A evolução dos paradigmas na educação - do pensamento científico tradicional à complexidade

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    A EVOLUO DOS PARADIGMAS NAEDUCAO: DO PENSAMENTOCIENTFICO TRADICIONAL ACOMPLEXIDADE

    The Evolution of the Paradigms in theEducation: Of the Traditional Scientific Thought

    To the ComplexityMarilda Aparecida Behrens1

    Anadir Luiza Thom Oliari2

    Resumo

    O artigo trata da investigao sobre os paradigmas da cincia que caracterizamo conhecimento e, por conseqncia, a prtica docente e profissional.Apresenta a evoluo do pensamento cientfico ao longo da histria dahumanidade, em especial no que se refere aos paradigmas da cincia e de suainfluncia na Educao. Contempla a reflexo sobre as mudanasparadigmticas na evoluo da cincia do pensamento cartesiano aopensamento complexo. A partir desta evoluo histrica, prope acaracterizao dos pressupostos do paradigma tradicional e da complexidadee suas implicaes no contexto da educao.Palavras-chave: Evoluo do pensamento cientfico; Paradigma tradicional;Paradigma da complexidade; Educao.

    1 Mestre e doutora em Educao- PUCSP. Diretora e professora do Programa de Ps-graduaoem Educao da PUCPR. e-mail: [email protected]

    2 Mestre em Educao PUCPR. Psicloga e psicoterapeuta de famlia, casal e individual.Professora e supervisora no ISBL/Londrina. e-mail: [email protected]

    Dilogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66, set./dez. 2007

    A evoluo dos paradigmas na educao: do pensamento cientfico tradicional complexidade

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    Abstract

    The article is about the investigation on the science paradigms that characterizethe knowledge and, consequently, the academic and professional practice. Itpresents the evolution of the scientific thought along the history of humanity,specially, in what refers to the science paradigms and its influence oneducation. It contemplates the reflection about the paradigmatic changes onthe evolution of the science from the Cartesian thought to the complexthought. Since this historical evolution it proposes the characterization of thepresupposed matters of the traditional paradigm and the complexity and itsimplications on the context of education.Keywords: Evolution of the scientific thought; Traditional paradigm; Paradigmof complexity; Education.

    Introduo

    A sociedade na qual se vive fruto de um longo processo histricoinfluenciado pelas mudanas paradigmticas da cincia. Para melhorcontextualizar o tema, optou-se por conceituar o que vem a ser paradigma, bemcomo apresentar as diferentes abordagens paradigmticas da cincia juntamentecom os pressupostos e os fatores que contriburam para o seu surgimento.

    A busca pelo significado de paradigma permite apontar a trajetriado desenvolvimento das cincias e do pensamento cientfico. E, neste processo,assinalar as mudanas paradigmticas que ocorreram nas diferentes eras dahistria da humanidade. Apresentam-se, tambm, os pressupostosepistemolgicos que caracterizaram o paradigma tradicional e da complexidade,com algumas de suas implicaes no contexto educacional.

    A evoluo do pensamento cientfico

    A evoluo histrica mostra que os paradigmas cientficos vo semodificando constantemente no universo. Segundo Assmann (1998), no hparadigma permanente, pois eles so historicamente mutveis, relativos enaturalmente seletivos. A evoluo da humanidade continua e dinmica,assim modificam-se os valores, as crenas, os conceitos e as idias acerca darealidade. Essas mudanas paradigmticas esto diretamente relacionadas aoolhar e vivncia do observador. Os paradigmas so necessrios, pois fornecemum referencial que possibilita a organizao da sociedade, em especial dacomunidade cientfica quando prope continuamente novos modelos paraentender a realidade. Por outro lado, pode limitar nossa viso de mundo,

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    quando os homens e mulheres resistem ao processo de mudana e insistemem se manter no paradigma conservador. A aceitao ou resistncia a umparadigma reflete diretamente na abordagem terica e prtica da atuao dosprofissionais em todas s reas de conhecimento.

