Andrew Keen

download Andrew Keen

of 20

Transcript of Andrew Keen

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    1/20

    O culto do amador

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    2/20

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    3/20

    Anw Kn

    O culto do amador

    Cm bl, MySpc, Yb pt tl t tn

    n cnm, clt vl

    :Maria Luiza X. de A. Borges

    Rio de Janeiro

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    4/20

    tl nl:Te Cult of the Amateur

    (How odays Internet Is Killing Our Culture)

    t pm nt-mcn,pblc m 2007 p Dbly,

    m l T Dbly Bwy Pblhn Gp,m v Rnm H, Inc.,

    Nv Yk, EUACpyht 2007, Anw Kn

    Cpyht bl 2009:J Zh Et Lt. Mxc 31 blj

    20031-144 R Jn, RJtl.: (21) 2108-0808 / x: (21) 2108-0800

    -ml: [email protected]: www.h.cm.b

    t v.A p n-t t pblc, n t

    m pt, cntt vl t t. (L 9.610/98)

    Pjt fc cmp: M bCp: Bn Bnvn

    P E, Z B

    CIP-Brasil. Catalogao-na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Kn, AnwO clt m: cm bl, MySpc, Yb pt

    tl t tn n cnm, clt vl /AnwKn; t, M L X. A. B. R Jn: JZh E., 2009.

    : T clt th mtIncl ncISBN 978-85-378-0125-3

    1. Intnt Apct c. 2. Intnt Apct cnmc. 3.Mn cl. 4. Sc nm. 5. At-t. I. tl.

    CDD: 303.4833CDU: 316.42209-0170

    K34c

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    5/20

    Introduo ___________________________________

    1. A grande seduo ___________________________

    2.

    O nobre amador__________________________

    3. Verdade e mentiras ________________________

    4. O dia em que a msica morreu [lado a] ________

    5. O dia em que a msica morreu [lado b] _______

    6. Desordem moral ___________________________

    7.

    1984 (verso 2.0)__________________________

    8. Solues __________________________________

    Notas ________________________________________

    Agradecimentos _______________________________

    ndice remissio _______________________________

    Sumrio

    7

    15

    3764

    94

    109

    134

    154

    172

    193

    198

    200

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    6/20

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    7/20

    7

    Se no osse bem inormado, poderia pensar que esta-mos de novo em 1999. O boom retornou ao Vale doSilcio, e os utopistas ensandecidos esto extrapolandomais uma vez. Topei com um desses evangelizadores

    recentemente numa esta em So Francisco.Acabamos tendo uma rpida conversa enquanto

    dvamos uns goles num chardonnay rutado da regio.Ele me disse que naquele momento seu trabalho en-volvia um novo soware para a publicao de msica,texto e vdeo na internet.

    uma mistura de MySpace com YouTube, Wiki-pdia e Google, disse ele. Com anabolizantes.

    Em resposta, expliquei que estava trabalhandonuma polmica sobre o impacto destrutivo da revolu-o digital em nossa cultura, economia e valores.

    uma mistura de ignorncia com egosmo, maugosto e ditadura das massas, disse eu, incapaz de con-

    ter um sorriso. Com anabolizantes.Ele deu um sorriso constrangido em troca. En-to um encontro de Huxley com a era digital, disse.Voc est reescrevendo Huxley para o sculo XXI.

    Introduo

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    8/20

    8Ocultodoamador

    Ergueu seu copo de vinho em minha homenagem. AoAdmi-rel mundo novo 2.0!

    Nossos copos se tocaram. Mas eu sabia que estvamosbrindando ao Huxley errado. A inspirao por trs deste livrono vem de Aldous, mas de seu av, T.H. Huxley, o bilogoevolucionista do sculo XIX e autor do teorema do macacoinfnito. Segundo a teoria de Huxley, se ornecermos a umnmero infnito de macacos um nmero infnito de mqui-nas de escrever, alguns macacos em algum lugar vo acabar

    criando uma obra-prima uma pea de Shakespeare, um di-logo de Plato ou um tratado econmico de Adam Smith.1

    Na era pr-internet, o cenrio de T.H. Huxley de um n-mero infnito de macacos munidos de tecnologia infnita asse-melhava-se mais a uma pilhria matemtica do que a uma visodistpica. Mas o que outrora parecia uma piada agora parecepredizer as conseqncias de um achatamento da cultura que

    est embaando as ronteiras entre pblico e autor, criador econsumidor, especialista e amador no sentido tradicional. Acoisa no tem graa nenhuma.

