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SIMP.TCC/Sem.IC. 2018(14);1389-1394 FACULDADE ICESP / ISSN: 2595-4210 1389 CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA MACERAÇÃO FETAL – RELATO DE DOIS CASOS DE MACERAÇÃO FETAL EM CADELA E EM GATA FETAL MACERATION – REPORT OF TWO CASES OF FETAL MACERATION IN BITCH AND IN CAT Analyce Vieira de Oliveira Ferreira Paulo de Tarso Guimarães da Silva Resumo Maceração fetal é todo o processo séptico causado no útero gravídico, que causa liquefação dos tecidos moles fetais, mantendo apenas estruturas ósseas fetais, podendo causar riscos ao organismo materno como perfuração uterina e de órgãos adjacentes, bem como peritonite e toxemia. Os principais sinais clínicos são: secreção vaginal com ou sem odor, de aspecto purulento, hiporexia ou anorexia, hipertermia e desconforto abdominal. O diagnóstico é confirmado através da ultrassonografia associado ao histórico do animal, sinais clínicos e exames laboratoriais. O tratamento indicado é a ovariohisterectomia e tratamento clínico do animal. Este trabalho tem por objetivo relatar dois casos de maceração fetal, sendo um em uma cadela e outro em uma gata, ambas sem raça definida, atendidas na Clínica Veterinária Prontovet, apresentando sintomatologias divergentes uma da outra. Palavras-Chave: maceração fetal; distocia; fetos; cadela; gata. Abstract Fetal maceration is all septic process caused in pregnant uterus, causing liquefaction of fetal soft tissues, keeping just fetal skeletal structures, may cause risks to the mother’s body, like uterine perforation and of adjunct organs, and peritonitis and toxemia. The main clinical signs are: vaginal secretion with or without odor and purulent appearance, hyporexia or anorexia, hyperthermia and abdominal discomfort. The diagnosis is confirmed through ultrassonography associated with the animal’s history, clinical signs and laboratory tests. The indicated treatment is the ovariohysterectomy and clinical treatment of the animal. The purpose of this study is to report two cases of fetal maceration, in a bitch and in a cat, both without defined race, attended in Veterinary Clinic Prontovet, presenting clinical signs divergent. Keywords: fetal maceration; dystocia; fetus; bitch; cat. Contato: [email protected], [email protected] Introdução Maceração fetal é a definição dada a um processo séptico que ocorre no útero gravídico, causando liquefação e amolecimento dos tecidos moles fetais, mantendo apenas as estruturas ósseas (TONIOLLO e VICENTE, 2003). Os fatores predisponentes à maceração fetal podem ser o uso de anticoncepcional, no qual mantém altos níveis de progesterona circulantes, por tempo indeterminado no organismo do animal, levando ao relaxamento da cérvix e do útero, impedindo a expulsão fetal (ADAMS, 2003); o uso de ocitocina, que poderá causar sofrimento fetal até a sua morte, pelos estímulos uterinos acentuados e torção uterina (GRUNERT, 2006); outro fator predisponente é a distocia fetal, que é uma patologia a qual impede que a parição ocorra de forma natural, retendo os fetos no útero, que pode levar à maceração fetal. A distocia pode ser de origem materna e/ou fetal. Quando de origem materna, esta está relacionada a inércia uterina, estreitamento da cérvix, torção ou ruptura do útero (JOHNSTON et al., 2001). A distocia de origem fetal está relacionada ao mau posicionamento fetal, anomalias fetais, e ausência da produção de cortisol, hormônio responsável por desencadear o parto, produzido pelo feto (PRESTES e LANDIM- ALVARENGA, 2006). Esta patologia é menos frequente em cadelas e gatas, sendo mais comum em vacas (TONIOLLO e VICENTE, 2003; GRUNERT, 2006). Após a morte fetal, ocorre ação bacteriana a qual leva a sinais de putrefação fetal, estes microrganismos patogênicos podem adentrar ao útero de maneiras distintas: pela contaminação uterina devido a abertura da cérvix e o oportunismo dessas bactérias, que de forma ascendente adentram o útero (ACLAND, 1998). As principais bactérias presentes nessa afecção e descritas em grandes animais (vacas, éguas e búfalas) são: Arcanobacterium pyogenes, Staphylococcus aureus, Streptococus sp., e o principal protozoário, responsável por aborto principalmente em vacas, morte do concepto e retenção em ambiente uterino é o Trichomonas foetus (PRESTES e LANDIM- ALVARENGA, 2006). Os sinais clínicos mais observados são: corrimento vaginal de aspecto purulento e odor fétido ou não, no entanto, é mais comum que se Como citar esse artigo: Ferreira AVO, Silva PTG. MACERAÇÃO FETAL – RELATO DE DOIS CASOS DE MACERAÇÃO FETAL EM CADELA E EM GATA. Anais do 14 Simpósio de TCC e 7 Seminário de IC da Faculdade ICESP. 2018(14); 1389-1394