    A palavra paradigma tem sua origem do grego pardeima que significamodelo ou padro (VASCONCELLOS, 2002). O ser humano constri seusparadigmas e olha o mundo por meio deles, pois eles funcionam como osculos com que se efetua a leitura da realidade. Essa leitura paradigmticapossibilita o discernimento entre o certo e o errado ou do que aceito ouno pela comunidade cientfica e pela populao em geral.

    O termo paradigma aparece com distino na dcada de setenta, pormeio da obra de Thomas Kuhn, intitulada A estruturas das revolues cientfica,na qual prope: Considero paradigmas as realizaes cientficasuniversalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemase solues modelares para uma comunidade de praticantes de uma cincia(KUHN, 2001, p. 13). Em outro momento, refere-se ao conjunto de crenas evalores subjacentes prtica cientfica. Segundo o autor, quando os fenmenosno se encaixam dentro deste padro ou modelo, ocorrem as anomalias,gerando crise na cincia, condies para as revolues cientficas. Decorrentesdo sinal de maturidade cientfica surgem as novas descobertas que podemgerar o surgimento de um novo paradigma (KUHN, 2001).

    Essa mesma idia foi reforada por Cardoso (1995), quando afirmaque a crise paradigmtica provoca mal-estar na comunidade cientfica, mas,por outro lado, faz emergir para alguns cientistas a conscincia do momentooportuno para uma profunda renovao de suas concepes. A mudana deparadigma um processo difcil, lento e a adeso ao novo modelo no podeser forada, pois implica na mudana e at na ruptura de idias, conceitos eantigos valores. Segundo Morin (2000, p. 25), o processo de mudana provocao colapso de toda uma estrutura de idias, pois O paradigma efetua a seleoe a determinao da conceptualizao e das operaes lgicas. Designa ascategorias fundamentais da inteligibilidade e opera o controle de seu empregoe, acrescenta Assim, os indivduos conhecem, pensam e agem segundoparadigmas inscritos culturalmente neles.

    Caminhada histrica dos paradigmas da cincia e seus reflexos no

    conhecimento

    As mudanas de paradigmas ocorrem de tempos em tempos eacompanham a linha histrica da humanidade. Para melhor compreender estas

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    mudanas, optou-se por apresentar as diferentes vises histricas doconhecimento e sua influncia na cincia e na educao.

    Na Pr-histria, todos os fenmenos da natureza eram atribudos aosdeuses, logo, a verdade era sobrenatural, revelada por inspirao divina. Oacesso verdade era desencadeado por meio de ritos ordenados por algunspoucos iniciados. A populao e eles mesmos acreditavam que tinham o poderde contato com os deuses. Este perodo caracteriza-se pelos mitos, o queacaba se refletindo na proposio do conhecimento. Segundo Vasconcellos(2002), o mito ou mythos uma forma de conhecimento inspirada pelosdeuses, sem preocupao de coloc-lo prova. nesta era que a humanidadeconstri seu primeiro paradigma da cincia, no qual acredita ser capaz deexplicar e organizar a natureza, a vida social e o mundo psquico, tendo comobases paradigmticas existncia de dois mundos: o mundo real e outrosobrenatural (CARDOSO, 1995).

    Nos sculos VIII a VI a.C., na Grcia Antiga, aparece a Era da Teoriado Conhecimento Clssico. Nesta concepo, a natureza tem uma ordem, umacausa e um efeito e tudo se explica como parte da natureza, pois a verdadeest nela contida. Neste sentido, a busca de verdade se d pela razo. Adescoberta da razo, do logos, decorre do reconhecimento pelos gregos deque a razo, a alma racional, pode ser usada como instrumento de conhecimentodo mundo, das coisas, da natureza (CAPRA, 1996; MORIN, 1997; 2002;VASCONCELLOS, 2002).

    Neste perodo, o conhecimento cientfico caracteriza-se pelaabordagem racional, discursiva e demonstrativa. O objeto focalizado a partirda viso de racionalidade. Institui-se com isso uma forma de conhecer o mundo,uma forma aceita como correta e aceitvel e que s pode ser valida se puderser comprovada. As conseqncias da adoo desta racionalidade focalizam-se no sacrifcio do sujeito, na excluso do subjetivo, na submisso razo, noexpurgo do sensvel e na negao do mundo sensvel e das percepes. Nestesentido, busca entender a natureza apenas em sua essncia, sem olhar ascircunstncias e o contexto.