    A tecnologia de hoje vincula todos aqueles macacos atodas aquelas mquinas de escrever. Com a dierena de queem nosso mundo Web 2.0 as mquinas de escrever no somais mquinas de escrever, e sim computadores pessoais co-nectados em rede, e os macacos no so exatamente macacos,mas usurios da internet. E em vez de criarem obras-primas,esses milhes e milhes de macacos exuberantes muitossem mais talento nas artes criativas que nossos primos pri-matas esto criando uma interminvel oresta de medio-cridade. Pois os macacos amadores de hoje podem usar seus

    computadores conectados em rede para publicar qualquercoisa, de comentrios polticos mal inormados a vdeoscaseiros de mau gosto, passando por msica embaraosamentemal-acabada e poemas, crticas, ensaios e romances ilegveis.

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    9/20

    9Introduo

    No cerne desse experimento de autopublicao por umainfnidade de macacos est o dirio na internet, o onipresenteblog. Blogar tornou-se uma tal mania que um novo blog criado a cada segundo de cada minuto de cada hora de cadadia. Estamos blogando com um despudor simiesco sobrenossas vidas privadas, nossas vidas sexuais, nossas vidas on-ricas, nossa alta de vida, nossas Second Lies. No momentoem que escrevo, h 53 milhes de blogs na internet, e essenmero dobra a cada seis meses. Enquanto voc lia este par-grao, dez novos blogs oram criados.

    Se mantivermos esse ritmo, haver mais de 500 milhes deblogs em 2010, corrompendo e conundindo coletivamente aopinio popular sobre todas as coisas, da poltica ao comrcio,s artes e cultura. Os blogs tornaram-se to vertiginosamenteinfnitos que solaparam nosso senso do que verdadeiro e doque also, do que real e do que imaginrio. Hoje em dia, as

    crianas no sabem distinguir entre notcias crveis escritas porjornalistas profssionais objetivos e o que lem em joeshmoe.blo-gspot.com. Para esses utopistas da Gerao Y, toda postagem apenas a verso da verdade de mais uma pessoa; toda fco apenas a verso dos atos de mais uma pessoa.

    Alm disso h a Wikipdia, uma enciclopdia online emque qualquer um com polegar opositor e cinco anos de es-

    cola pode publicar qualquer coisa sobre qualquer tpico, deAC/DC a zoroastrismo. Desde o nascimento da Wikipdia,mais de 15 mil colaboradores criaram quase trs milhes deverbetes, em mais de uma centena de lnguas dierentes nenhum deles editado ou atentamente examinado quanto sua exatido. Com centenas de milhares de visitantes pordia, a Wikipdia tornou-se o terceiro site mais visitado em

    busca de inormao e eventos em curso; uma onte de no-tcias com mais crdito que os websites da CNN ou da BBC,embora a Wikipdia no tenha nenhum reprter, nenhumaequipe editorial e nenhuma experincia na coleta de notcias.

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    10/20

    1010Ocultodoamador

    o cego guiando o cego infnitos macacos ornecendo in-ormao infnita para infnitos leitores, perpetuando o ciclode desinormao e ignorncia.

