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    A DANA KALELA

    Aspectos das relaes sociais entre africanos urbanos na Rodsia do Norte

    Por

    J. Clyde Mitchell

    Professor de Estudos Africanos,

    University College of Rhodesia and Nyasaland

    Socilogo Senior e Diretor temporrio do Rhodes-Livingstone Institute

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    A DANA KALELA

    Aspectos das relaes sociais entre africanos urbanizados na Rodsia do Norte

    J. Clyde Mitchell

    Introduo

    Kalela o nome de uma dana tribal popular no Cinturo de Cobre da

    Rodsia do Norte. Algumas de suas caractersticas me atraram a ateno quando estava

    empenhado no trabalho de campo, e utilizei-as como meio de investigar o tribalismo e

    outras caractersticas de relaes sociais entre africanos nas cidades da Rodsia do Norte.

    Ao apresentar o material e sua anlise, tentei seguir o mtodo usado por

    Gluckman na sua Anlise de uma situao social na Zululndia Moderna1. Gluckman

    inicia seu trabalho com a descrio de uma cerimnia atravs da qual uma nova ponte foi

    inaugurada pelo Comissrio-chefe nativo. Ele isola os elementos importantes da cerimnia

    e, ento, os insere na sociedade maior para demonstrar seu significado na cerimnia queacabara de descrever. Acompanhando a liderana na cerimnia Gluckman levado uma

    anlise histrico-sociolgica acerca da estrutura total da Zululndia moderna.

    Neste ensaio, tento empregar estas mesmas tcnicas gerais. Inicio com uma

    descrio da dana kalela e, ento, relaciono suas principais caractersticas ao sistema de

    relaes entre africanos no Cinturo do Cobre. A fim de alcanar tal objetivo, devo levar

    em considerao, em certo grau, o sistema de relaes entre brancos e negros na Rodsia do

    Norte. Trabalhando com uma situao social especfica no Cinturo de Cobre, o tecido

    social do Territrio, tomado como um todo , assim, compreendido.

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    Kalela

    A dana tribal tornou-se uma caracterstica da vida urbana por todo o sudeste

    africano. No Witwatersrand (literalmente Cordilheira das guas da Sabedoria), a dana

    militar dos povos Nguni tornou-se um espetculo para turistas visto durante as visitas a

    Joanesburgo. Este tipo de dana tambm tornou-se uma espcie de recreao organizada, na

    qual times de danarinos competem semanalmente2. No Cinturo de Cobre, no obstante, a

    dana tribal uma caracterstica da vida africana. Diferentemente da magnfica dana

    emplumada, rtmica e militar dos povos Ngumi, a dana tribal no Cinturo de Cobre umpouco modesta e, em comparao com as danas do sul, quase vulgar. Contudo, em cada

    cidade ou localidade africana, que tem suas prprias cantigas, equipes de dana de

    diferentes tribos representam a cada tarde de domingo ou feriado oficial.

    Os Ngonde, o povo do Kansai, os Nsenga, os Cewa, os Ngoni e muitas

    outras tribos tm suas prprias danas. Porm a mais popular delas todas a kalela3, que

    danada em todo o Cinturo de Cobre por povos da provncia a nordeste da Rodsia do

    Norte. Durante o ano de 1951, pude assistir diversas vezes kalela representada por uma

    equipe Bisa no conselho adminitrativo de Luanshya. Reuni certa quantidade de informaes

    a respeito da formao social dos danarinos4. A descrio da dana e dos danarinos,

    assim, baseada nesta equipe.

    Ela formado por dezenove homens jovens. A indumentria dos danarinos

    representantes da plebe consistia de calas compridas de cor cinza, camisetas limpas e bem

    passadas e sapatos bem polidos. Alguns levavam lenos brancos na mo direita. Seus

    1 Gluckman (1940)2 Jokl (1949). Um prmio dado ao time que vence a competio da dana tribal, realizada anualmente emSalisbury.3 H muitas danas similares kalela, porm conhecidas por diversos nomes. A dana mbeni, espalhada pelafrica Central antes da guerra de 1939-45, e a qual, meus informantes disseram, a kalela se desenvolveu, eraquase idntica. Uma dana conhecida como mganda na provncia oriental da Rodsia do Norte igual. Umadana entre os Tonga do lago, chamada malipenga, possui muitas caractersticas semelhantes. O senhorC.M.N White conta que uma dana similar entre os Luwale, Luchazi e Chokwe conhecida comonyakasanga, embora ele chame a ateno para o fato de seus vizinhos, os Lunda do ocidente, chamarem estadana de kalela. Numa recente competio de danas tribais, ocorrida em Mufulina e noticiada noMufulinaStar, vol.4, nmero 6 de junho de 1956, as equipes Kalela Smart e Karonga Boma, segunda e terceiracolocadas, eram formadas por danarinos do tipo kalela.4 Sou grato ao senhor Sykes Ndilila, ento assistente de pesquisa do Rhodes-Livingstone Institute, que coletouinformaes pessoais dos danarinos e gravou letras de canes.

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    cabelos foram cuidadosamente penteados, apresentando uma diviso bem definida. Em

    suma, eram jovens vestidos europia. A equipe danou acompanhada de trs grandes

    tambores, feitos com gales de leo cuja capacidade chegava a 88 litros e cobertos com

    couro de boi. Dois percussionistas utilizavam bastes feitos de banana com mais ou menos

    60 centmetros de comprimento. O rufar dos tambores podia ser ouvido a milhas de

    distncia- na arena de dana era ensurdecedor. Os tambores foram erguidos num poste no

    centro de um cercado e os danarinos circulavam ao seu redor em fila indiana. A dana

    consistia de passos arrastados acompanhados de um leve encurvar de corpo.

    Periodicamente, o lder da banda marcava o som dos tambores com um sopro num apito de

    futebol, depois do qual os participantes se voltavam em unssono para os tambores. Duranteparte da dana, os tambores permaneciam em silncio enquanto os danarinos cantavam

    uma cano.

    As equipes de dana

    Cada equipe de dana organizada da mesma maneira. A composio

    daquela que nos familiar a seguinte: no comando est o rei5, eleito pelos membros da

    equipe de dana para ser o seu organizador e administrador. Ele tambm o tesoureiro da

    equipe: seus membros lhe pagam uma contribuio quando rumam a outra cidade do

    Cinturo de Cobre por ocasio de competies com outras equipes de kalela, ou quando h

    alguma festividade. Quando assisti dana, vestia-se diferente dos danarinos: trajava um

    terno, colarinho e gravata, chapu, e um par de culos escuros. Interrompeu a dana aps

    um certo tempo para cumprimentar cada um dos danarinos da mesma forma que uma

    celebridade age com equipes num jogo de futebol.

