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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros VALLE, TGM., and MELCHIORI, LE., orgs. Saúde e desenvolvimento humano [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. 257 p. ISBN 978-85-7983-119-5. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org >. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Adolescentes: maternidade, riscos e proteção Fatores de risco e mecanismos de proteção em adolescentes do sexo feminino com transtorno mental Cristiane Araújo Dameto Carmen Maria Bueno Neme

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Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada.

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Adolescentes: maternidade, riscos e proteção Fatores de risco e mecanismos de proteção em adolescentes do sexo feminino com transtorno mental

Cristiane Araújo Dameto

Carmen Maria Bueno Neme

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9FATORES DE RISCO E

MECANISMOS DE PROTEÇÃO EMADOLESCENTES DO SEXO FEMININO

COM TRANSTORNO MENTAL1

Cristiane Araújo Dameto2

Carmen Maria Bueno Neme3

Introdução

As condições de saúde do ser humano relacionam-se às circuns-tâncias de seu desenvolvimento, desde a gestação até as fases pos-teriores: crescimento pré-natal, condições da mãe e da criança nomomento do parto, alimentação, higiene, estimulação do desenvol-vimento psicomotor e cognitivo e suas relações afetivas e sociais.

A ciência do desenvolvimento busca compreender os padrões denormalidade do desenvolvimento humano, mostrando que quandoas diferenças nas trajetórias são conhecidas, podem revelar o mo-mento no qual as desordens biológicas, psicológicas ou sociais pas-sam a interferir prejudicialmente sobre o desenvolvimento do indi-víduo. O conhecimento dessas trajetórias possibilita a criação deações preventivas no combate à instalação de patologias crônicas(Aspesi et al., 2005).

1 Este trabalho é parte de dissertação de mestrado pela faculdade de Psicologiado Desenvolvimento e da Aprendizagem da Unesp, campus de Bauru.

2 Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem daUnesp, campus de Bauru.

3 Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem daUnesp, campus de Bauru.

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Ao abordar questões polêmicas no desenvolvimento humano, taiscomo o conceito de normal e patológico, Aspesi et al. (idem) discu-tem sobre o conceito de crise ou risco. Segundo os autores, os estu-dos consideram condições de crise ou risco aquelas situações quedesencadeiam eventos que podem prejudicar a saúde do indivíduoem relação ao ajustamento no contexto, comprometendo seu bem-estar e desempenho social.

No enfrentamento de situações geradoras de alto nível de ten-são, de crise ou de rupturas em seus padrões relacionais no curso davida, o indivíduo pode expressar diferentes tipos e níveis de vulne-rabilidades. Se apresentadas nos momentos de crise, tais vulnerabi-lidades aumentam a predisposição do indivíduo para interagir deforma menos adequada, ou disfuncional, em seu contexto. Neme(2005) aponta que a maneira como o indivíduo lida com o estresse,situações de risco ou adversidades relaciona-se positivamente aopotencial de dano desses eventos à saúde de cada um. Nesse sentido,para que as situações de risco não acarretem grande vulnerabilidadeao indivíduo, este deve desenvolver mecanismos de proteção pararesponder adequadamente a essas situações.

O desenvolvimento humano é permeado por diferentes situaçõesque podem configurar-se como de crise ou risco e, segundo Knobel(1981), a adolescência é uma das mais reconhecidas e estudadas cri-ses normativas do desenvolvimento. Knobel (idem) considera a ado-lescência uma síndrome normal do desenvolvimento, destacando oaspecto de contradição ao associar os conceitos de síndrome (entida-de clínica) e de normalidade (fora da patologia). Ao ampliar seu con-ceito, em uma concepção psicodinâmica, assinala que a adolescênciaé vista como etapa aparentemente seminormal e semipatológica pelofato de que as normas de conduta estão sendo, ainda, estabelecidas,manejadas e regidas pelos adultos, e sob o ponto de vista da intercor-relação das gerações é que a adolescência deve ser entendida.

Na adolescência, o amadurecimento físico e os conflitos emocio-nais associados às diferentes tarefas psicossociais levam à necessida-de de reorganização da personalidade em busca de um novo equilí-brio. Nessa fase, o indivíduo vive uma situação de vulnerabilidade e

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crise, e, dependendo das condições familiares e biopsicossociais pre-sentes, bem como da existência ou não de mecanismos de proteção,um transtorno mental pode manifestar-se. A literatura sobre os fa-tores de risco aponta várias experiências consideradas estressantesno desenvolvimento infantil e adolescente. Segundo Teles (2005),entre as mais citadas estão o divórcio dos pais, as perdas de entespróximos, o abuso físico e sexual, a pobreza, além das catástrofesnaturais, das guerras e de outras formas de trauma.