    Na Idade Mdia, do Sculo I ao sculo XIII, surge a Teoria doConhecimento, na qual a verdade est posta: h um criador que Deus, oSumo Bem. O homem entendido como criatura de Deus. Ele se define narelao com o absoluto. A verdade se acessa pela f, em especial, na crena apartir das Escrituras Sagradas. A verdade da razo era a verdade da f. A igrejatinha o monoplio da cultura. Nesse sentido, cabe a contribuio de Lara(1991, p. 25), que acrescenta: Reconheciam os medievais que a razo humanapode descobrir muita coisa, pois pode pesquisar, raciocinar, inventar. Masexistem verdades supremas que a razo no chega a conhecer, pensavam eles.Essas Deus revelou. Esto na Bblia, e acrescenta: A Igreja conhece essas

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    verdades, as prega, as conserva [...] pois a cultura da Idade Mdia era teocntica,isto , tinha Deus no centro, como valor supremo.

    Logo, o conhecimento visto como graa e iluminao divina. Aracionalidade do pensamento aceita, mas acima dele est a f.Conseqentemente, a igreja domina e tem o monoplio da cultura. Nesteperodo, ocorreram poucas inovaes cientficas, pois os cientistas sofriammuita represso por parte da igreja. A religio era o valor fundamental ondeDeus cristo o centro, nascendo o Teocentismo (LARA, 1991; MORAES, 1997).

    Do sculo XIII ao XV, surge o Renascimento, perodo que se caracterizapela recusa em aceitar a focalizao no mito (Pr-histria), na razo (GrciaAntiga) e na f (Idade Mdia) como fontes de conhecimento. O homem precisavaser liberto e pegar nas suas prprias mos o processo do conhecimento. Aviso Teocntrica tende a ser superada pela viso Antropocntrica. Assim, anova cultura focaliza-se no homem, que se acredita o senhor do cosmo e danatureza. No perodo do antropocentrismo, o homem visto como criador, antea natureza, e celebra sua liberdade com uma viso de individualidade.

    Neste perodo, surgem Coprnico e Galileu, dois grandes cientistasque passam a ser muito relevantes na evoluo da cincia. Segundo Capra(1982), com Nicolau Coprnico (1473-1543), comeou a revoluo cientfica,em que a cincia enfrenta a Igreja e um dogma de mais de mil anos. Sua maiorcontribuio assenta-se na premissa de que o homem e a Terra no eram ocentro do Universo e que a Terra era quem girava em volta do Sol. Estadescoberta retira o homem de sua posio orgulhosa de centro absoluto dacriao de Deus.

    A contribuio de Galileu (1564-1642) confirma a teoria de Coprnicoe apresenta dois aspectos que insistem em perdurar at este sculo, ou seja, aabordagem emprica da cincia e o uso de uma descrio matemtica danatureza. Para tanto, a cincia deveria se restringir aos estudos de propriedadesque poderiam ser medidas e quantificadas. Os aspectos como o som, a cor, osabor, o cheiro deveriam ser considerados como mera projeo mental ouqualidades secundrias e estariam, portanto, fora da esfera cientfica. A intenode controlar a natureza retomada mais tarde por Isaac Newton (CAPRA,1982; MORAES, 1997).

    Com a Idade Moderna, em especial com a proposta de Descartes,nasce o perodo em que o conhecimento passa a ser aceito a partir da certezaabsoluta e inquestionvel. Assim, na Idade Moderna, o fundamento ltimo doconhecimento garantido pela certeza e pela objetividade. Na viso deVasconcellos (2002), ocorre uma revoluo na histria do pensamento cientfico,pois se cria um novo padro de racionalidade centrado na matemtica, naqual a natureza objetivada e reduzida a partes mensurreis e observveis. Asleis que governam este perodo so as da linguagem dos nmeros e da medio.

