respirei fundo e corri a lâmina sobre a parte interna do meu antebraço.

O sangue escorreu sobre minha pele, quente e livre formando pequenas poças na palma da minha mão. Eu observei atentamente esperando, mas ele simplesmente não parou de fluir. Minha pele não se regenerou e quando ergui o braço a minha frente percebi que estava tremendo.

Eu poderia dizer que o que me convenceu foi o fato de eu comprovar que minha pele não cicatrizou instantaneamente quando passei a lâmina, mas isso não é verdade. Meu sangue continuou fluindo até eu enrolar uma fronha ao redor do meu braço para estancar o fluxo, mas o que me fez acreditar, o que fez com eu algo dentro de mim finalmente começasse a ceder aos argumentos foi um único fato. O cheiro de sangue não tinha efeito algum sobre mim.

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12. Marcas12. Marcas12. Marcas12. Marcas

Um sorriso ergueu o canto dos meus lábios e senti meu estômago dar uma cambalhota como

se eu tivesse saltado de um precipício, mas eu ainda não sabia se essa sensação era por medo ou excitação. Naquele momento eu não me importava que meu cabelo parecia um arco íris ou o fato do meu braço estar formigando pelo corte que eu havia feito. Eu me sentia tão leve que meus pés pareciam flutuar.

Meus olhos vagaram do espelho e circularam o quarto a minha volta absorvendo seus objetos e decoração. Então algo chamou minha atenção, uma estante que eu não tinha notado até agora estava do outro lado do quarto e ela ia do chão até quase tocar o teto cobrindo metade da parede.

Ao me aproximar dela me perguntei como eu não havia notado algo tão chamativo antes, mas isso podia ser pelo fato de eu ter outras preocupações em mente como ‘onde diabos eu estava’ e também ‘quem diabos eu era’ sem falar em ‘onde diabos estava..’. Eu pausei tentando lembrar o nome da pessoa que eu estava tentando achar, mas tudo que encontrei foi vazio.

Sacudi a cabeça e me concentrei em deslizar os dedos através dos livros à minha frente. A estante estava praticamente lotada de livros de vários tipos e autores. Desde Alice no Pais da Maravilhas e O pequeno Príncipe até Carmilla e Drácula. Não era a toa que Rhine tinha uma imaginação daquelas. Naquela estante havia suprimento suficiente para criar vários mundos e vários personagens.

“Uma mente vazia é a oficina do Diabo.” As palavras escaparam meus lábios antes que eu percebesse e eu olhei ao meu redor com a estranha sensação de estar sendo observada.

Não havia ninguém, é claro. Mas a sensação continuava lá no fundo da minha mente. Eu teria que conversar com Patrick e descobrir se Paranoia era um dos efeitos colaterais do medicamento.

Alguns dos títulos eu já conhecia, mas outros eram novos para mim e eu os peguei para examinar melhor. Amigas da Escuridão, Origens, Meia Noite. Todos com algum tema paranormal, devo acrescentar. Folheei algumas páginas e os devolvi à estante sacudindo a cabeça.

Um ruído me chamou para a realidade e eu me virei em direção ao computador que ainda estava ligado. Foi quando eu percebi o tempo que passei em frente à estante esperando que meu cérebro voltasse a funcionar. Tempo o bastante para a proteção de tela do computador ser ativada e agora imagens flutuavam sobre ela.

Assim como uma mariposa é atraída pela luz eu fui em direção ao computador e me sentei à sua frente sendo atraída pelas imagens que dançavam hipnoticamente. Eu vi uma garotinha com aproximadamente seis anos, cabelos loiros e grandes olhos verdes sorrindo em algumas fotos e em outras fazendo caretas e poses diversas fazendo uma rizada escapar meus lábios.

Após algumas fotos ela apareceu ao lado de um garoto. Cabelos castanhos escuros com cachos bagunçados que caiam sobre seus olhos azuis e os dois estavam abraçados e sorrindo. Ele não devia ter mais de seis anos, mas isso não me impediu de reconhecê-lo no momento em que meus olhos o encontraram. Aquele na foto com a pequena Rhine era Casimir. Eu sorri lembrando das palavras de Casimir e sacudi a cabeça ao pensar em como ele havia falado a verdade mesmo em um universo imaginário. Ele me conhecia a minha vida toda e aparentemente, nesta realidade não era diferente.

À medida que as fotos iam progredindo as crianças nelas iam crescendo. Em algumas delas havia mais pessoas junto deles e em outras era somente seus rostos. A foto seguinte mostrava os dois na praia, a areia os cercava, ao fundo as ondas azuis e o sol poente os iluminava enquanto ele tinha seus braços ao redor dela. Eu não tinha certeza, mas eles não pareciam ter mais de quinze anos quando essa foto foi tirada. Seus lábios se tocavam em um leve beijo ao mesmo que seus olhos se fechavam. Uma onda de emoções passou através de mim fazendo meus músculos estremecerem enquanto eu sentia nitidamente em meus lábios a sensação do toque dos dele. Seus lábios macios, quentes. Minha mente girou me afastando da realidade e m fazendo agradecer pelo fato de eu estar sentada.

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Minhas mãos foram instintivamente em direção à escrivaninha e o movimento fez com que as fotos sumissem dando lugar à vários ícones diferentes espalhados na área de trabalho do computador.

Estreitei meus olhos lendo os títulos percebendo que se tratava de vídeos, vários vídeos espalhados por toda a tela. Minha mão tremeu em antecipação ao que eu iria encontrar neles, mas eu hesitei ao ler os títulos. Essa não era eu e os vídeos podiam conter qualquer coisa. Coisas que eu podia não estar preparada para ver.

Eu já tinha ido longe demais para amarelar agora. Então eu tomei coragem me fazendo lembrar por tudo que eu já havia passado, mas então uma voz em minha mente me lembrou que tudo não passava de uma ilusão e que meu passado nunca havia acontecido. Não. Isso era algo que eu não podia lidar agora. Existencialismo era uma questão que ficaria para uma outra hora.

Movi a seta do mouse até um link e cliquei duas vezes segurando minha respiração em antecipação ao que iria encontrar. Em minha mente eu rezava para que não fosse nada embaraçoso ou que fizesse com que eu me arrependesse de ver.

“Eu mostro o meu se você mostrar o seu.” A voz de Rhine entoou enquanto a imagem ainda estava escura demais para eu conseguir enxergar qualquer coisa.

“Mostra o seu primeiro.” A voz de Casimir falou enquanto sua imagem aparecia na tela. Ele estava sem camisa, cabelos revoltados e sua sobrancelha estava erguida com uma expressão

que fez meus dedos do pé formigarem. Isso não tinha começado bem, não tinha começado nada bem.

“Eu falei primeiro então você mostra primeiro.” A voz de Rhine vinha do fundo, era ela que estava atrás da câmera filmando Casimir. Ele

estendeu as mãos e a câmera sacudiu enquanto ela ria com as cócegas. Então um barulho de tapas apareceu e Casimir recuou as mãos fazendo uma expressão exagerada de dor, mas logo abriu um sorriso novamente.

“Alguém já falou que você é teimosa?” Ele perguntou estreitando os olhos para a câmera como se estivesse olhando diretamente nos olhos de Rhine.

“Nenhum que tenha sobrevivido para contar.” Ela respondeu fazendo uma voz séria e dando uma gargalhada que deveria ser aterradora, mas que só fez Casimir sacudir a cabeça. “Agora não me enrola e mostra logo.”

“Catherine.” Os lábios dele se partiram e ele colocou sua mão sobre eles fazendo uma expressão de choque. “Você é tão mandona.”

A câmera se moveu para o lado e o rosto de Rhine apareceu se aproximando do de Casimir. Em seus lábios um sorriso que os erguia em um modo maléfico.

“Você ama quando eu sou mandona.” “Droga.” Ele falou fechando os olhos e sacudindo a cabeça forçando uma expressão séria. “Eu

amo sim”. Ele aproximou seu rosto deslizando seus dedos levemente sobre as têmporas da garota. Os olhos

de Rhine se fecharam e ela soltou um ruído que parecia vir do fundo da sua garganta quando seus lábios se tocaram.

“Me mostre, agora.” Ela ordenou com voz rouca voltando para trás da câmera. “Ok, ok.” A resposta de Casimir foi igualmente rouca enquanto suas mãos deslizavam

languidamente sobre seu peito até tocar a barra do seu jeans e soltando o primeiro botão. “Cas!” “O que foi?” Sua expressão seria a inocência personificada se não fosse pelo brilho em seus

olhos que diziam algo bem diferente. “Você está tentando me distrair.” “E está dando certo?” “Não enrola.” Rhine falou soltando uma risada aparentemente envergonhada. “Vamos ter tempo

para isso depois.” Com um suspiro ele se virou e andou até a escrivaninha que ficava ao lado da janela. Embora a

última vez que estive estado lá o lugar parecia diferente, eu tinha certeza de que a filmagem havia

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sido feita no quarto de Casimir. A janela com certeza era a mesma janela através da qual eu havia passado aquela noite para chegar até ele.

Após revirar uma gaveta, ele se virou colocando as mãos para trás. Respirando fundo ele se aproximou voltando ao mesmo lugar que estava antes.

“Eu sei que não é muito, mas mantenha em mente as palavras artista-trabalhando-meio-periodo-em-lanchonete-que-ainda-está-no-ensino-médio-e-não-terminou-de-pagar-o-carro-de-segunda-mão-caindo-aos-pedaços.”

“Se eu soubesse que isso vinha com um teste de memória eu não tinha concordado.” Casimir sacudiu a cabeça e estendeu sua mão capturando a de Rhine e depositando uma pequena

caixa azul no centro da sua palma. Em um movimento rápido ele pegou a câmera e apontou para Rhine que agora tinha os olhos fixos na caixa sobre sua mão.

“Rhine.”A voz dele ecoou abafada atrás da câmera. “Você precisa abrir para ver o que está dentro.”

“Calma,” Ela respondeu erguendo a outra mão. “Estou tentando lembrar que você é um artista e toda aquela baboseira que você falou para eu manter em mente.”

“Rhine!” “O que foi?” Agora era a fez de Rhine parecer inocente. “Isso era para ser romântico. Sendo nosso aniversário de namoro e tudo o mais.” “Não se preocupe, quando eu editar o vídeo vou colocar vários coraçõezinhos ao meu redor para

enfatizar o quão romântico isso é. Ela se aproximou e seu rosto desapareceu. Meus lábios formigaram e eu soube que eles haviam

se beijado. Minha mão esquerda se ergueu e, lentamente, meus dedos delinearam meus lábios ainda dormentes pela lembrança do beijo.

Rhine voltou para a frente da câmera, lábios vermelhos e levemente inchados. Respirando fundo ela abriu a pequena caixa. Em um instante o sorriso desapareceu do seu rosto e sua pele ficou pálida como se tivesse visto um fantasma. Sua mão se ergueu trêmula tocando seus lábios.

“Rhine.” A voz de Casimir era apreensiva. O rosto de Rhine se ergueu e seus olhos cheios de lágrimas encontraram os de Casimir atrás da

câmera. “Como você soube?” Ainda hesitante, sua mãos foi em direção ao interior da caixa. Um soluço escapou seus lábios

quando sua mão se ergueu e senti minha boca ficar seca ao ver o que estava pendurado entre seus dedos.

Ali à minha frente, brilhando intensamente como se tivesse luz própria estava um colar, o meu colar. O mesmo que eu havia encontrado há muitos anos atrás no quarto dos meus pais. Instintivamente minha mão foi em direção ao meu pescoço, mas, claro, ele não estava lá. Uma sensação de vazio preencheu meu peito como se eu tivesse perdido parte de mim. Casimir se moveu ajeitando a câmera e a fixando em algo sólido.

“Meu pai.” Rhine balbuciou e em um instante ele foi até ela. “Eu sei.” Ele falou retirando o colar das mãos dela. “Eu lembro quando ele lhe deu de presente

no seu aniversário de doze anos.” “Mas eu tinha jogado fora. Eu lembro.” Ela falou ainda sem tirar os olhos do colar que agora

estava nas mãos de Casimir. “No velório, eu estava com ele e então eu corri e arranquei do pescoço e joguei fora.”