    O lder da dana era Luke Mulumba, que sucedeu a seu irmo nesta posioem 1948. O lder, na realidade, comanda a dana enquanto que o rei no desempenha

    nenhum papel ativo. o lder da dana que inventa os passos e compe a letra das canes,

    que de suma importncia para a dana. Um doutor, vestido com um roupo cirrgico

    branco com uma cruz vermelha na frente tambm se fazia presente. Seu dever era encorajar

    os danarinos. Uma irm enfermeira, a nica mulher do grupo, vestia-se de branco e

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    circulava com um espelho e um leno, permitindo a cada danarino certificar-se de que

    estava limpo e arrumado. Ela limpava o suor de seus rostos medida em que representavam

    a kalela. Ela a irm de Luke e casada com o rei. O resto da equipe formada por

    danarinos e percussionistas.

    A tabela a seguir informa algumas caractersticas da equipe:

    papel tribo chefe nascimento religio educao Estado civil ocupaoRei Bisa Matipa 1910 Watchtower nula casado Alfaiate

    Lder Bisa Matipa 1928 Catlicaromana

    Quarta srie solteiro office boy

    doutor Bisa Matipa 1925 Catlicaromana

    nula solteiro operrio

    irm Bisa Matipa 1933 Catlicaromana

    nula casada Dona de casa

    danarino Bisa Matipa 1921 Catlicaromana

    Primeira srie solteiro operrio

    danarino Bisa Matipa 1925 Catlicaromana

    Nula Casado** Operrio

    danarino Bisa Matipa 1926 Pago Nula solteiro Alfaiatedanarino Bisa Matipa 1926 Catlica

    romanaPrimeira srie Solteiro Operrio

    danarino Bisa Matipa 1928 Catlicaromana

    Segunda srie Solteiro Operrio

    danarino Bisa Matipa 1928 Catlicaromana

    Nula Solteiro Operrio

    danarino Bisa Matipa 1929 Catlicaromana

    Nula Divorciado Operrio

    danarino Bisa Matipa 1929 Catlicaromana

    Primeira srie Solteiro Atendente debar

    danarino Bisa Matipa 1929 Catlicaromana

    Letrado* Casado** operrio

    danarino Bisa Matipa 1929 Catlicaromana Nula Solteiro Caminhoneiro

    danarino Bisa Matipa 1930 Catlicaromana

    Nula Casado** caminhoneiro

    danarino Bisa Matipa 1932 Catlicaromana

    Terceira srie Divorciado Jardineiro

    danarino Bisa Matipa 1933 Pago Nula Solteiro Operriodanarino Bisa Chiwa 1924 Pago Segunda srie Solteiro operriodanarino Bisa Chiwa 1924 Pago Nula Divorciado Operriodanarino Bisa Chiwa 1925 Catlica

    romanaNula Solteiro Desempregado

    danarino Bisa Chiwa 1928 Catlicaromana

    Nula Solteiro Operrio

    danarino Bisa Chiwa 1927 Pago Segunda srie Solteiro Alfaiatedanarino Ngoni Mshawa 1929 muulmano nula divorciado Alfaiate

    *sabe ler e escrever mas no educao formal**casado, porm a mulher encontra-se na rea rural

    Esta equipe , obviamente, formada por homens do reino do chefe Bisa

    Matipa. Luke Mulumba, o lder que, de fato, domina a equipe, o filho da irm de Matipa e

    fica claro que atraiu a seu redor um certo nmero de sditos do irmo de sua me. Suas

    canes louvam o chefe Matipa e, assim, indiretamente, a ele prprio.

    5 Oficiais com ttulos europeus tambm aparecem em grupos de dana urbanos na frica Ocidental. VerBanton, M. 1953a; 1953b

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    Mas h, tambm, cinco homens de um reino Bisa vizinho, sob a chefia de

    Chiwa6. Esses cinco homens so facilmente aceitos porque, como veremos em breve, na

    situao existente no Cinturo de Cobre, a equipe de Luke Mulumba representativa de

    todos os Bisa.

    Os Nugmbo, sob a chefia de Mwena, e os Aushi, sob a rea chefiada por

    Milambo, tambm possuem equipes de kalela, e havia uma equipe Bisa composta por

    membros de todos os reinos, reconhecendo a supremacia do chefe Kopa. A equipe de

    Mulumba foi formada com o objetivo de louvar o chefe Matipa e, para tanto, rompeu com a

    outra equipe Bisa. Ainda em pblico, expressam formalmente a unidade de todos os Bisa

    contra outras tribos, como vemos no canto de abertura de uma de suas canes:

    Lder: B

    Danarinos: Bisa

    Lder: C

    Danarinos: Cilubi, ilha cercada por gua

    Lder: C.P.K

    Danarinos: Comissrio da Provncia Kopa

    Neste smbolo, evocam o smbolo do chefe supremo a fim de expressar sua

    unidade contra todas as outras tribos e o prestgio do chefe Kopa em termos peculiarmente

    modernos. possvel, assim, para os Bisa que no os do chefe Matipa, participar na dana.

    Ignoram suas diferenciaes internas face situao multi-tribal de uma rea urbana.

    Fora a origem tribal da equipe, h outras regularidades significativas.

    Ningum tem mais de trinta anos. Muitos tm menos de vinte e cinco. verdade que os

    homens, no Cinturo de Cobre, tendem a ser selecionados dentre os mais jovens, mas aequipe de Mulumba mais jovem que a mdia da populao da regio 7. O rei, por sua

    vez, tinha 41 anos. Outra notvel regularidade que todos os danarinos vivem nos

    alojamentos para solteiros. Trs deles so casados, mas suas mulheres vivem no campo. O

    6 H um homem que chama a si mesmo deNgoni. Ele o filho de um homem Yao nascido em Fort Jameson e o melhor amigo de Luke. Aparentemente, ele est na equipe por um favor concedido especialmente.7 Havia um danarino, dentre os 19, que tinha 30 anos mas, na populao de Luanshya 47,5% dos adultos dosexo masculino tinham 30 anos ou menos.

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    resto, ou solteiro ou divorciado. O rei, entretanto, casado e sua mulher, irm de Luke

    Mulumba, a irm da equipe.

    O fato de todos os danarinos cristos serem catlicos romanos no , em si,

    significativo, na medida em que a misso catlica a nica presente na rea de Matipa.

