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A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO MODERNO SOBRE A ARTE: ROCOCÓ, NEOCLASSICISMO E ROMANTISMO Eduardo Pacheco Freitas 1 RESUMO: O pensamento moderno aliado ao avanço tecno-científico surgido após a Idade Média contribuiu de maneira extremamente importante para o desenvolvimento de diversos gêneros artísticos. O Rococó, o Neoclassicismo e o Romantismo podem ser considerados como movimentos de arte que surgiram a partir da Era da Razão, ou seja, estimulados e influenciados pelo pensamento iluminista, pelo empirismo lockeano e pelos avanços científicos proporcionados por Newton. O presente trabalho procura entender estas relações, analisando algumas das obras mais importantes e representativas de cada estilo, associando os diversos quadros analisados ao contexto histórico onde foram produzidos. ABSTRACT: Modern thinking combined with techno-scientific advances arising after the Middle Ages contributed to a very important for the development of different artistic genres. The Rococo, Neoclassicism and Romanticism may be regarded as art movements that emerged from the Age of Reason, that is, encouraged and influenced by Enlightenment thought, the Lockean empiricism and the scientific advances provided by Newton. This paper seeks to understand these relationships, analyzing some of the most important and representative works of each style, combining the different paintings analyzed the historical context they were produced. PALAVRAS-CHAVE: Rococó. Neoclassicismo. Romantismo. História da arte. Iluminismo. Pensamento moderno. 1 Aluno de Graduação do curso de História na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - PUCRS

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  • A INFLUNCIA DO PENSAMENTO MODERNO SOBRE A ARTE: ROCOC, NEOCLASSICISMO E ROMANTISMO

    Eduardo Pacheco Freitas1

    RESUMO: O pensamento moderno aliado ao avano tecno-cientfico surgido aps a Idade Mdia contribuiu de maneira extremamente importante para o

    desenvolvimento de diversos gneros artsticos. O Rococ, o Neoclassicismo e o

    Romantismo podem ser considerados como movimentos de arte que surgiram a

    partir da Era da Razo, ou seja, estimulados e influenciados pelo pensamento

    iluminista, pelo empirismo lockeano e pelos avanos cientficos proporcionados por

    Newton. O presente trabalho procura entender estas relaes, analisando algumas

    das obras mais importantes e representativas de cada estilo, associando os diversos

    quadros analisados ao contexto histrico onde foram produzidos.

    ABSTRACT: Modern thinking combined with techno-scientific advances arising after

    the Middle Ages contributed to a very important for the development of different

    artistic genres. The Rococo, Neoclassicism and Romanticism may be regarded as art

    movements that emerged from the Age of Reason, that is, encouraged and

    influenced by Enlightenment thought, the Lockean empiricism and the scientific

    advances provided by Newton. This paper seeks to understand these relationships,

    analyzing some of the most important and representative works of each style,

    combining the different paintings analyzed the historical context they were produced.

    PALAVRAS-CHAVE: Rococ. Neoclassicismo. Romantismo. Histria da arte. Iluminismo. Pensamento moderno.

    1 Aluno de Graduao do curso de Histria na Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas - PUCRS

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    1.INTRODUO

    Na Europa, durante a Idade Mdia, as artes plsticas estiveram basicamente

    ligadas aos temas religiosos, seja atravs das representaes pictricas e estaturias

    de Cristo, de Maria, dos apstolos e dos santos; seja atravs das obras

    arquitetnicas, inspiradas por ideais filosficos, como demonstrou Erwin Panofsky

    sobre a relao da arquitetura gtica e a escolstica2.

    Com o Renascimento, a partir do sculo XV, h uma forte tendncia a se

    deixar de lado esse carter predominantemente cristo da arte como um todo e

    passa-se ento a uma redescoberta dos valores estticos da antiguidade, onde a

    medida de todas as coisas o homem, em detrimento de Deus que havia ocupado a

    mente criativa por todo o perodo histrico anterior.