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    No sculo XVII, Bacon argumenta que a fonte do conhecimento estnos fatos, estes convalidam a razo e devem ser cuidadosamente observadose minuciosamente descritos. O bem-estar do homem depende do controleobtido por ele sobre a natureza e para conhec-la precisa entrar em contatocom ela no acontecer dos fatos por meio de um mtodo o mtodo indutivo(ANDERY et al., 1999).

    No mesmo sentido, Descartes, considerado Pai do RacionalismoModerno, afirma que nem a f, nem a tradio, nem mesmo o conhecimentosensvel, aquele que os sentimentos nos fornecem, so dignos de crditoabsoluto. Resta, por isso, s a razo (LARA, 1991, p. 36). O paradigma cartesianoprega a crena na legitimidade dos fatos que so perfeitamente conhecidos esobre os quais no se tm dvidas, devendo-se para isso dividir e estudar amenor parte, partindo destas para o entendimento do todo. Prope com issoo mtodo analtico por meio da induo e deduo embasado na lgica e namatemtica.

    O ponto central do pensamento tradicional cartesiano a concepode que os fenmenos podem ser analisados e compreendidos se foremreduzidos s partes que os constituem. Ao conhecer uma parte de um sistema,o pesquisador chegar ao conhecimento de seu funcionamento. Assim, separa-se o corpo da mente, privilegiando sempre a mente como sendo superior aosaspectos do corpo. O universo material e os seres vivos so reduzidos a visode uma mquina com funcionamento e engrenagens perfeitas, sendo governadopor leis matemticas exatas (CAPRA, 1996).

    Neste contexto, o perodo newtoniano-cartesiano tem comopressuposto bsico a fragmentao e a viso dualista do universo. Com esteparadigma, aparecem as mltiplas fragmentaes: a viso de mundo materiale o espiritual; do corpo e da mente; da filosofia e da cincia; do objetivo esubjetivo; da cincia e da f, entre outras. Na Cincia Moderna, a concepolinear e mecanicista do universo, propostas por Ren Descartes e Isaac Newton,passa a se edificar na lgica racionalista que nega o sagrado e a subjetividade(VASCONCELLOS, 2002).

    Nesse modelo de cincia, o homem o senhor do mundo, pois se do direito de transformar, explorar, servir-se e escravizar a natureza (CAPRA,1996). Esta idia reforada e complementada por Moraes (1997), quandoargumenta que a descrio reducionista representou certo perigo a partir domomento em que o mtodo analtico foi interpretado como a explicao maiscompleta e a nica abordagem vlida do conhecimento, especialmente aovalorizar os aspectos externos das experincias e ignorar as vivncias internasdo indivduo.

    Na segunda fase da Modernidade, final do sculo XVIII at o inciodo sculo XIX, por meio de testes quantificadores matemticos, busca-se a

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    compreenso da pessoa e de sua personalidade e inteligncia. Neste perodo,a Psicologia torna-se cincia, separando-se da Filosofia, e assim emergem vriasteorias psicolgicas, dentre elas, destaca-se a Teoria Comportamental. Todascom a tentativa de explicao do comportamento humano no enquadro dasimplificao de causa e efeito.

    A Sociologia, a partir da proposta de Augusto Comte, tenta explicar ocomportamento social por meio da corrente positivista do universo, na qual oconhecimento est fundamentado no objeto e no no sujeito. As afirmaesaceitas pela lgica positivista devem ser objetivas, impessoais e neutras. Osresultados da pesquisa restringem-se aos dados fornecidos pela experincia epelas observaes confiveis e fidedignas. A racionalidade no meio cientficopositivo envolve afirmaes que devem ser impessoais, pois desmerecemqualquer posicionamento pessoal e de juzos de valor.

    luz da proposta de Vasconcellos (2002), o paradigma tradicional,conservador e reducionista focaliza as crenas que podem ser subdividas emtrs mbitos: da simplicidade, da estabilidade e da objetividade. A crena nasimplicidade prope a separao da menor parte para ser analisada e classificadaa fim de se entender o todo complexo e buscar a relao causa e efeito. Tm-se, assim, relaes causais e lineares. A crena na estabilidade prope que omundo invarivel, determinado e reversvel. Assim, se pode conhecer, prevere controlar os fenmenos. Busca-se explicao por meio de experimentaoe/ou verificao emprica com resultados quantificveis.