Os fatores de risco relacionam-se a todos os eventos de vida que,quando presentes, aumentam a probabilidade de o indivíduo apre-sentar problemas físicos, sociais ou emocionais. Os riscos psicológi-cos podem mudar de acordo com o momento de vida, assim comosuas consequências, não sendo possível estabelecer uma relação decausa-efeito, pois é preciso identificar os mecanismos interferentes,ligando o fator de risco à consequência, em determinado ponto dahistória individual. O que se destaca na resposta do indivíduo às si-tuações que enfrenta são os níveis de exposição e os limites indivi-duais, ou seja, sua visão subjetiva, sua percepção, sua interpretação eo sentido atribuído ao evento estressor, o que o classifica ou não comocondição de risco. Sendo assim, o que para um pode ser um perigo,para outro pode ser apenas um desafio (Yunes & Skymanski, 2001).

Ao abordar os fatores de risco no desenvolvimento, Gauy & Cos-ta-Júnior (2005) citam pesquisadores como Bronfenbrenner & Ceci(1994); Oliveira (1998); Rutter et al. (1999) e Plomin (2000), indi-cando três grandes grupos de fatores de risco: sociais, denominadosdistais, que se referem a condições contextuais básicas de nutrição,moradia, lazer, escola, bem como a experiências de privação, vio-lência e religiosidade, entre outras; familiares, denominados meio-proximais, referentes a condições de interação familiar, como nívelde autoridade parental, existência de transtornos mentais e/ou pro-blemas físicos entre membros familiares e sistemas de punição/coer-ção física; pessoais, denominados proximais, que se referem às ca-racterísticas do indivíduo, tais como temperamento, personalidade,percepção, habilidades cognitivas e estratégias de manejo frente asituações adversas. Os fatores de risco ambientais podem estar as-

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sociados a diversos contextos da interação indivíduo-ambiente, in-fluenciando o funcionamento humano e os resultados comportamen-tais do desenvolvimento.

Para Sapienza & Pedromônico (2005), outros fatores podem tor-nar o indivíduo vulnerável, como prematuridade, desnutrição, bai-xo peso, lesões cerebrais, atraso no desenvolvimento, desestruturafamiliar, minoria social, desemprego, pobreza e dificuldade de aces-so à saúde e à educação. Crianças com desvantagens socioeconômi-cas cujas mães sejam também jovens, solteiras e pobres ou que te-nham vindo de famílias desorganizadas (riscos psicossociais), ou,ainda, crianças que tenham pais com desordens afetivas, esquizo-frenia, desordens antissociais, hiperatividade, déficit de atenção e iso-lamento (riscos genéticos) são potencialmente vulneráveis aos even-tos estressores e são consideradas crianças com risco de problemasde desenvolvimento.

Segundo Rutter (1981), as pesquisas enfatizam a importância dafamília, tanto na redução como no aumento dos riscos. O processode risco envolve um funcionamento familiar complicado e tende aocorrer em ambientes menos adequados. A interação entre váriosfatores de risco no desenvolvimento da criança e as diferenças indi-viduais pode aumentar a suscetibilidade à situação de risco.

Um estudo brasileiro sobre resiliência em adolescentes, realiza-do por Trombeta & Guzzo (2002), reúne vários conceitos e contri-buições de diferentes autores sobre fatores de risco e mecanismos deproteção, ressaltando as contribuições de Rutter (1987) e de Winfield(1995), que citam a pobreza crônica associada a condições de gesta-ção e parto e a falta de acesso à escola e emprego como importantesfatores de risco. Rutter (1987) também aponta características do tem-peramento individual como fatores de risco, tais como baixa tole-rância à frustração, mau humor, passividade, senso de inferiorida-de, comportamento destrutivo, baixa autoestima, hostilidade, pobrehabilidade de comunicação, depressão, tentativa de suicídio, abusode álcool ou drogas e ego frágil, inseguro e instável.

Segundo Pesce et al. (2004), os mecanismos de proteção são pon-tos chave para o restabelecimento do equilíbrio e para a demonstra-

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ção da presença de competências para o manejo de situações adver-sas ou geradoras de desequilíbrio, uma vez que defendem que háuma relação entre fatores de risco e proteção, considerando o desen-volvimento de crianças e os comportamentos resilientes na idadeadulta. Quanto maior a quantidade de desvantagens e estresse acu-mulados ao longo da vida, maior a necessidade de fatores de prote-ção durante a infância e a juventude. Os adultos resilientes são maisafetuosos, ativos, de boa índole e fáceis de lidar na primeira infância,e, quando adolescentes, têm uma tendência a apresentar melhorautoconceito, maior autocontrole, mais facilidade em interagir comamigos e professores e facilidade de inserir-se em grupos.