    Porm interessante notar que, novamente, o rei , em contraste com os danarinos, um

    watchtower (literalmente, torre de controle). Mais impressionante o fato de que

    nenhum dos danarinos um funcionrio de colarinho branco ou mesmo profissional de

    baixo escalo, relevante luz da discusso posterior.

    A cano

    Um passeio despretensioso pelo conselho administrativo num domingo

    tarde suficiente para demonstrar a incrvel popularidade da kalela sobre todas as outras

    danas tribais. Enquanto h um punhado de gente observando outras danas, a arena da

    kalela fica abarrotada de espectadores que, obviamente, se divertem. H vrias razes para

    esta popularidade. A percusso espetacular e os danarinos esto bem vestidos, mas acho

    que a atrao principal cabe s canes. significativo, talvez, que sejam entoadas na

    lngua Bemba, amplamente falada no Cinturo de Cobre. Na medida em que os danarinos

    utilizam a lingua franca da cidade, os espectadores compreendem sua canes mais

    facilmente do que aquelas entoadas por outras tribos numa lngua compreensvel apenas a

    uns poucos forasteiros.

    Uma segunda razo para a popularidade das canes encontra-se no seu

    contedo. Os versos so espirituosos e temticos. Gravei 14 estrofes da cano que Luke

    Mulumba entoou em 1951. Est claro que novas estrofes esto sendo permanentemente

    acrescidas e antigas, retiradas. Mas uma anlise dessas 14 nos fornece dados acerca doestilo de vida dos africanos no Cinturo de Cobre. difcil repassar o contedo exato dos

    versos. So entoados em Bemba, porm o Bemba da regio: tem anglicismos em

    abundncia, palavras de Zulu crioulo e referncias situao urbana. Tudo isso d, s

    canes, um aroma sofisticado, perdido na traduo.

    Ao menos seis das estrofes so auto-elogios dos danarinos de kalela. Mas

    estas canes-de-louvor tm, como pano de fundo, o ambiente urbano. Uma delas diz:

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    Os watchtower8 estavam tentando me converter, desesperadamente, no sbado.

    Que eu deveria ir ao seu local de reunies s 2 horas de domingo.Ns tambm temos evangelhos- os tambores

    Ns, que danamos a kalela

    Deus no odeia ningum

    Ao cu ns devemos ascender

    Devemos ir e viver na casa de Lcifer

    Na sua paliada9

    Devemos ir com nossos tambores

    At no cu voc ouvir soar

    Outra estrofe segue assim:

    Vocs, mulheres, danando na pista

    Vocs devem ir antes que seja tarde demais

    Vocs devem ir e comer antecipadamente

    E vocs devem dizer aos que ficaram em casa

    Que eles devem vir depois de haver comido.

    Aqueles que querem lavar roupa, deixem-nos faz-lo10

    Aqueles que querem passar roupa, deixem-nos faz-lo11

    Aqueles que querem banhar-se, deixem-nos faz-lo

    Aqueles que querem vestir-se, deixem-nos faz-lo

    Por causa da dana de hoje

    Cinturo de Cobre ! Tambores

    O juiz est l12

    Os espectadores esto chegando de Lambalndia e de outros lugares remotos13

    Por que vocs batem no tambor ?

    s duas horas comea,A cano terminou, mes, vo embora.

    Hoje, algum ser surrado com a vara.

    8 Adeptos da religio Watchtower e Sociedade do Acordo representam 19,6% da populao adulta masculinae feminina no conselho administrativo de Luanshya em 1950.9 Ele usa a palavra Bemba cipango, referente paliada em volta da aldeia do chefe10 Ele usa o anglicismo Kuwasha: to wash: lavar (roupas)11 Ele usa o verbo kuchisa, derivado do Zulu atravs do kitchen-kaffir. Esta parte da estrofe refere-se grande ateno que os danarinos do aparncia pessoal.12 Estas so referncias ao futebol, jogo bastante popular entre os africanos da regio13 O Cinturo de Cobre limtrofe com as reas tribais de Lamba.

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    Mas no nos culpe e diga:

    Eu morro por sua causa, danarinos de kalela14

    Alguns dos versos referem-se a situaes tipicamente urbanas. Numa delas,

    a senhorita elegante e esperta, que usa p-de-arroz e pintura, satirizada. Em outro, o

    interesse mercenrio dos pais nos dotes de casamento condenado. Os danarinos entoam:

    Mulumba deveria trabalhar no matadouro,

    Assim, poderia roubar cabeas de gado abatido,

    Assim, a mulher que ama cabeas de gado abatido,

    Pode oferecer-lhe sua filha.

    legal trabalhar num aougue,

    Voc pode receber uma linda moa pra casar

    Por causa do amor pela carne.

    H quem venda suas filhas-

    Que lindas moas elas casam com homens inteis15.

    Eles esto numa situao difcil16.

    Ele dar-lhes- uma cabea de vaca.

    A filha foi aprisionada17.

    Aquela que a certa para MulumbaA ser levada para a cidade18 de Matipa

    Para ser a irm na dana de chocalhos19.

    Mas muitas das estrofes da cano lidam, especificamente, com a

    diversidade tnica da populao urbana. Referem-se tanto s diferentes lnguas e costumes

    de outras populaes quanto s boas qualidades Bisa, de Matipa. Uma delas segue assim:

    Vocs, mes, que falam TongaVocs que falam Soli, mes,

    Ensinem-me Lenje20

    14 Esta referncia repetida em outra estrofe. Ela subentende que, pelo fato das mulheres gostarem de assistiraos danarinos da kalela, acabem negligenciando seus maridos e, por isso, sofram conseqncias.15 Ele usa o termo kobe, que acredito ser um animal. No posso identific-lo16 Ele usa o termo ufwafwa: escravido17 Ele usa o termo chankwakwa, cuja origem no est clara. Pode ser derivado da gria militarjankers18 Usa o anglicismo shite: cidade19 Irm no sentido de irm-enfermeira. Ver notas sobre a origem da dana.20 Estas trs lnguas pertencem ao mesmo grupo lingstico.

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    Como posso ir e cantar

    Esta cano que vou danar na nao Lenje ?

    Soli eu no seiLozi eu no sei

    Mbwela difcil,

    Kaonde difcil

    Todos estes lugares que mencionei, mes

    So aqueles em que danarei a kalela

    Ento, os danarinos retornaro21 nao Lamba.

    Na aldeia do chefe Nkana devo danar

    Na aldeia do chefe Ndubeni devo danar

    Na aldeia do chefe Mushili devo danarNa aldeia do chefe Katala devo danar

    Na aldeia do chefe Chiwala devo danar22

    Eu, ento, irei e direi adeus ao chefe Katanga

    Que meu sogro

    Aquele, cuja filha desposei23.