    A crena na objetividade busca atingir a verso nica do conhecimento(uni-verso) e prope o conhecimento objetivo do fenmeno tal com ele seapresenta na realidade. Restringe a produo do conhecimento a partir dacomprovao, gerando conceitos aceitos como verdadeiros e absolutos. Paratanto, o cientista deve observar os fenmenos de maneira isenta, com umaviso abrangente e objetiva, no se envolvendo com sua subjetividade ou comsuas prprias opinies.

    A influncia do paradigma tradicional na educao

    O paradigma tradicional ou newtoniano-cartesiano levou afragmentao do conhecimento e a supervalorizao da viso racional. Nessesentido, props a primazia da razo sobre a emoo, especialmente, paraatender a coerncia lgica nas teorias e a eliminao da impreciso, daambigidade e da contradio dos discursos cientficos.

    A fragmentao atingiu as Cincias e, por conseqncia, a Educao,dividindo o conhecimento em reas, cursos e disciplinas. As instituies, emespecial as educacionais, passaram a ser organizadas em departamentos

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    estanques, no qual emergem os especialistas, considerados pela sociedadecomo os detentores do saber. Neste processo reducionista, criam-se asespecialidades em uma nica rea do conhecimento.

    A viso tradicional newtoniana-cartesiana da cincia atingiu aeducao, a escola e a prtica pedaggica do professor. Assim, segundo Behrens(2005), o aluno passou a ser mero espectador, exigindo dele a cpia, amemorizao e a reproduo dos contedos. No paradigma conservador, aexperincia do aluno no conta e dificilmente so proporcionadas atividadesque envolvam a criao. A prtica pedaggica tradicional leva o aluno acaracterizar-se como um ser subserviente, obediente e destitudo de qualquerforma de expresso. O aluno reduzido ao espao de sua carteira, silenciandosua fala, impedido de expressar suas idias. A ao docente concentra-se emcriar mecanismos que levem a reproduzir o conhecimento historicamenteacumulado e repassado como verdade absoluta.

    Nos currculos lineares e reducionistas, divididos em diversas matrias,o professor assume a funo de transmitir o conhecimento e considera-secomo dono do saber. O ensino focaliza mais o resultado ou o produto ecom esta viso o aluno recompensado por seguir com fidedignidade omodelo. O aluno acaba sendo premiado por seguir as regras impostas peloprofessor e pela boa conduta. Ao mesmo tempo, ao desobedecer s regras, reprimido e punido pelos erros e, em alguns casos, com esta viso austera,o docente chega a torturar o aluno de maneira fsica ou psicolgica.

    O paradigma tradicional traz consigo vantagens e desvantagens. Deacordo com Moraes (1997), Capra (1996), Behrens (2003; 2006), a visotradicional ou cartesiana do mundo, apesar de ser questionada, possibilitou odesenvolvimento cientfico-tecnolgico atual e possibilitou grandes saltosevolutivos na histria das civilizaes. Neste contexto, permitiu a democratizaodos conhecimentos, seja pelas tcnicas extremamente eficazes para a construode novos conhecimentos ou pela presena de um esprito cientfico deinvestigao aberta. O pensamento dotado de clareza, de organizao e deobjetividade propiciou a validao cientfica e pblica do conhecimento.

    Por outro lado, constata-se um perodo de perda do processo dehumanizao, pois os alunos e os professores passaram a ser vistos comomquinas ou como partes de uma engrenagem. Nesta caminhada histrica,reducionista e linear, perdeu-se em termos de sensibilidade, esttica, sentimentose valores, especialmente, em funo da supervalorizao dada pela mensurao,quantificao e comprovao dos fenmenos. Gerou-se uma concepo devida em sociedade pautada na competitividade, no isolamento, no individualismoe no materialismo desenfreado. A crena no progresso material a ser alcanadopelo crescimento econmico e tecnolgico como fim em si mesmo no considerouas conseqncias para a sociedade, a natureza e o prprio ser humano.