Os mecanismos de proteção foram definidos por Rutter (1981)como sendo as influências que modificam, melhoram ou alteramrespostas pessoais a determinados riscos ou desadaptação. A carac-terística essencial desses fatores é a modificação catalítica da respos-ta do indivíduo à situação de risco. Esses fatores podem não apre-sentar efeitos na ausência de um estressor, pois seu papel é o demodificar a resposta do indivíduo em situações adversas, mais doque favorecer o desenvolvimento normal. Esse autor aponta comomecanismos de proteção as diferenças individuais geradas por fato-res constitucionais e pela experiência, as experiências positivas forade casa, a construção da autoestima, a existência de oportunidades,o nível apropriado de controle e a estrutura do meio ambiente, a aqui-sição de habilidades para lidar com diferentes situações e a existên-cia de relações interpessoais positivas.

Os recursos financeiros também são ressaltados por Winfield(1995) como possível mecanismo de proteção, argumentando quesua falta é, muitas vezes, o motivo da saída da escola e da perda deoutras oportunidades sociais. Rutter (1971) e Garmezy (1987) apon-tam como mecanismos de proteção ligados à escola a possibilidadede estabelecer relações estáveis com um adulto, as condições ofere-cidas para favorecer a aquisição de competências cognitivas e sociaispor meio de técnicas efetivas em sala de aula, o planejamento de ati-vidades, oportunidades para que aluno assuma responsabilidades ea manutenção de uma atmosfera pró-social.

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De acordo com Trombeta & Guzzo (2002), a maioria dos pesqui-sadores divide os mecanismos de proteção em três grandes grupos decondições: individuais, familiares e ambientais. As características in-dividuais mais citadas são: autoestima positiva; temperamento fácile maleável ou flexibilidade; controle interno; habilidades pró-sociaise habilidades para lidar com as próprias emoções. Os mecanismos deproteção ligados às condições familiares são, de acordo com Garmezy(1991), a coesão, a estabilidade, a flexibilidade, a adaptabilidade, aconsistência, a independência, a identidade própria, o respeito e ain-da o fato de todos os membros compartilharem dos mesmos objeti-vos, expectativas, valores e crenças. Com relação às característicasdos pais, menciona que pais amorosos e competentes, que fazem elo-gios, são interessados e preocupados, participam da vida escolar dosfilhos, têm expectativa positiva para o futuro dos filhos, possuemautoestima positiva e estão satisfeitos com a vida favorecem o desen-volvimento de mecanismos de proteção. Esses pais tendem a estabe-lecer uma boa comunicação com os filhos e a criar um clima familiarfacilitador.

As condições socioambientais gerais também podem represen-tar importantes mecanismos de proteção, e Trombeta & Guzzo(2002) citam aspectos como comunicação aberta, oferecimento delimites definidos e realistas, tolerância aos conflitos, garantia de pri-vacidade, demonstração de respeito, reconhecimento, aceitação,busca de reconciliação, receptividade a novas ideias e oferecimentode oportunidade de experiências de sucesso, além da possibilidadede conviver com um círculo de amigos bem estabelecidos em que ocontato humano e empático acontecesse com pelo menos um adultosignificativo.

Ampliando o conjunto de aspectos pesquisados sobre o desen-volvimento de mecanismos de proteção, Trombeta & Guzzo (idem)apontam outras características que aparecem frequentemente na li-teratura, tais como expectativa de sucesso no futuro, senso de hu-mor, otimismo, entusiasmo, mente aberta e receptiva a novas ideiase experiências, disciplina pessoal e responsabilidade, reconhecimentoe desenvolvimento dos próprios talentos, identificação com mode-

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los positivos, busca de autonomia, capacidade de comunicar senti-mentos de forma adequada, estabilidade emocional, engajamentoem diferentes atividades e comportamento direcionado a metas.

Considerando que o desenvolvimento humano é um processo deaquisição cumulativa de competências cada vez mais complexas, asquais buscam atender as necessidades do organismo e as exigênciasdo ambiente, tais competências constituem o principal resultado deum processo dinâmico de adaptação. Dada sua importância no de-senvolvimento saudável, o conceito de adaptação foi escolhido porSimon (2005) para avaliar indivíduos e estabelecer diagnósticos eprognósticos, em uma proposta clinica preventiva. Por adaptaçãoSimon (1989) entende um conjunto de respostas de um organismovivo a situações que o modificam, permitindo a manutenção de suaorganização (por mínima que seja) compatível com a vida, de tal for-ma que a adaptação é condição para a sobrevivência. Enquanto hávida, infere-se que há algum modo de adaptação em ação. Para seradequada, a adaptação deve levar a novas respostas para situaçõessempre novas, já que na vida nada se repete.