“Você estava sofrendo e não estava pensando direito. Você estava com raiva e descontou aonde você pôde.”

“Ele me prometeu que não ia me deixar.” Rhine falou secando as lágrimas com as costas da mão. “Eu estava com raiva dele por ter mentido.”

“Seu pai amava você.” Nesse momento eu precisei fechar meus olhos. Eu tentei me proteger da dor, mas meu coração

sangrava com cada palavra. O que Rhine sentiu com a morte do seu pai era o que eu havia sentido

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quando meu pai morreu. Ele me amava e isso não o impediu de me deixar. Mihai me amava e assim como tudo que eu estimava, acabou me deixando também.

“O fecho dele estava quebrado, mas eu mandei arrumar e polir.” Casimir se inclinou e colocou o colar ao redor do pescoço de Rhine enquanto ela erguia os cabelos. “Pronto. Você nem consegue mais sentir o cheiro de banana.” Ele concluiu aproximando o rosto do pescoço dela e respirando fundo.

“Obrigada.” Seus lábios se abriram em um sorriso e seus braços enlaçaram a cintura de Casimir. “É perfeito. Eu amei.”

“Eu amo você.” Ele ergueu o rosto tocando sua testa na dela e fixando seus olhos nos olhos dela. Lentamente os dois começaram a se mover, balançando de um lado para o outro. Um som se

ergueu no silêncio, suave, harmônico e extremamente familiar. Minha voz, mas não vinha dos meus lábios e sim dos da garota no vídeo.

Os ombros de Casimir começaram a sacudir e ele se afastou sacudindo levemente a cabeça de uma lado para o outro.

“Casimir!” Rhine parou e cruzou os braços sobre o peito, mas os braços dele continuavam firmes ao redor dela. “Isso era para ser romântico e você está estragando.”

“Desculpe, mas é que você cantando a trilha sonora da Bela Adormecida é algo que não se vê todo dia.”

“Se você não se lembra, Bela Adormecida foi o filme que a gente estava vendo quando se conheceu e essa música foi a primeira que a gente dançou.” Ela então soltou um suspiro e começou a retirar os braços dele, mas ele a segurou mais forte erguendo a mão dela e endireitando a postura como se fossem dançar uma valsa.

Sua voz se ergueu grave e forçada como se estivesse imitando a do príncipe e os dois se moveram dando giros e piruetas no quarto enquanto cantavam o dueto do desenho. Rhine tentava manter o rosto sério, mas não conseguia parar de sorrir enquanto girava sendo conduzida por ele. Em um movimento leve ele a inclinou deixando seus rostos bem próximos.

“É claro que me lembro, foi a primeira vez que você me beijou.” Quando os dois se ergueram batendo na câmera ela caiu fazendo a imagem escurecer. Antes que

eu pudesse fechar a janela uma nova imagem apareceu. Rhine com aparentemente cinco ou seis anos usando um vestido verde àgua e ao seu lado estava Casimir. Ele era alguns centímetros mais alto do que ela, mas não aparentava ter mais de seis anos. Ele vestia uma calça jeans e uma camiseta branca com detalhes em azul que ressaltavam o azul dos seus olhos.

“Catherine,” Uma voz ecoou atrás da câmera e eu imediatamente reconheci a voz da minha mãe. “Por que você mordeu o seu amiguinho? Vocês brigaram?”

A pequena Rhine sacudiu a cabeça, mas a manteve a cabeça erguida sem desviar os olhos da câmera.

“Ele é meu mais melhor amigo.” “Se ele é seu mais melhor amigo por que você mordeu ele?” A voz falou com tom calmo. “Porque eu não quero perdê ele.” Seus braços enlaçaram o pequeno Casimir e eu pude ver o

pano manchado de rosa ao redor do antebraço dele. “Assim todo mundo vai ver que ele é meu.” Eu não consegui conter um sorriso ao escutar aquelas palavras e me lembrar de como eu também

havia marcado Casimir da mesma forma. Quando fomos ao encontro de Liam em uma cidade distante, eu marquei Casimir com meus dentes para que os outros soubessem que ele era minha propriedade. Talvez Rhine e eu não fôssemos tão diferentes quanto eu imaginava.

A tela então ficou escura novamente. Eu podia escutar várias vozes sussurrando ao mesmo tempo, mas eram baixas demais para eu conseguir distinguir o que estavam falando. Alguns segundos se passaram e uma luz ao fundo apareceu aumentando aos poucos. De repente um palco apareceu no centro da imagem sendo banhado por várias luzes de diversas cores diferentes. No entanto todos permaneceram em silêncio até que uma figura surgiu no centro dele e as pessoas irromperam em aplausos.

Ela se aproximou do microfone e eu quase não reconheci a garota que estava a minha frente. Rhine estava usando uma frente única preta que brilhava em milhares de cores quando as luzes a

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tocavam. Botas de couro com cano alto e salto agulha, minhas botas que eu havia arruinado quando pulei da janela do prédio com Casimir em meus braços. Seus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo com apenas algumas mechas soltas ao redor do seu rosto. Seus olhos continham todas as cores do arco íris e a cada passo que ela dava a saia azul marinho que ela usava dançava ao seu redor como as ondas do mar.

O som de violinos inundou o palco sendo seguido por guitarras, baterias e teclados que se uniam e se completavam. Uma cortina se ergueu e atrás de Rhine apareceu o resto da banda. Eu estreitei meus olhos tentando reconhecer seus componentes, mas eram completamente desconhecidos. Acima do palco havia uma marquise com o nome Angel’s Kiss escrito em letras enormes em estilo gótico.

Rhine parecia tão natural no palco, andando de um lado ao outro, interagindo com a plateia. Eu sabia como era se apresentar em frente à uma audiência. Minha mãe sempre me fazia tocar inúmeras musicas no piano para nossos convidados durantes os grandes bailes que ela dava, mas eu nunca perdi meu medo de público.

Enquanto assistia Rhine cantar e dançar, não pude evitar sentir um pouco de inveja de sua desenvoltura e carisma. Estranhamente, seu comportamento me lembrou do modo como Aislin agia e um calafrio correu pela minha espinha.

“Hoje é um dia muito especial.” Rhine falou no intervalo entre uma das musicas. “Como vocês sabem, é uma tradição em todos os shows do Angel’s Kiss um fã ou uma fã receberem um beijo de um dos anjos da banda.”

O publico respondeu com gritos e assovios às palavras dela. Com uma das mãos erguida ela pediu silêncio e aos poucos eles se calaram novamente.

“A partir de hoje vocês terão um anjo a menos participando dessa tradição.” Com suas palavras pairando no ar, Casimir entrou no palco e se posicionou ao seu lado. “A partir de hoje, todos os beijos do anjo que vos fala estão prometidos.”

Ela então se virou enlaçando os dedos entre os cabelos dele e o beijou. Ele enlaçou seus braços na cintura dela e alguns da plateia bateram palma enquanto outros assoviavam e faziam piadas sobre a intensidade do beijo.

Rhine podia ser humana, mas sua necessidade de marcar território era digna de qualquer vampiro. Ela não tinha apenas beijado ele, ela estava marcando ele na frente de todos e deixando claro de que ele a pertencia tanto quanto ela o pertencia. Isso tudo seria muito engraçado se não fosse pelo que vi quando Casimir a girou em seus braços a deixando de costas para o público.

Cobrindo noventa por cento das costas dela havia um gigantesco par de asas negras que cintilavam reflexos púrpura sob as luzes do palco. Um gigantesco par de asas negras tatuado em suas costas.

Eu corri para o espelho arrancando minha blusa. Não, isso não podia ser de verdade. Era só uma maquiagem para deixar os shows mais dramáticos. O nome da banda era Angel’s Kiss, então ela era um anjo e anjos tinham asas. Asas de mentira, tatuagem de mentira, certo? Por favor seja uma tatuagem de mentira. Erguendo meus cabelos eu girei e me contorci em frente ao espelho.

Um suspiro de alívios escapou meus lábios ao constatar que minhas costas estavam lisas e sem nenhum traço de tinta. Eu estava certa, era uma tatuagem falsa. Meus olhos deslizaram sobre minha pele indo até minhas mãos que ainda seguravam minhas mechas multicoloridas no alto da minha cabeça. Depois desse susto meu cabelo não parecia mais tão aterrorizante.

“Sentiu minha falta?” A voz me pegou de sobressalto e eu me virei encontrando Casimir sentado na janela.

Seus olhos me acessaram e ele ergueu uma sobrancelha quando viu meu estado. Sua expressão mudou no momento em que ele avistou o pano ao redor do meu antebraço.

“O que aconteceu?” Ele falou se aproximando de mim, mas eu havia perdido as palavras. Ele desenrolou o pano e fez uma careta quando viu o corte fundo. Sem dizer uma palavra ele foi

até o banheiro e voltou com um kit de primeiro socorros e começou a limpar e tratar meu braço.

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Suas mangas estavam arregaçadas e, enquanto ele fazia o curativo, meus olhos avistaram uma marca em seu antebraço. Uma cicatriz levemente saliente. Com minha outra mão eu toquei seu braço sentindo cada detalhe da marca sob meus dedos.

“Me desculpe.” As palavras escaparam meus lábios, mas eu não tinha ideia pelo que eu estavam me desculpando. Pela cicatriz? Pelo fato de ter me cortado? Por ter deixado ele à tanto tempo atrás? Por tê-lo magoado? Pelo fato de não poder ama-lo do modo como ele me amava? Por tê-lo feito perder Rhine? Eu havia feito tantas coisas que era difícil saber por qual começar a me desculpar.

“Você se lembra? Rhine?” Seus olhos se ergueram encontrando os meus e a esperança neles me fez querer mentir. Eu podia dizer o que ele queria ouvir. Eu queria dizer o que ele queria ouvir. Ser quem ele queria que eu fosse e viver essa vida. Eu podia ser Rhine e tudo estaria bem. Nada me impedia, mas quando meus lábios se partiram eu não consegui mentir.

“Desculpa, mas ainda sou eu, Katryna.” Seus olhos estreitaram e eu continuei sem dar tempo dele perguntar o óbvio. “Eu assisti alguns vídeos da Rhine e entre eles estava,” Eu comecei, mas ele me interrompeu sacudindo a cabeça.

“Você não precisa se desculpar.” Ele abaixou a cabeça novamente e continuou fazendo o curativo. Eu o observei tentando

diferenciar o Casimir à minha frente do Casimir em minha memória, mas cada detalhe, cada expressão era exatamente a mesma. Naquele momento eu notei o quanto eu senti a falta dele, mas eu precisava me lembrar de que aquele não era o Casimir que eu conhecia. Sacudi minha cabeça tentando clarear minhas ideias e me foquei no presente.

“Prontinho.” Ele falou se erguendo e indo guardar o kit no banheiro novamente. “Você não vai perguntar?” Eu falei me erguendo e o encarando quando ele voltou para o quarto. “Você quer falar sobre isso?” Ele perguntou apontando para o meu braço e eu sacudi a cabeça.

“Então eu não tenho motivos para perguntar.” Ele me observou intensamente e eu tive a sensação de que ele continuava procurando por sinais

de Rhine. Esperando que ela viesse à tona a qualquer momento ou que eu começasse a rir e dizer que tudo não passava de uma piada. Mas aquilo não era uma piada e eu não tinha ideia quando Rhine iria voltar ou se ela um dia iria.

“Esta ficando tarde, é melhor eu ir.” Ele falou indo até a janela. “Você não acha melhor usar a porta?” “Não, pela janela é mais emocionante.” Ele respondeu me lançando um sorriso e piscando. “Além do mais eu não quero quebrar a tradição.” “Por que você veio?” Minha mão enlaçou seu punho o pegando desprevenido. “Eu precisava ver se você estava bem.” “Obrigada.” Eu falei soltando ele e colocando meus braços atrás das minhas costas. Ele se virou e eu assisti enquanto ele descia. Fechei o vidro e me virei de frente ao espelho me

dando conta de que eu ainda estava só de sutiã e jeans. Se ele não achava que eu era louca isso com certeza havia convencido ele.