    Na Wikipdia, qualquer pessoa que tenha um motivopode reescrever um verbete como bem entenda e os co-laboradores reqentemente o azem. A Forbes relatou re-centemente, por exemplo, o caso de empregados annimosdo McDonalds e do Wal-Mart que usaram urtivamenteverbetes da Wikipdia para diundir propaganda corpora-tiva de maneira enganosa. No verbete McDonalds, um linkpara o flme documentrio de 2001Fast Food Nation, de EricSchlosser, desapareceu convenientemente; no verbete Wal-Mart, algum eliminou a meno a empregados mal pagos,que ganhavam 20% a menos que os da concorrncia.2

    Mas o experimento dos macacos infnitos na internet nose limita palavra escrita. A mquina de escrever do sculoXIX

    de T.H. Huxley evoluiu, para se transormar no s no compu-tador, mas tambm na camcorder, convertendo a internet numavasta biblioteca de contedo em vdeo gerado pelos usurios. Osite YouTube, por exemplo, um portal para vdeos amadoresque, no momento em que escrevo, o site que cresce mais rapi-damente no mundo,3 atraindo 65 mil novos vdeos a cada dia egabando-se de que 60 milhes de vdeos so vistos diariamente;

    isso corresponde a mais de 25 milhes de vdeos por ano4

    e cercade 25 bilhes de hits.* No outono de 2006, essa sbita sensaooi comprada pelo Google por mais de 1,5 bilho de dlares.

    O YouTube eclipsa at os blogs na vacuidade e absurdode seu contedo. Nada parece prosaico demais, ou narcsicodemais, para esses macacos autores de vdeos. O site umagaleria infnita de flmes amadores mostrando pobres idiotas

    * Oshits so gerados pela transmisso de cada item de um site para umcomputador. (N.T.)

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    11/20

    1111Introduo

    danando, cantando, comendo, lavando-se, comprando, di-rigindo, limpando, dormindo ou simplesmente olhan-do para seus computadores. Em agosto de 2006, um vdeoimensamente apreciado, chamado Easter Bunny Hates You(O coelho da Pscoa odeia voc) mostrava um homem vesti-do de coelho importunando e agredindo pessoas na rua;segundo a revista Forbes, esse vdeo oi visto mais de 3 mi-lhes de vezes em duas semanas. Alguns outros vdeos en-tre os avoritos incluem uma moa observando outra usu-

    ria do YouTube que est observando uma terceira usuria uma galeria de espelhos virtual que conduz fnalmentea uma mulher ocupada em azer um sanduche de manteigade amendoim e gelia na rente da televiso; uma danari-na malaia com uma saia absurdamente curta curtindo RickyMartin e Britney Spears; um cachorro perseguindo a pr-pria cauda; uma inglesa instruindo os espectadores sobre

    como comer um biscoito de chocolate e gelia de laranja; e,numa contribuio extremamente apropriada ao acervo doYouTube, um vdeo de macacos empalhados danantes.

    Mais perturbador que o ato de milhes de ns sintonizar-mos de bom grado esse tipo de tolice diariamente que algunssites da web esto nos transormando em macacos sem sequernos darmos conta. Quando digitamos palavras no mecanismode busca do Google, estamos de ato criando algo chamadointeligncia coletiva, a sabedoria total de todos os usurios doGoogle. A lgica do mecanismo de busca do Google, que ostecnlogos chamam de seu algoritmo, reete a sabedoria dasmassas. Em outras palavras, quanto mais pessoas clicam numlink que resulta de uma busca, mais provvel se torna que esse

    link aparea em buscas subseqentes. O mecanismo de busca uma agregao dos 90 milhes de perguntas que azemos cole-tivamente ao Google a cada dia; em outras palavras, ele s nosdiz o que j sabemos.

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    12/20

    1212Ocultodoamador

    A mesma sabedoria das massas se maniesta em si-tes no editados de agregao de notcias como Digg andReddit. A ordenao dos ttulos nesses sites reete o que outrosusurios estiveram lendo, no o julgamento especializado deeditores de notcias. Enquanto escrevo, h uma guerra brutalem curso no Lbano entre Israel e o Hezbollah. Mas o usuriode Reddit no saberia disso, porque no h nada sobre Israel,o Lbano ou o Hezbollah entre as 20 matrias mais quentes.Em vez disso, os assinantes podem ler sobre uma atriz inglesa

    sem seios, os hbitos de caminhar dos eleantes, uma pardiado ltimo comercial do Mac e tneis subterrneos no Japo.Reddit um espelho de nossos interesses mais banais. Faz umarremedo da mdia noticiosa tradicional e transorma eventosem curso num jogo inantil de Trivial Pursuit.