O conjunto de condições internas e externas utilizado pelo indi-víduo para lidar adaptativamente com situações de estresse ou cri-ses normativas do desenvolvimento diminui sua vulnerabilidade adoenças físicas e mentais e, ao mesmo tempo, incrementa sua capa-cidade adaptativa. Ao discutir o conceito de normalidade, Knobel(1981) menciona que esse conceito está pautado na adaptação aomeio, o que não significa submissão a este, mas mostra a capacidadedo indivíduo em utilizar os recursos existentes para alcançar suassatisfações básicas, em uma interação permanente que busca modi-ficar o desagradável ou inútil e, ao mesmo tempo, encontrar substi-tuições para o indivíduo e a comunidade.

A consulta à literatura indica escassez de estudos epidemiológi-cos sobre transtornos mentais na infância e na adolescência. De acor-do com Kernberg et al. (2003), a pesquisa epidemiológica indica altaprevalência de transtornos de personalidade entre indivíduos na faixaetária de nove a 19 anos, embora não se encontre investigações sobreo desenvolvimento desses transtornos em jovens. Em adultos, os

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transtornos de personalidade têm sido apontados como responsá-veis por profundo e contínuo impacto na vida do indivíduo.

Segundo Kernberg et al. (idem), todos os resultados de pesqui-sas e os achados clínicos enfatizam fatores evolutivos iniciais no de-senvolvimento desses transtornos. Em função de concordâncias ediscordâncias na literatura sobre o desenvolvimento de psicopato-logias em crianças e adolescentes, os autores sugerem a necessidadede estudos sistemáticos em uma perspectiva evolutiva, visando iden-tificar relações entre aspectos de personalidade e diferentes fases dodesenvolvimento.

Considerando a epidemiologia de transtornos psiquiátricos porgênero e por etapa de desenvolvimento, a consulta à literatura indi-cou a escassez de estudos epidemiológicos sobre adolescentes. Pes-quisas com adolescentes e crianças, comentadas por Andrade et al.(2006), demonstram que a maior diferença entre os gêneros na inci-dência da depressão manifesta-se primeiramente entre os 11 e os 14anos, assim mantendo-se no decorrer da vida adulta, sugerindo pa-pel importante dos hormônios sexuais, considerando que outras va-riações hormonais também são associadas ao humor depressivo,como no período pré-menstrual, no puerpério, na menopausa, nouso de contraceptivos orais e em terapias de reposição hormonal. Osautores apontam algumas possíveis causas relacionadas à maior in-cidência da depressão em mulheres, tais como pressões sociais, es-tresse crônico e baixo nível de satisfação associados ao desempenhode papéis tradicionalmente femininos ou devido à forma diferencialentre os gêneros de lidar com problemas e buscar soluções. As mu-lheres também teriam maior facilidade para identificar sintomas,admitir a depressão e buscar ajuda, comparativamente aos homens.

Em um estudo epidemiológico sobre transtornos mentais emmulheres adultas, Andrade et al. (2006) relataram que nessa etapado desenvolvimento emergem grandes diferenças entre os gêneroscom relação aos transtornos mentais. A mulher apresenta vulnera-bilidade marcante a sintomas ansiosos e depressivos, especialmenteassociados ao período reprodutivo. A depressão é, comprovadamen-te, a doença que mais incapacita mulheres (duas mulheres para cada

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homem), tanto em países desenvolvidos como naqueles em desen-volvimento, sendo que o suicídio é a segunda causa de morte mun-dial entre mulheres na faixa etária de 15 a 44 anos de idade.

Fatores de risco associados à depressão incluem história familiar,adversidades na infância, aspectos associados à personalidade, isola-mento social e exposição a experiências estressantes (idem, ibidem).Para os autores, outro quadro comum em mulheres mais jovens é adepressão atípica, caracterizada principalmente por sintomasvegetativos reversos, como hipersonia e hiperfagia. Os transtornosde ansiedade também aparecem nos estudos epidemiológicos comode maior prevalência em mulheres, e os transtornos alimentares, par-ticularmente a anorexia e a bulimia nervosa, são causas importantesde morbidade e mortalidade em adolescentes do sexo feminino e emmulheres jovens. Esses transtornos estão associados a consequên-cias clínicas e psicológicas devastadoras, incluindo retardo no cres-cimento e no desenvolvimento, infertilidade, osteoporose e morte.Tais transtornos são prevalentes em adolescentes e em adultos jo-vens, pertencentes a todos os grupos étnicos, sendo aproximadamen-te dez vezes mais comuns em mulheres do que em homens.