    Quando terminar este trabalho, mes,

    Nunca mais ficarei na Terra de Lamba

    Mas devo apressar-me24 para minha terra natal do chefe Matipa

    Outra estrofe lida com a preocupao Lamba em relao aos casos deadultrio:

    Mes, estive em muitos tribunais

    Para ouvir os casos a serem resolvidos:

    Resolviam casos de divrcio,

    Falavam de casos de bruxaria,

    Falavam de roubos

    Falavam de sonegao de impostosE recusa de trabalhar por tributo.

    Mas as coisas que vi no tribunal de Mushili25,

    Estas coisas me surpreenderam.

    21 Usa o anglicismo lifeshi: reverso22 So todos chefes locais Lamba. Chiwala, cujo territrio no permetro de Ndola, estritamente falando, no Lamba mas Yao. Seus sditos entretanto, so basicamente Lamba, e muitos africanos do Cinturo de Cobreo olham como um chefe Lamba.23 No compreendo esta referncia24 Usa o anglicismo sipiti: speed: velocidade

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    De nove horas da manh s quatro horas da tarde,

    Houve apenas casos de adultrio.

    Ento, eu perguntei ao porta-voz do tribunal:Vocs tm outros casos para resolver ?

    O porta-voz disse no26.

    No h outros casos.

    assim na Terra de Lamba

    No h casos de assalto

    No h casos de roubo.

    Estes so os casos na Terra de Lamba

    Um comentrio significativo aparece em outra estrofe, onde Mulumba estse gabando de suas habilidades lingsticas. Ele entoa:

    Eu canto em Henga, eu canto em Luba,

    Eu canto em Zulu e Sotho.

    Eu pego Nyamwanga e Soli e coloco-as juntas.

    Abandonei o Lwena porque muito comum.

    As lnguas Nyakyusa, Kasai e Mbwela so as remanescentes

    As tribos de Angola que fazem fronteira com a Rodsia do Norte, incluindo

    os Lwena, so as que aceitam emprego de removedores de fezes humanas. Por esta razo,

    so menosprezados por outras tribos do Cinturo de Cobre. A meno lngua Lwena

    refere-se ao esteretipo impingido aos povos Lwena e Luvale27.

    As canes dos danarinos de kalela tm, ento, certas caractersticas

    Primeiro, temos os elementos de auto-elogio. Todos os danarinos so jovens rapazes

    solteiros, com grande preocupao com a aparncia pessoal. Suas canes dirigidas

    particularmente s mulheres, e no se acanham em chamar-lhes a ateno segundo seus

    desejos. Uma segunda caracterstica o reconhecimento da diversidade tnica das

    populaes urbanas. Ela se apresenta de duas maneiras. A primeira que os danarinos

    enfatizam as belezas de sua prpria terra ou origem e exaltam suas virtudes. A segunda

    25 Usa o anglicismo koti: court: tribunal. Mushili um chefe Lamba, perto de Luanshya.26 A resposta do porta-voz cantada na lngua Lamba, similar o suficiente ao Bemba para ser entendido pelamaioria dos africanos no Cinturo de Cobre27 ver nas pginas a seguir

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    forma o inverso, onde a distino em relao s outras lnguas e costumes enfatizada e

    satirizada.

    H, ento, diversas caractersticas da kalela que bem poderiam ser o ponto

    de partida de uma anlise sociolgica: a mais significativa delas, do meu ponto de vista,

    que a kalela , essencialmente, uma dana tribal. Juntamente com suas canes, enfatizam a

    unidade dos Bisa contra todas as outras tribos do Cinturo de Cobre. Podemos esperar,

    numa dana tribal deste tipo, que alguma insgnia especfica seja utilizada. No difcil

    observar que, numa falange de guerreiros Zulu magnificamente adornados com vestimentas

    tradicionais, brandindo suas zagaias e escudos, h uma evidente, e mesmo agressiva,

    demonstrao de unidade tribal. Mas os danarinos da kalela esto vestidos na maiselegante moda europia e no h modo de diferenciar uma equipe de kalela Bemba ou

    Aushi de uma Bisa.

    A elegncia dos danarinos um tema recorrente e lhe dada grande

    nfase28. As canes no relatam as faanhas de um heri da cultura Bisa. Alm de vagas

    referncias beleza da terra da nao Matipa, no h meno a plantaes, suas colheitas,

    construo de cabanas, caa, pesca e outras atividades rurais que poderamos associar a

    uma arcdia tribal. Ao invs disso, as canes dizem respeito a situaes familiares ao

    Cinturo de Cobre Bemba, os personagens so tpicos da regio e as cenas se do em

    distritos das localidades. A lngua usada o Bemba da regio do Cinturo, e palavras e

    frases kitchen-kaffir abundam. Elas so compostas nas cidades para o entretenimento das

    pessoas de l, lidando com acontecimentos e lugares-comuns com os quais essa gente est

    familiarizada.

    Em outras palavras, estamos diante de um aparente paradoxo. A dana

    claramente tribal, com nfase nas diferenas tribais, mas a lngua e o idioma das canes e

    a vestimenta dos danarinos so retiradas de uma vivncia urbana que tende a subjugarestas diferenas. Acredito que este aparente paradoxo possa ser resolvido se examinarmos a

    dana e sua origem e estrutura social.

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    A origem da dana

    Meus informantes disseram que a dana chamada kalela era, anteriormente,

    conhecida como mbeni. Disseram que a kalela teve incio com um tal de Kalulu, por volta

    de 1930, nas ilhas Chishi, em Lake Bangweulu. Os habitantes da ilha so da tribo Ngumbo.

    Em 1939, Kalulu alistou-se no Regimento da Rodsia do Norte e obteve permisso para

    carregar seus tambores para que, quando a situao permitisse, continuasse com suas

    danas. Formou um grupo de danarinos tendo ele prprio como lder. Um homem

    chamado Million atuava como lder das danas em Chishi no perodo em que Kalulu esteveno exrcito. Kalulu foi liberado em 1946 e rebatizou a dana de luwelela29. No temos

    informao de quem a introduziu no Cinturo de Cobre30, mas, desde que houve um

    aumento no movimento migratrio para l aps a Segunda Guerra Mundial, quase certo

    que tenha sido trazida por membros da tribo Ngumbo, das ilhas Chishi. At onde posso

    concluir, ela chegou primeiro mina de cobre Roan Antelope, de onde se espalhou para o

    resto do Cinturo de Cobre, e para o conselho administrativo de Luanshya, particularmente,

    em 1948. Aqui, foi chamada de kalela- uma dana de orgulho.