Eu estava colocando minha blusa quando escutei o som vindo da janela. Casimir estava do lado de fora batendo no vidro.

“O que aconteceu?” Perguntei erguendo o vidro acima dos meus ombros. “Eu esqueci uma coisa.” Antes que eu pudesse prever o que ele estava prestes a fazer ele se

inclinou enlaçando seus dedos por entre meus cabelos e me beijou. Uma corrente elétrica passou por mim e me afastei batendo com a cabeça no vidro. Uma onda de

tontura e náusea me fez cambalear. “Me perdoe, eu não queria machucar você.” Ele gaguejou entrando no quaro e me erguendo em

seus braços. “Eu achei que,” “O que diabos está acontecendo aqui?” Victor apareceu na porta, seus olhos fixos nas mãos de

Casimir me segurando. “Victor,” Casimir começou a falar, mas Victor ergueu a mão e andou até nós. “Casimir, eu não quero explicações. É melhor você ir. Ela teve um dia cheio hoje e precisa

descansar. Todos nós tivemos.”

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Casimir foi embora pela janela e Victor conversou comigo antes de ir dormir, mas suas palavras eram como ruídos desconexos em meus ouvidos. Minha atenção estava em outro lugar. Eu não conseguia parar de pensar em como a corrente elétrica que me tocou quando Casimir me beijou era remanescente da que senti na noite em que ele havia me trazido de volta com o toque dos seus lábios. Algo havia acordado em mim naquela noite e estava tentando vir à tona agora.

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13. Respirando Embaixo 13. Respirando Embaixo 13. Respirando Embaixo 13. Respirando Embaixo D’águaD’águaD’águaD’água OOOOs dias se passaram e todos ao meu redor tentavam me ajudar. A cada dia eu me acostumava

mais e mais com a confortável rotina de uma família normal. Eu tomava café da manhã com minha família. Nós conversávamos sobre o que havíamos planejado para o dia e eu me via sorrindo mais do que o normal. Eu tentava cooperar e ser feliz com a minha nova rotina, mas algo em mim não conseguia se se acalmar.

Eu comecei a fazer visitas periódicas ao consultório de Pátric e a cada visita aprendia mais sobre meu passado e minha condição. Os remédios ajudavam com os sintomas, mas a sensação inconfortável continuava lá, no fundo da minha mente. Algumas vezes era somente a sensação de que estava sendo vigiada e, quando ficava muito tempo sem tomar o medicamento eu podia jurar que escutava vozes me chamando.

Patric me fez prometer que eu contaria tudo e que devia confiar nele, mas por algum motivo eu não contei sobre as vozes. Era idiota, mas eu sentia que se ele as fizesse sumir, eu sumiria com elas. As vozes eram extremamente familiares e eu me sentia reconfortada com elas, por mais estranho que isso possa parecer. Além do mais, as vozes não chamavam o nome da Rhine, eles chamavam meu nome, Katryna. Eu era egoísta o bastante para não querer abrir mão desse pequeno pedaço de mim. Eu sentia que a única coisa que me impedia de esquecer meu nome eram essas vozes e eu não estava pronta para esquecer-me de mim completamente.

Fazia mais de duas semanas que eu havia acordado para minha nova realidade e Casimir havia sido muito paciente comigo. Ele me levava aos lugares que ele e Rhine costumavam ir e me contava coisas sobre ele, sobre Rhine e sobre os dois. Eu sabia que ele estava tentando reavivar as memórias presas na minha mente, mas embora eu estivesse gostando da situação eu sentia que estava tirando proveito dele.

Hoje ele havia me levado para passear pelo campus da Universidade que ele estava estudando. Aparentemente Rhine e ele tinham um lugar preferido lá e ele queria muito me mostrar. Como ele tinha uma prova para fazer, havíamos combinado de nos encontrar na praça que ficava próxima ao ginásio.

Já faziam mais de trinta minutos que eu estava parada sob a árvore e eu estava ficando cansada de ficar de pé. Olhei ao meu redor e decidi dar uma volta enquanto esperava. O campus era lindo e as arvores eram impressionantes pela sua altura e variedade. Meu pescoço já estava começando a doer quando passei pela frente do ginásio e escutei um barulho.

A porta estava entreaberta e quando espiei na fresta vi que no centro havia uma gigantesca piscina. Aquele devia ser o local onde a equipe de natação treinava. Casimir havia me contado que havia uma equipe de natação na Universidade, mas aquela era a primeira vez que eu via o local.

Com um pequeno empurrão eu abri a porta e olhei ao meu redor, mas o lugar parecia deserto. As luzes estavam apagadas e a única iluminação vinha da luz do sol que entrava através das janelas de vidros que tocavam o teto.

“Olá?” Minha voz ecoou no ginásio, mas não obtive nenhuma resposta. Eu entrei fechando a porta atrás de mim e observei o lugar ao meu redor. O espaço era enorme e

as luzes que batiam sobre a água refletiam em milhares de cores. Meus olhos seguiram as ondas de luz que dançavam à minha frente.

Talvez eu também pudesse entrar para a equipe de natação. Certamente uma faculdade grande como aquela tinha uma equipe de natação feminina. Eu sabia nadar e após alguns treinos eu tinha certeza que não teria problemas mesmo não tendo as facilidades de que estava acostumada. Eu não era tão forte como antes nem tão ágil, mas eu podia treinar e se os demais humanos conseguiam, eu também podia conseguir com um pouco de esforço.

Um som na água chamou minha atenção e eu me aproximei percebendo que a água da piscina se movia mais rápido do que antes. Alguém estava nadando.

“Olá?” Chamei novamente, mas novamente não tive resposta.

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Me aproximei da beira da piscina e enxerguei entre as água uma figura submersa. A figura estava imóvel e lentamente eu me abaixei tentando ver o que ela estava fazendo.

“Você está bem?” Eu chamei, mas a figura se mantinha imersa e imóvel. “Você precisa de ajuda?” Me abaixei na beirada piscina e quando eu consegui ver seu rosto, um braço se ergueu rapidamente e me puxou para dentro.

Eu me debati sentindo meu coração saltar em meu peito, mas os braços que me seguravam eram fortes demais. Meus olhos se abriram e me deparei com dois olhos castanhos esverdeados que me encaravam fixamente. Eu conhecia aqueles olhos, aquele rosto, disso eu tinha certeza, mas eu não conseguia me lembrar do seu nome ou de quem ele era.

Seus lábios se moviam, mas nenhum som saía e eu sentia seus dedos se estreitarem cada vez mais ou redor do meu braço. A dor aumentava e ao meu redor as águas começaram a ficar turvas até que senti meu braço estalar sob sua mão e as águas ao meu redor borbulharam furiosamente como se estivessem fervendo. Fechei meus olhos sentindo a dor tomar conta de mim e quando os abri novamente não havia nada além dele e de mim.

Onde você está Katryna? Sua voz penetrou minha mente e era tão familiar que eu quase consegui lembrar quem ele era.

Anjo. Eu respondi em sua mente automaticamente sem nem ao menos saber como eu havia feito isso.

Katryna, por favor. Ele falou com urgência na voz. Nós não temos muito tempo. Onde você está? Casa. Eu respondi sentindo alguém me puxar. Estou em casa. Eu via os lábios dele se mover, mas ele estava se afastando e nenhum som saia deles. Ou era eu

quem estava me afastando. Eu estava tonta e a diferença entre os dois parecia impossível de discernir. Uma pressão começou a aumentar sobre meu peito e estava difícil de respirar. Eu tentei lutar, mas meu corpo não me obedecia.

Minha visão começou a escurecer e quando meus olhos se abriram uma luz forte assaltou meus olhos. Mas eu estava ocupada demais colocando água para fora dos meus pulmões para me preocupar com a dor que a luz estava causando em meus olhos.

“Oh, meu Deus.” Casimir exclamou me erguendo de encontro ou seu peito. “Você está bem?’’ Eu não conseguia responder, minha meus pulmões pareciam estar pegando fogo e eu não

conseguia parar de tossir. O que diabo havia acontecido? Quem era ele? Como ele havia falado comigo direto em meus pensamentos?

Colocando minhas mãos de encontro ao peito de Casimir eu me afastei e olhei em direção à piscina. No momento em que movi meu braço direito o ar foi roubado dos meus pulmões. Uma dor paralisante correu através do meu braço e lágrimas quentes correram sobre meu rosto. Mordi meus lábios tentando conter o grito de dor me fazendo provar sangue com a intensidade da mordida.

Assim que o sangue se espalhou pela minha boca uma névoa se formou ao meu redor. Eu tentei manter meu foco, mas uma vertigem fez tudo ao meu redor girar em uma velocidade inacreditável. Em poucos segundos eu estava afundando no abismo negro novamente.

Quando meus olhos abriram novamente escuridão me cercava. Sem me mover eu senti o que havia ao meu redor analisando e tentando perceber possíveis perigos imediatos. Eu estava deitada em algo macio, coberta por lençóis e eu não conseguia mover meu braço direito.

O som leve de alguém respirando ao meu lado me fez ficar mais alerta, quando respirei fundo percebi o leve perfume primavera, musk e vento. Virei meu rosto e minha respiração ficou presa quando dois olhos castanhos esverdeados piscaram em minha direção. Rapidamente me virei ascendendo a lâmpada ao lado da cama, mas quando eu me virei novamente não havia ninguém do meu lado.

“Finalmente você acordou.” Meu coração pulou no meu peito e, se eu não estivesse na cama, com certeza teria caído com o

susto. “Victor.” Exclamei colocando a mão esquerda sobre o coração e respirando fundo. “Você quase

me matou de susto.”

Page 91: AngelsTears(Angel's Kiss Livro 2)

“Eu poderia dizer o mesmo.” Ele se ergueu e se sentou ao meu lado na cama. “O que aconteceu com você hoje?”

“Você não soube? Eu decidi entrar para a equipe de natação.” “Não me diga que você pulou naquela piscina.” Victor colocou suas mãos sobre meus ombros e

a pressão fez meu braço doer, mas a expressão no rosto dele me manteve calada. “Você não sabe nadar.”

“E tenho medo de altura também, certo?” Minhas palavras o pegaram desprevenido e ele pareceu confuso. Suas mãos soltaram meus

ombros e seus olhos penetraram nos meus. “Você devia ir agora.” Minhas palavras eram frias e calculadas enquanto eu sentia seus olhos

avaliarem cada expressão em meu rosto. “Rhine, por favor, me diga o que está acontecendo com você. Eu só quero ajudar.” “Victor,” Meu rosto se abriu em um sorriso, um que a muito eu não usava. Uma máscara que não

falhava em esconder minhas intenções. “Eu estou cansada e meu braço está doendo. Eu só quero dormir.”

Seus olhos foram em direção ao meu braço e ele sacudiu a cabeça soltando um suspiro. “Me desculpe. Eu,” Ele começou a falar, mas eu ergui minha mão o interrompendo. “Não precisa se desculpar por ficar preocupado com sua irmã.” Ajeitei as cobertas ao meu redor,

fazendo uma careta exagerada ao mover meu braço engessado, e Victor se ergueu me ajudando a me cobrir. “Obrigada.”

“Boa noite.” Ele se afastou e, após me observar por alguns segundos, saiu fechando a porta, e me deixando no escuro.

Eu permaneci na cama de olhos fechados até ter certeza de que ele não ia voltar. Quando os únicos sons que eu conseguia escutar eram o zunido vindo do motor da geladeira e os grilos do lado de fora, eu ergui as cobertas e me levantei. Eu estava usando shorts vermelho e um top amarelo. Se eu não quisesse ser vista do espaço eu precisava me trocar para algo mais discreto.

Depois de alguns minutos revirando o guarda-roupa o mais silenciosamente possível, eu consegui encontrar um top e uma calça de cotton pretas. Eu precisaria de elasticidade para o que estava prestes a fazer. Elasticidade e muita coragem.