Tendo em vista a necessária utilização dos resultados de pesqui-sas sobre saúde e desenvolvimento no que se refere à possibilidadede prevenir-se doenças ou seu agravamento, considera-se relevanteo conhecimento das condições que podem representar risco ao de-senvolvimento, bem como a identificação das condições que podemproteger o indivíduo de tais riscos.

Dadas as possíveis relações entre fatores de risco e mecanismosde proteção e o adoecimento, a escassez de estudos sobre os trans-tornos mentais no desenvolvimento em adolescentes, bem como aprevalência de alguns tipos de transtornos em mulheres, o presenteestudo visou investigar os possíveis fatores de risco e os mecanismosde proteção na história de vida de adolescentes do sexo feminino comdiagnóstico de transtornos mentais, assim como possíveis mecanis-mos de proteção por elas desenvolvidos.

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Método

Nesta pesquisa qualitativa, optou-se pelo estudo de caso, consi-derando-se a inexistência de instrumentos destinados a esse tipo deinvestigação. Foram incluídos dados considerados relevantes, taiscomo os de identificação da família e demográficos, referentes aostranstornos mentais e aos tipos de tratamentos atuais realizados, con-figurando-se um conjunto de informações destinadas a revelar o maiscompletamente possível a condição total das participantes. Segun-do Martins & Bicudo (1989), a pesquisa qualitativa não se preocupacom generalizações, princípios e leis. A generalização é secundária eo foco da atenção é centralizado no específico, no peculiar, no indi-vidual, almejando sempre a compreensão e não a explicação dos fe-nômenos estudados.

A pesquisa foi realizada na cidade de Bauru, região centro-oes-te do estado de São Paulo, Brasil. Foram entrevistadas 16 adoles-centes do sexo feminino, na faixa etária de 14 a 18 anos, solteiras,com algum tipo de transtorno mental, realizando tratamento emum ambulatório público de saúde mental. O número de adolescen-tes entrevistadas que correspondiam aos critérios da pesquisa re-presentou 80% do total de adolescentes em atendimento no Centrode Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi) da Secretaria de Saúde doMunicípio de Bauru, no período de setembro a outubro de 2006.

Considerou-se a faixa etária de 14 a 18 anos, de acordo com a orga-nização de atendimentos por faixa etária do CAPSi. O critério de es-tado civil “solteira” foi estabelecido por avaliar-se que as experiênciasatuais de adolescentes casadas poderiam ser bastante diferentes dasexperiências das adolescentes solteiras com relação ao tema pesquisa-do. Foram selecionados prontuários de adolescentes solteiras, na faixaetária pretendida, com quaisquer tipos de diagnóstico de transtornomental, em tratamento no CAPSi. Vinte pacientes preenchiam os re-quisitos exigidos e já estavam agendadas para consultas na institui-ção, sendo que 16 concordaram voluntariamente em participar. Asadolescentes e seus pais assinaram Termo de Consentimento Esclare-cido, conforme normas éticas em pesquisas com seres humanos.

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As entrevistas foram realizadas individualmente, com duraçãomédia de uma hora, nas dependências do ambulatório, de acordocom roteiro de entrevista elaborado para o estudo, e as respostasforam anotadas pelas entrevistadoras na presença das entrevista-das. Três auxiliares de pesquisa treinadas4 participaram da coletade dados.

Instrumentos de coleta de dados

a) Ficha de dados do prontuário: n° de identificação, ano e mês denascimento, filhos, escolaridade, profissão e ocupação atual. Dadosreferentes aos pais: pai (nome), idade, escolaridade, profissão eocupação atual; mãe (nome), idade, escolaridade, profissão e ocupa-ção atual. Dados do tratamento: início, tipo de tratamento atual, iní-cio do tratamento na instituição, medicamentos atuais. Breve histó-rico da doença: início (quando/como/sintomas), tratamentos járealizados (onde, quando, resultados).

b) Roteiro de entrevista clínica sobre os temas: evolução do trata-mento; constituição, funcionamento e relações familiares; condiçõesfamiliares no período de gestação e nascimento da paciente (o quesabe ou lembra); condições da mãe no puerpério (o que sabe ou lem-bra); o que sabe ou lembra sobre seus primeiros dois anos de vida; oque lembra ou sabe de sua infância dos dois aos sete anos de vida;processo de escolarização; eventos mais significativos, negativos epositivos (individuais, escolares e familiares) dos sete anos à idadeatual; autodescrição (como se avalia quanto a: humor, otimismo/pessimismo, flexibilidade/receptividade a mudanças ou ao novo,modo de enfrentar as dificuldades, interesse por atividades varia-das, capacidade de reconhecer seus próprios sentimentos – raiva,medo, tristeza, afeto positivo – e comunicá-los aos outros, capacida-de de estabelecer metas e cumpri-las, autoestima, autoconceito).