    A partir do sculo XVIII, com o Iluminismo, acontece uma nova reviravolta em

    termos de produo e pensamento artstico, pois passa a existir nesta poca uma

    supervalorizao dos conceitos racionais, com base no Empirismo ingls de John

    Locke, que versa sobre a importncia da experincia do sensvel para a obteno do

    conhecimento. Os avanos da cincia, de igual maneira, abordados aqui em suas

    relaes com uma nova concepo artstica, podem ser identificados com a teoria

    das cores de Newton, que props um novo conceito acerca da participao do artista

    em sua obra, considerando que as cores so fenmenos fsicos. A respeito disso,

    Kern diz que o carter subjetivo e material da cor j no pertencia pintura (KERN,

    2006, p. 25) e que:

    Com o Iluminismo e a valorizao da razo e a da cincia, a modernidade comeou a ser

    pensada como projeto futuro, fundamentado numa cultura especializada, na qual o homem

    livre criaria as suas prprias normas em detrimento dos princpios normativos externos do

    modelo clssico. Assim, o homem libertou-se do pensamento metafsico e emergiu o sujeito

    independente para articular o seu futuro e constituir-se como protagonista da histria. Foi

    nesse momento que o campo especializado das belas-artes se configurou, e a esttica, a

    histria da arte e a crtica se legitimaram, passando a fornecer novos mtodos de reflexo e

    teorizao a respeito do fazer pictrico e do juzo do gosto. (KERN, 2006, p. 25)

    2 Sobre o desenvolvimento sncrono da filosofia escolstica e da arquitetura gtica na Frana setentrional no sculo XIII recomenda-se a leitura do livro Arquitetura gtica e escolstica de Erwin Panofsky, onde o autor demonstra a influncia do pensamento escolstico sobre os construtores das catedrais gticas.

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    Portanto, com as novas concepes filosficas surgidas no Iluminismo e com o

    favorecimento da razo e do empirismo, ocorre uma mudana radical na forma de se

    produzir a arte e conjuntamente na maneira de se apreciar a arte. Desta nova viso

    de mundo, por exemplo, surge o gnero Rococ, que representa o desejo de prazer

    daquela sociedade, uma necessidade de experimentar e depois refletir. Com isto, a

    crtica de arte e a histria da arte, modificam suas vises a respeito da arte e dos

    artistas, valorizando e estudando agora novos elementos que em perodos anteriores

    sequer eram cogitados. Desta forma, h o estabelecimento de uma nova relao

    entre a pintura e o conhecimento.

    No entanto, h outro aspecto derivado deste racionalismo oriundo do

    Iluminismo que pode ser chamado de Neoclassicismo. Sobre a arte neoclssica,

    Argan diz:

    Tema comum a toda arte neoclssica a crtica, que logo se torna condenao, da arte

    imediatamente anterior, o Barroco e o Rococ. Adotando a arte Greco-romana como modelo

    de equilbrio, proporo, clareza, condenam-se os excessos de uma arte que tinha sua sede

    na imaginao e aspirava despert-la nos outros. (ARGAN, 1993, p. 21)

    Logo, percebemos que h uma preocupao conceitual e metodolgica da arte

    neoclssica, alm de resgatar os ideais estticos da antiguidade, no sentido de

    combater os movimentos artsticos anteriores. A disputa se d no mbito de

    valorizao da razo em detrimento da pura imaginao do artista.

    O Romantismo ser o ltimo gnero artstico a ser analisado no presente

    trabalho, levando-se em considerao este movimento como uma possvel reao

    contra o Iluminismo, porm, com a conscincia de que foi engendrado a partir, ao

    menos em parte, do prprio Iluminismo. Enfim, consideraremos o Romantismo como

    o primeiro grande protesto contra o mundo moderno (BAUMER, 1990, p. 23)

    2.O ROCOC

    Durante o sculo XVIII as sociedades europias passam por um grande

    movimento de secularizao que determinou da por diante a relao dos artistas

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    com a produo de suas respectivas obras. At ento a literatura, sobretudo as

    escrituras sagradas da Bblia e os motivos cristos dominavam e serviam como

    subsdio para toda e qualquer pintura.