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CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA

MACERAÇÃO FETAL – RELATO DE DOIS CASOS DE MACERAÇÃO FETAL EM CADELA E EM GATA FETAL MACERATION – REPORT OF TWO CASES OF FETAL MACERATION IN BITCH AND IN CAT

Analyce Vieira de Oliveira Ferreira

Paulo de Tarso Guimarães da Silva Resumo Maceração fetal é todo o processo séptico causado no útero gravídico, que causa liquefação dos tecidos moles fetais, mantendo apenas estruturas ósseas fetais, podendo causar riscos ao organismo materno como perfuração uterina e de órgãos adjacentes, bem como peritonite e toxemia. Os principais sinais clínicos são: secreção vaginal com ou sem odor, de aspecto purulento, hiporexia ou anorexia, hipertermia e desconforto abdominal. O diagnóstico é confirmado através da ultrassonografia associado ao histórico do animal, sinais clínicos e exames laboratoriais. O tratamento indicado é a ovariohisterectomia e tratamento clínico do animal. Este trabalho tem por objetivo relatar dois casos de maceração fetal, sendo um em uma cadela e outro em uma gata, ambas sem raça definida, atendidas na Clínica Veterinária Prontovet, apresentando sintomatologias divergentes uma da outra. Palavras-Chave: maceração fetal; distocia; fetos; cadela; gata. Abstract Fetal maceration is all septic process caused in pregnant uterus, causing liquefaction of fetal soft tissues, keeping just fetal skeletal structures, may cause risks to the mother’s body, like uterine perforation and of adjunct organs, and peritonitis and toxemia. The main clinical signs are: vaginal secretion with or without odor and purulent appearance, hyporexia or anorexia, hyperthermia and abdominal discomfort. The diagnosis is confirmed through ultrassonography associated with the animal’s history, clinical signs and laboratory tests. The indicated treatment is the ovariohysterectomy and clinical treatment of the animal. The purpose of this study is to report two cases of fetal maceration, in a bitch and in a cat, both without defined race, attended in Veterinary Clinic Prontovet, presenting clinical signs divergent. Keywords: fetal maceration; dystocia; fetus; bitch; cat.

Contato: [email protected], [email protected]

Introdução

Maceração fetal é a definição dada a um processo séptico que ocorre no útero gravídico, causando liquefação e amolecimento dos tecidos moles fetais, mantendo apenas as estruturas ósseas (TONIOLLO e VICENTE, 2003). Os fatores predisponentes à maceração fetal podem ser o uso de anticoncepcional, no qual mantém altos níveis de progesterona circulantes, por tempo indeterminado no organismo do animal, levando ao relaxamento da cérvix e do útero, impedindo a expulsão fetal

(ADAMS, 2003); o uso de ocitocina,

que poderá causar sofrimento fetal até a sua morte, pelos estímulos uterinos acentuados e torção uterina (GRUNERT, 2006); outro fator predisponente é a distocia fetal, que é uma patologia a qual impede que a parição ocorra de forma natural, retendo os fetos no útero, que pode levar à maceração fetal.