    ONew York imes noticia que 50% de todos os blogueirosblogam com o propsito exclusivo de relatar e partilhar expe-

    rincias sobre suas vidas pessoais. O slogan do YouTube Transmita-se a si mesmo. E transmitir a ns mesmos oque azemos, com toda a auto-admirao desavergonhada doNarciso mtico. medida que a mdia convencional tradicio-nal substituda por uma imprensa personalizada, a internettorna-se um espelho de ns mesmos. Em vez de us-la parabuscar notcias, inormao ou cultura, ns a usamos paraSERMOS de ato a notcia, a inormao, a cultura.

    Esse infnito desejo de ateno pessoal est movendo aparte mais dinmica da nova economia da internet redessociais como MySpace, Facebook, Bebo e Orkut. Como san-turios para o culto da autotransmisso, esses sites tornaram-se repositrios de nossos desejos e identidades individuais.

    Eles se dizem devotados interao social, mas na realidadeexistem para que possamos azer propaganda de ns mesmos:desde nossos livros e flmes avoritos at as otos de nossasrias de vero, sem esquecer testemunhos elogiando nossas

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    13/20

    1313Introduo

    qualidades mais cativantes ou recapitulando nossas ltimasarras. No nada surpreendente que essas autopropagandasde crescente mau gosto tenham levado a uma inestao depredadores sexuais e pedflos annimos.

    Mas no so apenas nossos padres culturais e valoresmorais que esto em jogo. O mais grave de tudo que asprprias instituies tradicionais que ajudaram a promovere criar nossas notcias, nossa msica, nossa literatura, nossosprogramas de televiso e nossos flmes esto igualmente sob

    ataque. Jornais e revistas de notcias, uma das ontes maisconfveis de inormao sobre o mundo em que vivemos,esto em difculdades, graas prolierao de blogs e sitesgratuitos como Craigslist, que oerecem classifcados gratui-tos, solapando a publicao de anncios pagos. No primeirotrimestre de 2006, os lucros despencaram de maneira impres-sionante em todas as principais empresas jornalsticas ca-

    ram 69% na New York Times Company, 28% na TribuneCompany e 11% na Gannett, a maior empresa jornalsticados Estados Unidos. A circulao tambm caiu. O pblicoleitor do San Francisco Chronicle, ironicamente um dos prin-cipais jornais do Vale do Silcio, caiu estonteantes 16% apenasno segundo e terceiro trimestres de 2005.5 E em 2007, Time,Inc., dispensou quase 300 pessoas, sobretudo do corpo de re-datores, de revistas como ime,People e Sports Illustrated.

    Aqueles de ns que ainda lem jornal e revistas sabemque as pessoas esto comprando menos msica tambm. Gra-as pirataria digital desenreada gerada pelas tecnologias decompartilhamento de arquivos, as vendas de msica gravadacaram mais de 20% entre 2000 e 2006.6

    Paralelamente ascenso do YouTube, Hollywood estexperimentando seus prprios problemas fnanceiros. A ren-da de bilheteria domstica representa agora menos de 20% dareceita de Hollywood e, com a reduo das vendas de DVDs

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    14/20

    1414Ocultodoamador

    e a pirataria global descarada, a indstria est procurando de-sesperadamente um novo modelo comercial que lhe permitadistribuir flmes na internet de maneira lucrativa. SegundoDavid Denby, crtico de cinema de Te New Yorker, muitosexecutivos de estdios em Hollywood encontram-se agoraem pnico diante da receita declinante. Uma triste conse-qncia so demisses. A Disney, por exemplo, anunciou 650cortes de emprego em 2006, e uma reduo de quase 50% nonmero de animaes produzidas anualmente.7