    No entanto, no incio do sculo XVIII dois novos acontecimentos influenciam

    fortemente esta mudana de mentalidade: o empirismo ingls, de Jonh Locke e as

    descobertas cientficas de Newton.

    H nesta sociedade uma busca quase obsessiva pela felicidade, um certo

    carter hedonista permeia todos os sales e todas as conversas e encontros. A arte

    que surge neste perodo, conhecida como Rococ a expresso mxima do esprito

    de uma poca que rompe com a tradio artstica religiosa, tenta compreender o

    mundo pela cincia e, ao mesmo tempo, busca a frivolidade e o prazer. Afinal, o

    prazer agora entendido no mais como uma recompensa, mas sim como um

    objetivo de vida fundamental. Neste sentido, compreende-se a ligao estreita entre

    o empirismo de Locke que teorizava sobre a necessidade da experincia para o

    surgimento das idias e entre a apreenso imediata do observador ao deparar-se

    com uma obra de arte rococ. O deleite de uma bela obra se d antes de qualquer

    reflexo. O raciocnio explica tal deleite a posteriori, ou seja, apenas legitima um

    prazer j sentido. (PIFANO, 1995, p. 398). necessrio experimentar, viver o

    momento, tanto na vida quanto na arte. Por isso as representaes de Antoine

    Watteau de pessoas simplesmente aproveitando um momento de cio em um parque

    ou de casais partindo da lendria ilha de Citera aps homenagearem Vnus.

    Antoine Watteau (1684 1721) foi o grande expoente da arte rococ. Embora

    tenha morrido jovem, com apenas 37 anos, gravou indelevelmente seu nome na

    histria da arte ao representar em seus quadros uma vida totalmente alheia a

    privaes (GOMBRICH, 2008, p. 454) que em ltima anlise o desejo do ser

    humano em qualquer sociedade a qualquer tempo. No entanto, este desejo foi

    levado como objetivo norteador de uma sociedade que valorizava sobretudo o

    instante. Devido a isto, o fugaz o grande tema da pintura ( PIFANO, 1995, p.

    399) de Watteau e do rococ em geral. No quadro Divertimentos Campestres

    Watteau traduz atravs de suas pinceladas a importncia que os prazeres singelos

    tem para aquela sociedade. Uma criana brinca rapidamente com um cozinho, um

    casal danando, pessoas na relva apenas conversando de maneira confortvel.

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    Instantes que passam em um piscar de olhos, como o raio de sol que surge por

    detrs das rvores nesta mesma tela.

    Figura 01. Divertimentos campestres, 1718. Antoine Watteau. Coleo Wallace, Londres.

    Outro artista importante do gnero rococ, que produziu sua obra aps

    Watteau Jean-Honor Fragonard (1732 -1806).

    Fragonard levou adiante a tradio de Watteau e produziu obras tambm

    inspiradas na vida da alta sociedade em seus momentos de prazer instantneo.

    Segundo Pfano:

    A busca do prazer e a conseqente temporalidade reduzida ao instante no so observadas

    apenas na pintura. Encontram-se presentes em meio quela sociedade para a qual a arte

    rococ produzida, ou seja, a aristocracia e a alta burguesia. Assim, inaugura-se o reino dos

    sales onde a vida mundana consagrada. (1995, p. 401)

    Com isto, podemos afirmar que o desejo por prazer da alta sociedade

    parisiense da poca teve seu registro perfeito na arte rococ. interessante notar

    que a sociedade almejava por este prazer rpido e igualmente prestigiava as obras

    de arte que representavam esta realidade. um exemplo muito concreto de o

  • 6

    quanto o pensamento de uma sociedade est relacionado ao tipo de arte que

    produz.