A distocia pode ser de origem materna e/ou fetal. Quando de origem materna, esta está relacionada a inércia uterina, estreitamento da cérvix, torção ou ruptura do útero

(JOHNSTON et

al., 2001). A distocia de origem fetal está relacionada ao mau posicionamento fetal,

anomalias fetais, e ausência da produção de cortisol, hormônio responsável por desencadear o parto, produzido pelo feto

(PRESTES e LANDIM-

ALVARENGA, 2006). Esta patologia é menos frequente em cadelas e gatas, sendo mais comum em vacas

(TONIOLLO e VICENTE, 2003;

GRUNERT, 2006). Após a morte fetal, ocorre ação bacteriana a

qual leva a sinais de putrefação fetal, estes microrganismos patogênicos podem adentrar ao útero de maneiras distintas: pela contaminação uterina devido a abertura da cérvix e o oportunismo dessas bactérias, que de forma ascendente adentram o útero

(ACLAND, 1998). As principais

bactérias presentes nessa afecção e descritas em grandes animais (vacas, éguas e búfalas) são: Arcanobacterium pyogenes, Staphylococcus aureus, Streptococus sp., e o principal protozoário, responsável por aborto principalmente em vacas, morte do concepto e retenção em ambiente uterino é o Trichomonas foetus

(PRESTES e LANDIM-

ALVARENGA, 2006). Os sinais clínicos mais observados são:

corrimento vaginal de aspecto purulento e odor fétido ou não, no entanto, é mais comum que se

Como citar esse artigo:

Ferreira AVO, Silva PTG. MACERAÇÃO FETAL – RELATO DE DOIS CASOS DE MACERAÇÃO

FETAL EM CADELA E EM GATA. Anais do 14 Simpósio de TCC e 7 Seminário de IC da

Faculdade ICESP. 2018(14); 1389-1394

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tenha odor desagradável (podendo haver fragmentos fetais como unhas, pelos e ossos), algia abdominal, hiporexia ou até mesmo anorexia e perda progressiva de peso, hipertermia e dispneia devido ao processo séptico e ao aumento de volume abdominal (TONIOLLO e VICENTE, 2003; BIRGEL, GRUNERT e VALE, 2005) Em alguns animais, a condição pode evoluir para peritonite, pela perfuração do útero pelos ossos fetais

(TONIOLLO e VICENTE, 2003),

septicemia ou toxemia

(GRUNERT, 2003).

O diagnóstico baseia-se no histórico, exames físicos e laboratorial, como hemograma e pode ser observada leucocitose e/ou anemia, além de exames complementares como a ultrassonografia e radiografia abdominal

(NELSON e COUTO, 2015),

sendo a ultrassonografia o exame de eleição para chegar ao diagnóstico definitivo, pois esse permite avaliar a viabilidade fetal

(BOLSON et al., 2004).

O tratamento definitivo é realizado através da ovarioshisterectomia (OH), acompanhado do tratamento clínico com antibioticoterapia

(NELSON

e COUTO, 2015). Em vacas, o tratamento pode ser realizado através da fetotomia, que é a retirada dos restos fetais após fragmentação dos tecidos, através da palpação vaginal e lavagens vaginais nos dias seguintes. Já em éguas, a remoção do tecido fetal pode ser realizada através da dilatação manual da cérvix

(PRESTES e LANDIM-ALVA

O prognóstico é considerado ruim, pois os ossos fetais podem levar a perfuração do útero e órgãos adjacentes e como consequência, causar peritonite e aderências viscerais, além de toxemia

(JOHNSTON et al., 2001). A sepse, também definida como Síndrome da

Resposta Inflamatória Sistêmica (SRIS) ocorre em decorrência a um processo infeccioso (bactérias, vírus, fungos e helmintos). Há também a sepse grave, a qual causa disfunção múltipla de órgãos (SILVA, 2008). A patogenia da sepse envolve um processo de ativação celular que resulta na liberação de mediadores pró inflamatórios (BASSO et al., 2008). Os sinais clínicos associados à sepse são inespecíficos e vão desde fraqueza, hipotensão, vômito e diarreia a dor abdominal, coagulopatias e anúria. O diagnóstico deve ser realizado através do leucograma, perfil bioquímico sérico, exames de urina, testes de coagulação e exames radiográficos (FORD e MAZZAFERRO, 2012). O tratamento consiste em encontrar a causa e tratá-la com antibióticos ou por meio de cirurgias que consistem em retirar o foco infeccioso, além da correção dos problemas que podem surgir devido a resposta inflamatória, como a hipovolemia, baixa oximetria, coagulopatias e problemas hematológicos (OLIVEIRA et al., 2002).