4 Agradecimentos especiais às auxiliares de pesquisa Fabiana Neme NogueiraRamos, Monica Garroti Cury e Raquel Tenório dos Santos.

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Os dados anotados, obtidos nas entrevistas, foram lidos, catego-rizados e analisados de acordo com os conceitos de risco e de meca-nismos de proteção estabelecidos por Rutter (1971, 1979, 1981, 1987,1999), conforme os objetivos propostos. Foram quantificados osdados demográficos referentes às adolescentes, às suas famílias e aoseu históricos de vida, além dos dados relacionados aos transtornosmentais diagnosticados por profissionais do CAPSi e aos tratamen-tos atuais em realização pelas participantes.

Resultados e discussão

Dados demográficos:Quanto aos dados demográficos, encontrou-se: das 16 entrevis-

tadas, três (18,75%) encontravam-se na faixa etária entre 14 e 15 anos(casos 6, 9, 16); dez (62,5%), entre 15 anos e sete meses e 17 anos eseis meses (casos 2, 3, 4, 5, 7, 11, 12, 13, 14, 15); e três (18,75%) nafaixa etária entre 17 anos e sete meses e 18 anos (casos 1, 8, 10). Umadas adolescentes tinha o Ensino Fundamental completo (caso 6), euma, o Ensino Fundamental incompleto (caso 9); 11 (68,75%) ti-nham o Ensino Médio incompleto (casos 2, 3, 4, 5, 7, 11, 12, 13, 14,15, 16) e três (18,75%) tinham o Ensino Médio completo (casos 1, 8,10). Apenas três adolescentes (18,75%) trabalhavam e estudavam(casos 6, 7, 8), e 13 (81,25%) não trabalhavam, apenas estudavam(casos 1, 2, 3, 4, 5, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16).

A faixa etária dos genitores masculinos variou de 37 a 69 anos.Um dos genitores era falecido e cerca de 50% deles tinham de 37 a47 anos. Sobre a escolaridade desses genitores, quatro adolescentes(25%) não souberam informar (casos 3, 5, 8, 11), e entre os 12 res-tantes, a escolaridade variou de Ensino Superior (caso 7) a nenhumaescolaridade (caso 14). Um dos pais era aposentado e 50% deles ti-nham ocupação de nível técnico.

A idade das mães variou de trinta a 56 anos, com cerca de meta-de das mães na faixa etária de trinta a quarenta anos. A escolaridadedas genitoras variou do Ensino Fundamental incompleto a Ensino

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Médio completo. Cerca de 50% das mães tinham o Ensino Médiocompleto e dez (62,5%) eram “do lar”.

Quanto aos diagnósticos, diferentes tipos de transtornos mentaisforam encontrados, tais como esquizofrenia paranoide (casos 1 e 10),transtornos depressivos leves (casos 7, 8, 12, 13 e 15) e moderados(casos 3, 9 e 11), transtornos de ansiedade, como fobia social (caso14), fóbico-ansiosos (caso 16) e transtorno obsessivo compulsivo(caso 5), transtornos alimentares, como a bulimia (caso 4) e anorexianervosa (caso 2), e transtorno do estresse pós-traumático (caso 6).

Segundo estudos epidemiológicos sobre os transtornos mentaisem mulheres realizado por Andrade et al. (2006), os transtornos deansiedade e depressivos apresentam maiores taxas de prevalência emmulheres. No presente estudo, os sintomas depressivos e ansiososatingiram mais de 50% das adolescentes. Alguns fatores de risco nahistória do indivíduo foram associados por Andrade et al. (idem) aodesenvolvimento da depressão. Tais fatores foram constatados nosrelatos das adolescentes participantes como adversidades na infân-cia, aspectos de personalidade, isolamento social e exposição a expe-riências estressantes. Neste estudo não houve a preocupação em rea-lizar uma investigação diagnóstica nem em comparar os relatos daspacientes quanto aos motivos pelos quais buscaram esse tratamentocom os diagnósticos formulados na instituição. Os diagnósticos nãoforam utilizados como critério para a seleção das participantes.

Com relação ao tratamento, entre as 16 entrevistadas, 12 (62,5%)iniciaram o tratamento no CPASi e as demais (25%) já haviam feitooutros tratamentos médico-psicológicos, indicando que a maior partedas adolescentes buscou tratamento no CAPSi desde a primeira cri-se. As adolescentes estavam inseridas em diferentes tipos de trata-mento, sendo que seis faziam apenas psicoterapia de grupo e as de-mais faziam psicoterapia de grupo associada ao tratamentomedicamentoso e a oficinas terapêuticas.