    Mbeni

    Visto que a kalela nasceu na mbeni, temos de voltar origem para traar

    suas razes. Infelizmente, h pouca documentao disponvel sobre a mbeni. Durante meu

    trabalho de campo na Niasalndia31, pude observ-la na cerimnia de iniciao de um

    garoto. Os atores eram um grupo de jovens, um tanto sujos e desleixados, que circulavam

    indiferentemente pela arena de dana seguindo um tambor caseiro. Um dos informantesmais velhos disse que a atuao pouco se assemelhava s danas beni representadas em

    Zomba no incio dos anos 20. Disse-me que a palavra beni, como a dana chamada na

    28 Ver, por exemplo, o relato de uma competio de kalela no The african Roan Antelope, II (dezembro 1953)p.6, onde as roupas elegantes dos danarinos so, especificamente, observadas.29 Presumivelmente do verbo Bemba ukuwela: to hoot ou to scoof: vaiar, apupar.30 Sabemos que a mbeni existia no Cinturo de Cobre em 1935. No sabemos se desapareceu ou persistiusendo, subseqentemente, absorvida pela kalela

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    Niasalndia , de fato, uma corruptela da palavra inglesa band (em portugus, banda).

    Esta parece ser uma explicao razovel para a origem da palavra luz da descrio da

    dana em si, pois, como veremos, uma caracterstica essencial era a existncia de uma falsa

    banda militar32. Segundo ele: Esta era uma dana limpa, pois todos vestiam boas roupas.

    Pessoas que chegavam sujas no podiam danar. Sempre que chamados, traziam seus

    tambores e vestiam trajes como os de um rei. Quando chegavam ao ptio, onde a dana

    ocorria, mostravam-se esplndidos. Tambm as mulheres estavam muito limpas. Danavam

    lenta e suavemente, elas de um lado e os homens de outro; no amanhecer, pareciam to

    limpos como se no tivessem mesmo danado.

    A figura central nas danas, aparentemente, era uma pessoa chamada ogovernador. Geralmente, ficava de p no centro do ptio, esplendidamente trajado,

    decorado com medalhas emprestadas. O resto dos danarinos circulava ao seu redor,

    seguindo o percussionista que imprimia o ritmo numa falsa bateria. Atrs dele,

    enfileiravam-se os danarinos num pretenso estilo militar. Primeiro, havia o major-general,

    seguido pelo tenente-general33, um coronel, um tenente-coronel, um capito, tenentes,

    oficiais sem patente e, finalmente, soldados rasos. Havia, tambm, um assistente. Os

    danarinos usavam insgnias de chumbo moldadas, de acordo com sua posio na

    hierarquia. Aqueles que tinham postos fictcios usavam capacetes e apitos presos a cordes,

    e alguns, cintos Sam Browne34.

    As relaes no interior da grupo eram reguladas segundo a fictcia hierarquia

    militar. Dificuldades eram resolvidas pelo homem ranqueado imediatamente acima e, se

    no se pudesse chegar a um acordo, consultava-se as autoridades at o governador lidar

    com o caso.

    31 como antroplogo-assistente do Rhodes-Livingstone Institute entre os Yao, nos distritos de Liwonde e FortJohnston.32 Meu informante chamou a ateno para o fato de os tambores usados serem europeus, isto , eramdupla-face, imitando o tambor militar. Isto, claro, contrasta com o tambor tradicional, feito de um troncode rvore escavado e coberto, num dos lados, por couro. Esta explicao da palavra beni e muitos dosdetalhes descritos por meu informante so confirmadas numa nota sobre a dana, preparada pelo comissrio-chefe de polcia de Zomba, Niasalndia, 1931. Ver Arquivo N3/23/2, nos Arquivos da frica Central.33 Assim me foi informado. Ele parece desinformado da inverso de hierarquia.34 Meu informante comentou que alguns foram processados pelo roubo de cintos Sam Browne.

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    O testemunho de Goodall Comisso Russell apia a idia de que a dana

    mbeni surgiu pouco depois da Primeira Guerra Mundial35. Ele menciona sua existncia em

    Dar-es-Salaam em 1919. Tornou-se objeto de interesse oficial durante os conflitos de 1935,

    embora seja difcil determinar qual o papel exercido pela equipe mbeni, e se realmente

    participavam ou no. Est claro que oficiais do governo suspeitavam da participao de

    danarinos mbeni e parece que, na falta de uma organizao mais estvel, atravs da qual

    lderes africanos pudessem falar populao, os lderes grevistas podem ter pedido aos

    lderes dos danarinos que agissem como seus porta-vozes36.

    O ponto importante que surge diante das evidncias mostradas Comisso

    que a dana, na forma que conhecemos, ocorria no Cinturo de Cobre em 1935. Em quemedida a mbeni caiu no obscurantismo devido s suspeitas daquele ano, no posso precisar,

    mas parece que desapareceu do Cinturo37 at ressurgir na forma de kalela.

    Prestgio e o estilo de vida europeu

    Qualquer que seja a forma tomada pelas danas mbeni hoje38, evidente que

    suas formas primitivas eram uma espcie de pantomima da estrutura social da comunidade

    europia local. Meu informante Yao descrevia a mbeni em Zonga durante os anos 20,

    quando Zomba era, predominantemente, uma cidade fortificada. O governador e a milcia

    apresentavam aos africanos uma estrutura social formal, sendo a caracterstica principal a

    rgida hierarquia e um conjunto de uniformes diferenciados anunciando a posio social de

    cada pessoa. A pantomima na mbeni, ento, representava a estrutura social como os

    africanos a viam. Deve-se notar que, nos anos 20, os africanos no eram admitidos pela

    35 Depoimento tomado pela Comisso designada para a investigao de distrbios no Cinturo de Cobre, 1935(Comisso Russell). Northern Rhodesia Government Printer (Lusaka, 1935), p.77. Na nota datada de 27 dejulho de 1921, o comissrio-chefe de polcia na Niasalndia registrou que estas danas se desenvolveram nafrica germnica antes da Primeira Guerra e que os oficiais levavam ttulos germnicos como kaiser,kaiserim, hauptmann etc. Arquivo N3/23/2 nos Arquivos da frica Central. A descrio de Jones dadana mganda corresponde exatamente mbeni. Ele diz que foi uma imitao da parada militar surgida nafrica Oriental durante a Primeira Guerra e introduzida na Rodsia do Norte pelos Tonga de LakeSide. Jones,A.M, 1945, pp.180-836 A Comisso Russell descobriu que alguns lderes da Sociedade Mbeni estavam a par dos distrbios masque, como um corpo, a Sociedade no era subversiva. Comisso Russell, Relatrio, p.4937 Brelsford, W.V, 1948, p.1938 Jones, por exemplo, menciona uma representao montona de uma dana similar na rea rural de FortJohnston.