Me sentei colocando meu braço engessado sobre a escrivaninha. Deslizando meus dedos sobre o gesso, senti sua espessura e detalhes. Respirei fundo pressionei meus lábios em uma linha fina, e golpeei o gesso na parte que parecia mais frágil.

O som do gesso se rachando foi abafado, mas alto o bastante para me fazer parar de respirar. Após me certificar de que não havia acordado ninguém, continuei a golpear até conseguir retirar o restante do gesso que estava ao redor do meu braço. A dor fez lágrimas brotarem em meus olhos, mas eu mordi meus lábios e me mantive em silêncio.

Dor era algo familiar, eu convivi grande parte da minha vida com ela. Ao sentir meu braço formigar e meus músculos se contraírem com cada movimento, um sorriso tocou meus lábios. Finalmente algo fazia sentido naquele universo paralelo ao qual eu estava.

“Rhine.” A voz melodiosa de Ava veio de trás da porta trancada. Todas as luzes estavam apagadas então eu me mantive em silêncio e esperei para que ela fosse

embora. O leve toque do seu punho contra a madeira da porta era um tormento. “Por favor, me deixa entrar.” Sua voz era um choramingo que me cortava o coração, mas mesmo

assim eu não respondi. Quando escutei seus soluços, precisei colocar minha mão sobre minha boca para impedir que eu

falasse algo. Um nó em meu estômago e a força que precisei fazer para me segurar e não ir até ela só me fez ter mais certeza do que eu tinha que fazer.

“Abra a porta!” Ava gritou fazendo meus ouvidos zunirem. “Me deixe entrar!” As batidas na porta aumentaram, e eram cada vez mais fortes, fazendo fartas saltarem em todas

as direções. Um rugido que parecia vir de um animal ferido ecoou me fazendo cobrir os ouvidos com a dor e toda a casa estremeceu ao meu redor.

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Enquanto eu via a estande ruir à minha frente, as palavras que vinham a minha mente eram antigas e eram a única coisa que me mantinham em pé. “Não confie em tudo que ouvir, e não acredite em tudo que você ver. Confie apenas em seus instintos.” Eu repeti as palavras de minha mãe sem retirar os olhos da porta.

Desde o início eu sentia que algo estava errado, mas eu queria tanto acreditar na mentira que preferi ignorar meus instintos. Eu queria ser uma garota normal, queria ter aquela vida, queria tanto ser alguém que não fosse eu. Alguém que pudesse amar, alguém que pudesse ficar com Casimir e ter um final feliz. Tudo aquilo era uma mentira na qual eu havia me forçado a acreditar, mas da qual eu precisava sair.

Corri até a janela e quando minhas mãos tocaram a tranca ela se desmanchou por entre meus dedos. Olhei para o chão vendo o vidro se quebrar e foi quando eu percebi uma espessa névoa envolvendo meus pés. Eu recuei tentando me livrar dela, mas quanto mais eu me mexia, mais rápido ela me envolvia.

Em poucos instantes eu não conseguia mais enxergar um palmo à minha frente. Meus pulmões pareciam pressionados sob um peso invisível dificultando a circulação de ar neles. Cobri meu rosto com minhas mãos tentando afastar a estranha fumaça, mas fazer o ar entrar era tão impossível quanto respirar embaixo d’água.

Minha garganta começou a se fechar e fui tomada por um acesso de tosse. Circulei minha garganta com minhas mãos sentindo minhas unhas romperem minha pele. Desespero brotava em minha mente e ameaçava tomar conta de mim, mas eu foquei minha atenção fechando meus olhos repetindo em minha mente que nada era real. Ver através da mentira.

Algo tocou meu braço, e eu recuei tão rápido, que cheguei a tropeçar em meus pés. Caí no chão sentindo a humidade penetrar minhas roupas. A surpresa me fez abrir os olhos e ser atingida pela claridade repentina. Após piscar várias vezes minha visão voltou a ter foco e eu pude ver onde eu estava.

Um campo verde se estendia à minha frente e ao longe eu escutava o som das águas batendo contra as pedras. Me ergui rapidamente e percebi que meu braço não estava mais doendo. Girei analisando meus arredores. Eu havia sido transportada do quarto para o alto de uma colina.

Andei em direção ao som das águas, mas quando olhei para baixo a visão só me confirmou o que eu já sabia. Mais de cem metros e, como se a altura absurda não fosse o bastante, uma correnteza corria paralelo à colina. Ondas violentas se batiam contra as pedras e o som ecoava em meus ouvidos como trovões. Meu estômago se contraiu com a visão e minha visão ficou turva me fazendo recuar da beirada.

“Rhine.” A voz de Ava me fez virar. “Por que você está fazendo isso?” Ela estava com um vestido florido, e um tope em forma de flor no topo da cabeça. Seus cachos

reluziam sob a luz do sol, e seus grandes olhos estavam fixos em mim. “Meu nome,” Falei me endireitando enquanto observava o rosto do Doppelgänger. “É Katryna e,

quando eu sair dessa prisão, vou arrancar seu coração e assistir a vida esvair do seu rosto, enquanto eu dreno seu sangue.”

Seus olhos se encheram d’água e eu senti o ódio, quente e devastador, crescer em mim com a dor que aquela imagem me trazia. A falsa Ava era tão idêntica à minha Ava, que eu senti meus músculos se contraírem com a vontade de correr até ela.

Estavam tentando me manipular usando cada ponto fraco que conseguiam encontrar; Minhas memórias, meus sentimentos, meu desejo de ser uma garota normal e, como se isso não bastasse, meu inimigo se escondia atrás de máscaras fabricadas para me ferir. Máscaras especialmente escolhidas para desarmar minhas defesas.

“Katy.” Ela balbuciou dando um passo à frente e em me afastei indo em direção ao precipício. Seus olhos se expandiram com real emoção e ela afastou as mãos rapidamente dando um passo

para trás. “O que foi?” Eu falei erguendo uma sobrancelha. “Está com medo?” Então ergui um pé

novamente o movendo para trás e observando seu rosto alarmado. “Por favor, Katy.” Ela suplicou soluçando entre lágrimas. “Eu só quero ajudar você.”

Page 93: AngelsTears(Angel's Kiss Livro 2)

“O seu teatrinho é muito bom, eu tenho que admitir.” Falei dando mais um passo para trás. “Eu quase caí na sua mentira. O vídeo foi bem pensado, afinal, quem não acreditaria em si mesmo, certo?”

Eu dei mais um passo para trás e senti meu calcanhar bater em uma pedra. Tudo estava em silêncio a não ser pelo som da pedra batendo contra as rochas durante a sua descida. Após o que pareceu uma eternidade, escutei o som abafado dela batendo na àgua.

“Isso é o que eu chamo de uma longa descida.” Falei soltando uma risada sem humor. “Não faça isso, Katy.” Casimir falou aparecendo ao meu lado e se aproximando com sua mão

estendida em minha direção. “Nós só queremos que você seja feliz.” Ao meu redor rostos começaram a aparecer. Victor, Sr. e Sra. Heart, minha mãe. Eu fechei os

olhos repetindo em minha mente que aquilo era uma mentira. Minha mãe estava morta. “Isso não é real.” Abri meus olhos encarando a duplicada de Casimir nos olhos. “É tão real quanto você quer que seja.” Ela respondeu me lançando um sorriso. “Aqui você pode

ter tudo que sempre quis. Você pode ser quem sempre quis ser.” Suas palavras me fizeram pausar por um instante. Minha mente correu com cada promessa que

suas palavras me mostravam. Cada desejo, cada pensamento, cada momento era o que eu queria que fosse verdade.

“Aqui eu tenho minha família.” Falei olhando a minha volta. “Aqui eu sou uma garota normal; Aqui eu posso ter você.” Ergui minhas mãos tocando seu rosto delicadamente e vendo seu sorriso aumentar.

“Sim.” Ele sussurrou aproximando seu rosto do meu. “Aqui é perfeito.” Falei olhando em seus olhos e sentindo meu peito se contrair. “Perfeito

demais.” Em um movimento rápido eu me afastei dele e, enquanto eu sentia meus pés perderem o chão, eu

vi seus olhos turquesa se tornarem carmim. Seu rosto tomou a forma de um monstro e meus ouvidos zuniram com seus gritos de ira.

Enquanto eu caía interruptamente imaginei se era assim que Alice se sentiu enquanto caia na toca do coelho. Uma queda interminável e da qual eu não sabia se ia sobreviver para ver onde eu iria parar. Mas enquanto caía sem saber qual seria meu futuro, pela primeira vez em muito tempo, eu tinha certeza de quem eu era.

“Meu nome é Katryna, eu sou uma nephilim. Isso pode não ser perfeito, mas é o que sou, e o que sempre serei, não importa as consequências.” As palavras deixaram meus lábios e, instantaneamente, meu peito relaxou como se um fardo tivesse sido retirado.

Um sorriso tocou meus lábios e eu me senti leve como se estivesse voando ao invés de caindo, mas tudo mudou assim que a queda parou e eu senti meu corpo ser atingido por algo. Meu corpo bateu à toda velocidade contra o que parecida uma parede de aço e então começou a afundar.

Frio, eu sentia o frio cobrir meu corpo me congelando. Tudo estava escuro, em silêncio e o mundo estava suspenso. Até meus pulmões pareciam estar paralisados.

Por um instante eu achei que estivesse morta e minha alma estava presa em algum plano intermediário entre o mundo dos vivos e dos mortos. Suspensa eternamente em dormência. Se eu soubesse o que viria a seguir eu teria aproveitado mais aqueles abençoados momentos, mas eles se foram rápido e logo a dor começou a se manifestar.

Ela começou como uma leve vibração nas minhas extremidades, então começaram a se intensificar fazendo meus músculos se contraírem incontrolavelmente. Minha pele fervia e o suor escorria sobre meu rosto fazendo meus cabelos colarem em minha pele. Dor, dor, dor. Eu estava em agonia, mas eu não conseguia controlar meu corpo, meus movimentos eram involuntários, dominados pela dor.

Minha mente tinha pensamentos incoerentes e eu não sabia o que era real, o que era pra cima e o que era pra baixo. Então, através da dor, eu comecei a escutar um som ao longe. Ele era tão lindo, tão doce que eu não conseguia escutar mais nada além dele.

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Meu corpo vibrava e meus músculos pareciam se mover guiados pelo ritmo do som que parecia aumentar o volume a cada segundo que se passava. Minha cabeça se moveu em direção ao som e foi então que eu senti um aroma que fez um grunhido escapar meus lábios.

O som foi tão animalesco que, por um instante, me deixou em choque, e minha mente voltou a funcionar. O som que eu estava escutando eram batidas de um coração e o maravilhoso aroma era sangue. Agora eu sabia por que eu estava com tanta dor e incontrolável, eu estava sendo tomada pela febre.

Aquela não era a primeira vez que eu sentia os sintomas da febre, mas seria a primeira vez que deixaria ela tomar conta de mim.

Ainda de olhos fechados, abaixei minha cabeça respirando fundo e com uma pequena prece para a pobre alma que estava prestes a ser sacrificada, eu me deixei tomar. A escuridão me envolveu e tudo que eu sentia, tudo o que eu conhecia era a fome e a febre que queimava em minhas veias.

Page 95: AngelsTears(Angel's Kiss Livro 2)

14. Fome Cega14. Fome Cega14. Fome Cega14. Fome Cega “Katryna.” Um sussurro entoou meu nome ao longe. Eu sentia que era imperativo eu escutar

aquela voz, mas a ignorei. A voz continuou, entoando meu nome como se fosse uma melodia, uma prece. Seu som era

suave e suas palavras me agradavam. Promessas e súplicas pareciam flutuar em minha mente. Em meio à nuvem de dormência em que me encontrava, eu tinha a leve ciência de que estava

escutando mais de uma voz em mais de uma frequência. Talvez frequência não fosse exatamente a palavra certa. Camadas, ondas que se erguiam umas sobre as outras formando variações de tons e volumes. O som me fazia lembrar as sinfonias que eu costumava assistir quando pequena.