Os fatores de risco e os mecanismos de proteção apresentados noQuadro 1 foram identificados por meio do relato da história de vidadas participantes.

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Casos

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Quadro 1 – Fatores de risco e os mecanismos de proteção identi-ficados.

Fatores de risco

Doença mental da mãe; pri-vação materna; adversida-des; ego frágil, inseguro einstável.

Privação materna parcial;vitimização por bullying naidade escolar.

Privação paterna; perda deirmão jovem; baixa tolerân-cia a frustrações; ideaçãosuicida; sentimento de nãoser amada; agressividade etristeza.

Bulimia; “autoritarismo”do pai e baixa autoestima.

Conflitos familiares; pri-vação paterna; repetidashospitalizações; anemia;humor deprimido; dificul-dade em cumprir metas;condições f inanceiras eambientais desfavoráveis.

Mecanismos de proteção

Relações interpessoais posi-tivas; bom aproveitamentodos recursos escolares.

Relação familiar positiva;otimismo; busca de autono-mia; autoestima; receptivi-dade a mudanças; capacida-de de cumprir metas.

Estabilidade familiar; rela-ções interpessoais positivas;aproveitamento escolar; oti-mismo; receptividade amudanças; capacidade dereconhecer e comunicarsentimentos.

Relações interpessoais posi-tivas; sociabilização; recur-sos escolares; otimismo; ca-pacidade para estabelecer ecumprir metas.

Bom aproveitamento dos re-cursos escolares; boa autoes-tima; otimismo e capacidadepara comunicar e reconhecersentimentos.

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Fatores de risco

Separação dos pais; doençae morte do pai; timidez; di-ficuldades em relações so-ciais e em comunicar senti-mentos e desânimo.

Separação dos pais; confli-tos com a mãe; agressão so-frida por uma professora;aspectos pessoais como“mau humor, inflexibilida-de e depressão”.

Problemas emocionais ma-ternos (gestação e puerpé-rio); ausência do pai; con-flitos com a mãe; humoroscilante; dificuldade comsentimentos; hiperativida-de e pouca flexibilidade.

Alcoolismo do pai; crisedepressiva e dificuldade emadaptar-se a mudanças.

Depressão; ausência pater-na; desadaptação a mudan-ças; temperamento explosi-vo; desinteresse pelaprópria história de vida.

Mecanismos de proteção

Aproveitamento dos recur-sos escolares; bom humor;relacionamento positivo dospais, apesar da separação.

Apoio familiar; habilidadessociais e cognitivas; capaci-dade de pedir ajuda; autoes-tima; capacidade de comuni-car sentimentos e estabelecere cumprir metas.

Relações interpessoais; diá-logo familiar; recursos esco-lares; capacidade de estabe-lecer e cumprir metas; bomhumor e receptividade a mu-danças.

Estabilidade e bom relacio-namento familiar; recursosescolares; autoestima; habi-lidades sociocognitivas; ex-pressão de sentimentos.

Apoio familiar; capacidadede pedir ajuda; participa dediferentes atividades; habili-dades cognitivas e para cum-prir metas.

Casos

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Continuação

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Fatores de risco

Alcoolismo e agressividadedo pai; conflitos com a mãe;mau humor; dificuldade decumprir metas.

Crises convulsivas na in-fância; conflitos familiares;descontrole emocional;perfeccionismo; apego exa-gerado à mãe.

Privação materna; irritabi-lidade; dificuldade em fa-zer amigos e em lidar comsituações novas.

Hospitalizações no primei-ro ano de vida; conflitos fa-miliares; bullying; dificul-dades financeiras e paraenfrentar situações novas.

Derrame sofrido pela mãehá dois anos; medo de per-der os pais e ficar sozinha;dificuldade para fazer ami-gos; humor deprimido e in-sônia.

Falta de diálogo com a mãe;pais autoritários; dificuldadepara fazer amigos e timidez.

Mecanismos de proteção

Recursos escolares, sociais ecognitivos; participação emdiferentes atividades; ex-pressão de sentimentos;autoestima.

Estabilidade e apoio fami-liar; recursos escolares; bomhumor; otimismo; capacida-de de cumprir metas; habili-dades sociais e cognitivas;autoestima.

Boa relação dos pais; apoiofamiliar; recursos escolares;habilidades cognitivas; boasrelações interpessoais; flexi-bilidade.

Estabilidade familiar; rela-ções interpessoais; recursosescolares; flexibilidade; ca-pacidade de comunicar sen-timentos.

Estabilidade e diálogo fami-liar; receptividade a mudan-ças; capacidade de estabele-cer e cumprir metas,comunicar sentimentos e pe-dir ajuda.

Apoio familiar; relações in-terpessoais e habilidades so-ciais; busca de autonomia.