Relato de caso

CASO 01

Foi atendida na Clínica Veterinária Prontovet, no dia 20 de junho de 2018, uma cadela, sem raça definida, de aproximadamente 5 anos de idade, pesando 16,3 kg para o projeto de castração desenvolvido pela clínica. Foi realizada a anamnese, exames físicos e laboratoriais, para avaliar se a mesma se encontrava apta para o procedimento. Durante a anamnese, a tutora relatou que a cadela se encontrava em bom estado geral, no entanto, relatou que a cadela tinha acesso à rua e não possuía vacinação ou vermifugação em dia.

A tutora relata ainda não saber quando ocorreu o último cio ou a última ninhada e que não havia administrado anticoncepcionais à cadela anteriormente. Durante o exame físico não foi observada nenhuma alteração que incapacitasse a mesma da realização do procedimento cirúrgico, a saber, frequência respiratória de 52mpm, frequência cardíaca de 72bpm, temperatura retal de 38,8°C, mucosas normocoradas e leve desconforto abdominal.

Foram solicitados hemograma completo e creatinina como exames pré operatórios, os quais mostraram os seguintes resultados (tabela 1).

HEMOGRAMA

EXAME RESULTADO REFERÊNCIAS

Hematócrito 48,7% 45 – 55%

Plaquetas 119 mil/mm³ 200 – 300 mil/mm³

Leucócitos 18,53 mil/mm³ 8,5 – 15 mil/mm³

BIOQUÍMICO

EXAME RESULTADO REFERÊNCIAS

Creatinina 0,89 mg/dL 0,5 – 1,2 mg/dL

Tabela 1: Exames laboratoriais da cadela. Pode-se observar que há trombocitopenia e leucocitose. Fonte: Laboratório da Clínica Veterinária Prontovet

Durante a OH, após a realização da celiotomia, foi necessário ampliar a incisão, pois houve dificuldade em localizar o ovário. Após a localização do sistema reprodutor, notou-se o útero aumentado, de paredes friáveis e com estruturas semelhantes a estruturas ósseas, perfurando a parede uterina (figuras 1 e 2).

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Figura 1: Imagem fotográfica do aparelho reprodutor feminino da cadela com presença de aumento de volume nos cornos uterinos. Fonte: Departamento de Cirurgia da Clínica Prontovet

Figura 2: Imagem fotográfica do transoperatório em cadela. Podem ser observadas estruturas ósseas no interior do útero (seta). Fonte: Departamento de Cirurgia da Clínica Prontovet

Foram realizadas ligaduras do pedículo

ovariano com o fio categut 2-0. Na ligadura do coto uterino, foi necessário realizar ligadura do tipo parker-ker com o fio categut 2-0, para uma maior firmeza na ligadura do tecido, já que o mesmo se encontrava friável, além de que este tipo de ligadura permite a invaginação do tecido, a fim de controlar possíveis infecções. A musculatura foi suturada com fio Nylon 4-0 e ponto simples contínuo. O subcutâneo foi suturado com fio categut 2-0 no padrão intradérmico e a pele com o fio nylon 4-0 e pontos simples contínuo. Após o procedimento cirúrgico, verificou-se do que se tratava o conteúdo uterino, foram identificadas estruturas ósseas fetais, como um crânio e encéfalo (Figura 3) e outras estruturas ósseas de difícil distinção. Notou-se também a presença de pelos e secreção uterina inodora (Figura 4).

Figura 3: Imagem fotográfica das estruturas ósseas fetais no interior do útero da paciente canina. Presença do crânio e encéfalo. Fonte: Departamento de Cirurgia da Clínica Prontovet

Figura 4: Imagem fotográfica das estruturas ósseas (seta) fetais no interior do útero da cadela após a abertura do mesmo. Fonte: Departamento de Cirurgia da Clínica Prontovet

Foi prescrito Doxiciclina 5mg/kg por via oral como antibioticoterapia, BID, por 30 dias e Maxicam na dose de 0,05mg/kg, por via oral, SID, por 3 dias e Dipirona por via oral, na dose de 25mg/kg, quatro vezes ao dia.