A cada segundo eu sentia meu corpo tomar consciência. Era como se seu canto fizesse minha alma se elevar mesmo sem o meu consentimento. No fundo da minha mente eu sabia que dor e sofrimento me esperavam do outro lado daquela doce voz, mas eu continuei a seguindo.

No início a sensação se assemelhava à estar flutuando sobre um lago tranquilo. Suas águas cristalinas refrescando minha pele em uma leve carícia. Ela se movia lentamente, mas a medida que eu me aproximava da voz, sua velocidade aumentava exponencialmente.

Uma cachoeira. As palavras se formavam rapidamente em minha mente, mas eu não conseguia falar. Desespero nascia em mim a medida que eu era carregada pela força da correnteza. Eu não conseguia lutar, meus braços, meu corpo todo não me obedecia.

Antes que eu pudesse perceber, estava em queda livre. Eletricidade correu através do meu corpo e fui jogada para frente sentindo meu coração pular dolorosamente em meu peito. Com a mesma intensidade e violência em que fui jogada para frente, fui puxada para trás.

Meus pulsos estavam presos com algo metálico e meu movimento brusco resultou em um estalo e uma onda de dor que correu dos meus pulsos até meus ombros me fazendo soltar um gemido e lágrimas escaparem meus olhos.

Embora estar acorrentada e ter meus pulsos quebrados não fossem a minha definição de divertido, não eram a minha mais urgente preocupação no momento. Correntes podiam ser arrebentadas e ossos emendados. O que fez minha respiração ficar presa em meus pulmões e um calafrio subir minha espinha foi o fato de eu estar de olhos abertos e continuar em total e completa escuridão.

“Katryna.” Ergui minha cabeça tentando me focar na direção em que o som estava vindo. Nada. Eu não

conseguia ver nada. Me concentrei por um momento acessando minha situação e meus arredores. Meu corpo estava

coberto, eu podia sentir o tecido macio, algodão, sobre minha pele. Algum tipo de vestido. Isso era bom. Estar cega já era ruim, mas cega e nua era muito pior.

Eu sentia algo macio embaixo de mim, um colção. Acorrentada na cama, cega e usando camisole. De repente me senti como a estrela principal de um filme pornô de baixo orçamento. Não, isso não era hora de fazer piadas. Foco Katryna!

Meus punhos à parte, que, à propósito, já estavam se regenerando, eu parecia não ter nenhum ferimento ou contusão. Para uma prisioneira, cega e acorrentada sem ter ideia de onde estava ou a mercê de quem, eu parecia incrivelmente saudável e sem nenhum arranhão.

Após me certificar que meu maior problema não era meu estado físico, me concentrei na minha secunda preocupação: meu carcereiro e possível raptor. Baseado nos sons e vibração no ar ao meu redor, eu definitivamente não estava sozinha.

“Eu consigo ouvir você.” Eu falei sem entonação escutei ele exalar uma risada curta. “Isso é um bom sinal.” Esperei pacientemente para ele elaborar na sua reposta ao meu comentário, mas toda a reação

que consegui foi o som do ar saindo e entrando dos seus pulmões. Ótimo, aparentemente, se eu quisesse respostas, teria que pedir por elas.

Page 96: AngelsTears(Angel's Kiss Livro 2)

“Quem é você?” Escutei sua respiração ser cortada abruptamente pela minha pergunta. Após outra longa pausa, eu considerei repetir a pergunta pensando que talvez ele não tivesse me

entendido, mas ele falou antes que as palavras pudessem se formar em meus lábios. “Você não está me reconhecendo?” Sua voz parecia firme, porém um pouco mais suave do que antes. Eu podia sentir algo nela

também. Entusiasmo, dor, ou talvez cansaço. O que quer que fosse, era sutil demais para ter certeza e minha mente parecia densa e embaralhada.

“Talvez você não seja tão inesquecível quanto achou que fosse.” Eu senti meus olhos se moverem, minhas pálpebras abrirem e fecharem, mas a escuridão continuava a mesma e aquilo estava começando a afetar minha autoconfiança.

Ele se moveu, rápido e antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, eu senti o calor da sua respiração soprar de encontro à minha pele. Meus músculos enrijecerem sentindo o perigo iminente e a tensão fez as algemas cortarem minha pele e fazendo meu sangue escorrer até minhas mãos.

“Você não pode me enganar, eu sinto seu cheiro.” Ele sussurrou as palavras eu meu ouvido com voz calma e um calafrio subiu minha espinha.

Uma sensação de dejavu tomou conta de mim e, nesse momento, uma memória veio à minha mente. Ela era muito antiga, mas antes que eu pudesse analisar ela era real ou algum resíduo das falsas memórias que haviam sido implantadas, eu me escutei a palavra escapar meus lábios quase que por vontade própria.

“Theron.” “Ora, ora, ora.” Ele falou entoando as palavras como uma melodia e eu sabia que ele estava

sorrindo seu sorriso irritante. “Aparentemente, eu sou inesquecível, para você.” E foi nesse momento que eu bati minha testa de encontro a sua com toda a força que eu tinha. Minha cabeça começou a latejar instantaneamente e fui tomada pela vertigem. “Também senti saudades.” Ele falou soltando uma risada irônica. “Se quizer eu chuto a sua canela também e a gente aproveita esse momento nostalgia.” Exclamei

respondendo sua risada falsa com uma minha. “Alguém já falou que você tem uma séria tendência ao masoquismo?”

“Engraçado, especialmente vindo de alguém semi nua e acorrentada à uma cama.” Eu sabia que não estava nua, sentia o tecido cobrir minha pele, mas a menção das palavras semi

nua, me fez sentir exposta. Um longo momento de silêncio se passou até que Theron se moveu novamente me fazendo

piscar e recuar. Meus pulsos começaram a sangrar novamente e escutei ele exalar próximo ao meu rosto.

“Katy, seus pulsos.” “Onde eu estou?” Perguntei rapidamente me afastando mais dele. “Quem me acorrentou?” Sem minha visão eu me sentia fraca e indefesa e após o que eu havia passado, paranoia parecia

uma certeza em meu futuro. A lembrança das fantasias e visões passavam em frente aos meus olhos, mas eu sabia que estava acordada. A dor em meus pulsos me dizia que eu estava fora daquela prisão e de volta no mundo real.

Eu senti ele se mover e então algo liquido tocou meus lábios. Em um reflexo eu joguei minha cabeça para trás tentando cuspir o liquido.

“O que você está fazendo?” “Katryna.” Seus dedos enlaçaram minha mandíbula forçando meu rosto a se erguer. “Você

precisa parar de se debater ou vai acabar se machucando ainda mais.” Mais liquido foi derramado em meus lábios e, assim como antes, eu coloquei para fora sentindo

escorrer sobre meu queixo. “Por que você está fazendo isso?” Ele exclamou soltando meu rosto e me fazendo cair de volta

no colchão. “Por que você está me forçando a beber isso?” Eu exclamei de volta sacudindo minha cabeça. “O

que é isso, afinal?”

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“É agua, sua cabeça dura.” Ele voltou a me segurar e eu rosnei. O som o pegou de surpresa e tenho que confessar que eu também me surpreendi. “Me solte.” Minha voz saiu baixa e firme. “Agora.” O ar ao nosso redor pareceu esfriar e o silêncio se ergueu entre nós como uma parede. “Você está desidratada, fraca e machucada.” Ele listou lentamente acentuando cada palavra com

uma pausa. “Beba a porcaria da água e, depois vamos ver seus ferimentos.” Tic, tac, tic, tac. Eu sentia os segundos se arrastarem, escalando a tensão entre nós, e aumentando

a pressão na minha mandíbula. Minha garganta parecia estar cheia de algodão, mas eu não queria ceder. Se eu fosse a primeira a ceder eu podia ver como a nossa dinâmica ia se tornar. Ele achando que está certo sempre e que eu devia ceder sempre. Não. Eu preferia morrer de sede à ser a primeira a piscar naquele joguinho dele.

“Você é realmente tão teimosa a ponto de morrer de sede só para não admitir que está errada?” “Pare de ler minha mente.” “Pare de pensar tão alto.” “Katy.” A voz estridente me fez piscar e virar meu rosto em direção ao som. “Você acordou.” O som de passos rápidos ecoou e antes que eu pudesse falar qualquer coisa, braços me

envolveram e minhas narinas foram invadidas pelo perfume de laranjeira e baunilha. “Aine.” Eu suspirei sentindo o ar escapar de mim com a surpresa. “Katy, nós estávamos tão preocupados com você.” Ela falou se afastando e suas mãos

congelaram sobre meus ombros. “Oh, meu ,,, Katy, seus olhos.” “O que tem meus olhos?” Perguntei sentindo meus músculos tencionarem em antecipação. “Katy,” Theron começou a falar, mas foi interrompido pelo som da porta se abrindo. “Katryna, você tem ideia de como,,” “Victor!” Aine exclamou e eu pisquei em surpresa. Era a primeira vez que eu escutava Aine

erguer a voz, especialmente para Victor. Passos se aproximaram de mim e senti os braços de Victor me envolverem. Seu peito se ergueu e

abaixou em um longo suspiro. “Nunca mais faça isso.” Ele falou estreitando seus braços ao meu redor. “Assim que eu souber o que isso é.” Eu falei soltando uma risada sem graça. “Eu ainda não sei o

que aconteceu.” “Katy, seus olhos.” Victor sussurrou se afastando de mim. “Ok,” Falei um pouco mais ríspida do que eu pretendia. “Isso já está ficando irritante. O que tem

a porcaria dos meus olhos? E já aproveitando que estamos no assunto de coisas que eu quero saber, por que eu não consigo enxergar e estou algemada numa cama?”

“Katy,” A voz de Theron ecoou próxima à mim e eu virei meu rosto em direção à ela. “Não tem nada demais com seus olhos. A cegueira é apenas um efeito colateral e você está algemada porque passou por um período em que não era seguro deixar você solta.”

Mesmo em meio ao que estava acontecendo e meu estado vulnerável, eu tinha que apreciar a capacidade dele em criar respostas evasivas.

“Muito instrutivo,” Exclamei usando meu melhor tom irônico. “Talvez agora fosse uma boa hora de me soltar, ou você acredita que eu ainda ofereça algum tipo de ameaça?”

“Você sempre será uma ameaça.” Ele balbuciou enquanto abria as algemas. O alívio em meus braços foi imediato. Uma corrente elétrica passou pelos meus músculos me

fazendo exalar como se eu tivesse prendido minha respiração por muito tempo. Movi meus ombros sentindo os milhares de agulhas sob minha pele.

Comecei a me erguer e uma onda de vertigem me atingiu me fazendo hesitar. Náusea me fez respirar fundo e o gosto amargo da bile invadiu minha boca. Rápido demais, eu me ergui rápido demais. Fechei meus olhos e, tentei novamente.

“Por favor, não ajudem a cega a se levantar. Melhor deixar ela fazer isso sozinha.” Balbuciei enquanto lutava contra a onda de vertigem que ainda tentava me derrubar de volta na cama. “Adversidade constrói caráter e toda essa baboseira.”

“Oh, Katy, “Aine exclamou e eu me arrependi do comentário infeliz. “Me desculpe.”

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Eu abri a boca para dizer que eu estava brincando, que ela não devia levar tudo que eu dizia tão à sério, mas Theron falou antes que eu pudesse falar qualquer coisa.

“Oh, por favor, se eu soubesse que você ia fazer tanto drama eu tinha trazido um violino.” Ele exclamou fazendo um som de desdém no fundo na garganta.

“Victor,” Eu falei me focando na direção onde eu havia escutado sua voz. “O que você viu nos meus olhos?”

“Katryna,,” Theron falou em tom suave, mas eu o interrompi focando minha atenção em Victor. “Não, eu quero que Victor me responda.” Após um momento de silêncio, escutei Victor respirar fundo como se estivesse tomando uma

decisão extremamente difícil. “Suas pupilas.” Ele começou hesitante. “Elas estão dilatadas.” “Pupilas dilatas?” Eu questionei franzindo a testa. “Eu falei que não tinha nada demais com seus olhos.” Theron resmungou do meu lado. “Eu senti sua reação quando viu meus olhos.” Abaixei meu tom de voz me aproximando dele.