    Uma grande novidade trazida pela arte rococ que este gnero artstico

    profundamente feminino, em oposio s representaes de guerras e de

    conquistadores to profundamente masculinas do passado. Fragonard traduz de

    forma inequvoca este carter feminino da arte rococ com seu quadro O Balano,

    onde uma jovem brinca alegremente ao se balanar em um jardim enquanto

    observada por um jovem deitado na relva. a expresso mxima da feminilidade,

    alegre, sendo cortejada, sentindo prazer naquele breve momento de diverso, que

    logo passar, bastando terminar o vo do balano.

    A proximidade entre as artes e a galanteria to marcante que a Academia Francesa confere

    aos pintores do idlio amoroso o ttulo especial de pintor de festas galantes, tendo sido

    Watteau o primeiro a receber o ttulo. Um dos temas mos correntes na pintura galante o

    coup doeil indiscreto, como em O Balano [...] de Fragonard. (PIFANO, 1995, p. 404)

    Figura 02. O Balano. Jean-Honor Fragonard. Coleo Wallace, Londre

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    Afinal, o sculo XVIII o sculo da cortesia, da sociabilidade, que so

    expressas atravs dos sales, onde a conversa ligeira e interessante. Nada neste

    sculo pode ser demorado, correndo-se o risco, em caso de demora, de que possa

    advir o enfado, o tdio e que estes estraguem os breves momentos de prazer

    desfrutados nos sales. No entanto, com o a monarquia francesa enfraquecendo, s

    vsperas da Revoluo, o Rococ tambm perde fora. Como arte aristocrtica que

    era, acompanha a nobreza em sua derrota.

    3.O NEOCLASSICISMO

    A fase neoclssica coincide no tempo com a poca da Revoluo Francesa.

    Neste contexto, necessrio salientarmos dois aspectos que servem de moldura

    para este movimento. O primeiro o surgimento da esttica que a filosofia da arte.

    O segundo aspecto o fato de que a cultura iluminista prope que a natureza no

    mais imutvel e se trata apenas do ambiente de existncia do homem. Neste

    sentido, vlido lembrar o que Baumer (1990, p. 164) diz acerca do Iluminismo:

    [...] as naes da Europa viraram da Idade Mdia para os tempos modernos,

    marcando a passagem de um tipo de pensamento sobrenaturalista-mtico-autoritrio,

    para um tipo naturalstico-cientfico-individualista. Ao que acrescenta logo em

    seguida, em se tratando da relao do neoclassicismo com o Iluminismo: [...] o

    neoclassicismo, embora algumas vezes ligado ao Iluminismo, no se pode entender

    como uma mera faceta do pensamento iluminista. Portanto, devemos ter de

    maneira muito clara que houve sim uma mudana de mentalidade que determinou

    em parte o surgimento do neoclassicismo, no entanto, sem que isso signifique que

    ele, enquanto gnero artstico, tenha uma ligao total e plena com o pensamento

    do Iluminismo.

    O que ocorreu na segunda metade do sculo XVIII, ainda segundo Baumer,

    foi um retorno s coisas mais simples, uma reao contra o luxo do rococ. Houve

    uma valorizao das virtudes relacionadas simplicidade e um sentimento de dever

    patritico, que pode explicar em parte, a produo de artistas como Jacques-Louis

    David (1748 -1825), retratando cenas romanas, em aluso a uma moral antiga que

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    devia ser resgatada. O quadro O juramento dos Horcios um exemplo desta

    necessidade de se retratar a grandeza moral romana para justificar os atos de

    patriotismo que o momento histrico pr-revoluo exige3; por outro lado, um

    quadro que revela o sentimento oposto a arte rococ, que era uma arte feminina por

    excelncia, ao dar destaque aos homens, que esto no centro da tela, enquanto as

    mulheres aparecem no canto inferior direito, em bvia posio de inferioridade e

    fragilidade. o mundo masculino que retorna com fora atravs dos ideais

    neoclssicos.