Casos

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Continuação

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Em cinco casos (1, 2, 5, 8 e 14) a privação materna total ou par-cial no primeiro ano de vida foi importante fator de risco encontra-do. Para Winnicott (2001), tal privação é reconhecida como um dosprincipais fatores para o surgimento de graves comprometimentosna saúde mental, visto que a frustração desmedida da criança aindamuito pequena pode limitar o desenvolvimento de sua espontanei-dade. Winnicott (idem) ressalta que a presença da mãe é precondi-ção para o desenvolvimento do autocontrole, da moralidade e da ca-pacidade de preocupar-se com o outro.

O papel da escola destacou-se como fundamental na formaçãode mecanismos de proteção. A maioria das adolescentes (87,5%) re-latou que as relações de amizades com colegas e professores, festase outros relacionamentos sociais em geral foram os principais fato-res ou situações positivas que vivenciaram, assim como o aprendi-zado e o conhecimento. Esse resultado confirma os dados encon-trados na literatura. Rutter (1979) e Garmezy (1987) destacam aescola e as atribuições ligadas a ela como facilitadores no desenvol-vimento de mecanismos de proteção.

A resposta positiva ao tratamento no CAPSi também foi apon-tado como importante para a superação de crises e situações adver-sas, consistindo em mecanismo de proteção para a prevenção de agra-vamentos e/ou emergência de outros transtornos mentais.

Entre as características autoatribuídas relatadas pelas adolescen-tes, destacaram-se importantes fatores de risco, além de mecanis-mos pessoais de proteção. Considerando o apontado por Rutter(1987) e Winfield (1995), foram identificadas características pes-soais, apontadas pelas entrevistadas, indicativas de fatores de riscos,tais como baixa tolerância à frustração, mau humor, passividade,comportamento destrutivo, baixa autoestima, ego frágil, inseguro einstável, cinismo e hostilidade, pobre habilidade de comunicação,depressão, tentativa de suicídio e abuso de álcool e drogas. Caracte-rísticas relatadas pelas adolescentes e consideradas mecanismos deproteção pessoal, segundo Trombeta & Guzzo (2002), também fo-ram encontradas: autoestima positiva, flexibilidade, otimismo, men-te aberta e receptiva a mudanças e a novas experiências, disciplina

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pessoal e responsabilidade, busca de autonomia, engajamento emdiferentes atividades e comportamento direcionado a metas.

Os relatos de mais de 80% das adolescentes sugerem famílias es-truturadas e atentas às necessidades de saúde, de socialização e edu-cacionais dos filhos, com predomínio de relações mais positivas doque negativas e tendo o diálogo como principal ação educativa. Noque se refere à escola, a maioria das adolescentes não apontou difi-culdades relevantes, não teve reprovação escolar e pôde dedicar-seapenas aos estudos, sem necessidade de trabalhar. Estes resultadossão sugestivos de condições favorecedoras ao desenvolvimento demecanismos de proteção, de acordo com a literatura pesquisada(Rutter, 1987).

Considerações finais

Foram realizados 16 estudos de caso, representando 80% do to-tal de adolescentes em tratamento no CAPSi na época da coleta dedados para o estudo. Os dados demográficos referentes à amostrarevelaram condições familiares, econômicas, de escolaridade e rela-ções sociais indicativas de estruturas relativamente mais favoráveise estáveis do que desfavoráveis ou instáveis: acesso e frequência àescola e emprego; um dos genitores ou ambos empregados, verifi-cando-se que as adolescentes vivem com a família nuclear, têm boascondições gerais de saúde física, entre outros fatores positivos.

Foi possível identificar os fatores de risco e os mecanismos deproteção na história de desenvolvimento relatada pelas adolescentesentrevistadas, considerados nas categorias familiar, social e pessoal,os quais são similares aos encontrados na literatura.

Quantitativamente, os fatores de risco superaram os mecanis-mos de proteção encontrados nas histórias de vida relatadas. Porém,o conjunto de condições familiares, econômicas e socioemocionaisdo contexto das entrevistadas e o destacado papel da escola possi-velmente atuaram na proteção das adolescentes frente aos fatores derisco identificados em seu desenvolvimento.

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Embora as adolescentes estivessem em tratamento médico e psi-cológico em uma instituição de saúde metal, com diagnósticos dediferentes tipos de transtornos mentais, na maior parte dos casos,identificou-se uma condição atual mais favorável do que seria espe-rado em função de seus diagnósticos. Esses resultados também ex-pressam o desenvolvimento de alguns aspectos psicológicos pessoaispositivos, possivelmente decorrentes de ganhos biopsicossociais ge-rais e específicos decorrentes da atenção e de tratamentos em reali-zação na instituição.

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