CASO 02

Foi atendida na Clínica Veterinária Prontovet, no dia 01 de outubro de 2018, uma gata, sem raça definida, com 3 anos de idade, pesando 3,55 kg com suspeita de piometra.

Durante a anamnese, a tutora afirmou que a paciente foi diagnosticada com mucometra em agosto de 2017 e tratada com antibióticos, os quais a tutora não se lembrava. Relata também que o último cio da paciente foi em julho de 2018, e que desde então nota secreção vulvar purulenta, emagrecimento, hiporexia, polidpsia e aumento de volume abdominal.

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Durante o exame físico notou-se abdome abaulado (figura 5), presença de conteúdo de consistência firme durante a palpação e algia abdominal, além de secreção vulvar purulenta inodora, mucosas normocoradas, temperatura retal 38,2°C, frequência cardíaca de 108bpm e frequência respiratória de 72mpm.

Foram solicitados exames hematológicos e bioquímicos, sendo os seguintes resultados (Tabela 2).

HEMOGRAMA

EXAME RESULTADO REFERÊNCIAS

Hematócrito 39,5% 35 – 45%

Plaquetas 141 mil/mm³ 200 – 300 mil/mm³

Leucócitos 30,73 mil/mm³ 5,5 – 17,5 mil/mm³

BIOQUÍMICO

EXAME RESULTADO REFERÊNCIAS

Creatinina 0,78 mg/dL 0,5 – 1,2 mg/dL

Tabela 2: Exames laboratoriais da paciente felina. Pode-se notar trombocitopenia e leucocitose. Fonte: Laboratório da Clínica Veterinária Prontovet

Figura 5: Imagem fotográfica da paciente felina posicionada em decúbito dorsal para realização do exame ultrassonográfico. Pode-se observar o aumento de volume abdominal.

Fonte: Departamento de imagem da Clínica Prontovet

Foi realizada ultrassonografia abdominal, no qual constatou cornos uterinos aumentados de volume, com presença de conteúdo anecogênico, e visualização de imagens bem definidas de superfície hiperecogênicas produtoras de forte sombra acústica posterior, compatível com restos fetais. Observada moderada quantidade de líquido livre em cavidade abdominal. Imagens compatíveis com maceração fetal.

Realizou-se a celiotomia com acesso à linha média ventral do abdome. Após o acesso à cavidade abdominal, notou-se peritonite (figura 6A) e presença de estruturas fetais como pelos, unhas e ossos distribuídos e aderidos ao omento, bem como laceração na região do corno uterino, próximo ao ovário esquerdo (Figura 6B), encontrados também dois fetos livres na cavidade abdominal.

Figura 6: Imagem fotográfica durante o transoperatório de OH em paciente felina. A – Presença de secreção purulenta no interior do abdome, caracterizado por peritonite. B – Presença de lesão uterina esquerda com exposição do feto em estado disforme. Fonte: Departamento de Cirurgia da Clínica Prontovet

Foi realizada a OH, realizando as ligaduras do pedículo ovarianas com o fio categut 2-0, ligadura do coto uterino do tipo parker-ker com o fio categut 2-0. Após, foi realizada lavagem da cavidade abdominal, sendo necessário aproximadamente 10 litros de solução fisiológica 0,9% morna. Após, foi realizada sutura da musculatura com fio poliglecaprone 4-0 e pontos do tipo simples contínuo, subcutâneo com fio poliglecaprone 4-0 e padrão intradérmico, pele com nylon 5-0 e ponto simples contínuo.

Concluído o procedimento cirúrgico, foi observado a presença de mais 4 fetos nos cornos uterinos, sendo um deles, localizado com a cabeça entre a cérvix e o corno uterino esquerdo. Encontrou-se uma totalidade de 6 fetos macerados, alguns inteiros, outros com ausência de estruturas, como abdome e vísceras e alguns totalmente disformes (Figura 7).