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    populao europia de Zomba como iguais, e no tinham oportunidade de apreciar o padro

    social na sua comunidade local exceto atravs da hierarquia militar39, dos uniformes e das

    cerimnias pblicas40. O interesse pela mbeni, ento, parece ter sido a participao de

    africanos nas relaes sociais das quais estavam, normalmente, excludos. Evidncias que

    mostram no ser esta uma manifestao local vem de Goodall, que afirma que os primitivos

    danarinos mbeni em Tanganika, na realidade, branqueavam suas faces41. Esta tentativa de

    atravessar barreiras intransponveis , particularmente, uma caracterstica de movimentos

    nativos42, como o culto da carga. Difere, porm, por no haver evidncia de que os

    danarinos, alguma vez, acreditaram que, reproduzindo as caractersticas externas da

    cultura qual aspiravam, alcanariam automaticamente seus desejos. Sua participao naestrutura social europia era substitutiva: a aspirao era satisfeita apenas na fantasia.

    Deve ser debatido o fato de que a dana fornecer um excelente meio de

    expressar a hostilidade em relao ao grupo dominante atravs da stira e que esta era a

    satisfao principal para participantes e espectadores. No possuo dados de que realmente

    era assim. Meu informante Yao no sugeriu isso e, certamente, na kalela de hoje, no h

    sinal de qualquer stira ao comportamento europeu43.

    Tudo o que sobra da mbeni na moderna kalela a vestimenta de trajes

    europeus e poucas personalidades, o rei, o doutor, a irm-enfermeira. Poderia ser

    argumentado, talvez, que, a partir do momento em que todos os africanos da Rodsia do

    Norte se vestem europia, os danarinos no deveriam usar outro tipo de traje. Porm a

    caracterstica saliente de ambas a grande nfase colocada nos trajes corretos. Para meu

    informante Yao, esta era a caracterstica mais importante da dana. Descrevendo a dana

    39 Africanos eram admitidos no exrcito como soldados rasos e oficiais no-patenteados e, claro,compreendiam o sistema de hierarquia militar.40 Uma divertida variao disso, relatada pelo senhor E.Tikili, assistente de pesquisa senior do corpo deassistentes do Rhodes-Livingstone Institute, que os Tonga de LakeSide, que tem sua prpria verso dambeni, chamada malipenga, vestem kilts quando danam em Bulawayo. Os primeiros europeus a viveremna nao dos Tonga foram os escoceses de Livingstnia. O senhor J. van Velsen, do Escritrio de Pesquisa doRhodes-Livingstone Institute que atualmente faz trabalho de campo entre os Tonga de LakeSide, descreveu amalipenga em Chiteche. Aqui, no havia kilts, mas o senhor van Velsen descreve a dana como seassemelhando a uma gincana, na qual a caracterstica dominante o elegante vestido europeu dosparticipantes.41 Depoimento Comisso Russell p.7742 Ver Barber, B. 1946, pp.663-943 Deve-se notar que, sob o Regulamento dos Municpios (Controle dos Nativos), (captulo 120 das Leis daRodsia do Norte), seo 7, ningum pode organizar ou tomar parte em qualquer dana destinada a

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    mganda, Jones diz: Ento vieram os oficiais, vestidos em trajes europeus, muito elegantes,

    e brandindo bastes de maneira cavalheiresca. altamente significativo que o mascote do

    regimento mganda era uma daquelas cabeas de bronze usadas como anncio, creio eu,

    dos colares Van Heusen, coroados com um chapu44. Na kalela, tambm h uma grande

    nfase no vestir imaculado. A ele, os danarinos referem-se nas canes; a irm-

    enfermeira lhes leva um espelho para verificar sua aparncia, e um correspondente

    africano, escrevendo um relatrio sobre a dana para um jornal local, menciona, de uma

    maneira especial, a vestimenta45.

    A nfase dada aos trajes finos uma caracterstica geral da populao urbana

    africana

    46

    . Wilson a expressou assim: Os africanos de Broken Hill no so vaqueiros, nempastores, nem pescadores, nem lenhadores, eles so um povo vestido47. Ele percebeu a

    razo desta preocupao com a vestimenta no fato de as roupas serem o nico item europeu

    de valor disponvel, que lhes d a aparncia instantnea de um status civilizado48.

    Discutiu, ainda, outros possveis indicadores deste status- moradia, ferramentas, moblia,

    comida- mas concluiu que, por uma variedade de razes, eram irrelevantes em comparao

    com a vestimenta em Broken Hill em 1939-194049. Percebeu claramente que africanos

    podem apenas desejar o respeito e compartilhar o status civilizado e a nova riqueza dos

    europeus, cuja superioridade social est sempre diante deles50. Os comentrios, aplicveis

    ridicularizar ou desrespeitar qualquer pessoa, religio ou autoridade devidamente constituda. No creio queos danarinos da kalela esto cientes deste regulamento.44 Jones, 1945, p.18045 Ver nota 28, p.1246 Um jornal impresso para o corpo africano de assistentes da Corporao Nkana relata uma competio detrajes, vencida por um assistente de compras. O segundo colocado era um servente de hospital.Luntandanya,II, 1 (maio, 1954), 3. Este tipo de competio ocorria, tambm, em cidades da frica do Sul. O professorGluckman me conta que julgou uma delas, em estilo europeu, numa tarde danante em Pretria, em 1937. Amaioria dos espectadores eram empregados domsticos. Quando ele escolheu o homem mais bem vestido,outro competidor protestou, j que no havia examinado as roupas de baixo. Foi interpelado para que ofizesse.47 Wilson, G. 1942, p.18. O gasto em dinheiro, em outros itens que no comida, entre os operrios africanosda mina de Broken Hill em 1939-40, era em roupas. Numa amostra em Mufulira e Chingola, em 1953, aporcentagem era de 40.6. ver Nyirenda, A A, 1956, tabela I48 Wilson, G. 1942, p.1549 Gussman, B. 1952, p.57, descrevendo Bulawayo em 1950, traz um exemplo similar. Aponta que h poucasalternativas disponveis aos africanos para investirem seus excedentes. Wilson, 1942, p.15. Muitos anos antes,Hunter fez a mesma observao em relao aos africanos de Londres Oriental, na frica do Sul. Ela escreveu:Nas cidades, elegante ser to europeizado quanto possvel. O status depende, largamente, da riqueza eeducao, e isto vincula-se europeizao. Hunter, M. 1936, p.437.50 . Wilson, 1942, p.15. Muitos anos antes, Hunter fez a mesma observao em relao aos africanos deLondres Oriental, na frica do Sul. Ela escreveu: Nas cidades, elegante ser to europeizado quanto