    Figura 03. O juramento dos Horcios, 1784. Jacques-Louis David.

    Em relao a esta ligao existente entre os ideais da Revoluo e o

    pensamento que condicionou a produo pictrica poca, Argan diz:

    Com a cultura francesa da revoluo, o modelo clssico adquire um sentido tico-ideolgico,

    identificando-se com a soluo ideal do conflito entre liberdade e dever; e, colocando-se como

    valor absoluto e universal, transcende e anula as tradies e as "escolas" nacionais. Esse

    universalismo supra-histrico culmina e se difunde em toda a Europa com o imprio

    napolenico. (ARGAN, 1993, p. 14)

    3 O quadro de 1784, portanto, cinco anos antes da Revoluo Francesa.

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    Ou seja, houve um chamamento a universalidade dos valores que viriam a ser

    defendidos pela revoluo em seu prprio lema de Igualdade, Liberdade e

    Fraternidade. Nada melhor do que os modelos clssicos da antiguidade, por sua

    fora e beleza, para servirem de smbolo iconogrfico para estas idias.

    Em face disto, podemos entender o neoclassicismo como uma potica, e no

    somente uma estilstica, pois ele determina certas posturas, inclusive de carter

    moral, em relao arte.

    Na origem desta concepo podemos situar as escavaes de Herculano e

    Pompia, que revelaram os aspectos cotidianos da vida na antiguidade classica e

    contriburam, a partir disto, para formar o conceito de classicidade. Ento h um

    conhecimento melhor da pintura antiga que acaba servindo como inspirao. A

    descoberta, durante a campanha de Napoleo no oriente, da refinada arte egpcia

    outro fator que ajuda a formar a cultura neoclssica, no que se convencionou

    chamar de estilo imprio.

    Figura 04. Projeto de igreja metropolitana, 1780-1800. tienne-Louis Boulle.

    Outro aspecto importante do neoclassicismo a arquitetura. Com a concepo

    de que as cidades no so mais propriedade do clero nem das grandes famlias

    abastadas que surgem alguns nomes como tienne-Louis Boulle (1728-99) e

    Claude Nicolas Ledoux (1736 - 1806). a nova cincia da cidade, chamada ento de

    urbanstica. Pretende-se que a cidade tenha uma unidade estilstica correspondente

    ordem social (ARGAN, 1999, p. 23). H uma viso de que o pblico deve ser

    preponderante em relao ao privado e a inteno de se construir grandes edifcios

    destinados a funes pblicas. No entanto, com a restaurao clrico-monrquica e a

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    posterior restaurao da burguesia, houve o reforo do princpio da propriedade

    privada, visando a proteo dos interesses das classes proprietrias. Isto acarretou

    que a grande maioria dos projetos destes arquitetos permanecesse no papel, sem

    nunca serem construdos. tienne-Louis Boulle passou ento histria como um

    visionrio, que no conseguiu realizar seus projetos ousadamente neoclssicos4.

    4.O ROMANTISMO

    A influncia do pensamento moderno sobre a arte provocou revolues e

    contra-revolues. O Movimento Romntico foi tanto uma quanto a outra, pois ao se

    tratar de um primeiro protesto contra o mundo moderno na verdade o fazia em

    nome de uma nova modernidade. Alguns romnticos consideravam-se modernos no

    sentido cristo, e anticlssicos no gosto artstico. (BAUMER, 1990, p. 23). Podemos

    afirmar que a contestao dos ideais iluministas, baseados no empirismo e na razo

    pura, se dava mais no sentido de se tentar estabelecer uma modernidade mais

    orgnica do que promover um retrocesso propriamente dito a um mundo mais

    antigo.