“Victor, você nunca mentiu para mim antes e,” As palavras ficaram trancadas em minha garganta. Um brilho apareceu na minha visão periférica. Um único ponto de luz na escuridão que me

cercava. Eu pisquei sentindo meu coração dar um pulo antes de mudar de ritmo. Meus tímpanos zuniam com a pressão do sangue e meus pés começaram a se mover involuntariamente em direção à luz.

Uma onda de tontura me fez pausar e eu tinha consciência de que vozes me chamavam, mas eu as ignorei. Firmei meus pés no chão respirando fundo e, continuei me movendo. Alguém tentou me segurar, mas eu era rápida demais para ser parada.

Minhas mãos estavam à minha frente e foi só por isso que eu não bati com meu rosto na porta que apareceu no meu caminho. Um estrondo ecoou quando minha mão encontrou um obstáculo, uma parede. Eu tateei a superfície tentando achar uma porta e meu corpo foi pra frente me forçando a me segurar rapidamente em algo sólido. Uma janela. Eu não tinha ideia de onde estava, pois tudo que conseguia ver era o ponto de luz. Eu podia estar a vinte centímetros ou vinte metros do chão, então achei mais sábio continuar procurando outra saída.

Alguns passos para a direita e minhas mãos encontraram o trinco de uma porta. Algumas tentativas infrutíferas mais tarde e eu me convenci de que ela estava trancada. Com as duas mãos ao redor da maçaneta, coloquei um pouco mais de força e o metal cedeu sob minha força com um som abafado. A porta se abriu e a luz ficou mais nítida me fazendo acelerar meu passo.

Eu me sentia um rato correndo em um labirinto, mas, mesmo sabendo o absurdo que aquilo era, eu não conseguia parar. Naquele momento, eu era tão impotente quanto uma mariposa sendo chamada em direção à luz. Hipnotizada e indefesa.

Após o que pareceu quilômetros de distância, me deparei com outra porta e, assim como fiz com a outra, coloquei minha força sobre a maçaneta e ela cedeu com um som mais alto do que eu esperava. Assim que a porta se abriu a luz à minha frente começou a vibrar e eu parei a alguns passos dela sentindo meu coração acalmar gradualmente até encontrar um ritmo constante.

A luz começou a se mover, pulsando e então mudando de cor. O branco se tornou verde que se movia em ondas. A cada pulsação seus tons mudavam. Vermelho, purpura, lilás, azul marinho e foi clareando até um tom turquesa que parecia vibrar me fazendo piscar. Sua intensidade começou a diminuir a medida que sua extensão aumentava e criava forma.

Ombros largos, peito exposto mostrando sua pele beijada do sol e marcada por finas cicatrizes que formavam desenhos intrincados. Eu ergui minha mão sentindo as saliências sob as pontas dos meus dedos. Meus olhos encontraram os seus e eles eram exatamente como eu me lembrava.

Deslizei minha mão sobre sua pele, seguindo a linha do seu pescoço e desenhando as linhas do seu rosto até encontrar seus lábios. Eles se partiram sob a leve pressão do meu toque soltando ar e o perfume do seu hálito tocou a pele do meu rosto.

Afastei minhas mãos e enlacei meus dedos por entre seus cabelos sentindo cada fio macio deslizar sobre minha pele. Colei meu corpo contra o dele sentindo nossos corações baterem em harmonia e, com um leve movimento, puxei seu rosto de encontro ao meu.

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“Katryna.” Uma voz ríspida chamou minha atenção e senti alguém me segurar e me puxar tentando me afastar dele. “O que você está fazendo?”

Um rosnado escapou meus lábios enquanto eu lutava para me soltar até que senti algo me acertar em cheio no rosto e senti meu rosto em chamas me fazendo pausar um momento. Puxei meus braços com toda a força que tinha, jogando quem quer que estivesse me segurando para longe. Sacudi minha cabeça sentindo a vertigem novamente e percebi que estava enxergando novamente. Ao meu redor várias pessoas me observavam e eu não reconhecia nenhuma delas.

“Katryna!” A voz ríspida me chamou novamente e eu me virei sentindo o mundo girar comigo. À minha frente estava Daj. Seu rosto carregava as marcas do tempo, mas seus olhos continham a

mesma autoridade e fogo do dia em que a conheci. “Daj?” Eu balbuciei vendo sua imagem dançar entre nuvens e fumaças. “Você devia estar vigiando ela, Theron.” A voz dela se ergueu e eu me virei vendo Theron se

aproximar a passos largos em minha direção. “Pra trás.” Dei dois passos para trás erguendo minhas mãos à minha frente. Com um leve movimento de ombros senti minhas asas aparecerem e se abrirem cobrindo minhas

costas. “O que você vai fazer? Sair voando?” Ele perguntou erguendo as mãos em um gesto de paz.

“Para onde? Você não tem para onde fugir. Nós somos tudo que você tem. Aqui é sua casa agora.” “Deixe ela ir.” Alguém exclamou de trás de Daj e meus olhos seguiram a voz. “Vamos estar bem

melhor sem esse monstro.” “Tempest!” Daj a repreendeu se virando em sua direção. Quando Daj se virou foi que eu a vi. Seus longos cabelos escuros estavam presos em uma trança

e seus olhos verdes lançavam adagas em minha direção. Atrás dela estava Casimir, imóvel ele me observava. Seus olhos eram hostis, frios e continham algo mais que eu não conseguia decifrar. Seus lábios sangravam formando uma linha que escorria sobre seu rosto descendo até seu peito.

“Vocês são um bando de fracos.” Alguém balbuciou, mas antes que eu pudesse ver quem havia falado luzes explodiram por trás dos meus olhos fazendo tudo ficar escuro de novo. A dor veio logo depois, cobrindo meu rosto e me fazendo cair de joelhos.

“Hora de dizer boa noite.” A voz sussurrou e fui golpeada novamente. Meu corpo foi de encontro ao chão e me senti afundar na escuridão fazendo os sons emudecerem

e a consciência deixar meu corpo mais uma vez.

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15. 15. 15. 15. OutonoOutonoOutonoOutono AAAAs pontas dos meus dedos deslizavam, distraidamente, sobre a superfície gelada do vidro da

janela. De acordo com o calendário, era início do Outono, mas do lado de fora eu via uma camada de gelo cobrir os galhos nus das árvores. Era óbvio que não estávamos mais em Las Vegas, a menos que o efeito estufa tivesse realmente piorado nos últimos meses.

Meses, eu ainda não conseguia acreditar que meses haviam se passado desde o dia em que eu saí do hotel para tomar café com Theron e Sorrow. Eu sentia como se isso tivesse acontecido à dias atrás. Aparentemente minha mente, assim como minha percepção do que era real, havia sido alterada por alguém.

Quem havia feito isso e qual a sua motivação eram perguntas para as quais eu ainda não tinha resposta. Mas isso era temporário, eu esperava. Não, isso não era hora de ser pessimista. Sim, eu estava de volta ao quarto que havia servido de prisão por dias enquanto lutava contra a febre, mas pelo menos eu não estava mais algemada e minha visão havia voltado.

Após eu recobrar a consciência, Theron me contou que eu sumi por três meses e, após muita procura, fui encontrada caída na neve, nua e coberta de sangue. Eles me resgataram e, no momento em que abri meus olhos, eu ataquei. Depois de derrubar dez homens com o dobro do meu tamanho, eu finalmente fui imobilizada e preza onde não pudesse machucar ninguém.

Quando eu escutei isso, minha primeira reação foi rir. Minha segunda, foi perguntar se Theron havia sido um dos homens que eu derrubei. Ele falou que não, mas algo na sua resposta me fez acreditar que ele não estava sendo totalmente sincero.

Eu perguntei como estava Casimir me lembrando do modo como, mesmo na escuridão ele foi o que me fez enxergar novamente. Isso me fez questionar como aquilo havia sido possível e o que significava. Sua face, dura e hostil me observando era uma imagem que seria difícil de esquecer, e era algo que me afetava mais do que eu estava disposta à admitir, mesmo para mim mesma.

O som de passos do lado de fora chamou minha atenção e me inclinei tentando ver quem era. O lugar onde nós estávamos era um antigo castelo que pertencia a família de um dos ciganos por várias gerações. Theron me falou o nome dele, mas minha atenção estava focada em coisas mais importantes do que lembrar o nome de alguém que provavelmente me desprezava.

Casimir apareceu na minha linha de visão, seus cabelos escuros destacados em meio à neve branca. Ele usava uma blusa vermelha, que parecia fina demais para o frio que estava fazendo, e calças jeans pretas. Após alguns instantes, Tempest aparece. Ela, assim como Casimir, usava roupas que pareciam não protegê-la do frio. O que me fez pensar que aquele não era um passeio romântico.

Tempest foi até ele tocando seu braço e Casimir se virou abruptamente se afastando do seu toque. Pelo que eu conseguia ver da sua expressão facial, a conversa entre os dois não era nada amigável. O que teria acontecido para fazer a lua de mel acabar? Eu pensei amargamente enquanto via os dois discutindo à uma distancia de três andares da minha janela.

Três batidas na porta me fizeram pular e bater com a testa na janela à qual eu estava inclinada. Felizmente o barulho não tinha sido alto o bastante para que eu fosse descoberta.

“Quem está aí?” Eu perguntei me afastando da janela e colocando meus cabelos para trás das orelhas.

Nada, nenhuma resposta. Então me aproximei da porta escutando o som de uma respiração do outro lado.

“Eu não sei o que contaram à você sobre mim, mas ver através de portas não é algo que eu consigo fazer.”

“Eu achei que você estivesse algemada.” Sua voz seca e ríspida. “Aparentemente eu me enganei.”

“Marko?” De todas as pessoas que eu poderia imaginar, ele era a ultima que eu pensaria estar atrás daquela porta. “Você veio cumprir sua promessa, ou é só uma visita social?”

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Quando Aislin estava me caçando e os ciganos me ajudaram a enfrenta-la, Marko prometeu que, se eu não morresse na batalha, ele mesmo me mataria. Tecnicamente, eu morri, mas ele não me parecia alguém que levava tecnicalidades em consideração.

“Eu vim para dizer que estamos quites.” “Quites?” Eu ponderei em voz alta não entendendo o que ele estava tentando dizer. “Na batalha.” Ele pausou respirando fundo como se estivesse tomando coragem. “Você me

salvou e agora nós estamos quites.” “Eu lembro disso, mas o que você fez para nos deixar quites?” Eu pensei em dizer que não me

lembrava ou que não significava nada, mas falsa modéstia nunca foi meu forte. “Ontem a noite.” Ele falou como se fosse algo óbvio. “Você me bateu ao ponto de me deixar inconsciente.” Minha voz saiu mais aguda do que eu

planejava, então limpei a garganta tentando abrandar minhas emoções. “Poxa, obrigado.” “Eu sabia que ia me arrepender disso.” Ele rosnou se aproximando da porta. “Você estava fora

de controle e se eu não tivesse colocado você para dormir, você estaria morta agora. Algum de nós estava mais do que disposto para colocar uma flecha através do seu peito ou uma bala na sua cabeça.”

“Eu não duvido.” Respondi emitindo um som de desdém no fundo da minha garganta. “Como eu disse.” Ele continuou abaixando o tom. “Estamos quites, você e eu. Eu não devo mais

nada à você e nem você a mim.” Com essas palavras ditas, escutei seus passos pesados se afastarem da porta e irem embora. Eu

me perguntava se o fato de um demônio ter salvado a vida dele era algo tão doloroso e insuportável a ponto dele ir contra suas crenças e me salvar. Aparentemente era, mas agora que esse peso não estava mais sobre seus ombros, nada o impedia de assistir e até mesmo participar da minha execução.