A B

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Figura 7: Imagem fotográfica dos 6 fetos felinos macerados. É possível observar fetos disformes (seta amarela), fetos com ausência de estruturas abdominais (seta vermelha). Fonte: Departamento de Cirurgia da Clínica Prontovet

Foi prescrito Ceftriaxona na dose de 30mg/kg, BID, Ampicilina com Sulbactam na dose de 20mg/kg, BID e Metronidazol na dose de 15mg/kg TID como antibióticos, durante 15 dias, Dipirona na dose de 25mg/kg, por via oral, QID durante 3 dias e Tramadol, por via oral, na dose de 4mg/kg, QID, durante 5 dias como analgésicos e Maxicam na dose de 0,05mg/kg SID, durante 3 dias como antiinflamatório.

Discussão

A maceração fetal ocorre em animais gestantes. Esta patologia se dá pela liquefação dos tecidos moles fetais, secundário a um processo séptico no interior do útero, no qual mantêm-se as estruturas ósseas dos fetos (TONIOLLO e VICENTE, 2003). Tal alteração foi observada nos casos relatados, que em ambos foi possível observar a presença de estruturas ósseas, assim como pelos e unhas, tanto no interior do útero, quanto solto na cavidade abdominal, o que foi visto somente no segundo caso.

A patologia, de acordo com (GRUNERT, 2006; JONES, 2000) acomete fêmeas gestantes, na metade da gestação, independente de idade ou raça, porém, as mais predispostas são àquelas que usaram anticoncepcionais e/ou tiveram complicações durante a gestação que impedisse a expulsão do feto e sendo mais comum em vacas do que em animais de companhia (GRUNERT, 2006). Corroborando com os achados da literatura, pode-se observar que tanto cadelas quanto gatas estão susceptíveis ao desenvolvimento de fetos macerados, visto que nos casos descritos a idade se difere uma da outra, sendo 5 anos de vida para a cadela, enquanto a gata 3 anos. Uma característica em comum a ambos os casos, se dá pelo fato de ambas serem animais sem raça definida, no entanto não existe um consenso da

literatura quanto a raças mais predispostas. Os principais sinais clínicos observados nos

casos se convergem um do outro, no primeiro caso a cadela não apresentava secreção vaginal, estando relacionada ao fechamento da cérvix. No entanto, foi observado leve desconforto abdominal. Já no segundo caso, a felina apresentou aumento de volume abdominal, emagrecimento, hiporexia, polidipsia e secreção vaginal inodora. Tais sintomatologias, foram observadas por (TONIOLLO e VICENTE, 2003), sendo que também observaram hipertermia nos casos descritos por eles, no entanto, tal alteração não foi observada em nenhum dos casos.

O diagnóstico do caso 01 foi definido após a cirurgia, depois de verificar-se o conteúdo do útero, estando condizentes com o que foi observado por (BIRGEL, GRUNERT e VALE, 2005) havendo a presença de pelos e ossos fetais no interior uterino. Já no segundo caso, a suspeita inicial era de piometra, pois segundo os tutores, a paciente não tinha contato com outros animais, porém, ao sentir o conteúdo de consistência firme à palpação abdominal, suspeitou-se também de prenhez, sendo necessária a realização da ultrassonografia abdominal, que é o exame de eleição para confirmação do diagnóstico (BOLSON et al., 2004).

Diversas bactérias podem estar envolvidas no processo de maceração fetal, ou na morte do concepto, segundo observado por (PRESTES e LANDIM-ALVARENGA, 2006), sendo difícil a identificação dos mesmos, pois além de ser um caso pouco relatado na clínica de pequenos animais, não há o costume de se realizar cultura e antibiograma, pois nos dois casos descritos acima, os tutores possuíam restrição financeira e não autorizaram o envio do material ao laboratório, o que impossibilitou saber ao certo qual agente direto estava envolvido. Porém, é importante que se faça a cultura e antibiograma do conteúdo infeccioso, pois ele auxiliará na escolha dos fármacos a serem utilizados.

Nos dois casos os tutores negaram a administração de anticoncepcionais, o que exclui um dos fatores predisponentes a essa patologia, pois de acordo com (ADAMS, 2003), o uso de anticoncepcionais predispõe à maceração fetal, pois dificulta as contrações da cérvix e do útero.