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    Tambm ruram os alicerces religiosos que davam sustentao aosvalores, repercutindo num modelo de vida e de cincia materialista,determinista, destruidora, cheia de certezas, que ignora o dilogo e as interaesque existem entre os indivduos, entre cincia e sociedade, tcnica e poltica.(MORAES, 1997, p. 43). Conseqentemente, a humanidade submergiu a umprocesso de fragmentao, de atomizao e desvinculao, alienando-se danatureza, do trabalho e de si mesmo, ficando a cultura dividida, os valoresmais individualizados e os estilos de vida mais patolgicos.

    Pelas limitaes desse modelo cientfico, na Terceira Fase daModernidade, que compreende o sculo XIX e grande parte do sculo XX comeam surgir os desconfortos e os conflitos na utilizao dos padres decientificidade e de produo de conhecimento. Aparecem cientistas epensadores que explicam de modo mais satisfatrio os fenmenos e as situaesda realidade, exigindo para tal um novo modelo de cientificidade.

    O paradigma da complexidade

    O paradigma tradicional comea a ser questionado no incio do sculoXX e acelera a ruptura com nfase nas suas ltimas dcadas. De modo particular,quando a viso de considerar cientfico o que se enquadrasse dentro do modelolinear de causa-efeito proposto pela Fsica mostrou-se insuficiente para lidarcom as contradies insuperveis, a desordem e a incerteza por ela mesmadetectadas. Essa ruptura entre o mundo moderno e o contemporneo caracterizao final de uma histria e o comeo de outra (MORAES, 1997).

    O surgimento do paradigma emergente ou da complexidade tem comofoco a viso do ser complexo e integral. A proposta da nova viso dependedo avano do paradigma da cincia que impulsiona a reviso do processofragmentado do conhecimento na busca de reintegrao do todo. Aliado aesse desafio, o ensino, segundo Zabala (2002, p.24), precisa ser revisto, pois:

    Assim como o processo de progressiva parcializao dos contedos escolaresem reas de conhecimento ou disciplinas conduziu o ensino a uma situaoque obriga a sua reviso radical, a evoluo de um saber unitrio para umadiversificao em mltiplos campos cientficos notavelmente desconectadosuns dos outros levou a necessidade de busca de modelos que compensemessa disperso do saber.

    O mundo repleto de incertezas, contradies, paradoxos, conflitos edesafios leva ao reconhecimento da necessidade de uma viso complexa. Estaviso significa renunciar ao posicionamento estanque e reducionista de conviverno universo. Significa aceitar o questionamento intermitente dos problemas e

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    das suas possveis solues. Assim, Na realidade, busca aceitar uma mudanaperidica de paradigma, uma transformao na maneira de pensar, de serelacionar e de agir para investigar e integrar novas perspectivas (BEHRENS,2006, p. 21).

    Este processo de evoluo paradigmtica inclui as contribuies devrias cincias que podem colaborar para a reconstruo do conhecimento epara a superao da viso fragmentada e reducionista do universo. SegundoCapra (1996), destaca-se a Biologia como pioneira, acompanhada pela influnciada Psicologia Gestalt e da Cincia da Ecologia, mas, especialmente, e comgrande efeito, da Fsica Quntica. A psicologia Gestalt contribuiu com oreconhecimento da totalidade, ou seja, na premissa que o todo mais que asoma das partes. Portanto, um sistema no pode ser visto e compreendidoapenas ao se analisar uma de suas partes.

    Com a Ecologia, surge uma nova concepo, que prope a totalintegrao entre os componentes animais e vegetais da terra. Com este desafio,o movimento pela ecologia prega que Na natureza, no h acima ou abaixo,e no h hierarquias. H redes aninhadas dentro de outras redes (CAPRA,1996, p. 45). O mundo visto como uma rede de relaes, envolvendoconexes, interconexes, movimento, fluxo de energia, inter-relaes emconstante processo de mudana e transformao. Portanto, o pensamentocomplexo, dinmico e processual acompanha a noo de rede que tem sido achave para os recentes avanos cientficos.