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    Broken Hill de 1939-40, so vlidos ao Cinturo de Cobre atual. Os europeus esto numa

    posio de superioridade social e os africanos aspiram civilizao, principal caracterstica

    e pr-requisito do grupo socialmente superior51

    O estilo de vida fornece, ento, uma escala segundo a qual o prestgio dos

    africanos em reas urbanas (e, de modo crescente, nas reas rurais) pode ser medido. No

    topo da escala esto profissionais do baixo escalo, de colarinho branco e comerciantes

    bem-sucedidos, que se vestem meticulosamente, possuem moblia europia nas suas

    residncias, falam ingls uns com os outros, lem os jornais locais impressos para o pblico

    europeu, comem comida tpica europia, preferem a msica ocidental tradicional,

    preferem cerveja engarrafada de fermentada tradicionalmente. No fundo da escala estoos trabalhadores no-especializados de todos os tipos, cujo padro de vida pouco difere dos

    aldees, que no possuem moblia, comem comida tradicional, no sabem ingls e so

    incultos. Entre os dois tipos, alinham-se os colarinhos-brancos de baixo escalo,

    supervisores e trabalhadores manuais especializados, variando internamente na capacidade

    de adquirir aquilo que acreditam ser um estilo de vida civilizado.

    Um estudo de hierarquia ocupacional confirma esta viso de prestgio na

    comunidade urbana africana52. Os entrevistados classificaram 31 ocupaes numa escala de

    1 a 5. Subseqentemente, quando as avaliaes foram convertidas num ranking

    simplificado, os trabalhadores profissionais ocuparam o 1o lugar, seguidos pelos de

    colarinho branco, trabalhadores especializados, supervisores e, finalmente, os no-

    especializados53. As respostas a uma questo aberta tornam patente o fato de que as

    ocupaes relacionadas aos europeus, mas que alguns africanos conseguiam desempenhar,

    angariavam um alto prestgio e que, em geral, aquelas que requeriam altas qualificaes

    profissionais eram classificadas no topo. Isto era verdade mesmo para um grupo de

    estudantes que treinava para ser arteso.

    possvel. O status depende, largamente, da riqueza e educao, e isto vincula-se europeizao. Hunter, M.1936, p.437.

    51 Os africanos expressam suas aspiraes nestes termos. Uma das principais atraes da cidade aoportunidade de adquirir civilizao (ukwkwala shifilaiseshoni). Little diz o mesmo dos Mende de SerraLeoa. Ver Little, K. 1948;195552 Dirigido a 653 estudantes e professores em Lusaka por A L Epstein e eu mesmo. Ser publicadooportunamente.53 Uma tabela com estes resultados est reproduzida no apndice I

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    O uso africano do estilo de vida europeu como um padro atravs do qual se

    mede o prestgio pode, ento, ser visto como um tipo de referncia do comportamento

    grupal54. Os danarinos mbeni o exibiam, copiaram os mais bvios e visveis smbolos de

    prestgio. A conexo entre mbeni e kalela preservada no uso da vestimenta como um

    nico smbolo. Os danarinos da kalela no usam mais o uniforme militar, mas as roupas

    elegantes dos homens de negcios e profissionais europeus: os africanos, geralmente,

    aceitaram os padres destes homens como aqueles aos quais eles mesmos aspiram. Os

    smbolos possibilitaram o menos tangvel, embora idealizado, estilo de vida civilizado. O

    mecanismo o mesmo, mas os smbolos de hoje so diferentes.

    significativo notar que nenhum dos danarinos da kalela profissional oucolarinho branco. Trs so alfaiates, o resto de trabalhadores no-especializados. Para

    uma equipe de danarinos que esto em ocupaes de baixo escalo, vestir roupas elegantes

    no estilo europeu particularmente importante. Aqueles que, em virtude de sua posio na

    comunidade, detm pouco prestgio na vida cotidiana, aos domingos vestem seus smbolos

    e marcas aparentes de hierarquia e os exibem aos espectadores admirados no ptio de

    dana.

    O estilo de vida europeu tornou-se de tal modo parte da vida nas reas

    urbanas que os prprios europeus saram do primeiro plano. Danarinos de kalela no

    procuram participao fictcia na sociedade europia, mas nos nveis superiores da

    sociedade africana da qual, pela falta de qualificao, esto excludos. O sistema de

    prestgio nas reas urbanas, ento, utiliza civilizao ou o estilo de vida europeu como

    padro a ser seguido. Para ganhar respeito em tal sistema, o africano precisa ser educado e

    ocupar uma posio da qual derive bastante prestgio, recebendo um salrio suficiente para

    permitir a compra de vestimentas e outros smbolos de prestgio. A populao urbana da

    frica estratificada de acordo com esta escala.s vezes presume-se que, na medida em que ela tornou-se estratificada, os

    laos no interior de cada extrato atravessaro diferenas tnicas e, eventualmente, as

    sobrepujaro. Por exemplo, escreve McCall: a formao de classe anuncia a morte do

    tribalismo no ambiente urbano. As marcas de classe so independentes das marcas da

    54 Merton, R. & Lazarsfeld, P.F 1950, tambm Mitchell, J. Clyde, 1955

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    filiao tribal; classes compreendem pessoas de vrias tribos55. Esta formulao muito

    geral para ser aceita sem reservas. Nosso interesse na classe relaciona-se sua

    interferncia na interao social, e no temos de especificar as situaes em que isto ocorre.

    Parece que a classe pode afet-las de dois modos distintos. Primeiramente, pode operar

    como categoria de prestgio, da que uma pessoa pode comportar-se diferentemente

    daquelas que acredita estarem acima ou abaixo de sua classe, ou seja, sua posio na

    escala de prestgio. Em segundo lugar, pode formar a base sobre a qual grupos corporados

    so recrutados. Muitos socilogos tm demonstrado, ultimamente, que devemos distinguir

    entre classe enquanto uma categoria de indivduos que, simplesmente, compartilham a

    mesma posio no continuum de prestgio, e classe enquanto um grupo de pessoaspredominantemente da mesma posio neste continuum que age corporativamente em

    situaes polticas56.