    A mdia antiga est ameaada de extino. Mas, nesse caso, oque tomar seu lugar? Ao que tudo indica, sero os novos eincrementados mecanismos de busca, os sites das redes sociaise os portais de vdeo da internet. Cada nova pgina noMySpace, cada nova postagem num blog, cada novo vdeo

    no YouTube equivale a mais uma onte potencial de rendacom anncios perdida pela mdia convencional. Da a decisoastuta ou desesperada , tomada por Rupert Murdochem julho de 2005, de comprar o MySpace por 580 milhesde dlares. Da a venda do YouTube por 1,65 bilho de dla-res e a exploso de capital de risco no fnanciamento de sitesque imitam o YouTube. E da o crescimento aparentemente

    irrerevel do Google, que, no segundo trimestre de 2006, viua receita avolumar-se e chegar a quase 2,5 bilhes de dlares.O que acontece, poderamos nos perguntar, quando a

    ignorncia se mistura ao egosmo, ao mau gosto e ditaduradas massas?

    Os macacos assumem o comando. Diga adeus aos espe-cialistas e guardies da cultura de hoje nossos reprteres,

    nossos ncoras, editores, gravadoras e estdios de cinema deHollywood. No atual culto do amador,8 os macacos que diri-gem o espetculo. Com suas infnitas mquinas de escrever, es-to escrevendo o uturo. E talvez no gostemos do que ele diz.

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    15/20

    1515

    Primeiro uma confsso. Nos idos dos anos 1990,ui um dos pioneiros na primeira corrida do ouro nainternet. Com o sonho de tornar o mundo um lu-gar mais musical, undei o Audiocae.com, um dos

    primeiros sites de msica digital. Certa vez, quandoum reprter de jornal da rea da baa de So Fran-cisco me perguntou que mudana eu gostaria de a-zer no mundo, respondi, meio a srio, que minhaantasia era ter msica jorrando de todos os ori-cios, ouvir a obra inteira de Bob Dylan no meu lap-top, ser capaz de baixar os Concertos de Brandenbur-

    go de Johann Sebastian Bach no meu teleone celular.Portanto, sim, eu propaguei o sonho original da

    internet. Seduzi investidores e quase fquei rico. Esta,portanto, no uma crtica usual do Vale do Silcio. a obra de um apstata, de um insider, agora do ladode ora, que despejou sua taa de Kool-Aid* e renun-

    ciou condio de membro do culto.

    * Reresco em p com sabor artifcial abricado nos Estados Uni-dos. (N.T.)

    A grande seduo

    C A P T U L O 1

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    16/20

    1616Ocultodoamador

    Minha metamorose de crente em ctico carece de dra-maticidade. No entreguei os pontos ao ler um verbete in-correto da Wikipdia sobre T.H. Huxley nem ui ulminadopor um raio ao azer uma busca sobre mim mesmo no Goo-gle. Como no envolveu um coiote danante, provavelmenteminha epiania no aria sucesso no YouTube.

    Ela ocorreu durante 48 horas, em setembro de 2004,numa viagem para acampar com umas duas centenas deutpicos do Vale do Silcio. Saco de dormir debaixo do bra-

    o, mochila nas costas, marchei para o acampamento comomembro do culto; dois dias depois, nauseado, deixei-o nacondio de incrdulo.

    O acampamento teve lugar em Sebastopol, uma cidadezi-nha agrcola no Vale do Sonoma, no norte da Calirnia, cercade 80 quilmetros ao norte do amigerado Vale do Silcio aestreita pennsula entre So Francisco e San Jose. Sebastopol

    a sede da OReilly Media, um dos maiores negociantes domundo de livros, revistas e exposies sobre tecnologia da in-ormao, um evangelizador da inovao junto a uma congre-gao mundial de tecnflos. ao mesmo tempo o pregadormais ervoroso e o coro mais barulhento do Vale do Silcio.