Afinal, era isso que ele havia ido me dizer. Ele não me devia mais nada e nossos laços estavam desfeitos. Ele estava livre para continuar me odiando e desejar minha morte. Isso me incomodaria no passado, mas agora eu não tinha certeza de como eu me sentia sobre isso ou se ao menos importava.

De acordo com o que Casimir havia me contado, quando Marko ainda era uma criança um demônio havia sequestrado ele e seus pais. Durante dias ele ficou trancado assistindo seus pais morrerem lentamente enquanto o demônio se alimentava deles. Nada que eu fizesse iria mudar sua opinião sobre mim ou qualquer outro ser que ele considerava ser um demônio.

A lembrança daquele dia com Casimir parecia tão distante naquele momento. Tanto tempo havia se passado. Fechei meus olhos vendo seu rosto, seu sorriso, e meu coração se apertou em meu peito por um segundo. A imagem dele em meus braços foi substituída pela de quando eu saí do transe e me deparei com seus olhos distantes e hostis. O que teria acontecido para que ele me olhasse daquela maneira?

Você o abandonou. Uma voz sussurrou em minha mente. Minha voz. Ele nunca vai perdoar você.

Eu sacudi a cabeça tentando fazer as palavras se dissiparem, mas elas ecoavam ao meu redor me enfraquecendo.

Corri até o banheiro e liguei a torneira jogando agua fria sobre meu rosto. Minha pele adormeceu em contato com a água e respirei fundo enchendo meus pulmões e soltando lentamente. Ergui meu rosto e me deparei com um enorme espelho à minha frente. Estava tão acostumada à encontrar Rhine quando olhava no espelho que, por um momento, não reconheci meu próprio reflexo.

Meus olhos percorreram meu corpo como se eu estivesse observando uma estranha à minha frente. Eu estava usando uma camisola rosa com pequenas flores brancas e amarelas de alças e que iam até a altura dos meus joelhos. Ela era adornada por laços e fitas que se trançavam entre si e a faziam parecer mais um vestido de primavera do que uma camisola. Aquela com certeza não era uma das minhas, mas eu não tinha ideia a quem ela podia pertencer.

Meus cabelos, dourados com leves reflexos mais claros que os deixavam com aparência fria, caíam em ondas sobre meus ombros alcançando a linha da minha cintura. Eles estavam mais longos

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do que eu me lembrava, mas, fora o comprimento, nada mais parecia ter mudado. Meu rosto continuava o mesmo e minha pele continuava pálida com um leve tom de pêssego. Entretanto, meus olhos pareciam maiores. Enormes e redondos como de uma criança assustada, e o verde parecia mais profundo e aceso do que eu me lembrava.

Me aproximei do espelho tentando analisar melhor e notei que minha pupilas estavam maiores que o normal. Elas pareciam estranhas e, quanto mais eu olhava, mais negras e profundas elas pareciam. Antes que eu percebesse, eu estava me inclinando sobre a pia e senti minhas mãos deslizarem sobre o azulejo me fazendo cair no momento em que vi minhas pupilas girarem.

Minha respiração veio em soluços e eu permaneci por alguns segundos deitada no chão frio tentando recuperar meu fôlego. O que diabos tinha acontecido comigo? Meus olhos, minhas pupilas pareciam buracos negros. Algo dentro de mim estava tentando vir a tona, ou pior, voltar a tona.

Me ergui ainda tremendo e apoiei minhas costas na parede forçando meu corpo a permanecer de pé. Sentindo um arrepio subir minha espinha, ergui meus olhos em direção ao espelho sem saber o que eu iria encontrar. Meu coração batia tão rápido que eu quase conseguia escutar o sangue correndo em minhas veias e, quando me deparei com meu reflexo mais uma vez, senti ele congelar. Ergui meu braço direito, o girando lentamente sob a luz artificial da lâmpada do banheiro e, para o meu espanto, minha pele estava coberta por linhas cor de cobre que formavam desenhos e cintilavam levemente conforme eu girava o braço.

“O que está acontecendo comigo?” Eu balbuciei sentindo tudo ao meu redor girar. Fechei meus olhos tentando fazer a vertigem ir embora, e respirei fundo. Eu estava tendo uma

alucinação, aquilo não era real. Isso não é real. Isso não é real. Isso não é real. Eu repeti as palavras em minha mente incessantemente. Talvez se eu as repetisse o bastante, eu conseguiria me convencer da mentira.

Algo tocou meu ombro me fazendo agir por impulso. Meu corpo agiu rápido, mais rápido do que eu me lembrava. Em um segundo eu estava atônita e no outro meu corpo estava sobre o intruso o mantendo imóvel enquanto minhas mãos prendiam seus pulsos ao chão.

Eu pisquei fazendo a visão embaçada clarear e meus lábios se moveram, mas eu não sabia o que dizer e nenhum som saiu. Ele permaneceu imóvel sob mim e em seus olhos eu vi meu reflexo me encarando, tão expressivo quanto uma estátua.

“O que você está fazendo aqui?” Minha voz saiu rouca e senti minha garganta apertada, cada palavra saindo espremida por entre meus dentes.

“Eu preciso falar com você.” A voz de Casimir ecoou por detrás de mim e ergui minha cabeça desviando meus olhos de Theron que não parecia espantado com meu ataque, mas que também não tentou se levantar ou se desvencilhar de mim.

Casimir estava parado na porta do banheiro. Seus olhos estavam fixos nos meus e, após alguns instantes, Theron tossiu chamando nossa atenção e me fazendo lembrar de que eu ainda estava sentada em cima dele.

“Me desculpe.” Falei me erguendo e colocando as mãos para trás enquanto me afastava. “Não precisa se preocupar.” Theron falou se levantando e desamassando suas roupas. “Eu já

esperava por isso, mas por algum motivo eu pensei que seria algo menos corporal. Talvez um chute ou algo parecido.”

Ergui meus olhos em sua direção e ele continuou sorrindo, como se não tivesse percebido a hostilidade no meu rosto.

“Theron,” Casimir falou cruzando os braços sobre seu peito. “Você poderia nos deixar à sós? Eu preciso falar com ela.”

Abaixei minha cabeça sentindo algo em mim arder como se ácido corroesse minhas entranhas. Ela. Casimir tinha se referido à mim como ela, como se não me conhecesse, como se eu fosse uma estranha.

“Tem certeza?” Theron falou baixando a voz e uma onda de raiva passou pelo meu corpo. Eu precisei me lembrar de que ele tinha razão para estar preocupado com Casimir, afinal, eu havia acabado de atacar Theron. E, baseado nos últimos dias, nem eu mesma tinha certeza de que era seguro me deixar à sós com alguém.

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“Sim.” Casimir respondeu com voz firme e eu soltei o ar que nem havia percebido que estava segurando.

Theron passou por mim me lançando um olhar cheio de significado, mas que eu não tinha ideia de quê e saiu nos deixando à sós. Casimir se afastou da porta e foi em direção à janela do quarto e eu aproveitei e saí do banheiro o seguindo, mas mantendo uma distância segura entre nós.

“Theron me falou que você não se lembra de nada que aconteceu nos últimos meses.” Ele falou ainda virado de costas para mim. “Isso é verdade?”

“Sim.” Ele se virou de frente para mim e seus olhos se focaram no meu rosto, como se ele estivesse

tentando ler minha expressão. “Você consegue me ouvir?” Ele perguntou se aproximando. “Sim.” Eu respondi confusa. “Minha audição continua a mesma.” “Não. Eu quis dizer aqui.” Ele falou erguendo as mãos e tocando as pontas dos dedos em minhas

têmporas. “Eu, não. Eu não sei.” Minha garganta estava seca e as palavras saíram entrecortadas. “Tente.” Ele sussurrou afastando meus cabelos, e colocando suas mãos delicadamente ao redor

do meu rosto. Seus olhos turquesa penetravam os meus e meu corpo todo formigava com a proximidade. Eu

engoli em seco e me concentrei, fazendo o que ele pedia. Alguns segundos se passaram e tudo que eu escutava era o som na nossa respiração.

“Eu não consigo.” O choque era nítido na minha voz e na minha expressão refletida nos olhos de Casimir.

Nossa conexão estava quebrada. Como isso era possível? Mesmo depois de todos os anos que passamos separados eu sempre consegui senti-lo apesar da distância. Sempre comigo mesmo separados, e agora eu só escutava o vazio e silêncio entre nós.

Suas mãos deslizaram sobre meu rosto e eu fechei meus olhos. Eu precisava ter certeza de que nossa ligação ainda existia de alguma forma, então eu fiz algo que eu jamais havia feito com Casimir: tentei ver através dos seus olhos.

Um uivo de agonia escapou meus lábios e eu caí com meus braços ao redor do meu torço. Eu comecei a tossir e meus olhos ardiam fazendo lágrimas correrem sobre meu rosto. Casimir se aproximou rapidamente de mim e me ergueu em seus braços.

“Katryna, o que está acontecendo?” Eu queria responder, mas um acesso de tosse tomou conta de mim. Eu coloquei uma das mãos

sobre meus lábios e ela ficou coberta de sangue. Um arrepio subiu pela minha espinha, e eu comecei a tremer incontrolavelmente como se tivesse ficado soterrada sob a neve por horas.

Casimir me carregou até o banheiro e me colocou, gentilmente na banheira. Ele abriu a torneira e, aos poucos a água morna começou a aquecer a minha pele. Ele se aproximou e eu me esquivei do seu toque.

“O que você vai fazer?” “Sua roupa está coberta de sangue.” Ele falou desconsiderando minha reação. “Eu vou tirar ela

para você poder se limpar.” Eu cruzei meus braços sobre meu peito e me endireitei na banheira. “Eu consigo fazer isso

sozinha.” Mas aquilo era uma mentira e o um choro de dor escapou meus lábios. “Eu já vi você com menos roupa do que isso.” Ele falou afastando meus braços e retirando

minha camisola. Embora eu ainda estivesse de calcinha e sutiã, eu ainda coloquei meus braços sobre meu peito.

Suas mãos tocaram a água e ela tocou meu rosto fazendo a água sair rosa. “O que aconteceu?” Ele perguntou enquanto limpava meu rosto com a água morna. “Eu não sei.” Até um simples sussurro fazia minha garganta arder. “Eu tentei,” Eu comecei, mas

então me dei conta do que estava prestes a dizer e parei apertando meus lábios, como se o mero fato deles estarem entreabertos fosse deixar as palavras escaparem.

“Você estava tentando entrar na minha mente e ver através dos meus olhos?”

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Suas palavras me pegaram desprevenida e eu me virei encontrando seus olhos me observando. Meu choque deve ter sido mais aparente do que eu pensava, pois o canto do seus lábios se ergueu em um leve sorriso.

“Você realmente não se lembra dos últimos meses.” Ele falou se erguendo e pegando um roupão. Casimir me ajudou a levantar colocando um braço ao meu redor. Quando tinha certeza de que eu

estava firme, ele colocou o roupão em mim e me levou até a cama me fazendo sentar. “Como?” Eu perguntei sentindo meus músculos ainda tensos. “Você me contou.” Ele se puxou uma poltrona e se sentou na minha frente. “Eu sei que você tem

muitas perguntas, mas responde-las não vai ajudar.” “O que você quer dizer com isso?” “Katryna, existe um motivo pelo qual você não se lembra de nada que aconteceu nos últimos

meses. E é esse mesmo motivo que está mantendo sua mente trancada.” “Trancada?” “Sim, e o que aconteceu mais cedo, provavelmente é alguma trava de segurança que se acionou

quando você tentou sair do seu corpo. Enquanto essa tranca estiver ativada ou o que quer que ela seja, você está presa.” Ele pausou um momento me dando tempo para digerir o que ele havia falado e se levantou. “Ao menos essa é a nossa teoria.”

“Presa em minha própria mente por uma porcaria de tranca. Ótimo.” Eu falei soltando uma rizada sem humor. “Agora eu só preciso de uma chave mágica para abrir essa tranca.”