    Na rea da Biologia, de acordo com Capra (1982), a grande investidacontra o paradigma tradicional foi a proposta de Einstein, em 1905, com aTeoria da Relatividade. Nessa teoria, o universo passou a ser visto com umtodo indiviso e ininterrupto e o mundo concebido em termos de movimento,fluxo de energias e processos de mudana (MORAES 1997). Essa teoria ajudaa derrubar a viso fragmentada do universo e defende a totalidade. Em vistadisso, as partes j no podem mais ser entendidas como entidades isoladas,mas como elemento de interao e interconexo com outros elementosdeterminados pela dinmica do todo (CAPRA, 1996).

    A teoria da relatividade favorece o pensamento complexo que umanova forma de ver a realidade. Segundo Capra (1996), este pensamento passaa ser organizado enquanto uma teoria verdadeiramente cientfica. Na obraPensamento eco-sistmico, Moraes (2004, p. 20) esclarece:

    Complexidade esta compreendida como princpio articulador do pensamento,como um pensamento integrador que une diferentes modos de pensar, quepermite a tessitura comum entre sujeito e objeto, ordem e desordem,estabilidade e movimento, professor e aluno e todos os tecidos que regem osacontecimentos, as aes e interaes que tecem a realidade da vida.

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    A complexidade denominada por Vasconcellos (2002) de PensamentoSistmico novo-paradigmtico. Este pensamento pode ser refletido em pelomenos trs pressupostos epistemolgicos: o da complexidade, da instabilidadee da intersubjetividade.

    O pressuposto da complexidade busca a contextualizao dosfenmenos e reconhece as causas recursivas, em especial, apresentadas pelaimpossibilidade de explicao dos fenmenos pelo pressuposto da simplificao.Na contextualizao, amplia-se o foco dos elementos para as relaes queocorrem entre eles, sendo que nenhum dos dois desaparece, pois ambos soimportantes. Percebem-se redes de interconexes, nas quais o pesquisadordistingue o objeto de seu contexto, sem perder de vista sua insero, semisol-lo. Passa-se do pensamento disjuntivo para o integrador, com viso detotalidade e de interconexo.

    O pressuposto da instabilidade refere-se ao fato do reconhecimentodos cientistas de que no mais possvel a crena num mundo estvel eacabado, pois torna-se necessrio acreditar num mundo como um processocontnuo e inacabado, que merece a interveno consciente e responsvel dohomem para sua transformao.

    Por fim, o pressuposto da intersubjetividade reconhece aimpossibilidade de um conhecimento objetivo do mundo, especialmente emfuno das mltiplas verses da realidade e dos diferentes domnios doconhecimento. Neste contexto, destaca-se o domnio lingstico, pois alinguagem tem papel essencial na comunicao e na descrio da realidade eseu contexto. A realidade no existe independentemente do observador, isto, objeto e sujeito s existem relacionalmente e um contm o outro. Valeressaltar que nenhum ponto de vista isolado permite abarcar a realidade ouobjeto como um todo.

    Os trs pressupostos epistemolgicos, ou seja, a complexidade,a instabilidade e a intersubjetividade propostos por Vasconcellos (2002) precisam atender a viso de complexidade. Para tanto, estes pressupostosdevem estar interconectados, mantendo uma relao recursiva e integradaem que no se pode fazer uso de um sem o outro, pois a relaocongruente e dinmica das partes no processo determina a estruturaodo todo.

    O paradigma da complexidade prope uma viso de homemindiviso, que participa da construo do conhecimento no s pelo usoda razo, mas tambm aliando as emoes, os sentimentos e as intuies.Nesse sentido, torna-se urgente que as estruturas do funcionamentoeducacional incluam o uso dos conceitos de inter, pluri e transdisciplinar.Para Alarco (2001, p. 54):

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    Novamente, a volta a esse crculo que se dobra e desdobra indefinidamenteem espiral entre cada ponto de partida e de chegada, possibilitando, assim,novos ngulos de viso, de representao e, eventualmente, a partir dediferentes nveis de realidade e a aconselhar abordagens mais inter, pluri, etransdisciplinares, tanto ao nvel da anlise quanto da sua compreensocientfica e filosfica. justamente na razo dessa diferena que uma novaracionalidade possibilita que a mudana acontea e lance-nos para o futuroem um movimento crescente e acelerao imparvel.