    O Movimento Romntico de difcil definio, justamente por haver uma

    pluralidade de romantismos5 embora se possam traar algumas caractersticas

    gerais que se encontravam no movimento nos mais diversos pases: a tendncia ao

    que misterioso e o desejo de expresso e sentimento individuais. H tambm a

    dificuldade de no existir uma organizao institucional do movimento, nem uma

    publicao que lhe embasasse teoricamente, como houve a Enciclopdia durante o

    Iluminismo e a Bblia na Reforma Protestante. No entanto, pode-se afirmar que havia

    um movimento em torno da apreciao dos valores ocidentais e que o movimento

    tinha Newton como smbolo da sua insatisfao com o mundo mecanicista e

    inorgnico que comeara a ser desenhado com os estudos do matemtico ingls.

    Os romnticos consideravam esse mundo demasiado estreito, por causa da sua devoo,

    segundo julgavam, ao pensamento geomtrico e aliada doutrina do neoclassicismo, ou

    4 H um filme muito interessante com a obra de Boulle como pano de fundo para a histria. Chama-se A Barriga do Arquiteto (The Belly of an Architect, 1987). 5 ARTHUR LOVEJOY apud BAUMER, 1990, p. 24.

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    ainda ao empirismo lockeano. O esprito geomtrico, embora metafisicamente posto de parte,

    tentava sujeitar toda a vida razo, e assim mecaniz-la e humilh-la. O Neoclassicismo,

    desejando, do mesmo modo, procurar modelos ideais da natureza, impunha regras universais

    e rgidas arte e aos artistas. O Empirismo melindrava pela razo oposta, porque era

    demasiado cptico e limitava terrivelmente o conhecimento humano ao mundo das

    aparncias. (BAUMER, 1990, p. 26)

    Ento, ao mundo iluminado das cores de Newton os romnticos ofereciam, em

    contrapartida, o seu mundo noturno, misterioso, mstico. Um mundo que buscava

    elevar o natural ao sobrenatural. Os romnticos pretendiam ver Deus na natureza.

    Houve um reflorescimento do catolicismo e at mesmo os romnticos que

    permaneciam protestantes, como Novalis, avaliavam de forma surpreendente, que

    talvez a Reforma tivesse sido um erro e que tivesse provocado a Era da Razo.

    Na inteno de evitar o afogamento do sobrenatural no natural e, pelo

    contrrio, promover a elevao do natural ao sobrenatural o romantismo provocou

    esta renovao religiosa e a pintura foi profundamente influenciada por estes ideais

    metafsicos e poticos.

    Um pintor que representou muito bem o pensamento romntico em suas telas

    foi o alemo Caspar David Friedrich (1774 1840). Friedrich pode ser considerado o

    maior pintor romntico alemo, que conseguiu demonstrar a reverncia religiosa de

    forma absolutamente sublime, quase etrea, atravs de suas pinturas paisagsticas.

    O quadro Homem e mulher contemplando a Lua mostra um casal observando, em

    uma cena profundamente romntica, o crepsculo, que transmite a ntida sensao

    de diluio ou fuso do mundo fenomenal com o mundo transcendental.

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    Figura 05. Homem e mulher contemplando a Lua, 1818. Caspar David Friedrich

    A respeito deste quadro, Baumer diz que para as duas figuras humanas, a

    natureza est praticamente diluda com o mundo prximo ou funde-se nele

    distncia. (1990, p. 34) exatamente isto que Friedrich buscava ao realizar um

    quadro: demonstrar que Deus est na natureza e que no ser somente a cincia

    capaz de explicar completamente, tanto o homem, quanto o mundo natural que o

    cerca. No entanto, necessrio salientar que no havia entre os romnticos

    necessariamente um pensamento anticientfico. O que eles pretendiam combater era

    a viso simplesmente mecanicista e com isto havia divises entre os artistas e

    intelectuais do movimento em relao aos inventos mecnicos, havendo dvidas

    sobre se serviriam para melhorar ou degradar a experincia humana.

    Alm da viso referente natureza e a Deus interessante notar a viso

    romntica em relao ao homem. O romantismo no compreendia o homem como a

    grande medida conforme o pensamento clssico; porm, o entendia como inserido

    em um contexto de foras csmicas poderosas que podiam envolv-lo at mesmo

    em uma proporo maior que ele prprio.