“Na verdade foi sobre isso que eu vim falar com você.” “Você veio trazer a chave?” Minha voz saiu aguda e eu me arrependi no momento em que

escutei meu tom irônico. “Não.” Ele falou pausadamente, mas eu senti seu tom esfriar com meu comentário. “Mas eu

conheço alguém que pode ajudar você. Uma velha amiga. Nós marcamos de encontra-la amanhã ao anoitecer.”

“Me desculpe, mas eu não me sinto confortável em confiar minha mente à uma estranha.” Ele me observou em silêncio por alguns instantes e, por um segundo eu vi o brilho hostil em seus

olhos. Foi rápido, mas me afetou do mesmo jeito. “É nossa única chance.” Ele falou se virando e indo em direção a porta sem esperar pela minha

resposta. Quando sua mão tocou a maçaneta ele se virou. “Mais uma coisa.” “Sim?” “Amanhã eu vou levar você até ela, mas depois disso eu vou embora.” Seus olhos se ergueram

em minha direção e eu desviei os meus com medo do que eles poderiam refletir. “Por que você está me dizendo isso agora?” “Eu queria me despedir e pode ser que amanhã eu não tenha a chance de fazer isso em

particular.” Ele se virou e eu escutei o barulho da maçaneta. “Casimir.” Eu o chamei e me levantei da cama sentindo meu corpo reclamar do movimento

súbito. “Você não precisa ir embora. Se eu for a razão de você,” “Eu estou cansado.” Ele respondeu sobre seu ombro sem se virar. “É só isso. Eu estou cansado e

a cada segundo que eu continuo aqui, eu fico mais exausto.” Ele saiu fechando a porta atrás de si e eu permaneci parada em frente a ela. Cansado? O que ele

queria dizer com aquilo? Eu escutei o som da porta e por um momento eu achei que fosse Casimir, mas eu tinha outra

visita. “Katy, você está horrível.” Aine exclamou entrando no quarto com os braços cheios de pacotes

de salgadinhos, um pote de sorvete e uma sacola. Eu queria responder com algo, mas minha boca se movia sem eu conseguir emitir qualquer som.

Aine foi até a cama, largou as coisas e voltou a parar à minha frente com o mesmo olhar confuso que ela me lançou quando entrou no quarto.

“Katy?” Ela me chamou, mas eu não conseguia parar de olhar para a porta.

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Aine se aproximou de mim colocando suas mãos sobre meu rosto. Ela colocou suas mãos sobre meus ombros e me sacudiu, como se estivesse tentando me acordar. O movimento me fez desviar os olhos e enxergá-la pela primeira vez. Eu solucei e enlacei meus braços ao redor dela sentindo as lágrimas rolarem sobre meu rosto. Aine enrijeceu com meu abrupto movimento, mas quando viu que eu era só um abraço ela relaxou e me abraçou também dando leves tapinhas nas minhas costas.

“Oh, Katy.” Ela falou em uma voz calma e reconfortante. “Tudo vai ficar bem. Eu trouxe chocolate e você sabe que ninguém fica triste comendo chocolate.”

Eu sei que era para ser uma piada, mas suas palavras só me fizeram chorar mais. Eu senti tanta saudades dela, mas eu jamais podia dizer à ela a real razão das minhas lágrimas. Como eu iria dizer algo que eu não estava pronta á confessar nem à mim mesma ainda? Então eu fiz a única coisa que eu podia fazer chorei em silêncio e rezei para que as lágrimas pudessem aliviar a dor em mim.

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16161616. . . . CicatrizesCicatrizesCicatrizesCicatrizes

“EEEEntão?” Aine me cutucou com o cotovelo. “Eu estava certa, ou eu estava certa?”

Nós estávamos sentadas, lado à lado, sobre a incrivelmente grande cama. Sobre nossos colos um pote de sorvete e barras de chocolate de vários tipos, branco, com cookies, nozes, ao leite e caramelo. À nossa frente, uma tv de tela plana e aproximadamente quarenta polegadas mostrava em alta resolução o dvd que Aine havia trazido.

“Se você está falando do chocolate,” Falei erguendo o pedaço de chocolate de nozes para dar ênfase. “Sim, você estava certa, mas eu ainda não entendi a escolha de filme.”

“Qual o problema com ele?” “Para começar ele se chama Amnésia.” “Se você não gostou eu trouxe outros.” Ela se abaixou e ergueu a sacola sobre a cama retirando

mais DVDs. “Aqui nós temos Como Se Fosse a Primeira Vez.” Ela colou o dvd no meu colo e eu peguei a sacola da sua mão.

“O Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e Identidade Bourne?” Ergui uma sobrancelha em sua direção. “É impressão minha ou você está fazendo piada de mim?”

“Não, eu nunca faria isso com você.” Suas sobrancelhas se ergueram em uma imagem de espanto mais falsa que uma nota de três reais. “Ainda mais na sua situação delicada.”

“Aine,” Falei soltando um suspiro exagerado. “Eu perdi a memória dos últimos meses, não dos últimos anos. Você realmente acha que me esqueci da piada sobre E O Vento Levou?”

Quando eu morava em Whispering Hills e Aine ainda acredita que eu era uma garota normal, ela costumava fazer piadas sobre mim usando sua maior fonte de conhecimento, filmes. Quando ela ainda acreditava que Theron e Casimir eram irmãos e não tinha ideia da verdade por trás do fato de um ou ambos estarem sempre comigo em aparentemente onde quer que eu fosse, incluindo o banheiro feminino, ela havia levado o filme E O Vento Levou para assistirmos. Em teoria, era para estudarmos sobre a guerra e a escravidão da época e fazer um trabalho para a aula. Na prática, ela ficou o tempo todo comentando como Scarlet tinha os homens aos seus pés, mas ela sempre desprezava quem a amava mais e corria atrás de quem não a queria. A tradução para os comentários nada sutis dela era que eu era Scarlet, mas eu nunca cheguei a pedir a explicação sobre quem era o homem eu queria e quem era quem eu desprezava.

Aine tentou manter seu rosto sério e indignado com meu comentário, mas o acesso de risos foi mais forte do que ela.

“Ok, desculpe, mas eu não consegui resistir.” Aine falou se recostando na cabeceira da cama. “Eu tenho que admitir que dessa vez você se superou.” Me recostei erguendo um dos dvds.

“Onde você achou uma locadora de vídeos nesse fim de mundo?” “Eu tenho minhas fontes.” Piscou em minha direção. “Katy?” Sua expressão ficou séria e ela sde virou em minha direção. “Você realmente não se

lembra de nada?” “Não.” Sacudi minha cabeça fazendo meus cabelos dançarem sobre meus ombros. “A minha

ultima lembrança é de estar sentada à frente de Sorrow tomando café quando de repente eu acordei acorrentada e sem conseguir enxergar.”

“Aquela garota é muito estranha.” Aine falou enquanto seus olhos olhavam para o infinito como se estivesse se vendo alguma lembrança. “Me desculpa se ela é sua amiga, mas aquela garota me dá arrepios.”

Eu tentei visualizar a imagem da garota que eu havia conhecido tentando ver o que Aine estava falando, mas embora Sorrow tenha me parecido fria e um tanto seca, não via nada nela que causasse esse tipo de reação.

“Arrepios?” Franzi a testa em questionamento. “O modo como ela me olha é tão calculado, como se ela estivesse me analisando. Vendo meus

pontos fracos e como ela os usaria contra mim.” Aine tremeu fechando os olhos brevemente. “Sem

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falar do fato de ela estar sempre com aquele vampiro. Mas eu tenho que admitir, Gomes e Mortícia são tão perfeitos uma para o outro.”

“Gomes e Mortícia?” “Sim, porque eles são mórbidos em uma maneira tão romântica.” Ela ergueu suas mãos à sua

frente formando um coração. Nós rimos e, por um momento, foi como se estivéssemos de volta no meu quarto na casa dos

Heart. Então, pela primeira vez desde que eu recuperei minha visão eu realmente enxerguei Aine. Seus cabelos negros cacheados estavam soltos e chegavam até seus ombros em chamadas que salientavam seu rosto. Seus olhos negros brilhavam sob a luz da TV e suas sardas estavam à mostra fazendo seu rosto parecer mais jovem do que ela realmente era. Ela vestia um moletom azul claro com capuz e meias brancas. Ela parecia tão confortável com ela mesma e tão feliz, mais feliz do que eu jamais havia visto ela antes.

“O que foi?” Ela falou perdendo o sorriso e passando a mão sobre o rosto. “Meu rosto está sujo?”

“Não.” Eu sacudi a cabeça. “É que você está tão diferente.” “Eu sei.” Ela falou soltando um suspiro. “Eu já estou pensando em aplicar Botox.” “Botox?” “Sim.” Ela se aproximou franzindo a testa. “Nessa ruguinha aqui.” Ela falou erguendo o dedo e

apontando para o local entre o nariz e a testa. “Você não tem ruga nenhuma.” Eu afastei sua mão e alisei a área à qual ela estava apontando. “Não, eu estou ficando uma velha enrugada, mas você não envelheceu um dia sequer.” Ela falou

tocando meu rosto. “Quantos anos você tem?” “Mais de dezessete.” Aquela não era a primeira vez que Aine perguntava minha idade, mas eu preferia continuar com

minhas respostas evasivas à dizer a minha idade exata. “Ok, você não quer me dizer sua idade. Eu respeito isso, mas só me responda uma coisa.” Ela se

aproximou abaixando seu tom de voz. “Se sua vida fosse um filme, só para eu me situar na linha do tempo, ele seria E O Vento Levou ou Razão e Sensibilidade?”

Eu franzi meu nariz e bati meu dedo indicador sobre meus lábios ponderando sua pergunta. “Razão e Sensibilidade.” Respondi pensando que até mesmo esse filme seria a frente do meu tempo, mas ela não precisava saber disso.

“Eu sabia.” Ela falou se endireitando e cruzando as pernas. “Você é muito Razão e Sensibilidade.”

“Como assim?” “Eu não sei.” Ela gesticulou suas mãos apontando em minha direção. “Você é tão delicada e

nariz empinado. E sua postura é tão reta, aposto que é por causa dos espartilhos.” “Aine, eu não tenho nariz empinado e eu não estou de espartilho.” “Você entendeu o que eu quis dizer, você é diferente, elegante de um jeito que não é desse

século.” Ela correu seus olhos sobre mim inclinando a cabeça levemente para a esquerda. “Você deve ter quebrado vários corações, não é?”

“Não, tudo o que você sabe daquela época é através de livros e filmes Aine, mas eles são versões romantisadas que algo que não tinha nada de romântico.”

“Então me diga como era. Me ilumina com sua infindável sabedoria e seu incomensurável conhecimento, minha Sra.” Aine falou fazendo uma reverencia exagerada, principalmente para alguém que estava sentada. “Que tal começar com algo construtivo? Já sei, vamos começar pelo cavaleiro de armadura brilhante que roubou seu coração, minha cara donzela.”

“Pare com isso.” Falei tentando segurar o riso e não tendo sucesso nenhum. “Não tem nenhum cavaleiro de armadura brilhante, os homens não usavam armaduras, ao menos não onde eu morava.”

“Hum.” Ela constatou cruzando os braços sobre o peito e estreitando seus olhos em minha direção. “Mas você não negou a parte dele ter roubado seu coração.”

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Eu abri a boca para responder, mas a fechei novamente e os olhos de Aine se abriram em entendimento.

“Quem é ele? Por favor Katy, eu prometo que não conto à ninguém.” Eu pressionei meus lábios e fechei meus olhos me xingando por não ter respondido rápido o

bastante, mas então percebi algo. O fato de Aine estar me pedindo para falar sobre meu passado e, inevitavelmente, de uma memória que por muito tempo me fez sofrer, agora não me afetava mais. Eu ainda sentia algo ao pensar nele, mas ao invés da tristeza e dor que costumavam acompanhar seu nome, eu sentia tranquilidade e melancolia. Foi por isso, por essa realização que decidi contar à ela algo que à muito tempo eu evitei até mesmo lembrar.

“Mihai.” Falei abrindo meus olhos. “O nome dele era Mihai.”