No primeiro caso, notou-se que os ossos pareciam ser de apenas um feto, o qual estava ocupando os dois cornos uterinos, levando a hipótese de ter ocorrido semelhança com o que diz (JOHNSTON et al., 2001; PRESTES e LANDIM-ALVARENGA, 2006), uma distocia em razão do tamanho do feto, ou do estreitamento da cérvix materna, impedindo que ocorra o parto natural. Este feto poderia ser único na gestação, ou poderia ser o último, o qual a cadela não conseguiu expelir, fator de difícil explicação, pois os tutores alegaram não lembrar as datas de último cio ou último parto. No segundo caso, a principal suspeita também é de distocia, visto que um dos fetos estava com a

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cabeça entre a cérvix e o seu corpo em um dos cornos uterinos.

De acordo com (NELSON e COUTO, 2015), o tratamento deve ser realizado através da ovariohisterectomia. Nos dois casos foi realizado tal técnica, sendo necessário realizar o procedimento de lavagem da cavidade abdominal no segundo caso, pois toda a cavidade estava infeccionada pela presença de restos fetais, o que ocasionou um processo de peritonite, sendo esta uma possível complicação que pode ocorrer em casos de fetos macerados, o que é descrito por (TONIOLLO e VICENTE, 2003).

Conclusão:

Pode-se concluir que a maceração fetal é uma patologia que traz riscos à saúde materna, pois pode haver complicações importantes como peritonite e toxemia, e se não diagnosticada corretamente e realizado o seu tratamento, pode levar ao óbito. A melhor forma de prevenção é a castração ou o acompanhamento gestacional do

animal por meio de ultrassonografia. Deve-se evitar a administração de anticoncepcionais em cadelas e gatas, pois o mesmo poderá causar distocia, levando a morte do concepto e consequentemente a fetos macerados.

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Agradecimentos:

Gratidão enorme pela Clínica Veterinária Prontovet, pela oportunidade a mim concedida, principalmente à dra. Patrícia Arrais, por toda a ajuda e paciência, pela confiança e especialmente por todo o conhecimento que me proporcionou. Grata ao meu orientador, Paulo de Tarso por tanta ajuda, paciência e dedicação com esse trabalho. Sempre grata aos meus pais e noivo, que me ajudaram e apoiaram durante todo o curso. E principalmente grata à minha bisa Emilia, que não está mais comigo, mas que me criou com tanto amor, e me ajudou a ser quem sou hoje e minha gratidão será eterna, pois ainda está viva em meus sentimentos.

Referências:

1 - ACLAND, H.M. Sistema Reprodutor da Fêmea. In: CARLTON, W.W.;MCGAVIN, M.D. Patologia Veterinária

Especial de Thomson, 2ª Edição, Editora Artmed, Porto Alegre,1998;

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3 - BASSO C. P.; RAISER G. A.; MULLER M. C. D.; TRINDADE B. A.; Apoptose na sepse e síndrome da

resposta inflamatória sistêmica: revisão. In: Ulbra, 2008.

4 - BIRGEL. E. H.; GRUNERT, E.;VALE, W.G. Patologia e Clínica da Reprodução dos Animais Mamíferos

Domésticos, Editora Varela, São Paulo, 2005;

5 - BOLSON et al . Fisometra em Cadela (Canis familiaris Linnaeus, 1758) – Relato de Caso, 2004;

6 - FORD, R.; MAZZAFERRO, E. M. Kirk & Bistner, Manual de Procedimentos Veterinários e Tratamento

Emergencial. 9ª Edição. Editora Elsevier, Rio de Janeiro, 2012;

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8 - JOHNSTON et al., 2001 apud Mahla, A.S.; SHINDE, S.; SACHAN, V.; CHAUDHARI, R.K.; KUMAWAT, B.L.;

VERMA, A.K.; DAS, G.K. A Rare Case of Foetal Maceration in Bitch and is Successful Management, 2016;

9 - JONES, T. C.; HUNT, R. D.; KING, N. W. Patologia Veterinária. 6ª edição. Editora Manole. São Paulo, 2000;

10 - NELSON, R.W.; COUTO, C.G. Medicina Interna de Pequenos Animais, 5ª Edição, Editora Elsevier, 2015;

11 - OLIVEIRA, R. P.; VELASCO, I.; SORIANO, F. G.; FRIEDMAN, G. Clinical review: Hypertonic saline

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