    Esta realidade complexa e depende da reforma do pensamento,pois, como afirma Morin (2002), para compreender o novo paradigma, torna-se necessrio um pensar mais abrangente, multidimensional, contextualizadoe multidisciplinar.

    No entendimento de Zabala (2002, p. 32):

    A interdisciplinaridade implica o encontro e a cooperao entre duas ou maisdisciplinas, cada uma das quais [...] traz seus prprios esquemas conceituais,a maneira de definir os problemas e seus mtodos de investigao, mas,acrescenta que a transdisciplinaridade implica que o contato e a cooperaoque ocorre entre diversas disciplinas sejam to grande que estas acabaram poradotar um mesmo conjunto de conceitos fundamentais ou alguns elementosde um mesmo mtodo de investigao, falando de maneira geral, o mesmoparadigma.

    No mesmo sentido, Yus (2002) afirma que a educao que vemapresentando o contexto de fragmentao necessita que o educador tomeconscincia dela e busque restabelecer conexes em todas as esferas da vidae em todos os tipos de relaes. Entretanto, cabe ao aluno analisar e tomarconscincia dessas relaes e de suas habilidades para transform-las, casoseja necessrio. O desafio para atingir a transdisciplinaridade exige um graumximo de relaes entre as disciplinas e uma viso de integrao global.

    Na Educao, o resgate pleno do ser humano, numa visoparadigmtica da complexidade, implica na expresso de novas formas desolidariedade e cooperao nas relaes humanas. Para tanto, precisacontemplar uma proposta pedaggica que reconhea a diversidade defenmenos da natureza e o ser humano como um indivduo commultidimensionalidades, ou seja, dotado de mltiplas inteligncias e comdiferentes estilos de aprendizagens. Nesse sentido, a formao docente precisareconhecer o processo de aprendizagem complexa, envolvendo no ensino osaspectos fsicos, biolgicos, mentais, psicolgicos, estticos, culturais, sociaise espirituais, entre outros.

    Dilogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66, set./dez. 2007

    Marilda Aparecida Behrens; Anadir Luiza Thom Oliari

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    A contribuio de Moraes (1997) torna-se relevante quando afirmaque os fenmenos educacionais devem ser percebidos como processos, nacomplexidade das suas inter-relaes, sendo ao mesmo tempo determinantese determinados, em movimento e em permanente estado de mudana etransformao. Do mesmo modo, o conhecimento requer processos deconstruo e reconstruo mediante a ao do sujeito sobre o ambiente epelas trocas energticas nos processos de assimilao, acomodao e auto-organizao, isto , por meio das relaes interativa e dialgica entre aluno,professor e ambiente. Assim, aluno e professor so participativos, ativos,criativos, dotados de inteligncias mltiplas, tendo como nfase a viso globalda pessoa.

    Neste contexto, pode-se considerar que o novo paradigma comea aencontrar espaos para dar respostas mais relevantes para os problemas dahumanidade. Na natureza, tudo cclico, assim, cabe refletir que o movimentonatural de entropia no universo pode gerar a crise e o caos, mas permite rever,rediscutir e construir novas possibilidades. A nova reorganizao precisa restituirao homem e, por extenso, a natureza, o que foi perdido com a proposio dopensar tradicional, do capitalismo exacerbado e mais recentemente, daglobalizao desenfreada e descomedida. A reunificao da humanidade comsi mesmo e com a natureza depende de uma viso unificadora, em especial,na proposio de processos que incluam a sustentabilidade do planeta. Nestecontexto, a Educao precisa recuperar o equilbrio entre a intuio e a razo,propondo um ensino e aprendizagem que leve produo de conhecimentoautnomo, crtico e reflexivo e a construo de uma sociedade mais justa,igualitria, fraterna e solidria.

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    Recebido: 09 de abril de 2007

    Aceito: 03 de agosto de 2007

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    Dilogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66, set./dez. 2007

    Marilda Aparecida Behrens; Anadir Luiza Thom Oliari