    A partir disto foram feitos estudos sobre o inconsciente humano, onde se

    destaca o psiclogo von Schubert com a publicao do livro Simbolismo dos Sonhos

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    (1814). O autor, von Schubert, estudou as manifestaes do inconsciente e concluiu

    que elas podem ser de natureza boa ou m. Portanto, o inconsciente pode levar o

    homem por dois caminhos distintos e antagnicos. Os romnticos tinham plena

    conscincia da existncia de uma natureza humana ansiosa e perturbada e de foras

    ocultas do homem que o podiam destroar e ao seu mundo (BAUMER, 1990, p. 41)

    Aparies medonhas, que brotam do fundo do inconsciente foram retratadas

    por Francisco Goya (1746 1828). Na gravura O Sonho da Razo Produz Monstros,

    Goya utiliza-se destes dois conceitos romnticos para compor a obra. Em primeiro

    lugar o mundo inconsciente, desconhecido, atemorizante. Junta-se a ele a Razo

    desenfreada, que tenta explicar o homem e o mundo e por fim pode resultar em algo

    terrvel.

    Figura 06. O sonho da razo produz monstros. Francisco Goya

  • 14

    5.CONCLUSO

    Foi possvel concluir, ao trmino deste trabalho, que a importncia do

    pensamento de uma poca profundamente determinante no tipo de arte que a

    sociedade em questo vai produzir e consumir. O exemplo da secularizao da

    sociedade somado aos aspectos empricos e iluministas em voga no incio do sculo

    XVIII explicam de forma bastante satisfatria o surgimento da arte rococ. Da

    mesma forma, percebemos que seu declnio esteve estreitamente ligado queda da

    monarquia francesa em decorrncia da Revoluo Francesa.

    Foi observado que aps o Rococ surge o Neoclassicismo, como uma outra

    vertente alimentada tambm pelos ideais iluministas, porm, em seu fervor patritico

    percebemos uma ligao direta com os movimentos da sociedade que deflagraram a

    Revoluo Francesa, como se verifica claramente na obra de Jacques-Louis David,

    com seus temas morais tirados da antiguidade romana.

    Por ltimo, pudemos observar que o Romantismo se tratou de uma contra-

    revoluo em relao ao Iluminismo, porm, sem a vontade de um retorno ao

    passado medieval, mas sim, com mpetos de estabelecimento de uma nova

    modernidade, que privilegiasse a natureza e o homem e evitasse a mecanizao da

    sociedade, da vida. O reflexo desta nova forma de pensar percebido nas obras de

    Caspar David Friedrich, de nacionalidade alem, no por acaso o pas onde o

    Movimento Romntico teve sua maior fora.

    Enfim, a relao entre pensamento e arte umbilical, no sendo possvel

    dissociar uma coisa da outra. Toda a arte deve ser encarada de acordo com o

    contexto onde foi produzida. Caso no faamos esta observao, correremos o risco

    de no compreend-la e consequentemente no aproveit-la melhor.

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    REFERNCIAS

    ARGAN, G. C. Clssico e Romntico. Arte moderna. So Paulo: Cia. Das Letras, 1993. BAUMER, F. O mundo romntico. O pensamento europeu moderno. Lisboa: Edies 70, 1990. BAUMER, F. O ser e o devir. O pensamento europeu moderno. Lisboa: Edies 70, 1990. GOMBRICH, E. H. A histria da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2008. KERN, Maria Lcia. Imagem manual: pintura e conhecimento. FABRIS, A.; KERN, M. L. Imagem e conhecimento. So Paulo: Edusp, 2006. PANOFSKY, Erwin. Arquitetura gtica e escolstica. So Paulo: Martins Fontes, 1991. THE WALLACE COLLECTION. Disponvel em: . Acesso em: 16 set. 2011.