    Todo outono, a OReilly Media promove um evento ex-clusivo, apenas para convidados, chamado FOO Camp (FOOde Friends o OReilly). Esses amigos do undador multimilio-nrio Tim OReilly no so apenas inusitadamente ricos e rica-mente inusitados, eles tambm alimentam uma messinicanos benecios econmicos e culturais da tecnologia. OReillye seus aclitos do Vale do Silcio so uma mistura de hippiesgrisalhos, empresrios da nova mdia e especialistas em tecno-

    logia. O que os une uma hostilidade partilhada em relao mdia e aos entretenimentos tradicionais. Mistura de Woo-dstock com Burning Man (o estival contemporneo de auto-expresso realizado num deserto em Nevada) e com um pouco

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    17/20

    1717Agrandesed

    uo

    de retiro da Stanord Business School, o FOO Camp ondeos partidrios da contracultura dos anos 1960 se encontramcom os entusiastas do livre-mercado dos anos 1980 e com ostecnflos dos anos 1990.

    Conerncias no Vale do Silcio no eram novidade paramim. Eu mesmo tinha at organizado uma quando o boomda internet dava seus ltimos suspiros. Mas o FOO Camp eraradicalmente dierente. Sua nica regra era: no h especta-dores, apenas participantes. O acampamento era organizado

    segundo princpios participativos, de onte aberta, ao estiloda Wikipdia o que signifcava que todo mundo alavamuito e no havia ningum no comando.

    Assim, l estvamos ns, 200 pessoas, o establishmentantiestablishmentdo Vale do Silcio, valendo coletivamentecentenas de milhes de dlares, contemplando as estrelas dogramado da sede corporativa da OReilly Media. Durante

    dois dias inteiros, acampamos juntos, assamos marshmallowsna brasa e celebramos o reialde nosso culto.

    A internet estava de volta! E, ao contrrio do que acon-tecera na corrida do ouro dos anos 1990, desta vez nossaexuberncia no era irracional. Essa nova e reluzente versoda internet, que Tim OReilly chamava de Web 2.0, iria re-almente mudar tudo. Agora que a maioria dos americanostinha acesso de banda larga internet, o sonho de uma so-ciedade inteiramente conectada, e sempre conectada, seriafnalmente realizado. Uma palavra estava em todos os lbiosno FOO Camp em setembro de 2004. Era democratizao.

    Eu nunca me dera conta de que a democracia tinha tantaspossibilidades, tanto potencial revolucionrio. Mdia, inor-

    mao, conhecimento, contedo, pblico, autor tudo iriaser democratizado pela Web 2.0. A internet ia democratizara grande mdia, as grandes empresas, o grande governo. Iriaat democratizar os grandes especialistas, transormando-os

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    18/20

    1818Ocultodoamador

    no que um amigo de OReilly chamou, num tom contido,reverente, de nobres amadores.

    Embora Sebastopol fcasse a quilmetros do oceano, nasegunda manh de acampamento eu comeara a me sentirnauseado. De incio pensei que era a comida gordurosa doacampamento ou talvez o clima quente do norte da Calir-nia. Mas logo percebi que at minhas tripas estavam reagin-do ao vazio que estava no mago de nossas conversas.

    Eu viera ao FOO Camp para imaginar o uturo da m-

    dia. Queria saber como a internet poderia me ajudar a levarmais msica para mais oricios. Mas meu sonho de tornar omundo um lugar mais musical cara em ouvidos moucos; apromessa de usar tecnologia para levar mais cultura s massasora abaada pelo grito coletivo dos membros do FOO Camppor uma mdia democratizada.

    A nova internet tinha a ver com msica eita pelo pr-

    prio usurio, no com Bob Dylan ou os Concertos de Bran-denburgo. Pblico e autor haviam se tornado uma coisa s, eestvamos transormando cultura em cacoonia.

    O FOO Camp, compreendi, era uma pr-estria. No est-vamos ali simplesmente para alar sobre a nova mdia; ns ra-mos a nova mdia. O evento era uma verso beta da revoluo daWeb 2.0, em que a Wikipdia se misturava com MySpace e comYouTube. Todos estavam transmitindo a si mesmos simulta-neamente, mas ningum estava ouvindo. A partir dessa anarquia,fcou claro, de repente, que o que estava governando os macacosinfnitos que agora introduziam inormao na internet era a leido darwinismo digital, ou seja, a sobrevivncia dos mais ruido-sos e mais dogmticos. Sob essas regras, a nica maneira de pre-

    valecer intelectualmente mediante infnito obstrucionismo.Quanto mais se alava naquele fm de semana, menos euqueria me expressar. medida que o alarido do narcisismocrescia, eu me tornava mais e mais silencioso. E assim come-

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    19/20

    1919Agrandesed

    uo

    ou minha rebelio contra o Vale do Silcio. Em vez de con-tribuir para o barulho, violei uma lei do FOO Camp de 2004.Parei de participar, relaxei e observei.

    Desde ento no parei mais de observar. Passei os doisltimos anos observando a revoluo da Web 2.0 e estouconsternado pelo que vi.

    Vi os infnitos macacos, claro, digitando larga. E vitambm muitos outros espetculos estranhos, inclusive umvdeo de pingins andarilhos que vendiam uma mentira,

    uma cauda longa* supostamente infnita, e ces conversan-do um com o outro online. Mas o que estive observando separece mais com Os pssaros de Hitchcock do que com Dr.Doolittle: um flme de horror sobre as conseqncias da revo-luo digital.

    Porque a democratizao, apesar de sua elevada ideali-zao, est solapando a verdade, azedando o discurso cvico

    e depreciando a expertise, a experincia e o talento. Comoobservei antes, est ameaando o prprio uturo de nossasinstituies culturais.

    Eu chamo isso de a grande seduo. A revoluo da Web2.0 disseminou a promessa de levar mais verdade a mais pes-soas mais proundidade de inormao, perspectiva glo-bal, opinio imparcial ornecida por observadores desapai-xonados. Porm, tudo isso uma cortina de umaa. O quea revoluo da Web 2.0 est realmente proporcionando soobservaes superfciais do mundo nossa volta, em vez deanlise prounda, opinio estridente, em vez de julgamento

    * Cauda longa (Long ail) um termo usado para descrever a estratgiade negcios voltada para nichos de mercado em vez de privilegiar somen-te grandes hits ou best-sellers. Tal estratgia s possvel com o adventoda internet, pela inexistncia da limitao do espao sico para exibiode produtos em lojas virtuais. (N.T.)

  • 7/29/2019 Andrew Keen

    20/20

    Ocultodoamador

    ponderado. O negcio da inormao est sendo transorma-do pela internet no puro barulho de 100 milhes de bloguei-ros, todos alando simultaneamente sobre si mesmos.

    Alm disso, o contedo gratuito e produzido pelo usu-rio gerado e exaltado pela revoluo da Web 2.0 est diziman-do as fleiras de nossos guardies da cultura, medida quecrticos, jornalistas, editores, msicos e cineastas profssio-nais e outros ornecedores de inormao especializada estosendo substitudos (desintermediados, para usar um termo

    do FOO Camp) por blogueiros amadores, crticos banais, ci-neastas caseiros e msicos que gravam no sto. Enquantoisso, os modelos de negcios radicalmente novos, baseadosem material gerado pelo usurio, sugam o valor econmicoda mdia e do contedo cultural tradicionais.

    Ns aqueles que querem saber mais sobre o mundo,os que so os consumidores da cultura convencional es-

    tamos sendo seduzidos pela promessa vazia da mdia de-mocratizada. Pois a conseqncia real da revoluo da Web2.0 menos cultura, menos notcias confveis e um caos deinormao intil. Uma realidade arrepiante nessa admirvelnova poca digital o obscurecimento, a ouscao e at odesaparecimento da verdade.

    A verdade, pararaseando Tom Friedman, est sendoachatada medida que criamos uma verso sob solicitao,personalizada, que reete nossa prpria miopia individual.A verdade de uma pessoa torna-se to verdadeira quanto ade qualquer outra. Hoje a mdia est estilhaando o mundoem um bilho de verdades personalizadas, todas parecendoigualmente vlidas e igualmente valiosas. Para citar Richard

    Edelman, o undador, presidente e CEO da Edelman PR, amaior empresa de relaes pblicas privada do mundo: Nes-ta era de tecnologias de mdia em exploso no existe nenhu-ma verdade exceto aquela que voc cria para voc mesmo.1