    Em que pese o fato de classe ser uma categoria social, certamente alguns

    trabalhadores manuais expressaram hostilidade em relao a trabalhadores no-manuais,

    mas eu hesitaria em deduzir que estes constituem uma classe oposta queles. Os

    escriturrios, seguranas de minas e outros africanos intimamente ligados aos funcionrios

    europeus esto numa posio peculiar: representam os africanos perante os europeus e vice-

    versa57.

    Freqentemente, aqueles africanos que no mantm contato com os europeus

    tendem a v-los, juntamente com os policiais das minas e funcionrios africanos como

    aliados dos europeus. Soubemos que durante os distrbios no Cinturo de Cobre, em 1935,

    policiais das minas, ancios de tribos e alguns dos funcionrios se refugiaram com os

    funcionrios europeus nos escritrios. Em seu depoimento Comisso Russell, uma das

    testemunhas africanas afirmou: As pessoas estavam zangadas com a polcia das minas por

    ter dito que no tinha simpatia por elas, e por nada ter feito quando foi pedido um salrio

    55 McCall, D.F 1955, p.15856 A distino foi feita de maneira clara por Cox, O C, 1945. Ver tambm Barnes, J.A, 1945b; Lensky, G.E1952; Goldschmidt, W 1953; Pfantz, H.W 1953; Little, K 1955 encontraram o mesmo problema na discussoda situao em Serra Leoa.57 Sugeri o termo intercalrio para descrever aquelas posies ocupadas por pessoas que ligam partesopostas num sistema de autoridade. Ver O conflito de papis em status intercalrios, paper lido na 8aConferncia de Pesquisas do Rhodes-Livingstone Institute. Gluckman, M. 1949 chamou ateno para oconflito de papis de uma pessoa ocupando um status intercalrio, nos seus comentrios sobre a posio deum diretor de escola. Epstein, A L. 1956 analisou o significado de posies intercalrias no sistema derelaes polticas nas cidades.

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    mais alto. No s isso, mas aquilo que deveria ter feito quando brigavam, disseram, no era

    aliar-se aos europeus e aos askari- deveria ter ficado com o povo58. Assim, quando um

    operador de escavadeira disse, em seu depoimento Comisso Russell, que os

    funcionrios tm muito poder e o administrador escuta qualquer coisa que digam, sinto

    que estava expressando sua hostilidade no classe de funcionrios que ocupa uma posio

    de relativo prestgio, mas queles que eram o principal ponto de contato com a

    administrao. Em outras palavras, o que aparentemente uma oposio entre classes no

    sistema de prestgio pode, de fato, ser parte de aspectos da oposio geral entre Brancos e

    Negros.

    A questo dificultada pelo fato de que os dados referentes s cidades daRodsia do Norte assegurem que, freqentemente, categorias de classe e tribal coincidem.

    Por exemplo, McCulloch escreve: Havia indcios de que as ocupaes mais especializadas

    e bem pagas estavam sendo desempenhadas por grupos de tribos especficas ou grupos de

    tribos. Havia uma tendncia, em outras palavras, de a classe econmica corresponder ao

    grupo tribal59. Circunstncias especficas, sem dvida, levaram a esta coincidncia. A

    predominncia, at recentemente, de africanos da Barotselndia e Niasalndia entre os

    funcionrios na Rodsia do Norte deve estar relacionada ao fato de missionrios terem

    iniciado um trabalho nestas reas mais cedo que em outras. Mas quaisquer que sejam as

    causas, quando se trata de anlise sociolgica, o fato emprico que prestgio e categorias

    tendem a coincidir. Atravs dos depoimentos tomados pela Comisso Russell, por exemplo,

    h referncias hostilidade existente entre os Bemba e os Niasa. Mas a predominncia de

    Niasa em postos clericais e de superviso no nos autoriza a afirmar que esta hostilidade

    tem razes nas diferenas de classe ou tribais.

    H diversos grupos corporativos que recrutaram seus membros entre

    africanos em nveis especficos do sistema de prestgio. Alguns deles, como a equipe dekalela, recrutam numa base tanto tribal quanto de classe: seus membros so todos Bisa nas

    posies mais baixas da hierarquia. possvel, embora eu no tenha dados para afirm-lo,

    que certos cultos religiosos recrutam seus membros de todas as tribos apenas nos nveis

    mais baixos do sistema de prestgio.

    58 Depoimento Comisso Russell, p.879.59 McCulloch, M 1956, p.67

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    O fato de que membros de certos grupos corporativos, como o de kalela, so

    recrutados em nveis especficos deste sistema interessante, e tentamos entender o porqu

    de ser assim. Porm a posio social, no sua raison dtre: eles existem para servir a

    outros interesses. At onde sei, africanos nos nveis mais baixos da hierarquia nunca se

    organizaram em oposio queles que esto no topo. Ocasionalmente, entretanto, alguns

    grupos surgiram com o objetivo de levar adiante seus interesses vis--vis aos europeus. So

    exemplos as antigas sociedades de bem-estar, que recrutavam seus membros entre a

    intelligentsia60, independentemente de sua origem tribal. Essas sociedades, embora

    compostas basicamente de africanos nos nveis superiores do sistema de prestgio, foram

    formadas com o intuito de melhorar as condies dos africanos que vivem em cidades, semlevar em conta sua filiao tribal ou de classe. Era inevitvel que adotassem um ponto de

    vista poltico. No decorrer do tempo, se uniram e formaram o Congresso Nacional

    Africano, que recruta seus membros em todos os nveis e tribos.

    Os africanos, como um todo, representam uma grande classe poltica e os

    europeus, outra. Nessa situao, os colarinho branco tornaram-se os lderes polticos

    africanos porque falam ingls e podem levar suas queixas e demandas facilmente

    entendidas pelos europeus. Mas a classe dos colarinho branco, aqui, representa os

    africanos como um todo e no oposta aos trabalhadores manuais61. A senhorita

    McCulloch ressalta que, em Livingstone, h uma luta pela liderana na cidade entre a elite

    Lozi e um nmero de forasteiros, indivduos selecionados em termos de riqueza, educao

    e ocupao62. Proporcionalmente, havia mais trabalhadores especializados entre os

    forasteiros63 do que entre os Lozi, mas havia, tambm, menos trabalhadores no-

    especializados em ambos os grupos do que entre outros grupos tnicos64. Em outras

    palavras, a luta por poder poltico se dava no entre trabalhadores especializados e no-

    especializados ou manuais e no-manuais, mas entre amplos grupos tnicos dentro de ummesmo extrato scio-econmico.

    60 Coulter, G.C 1933 p.8661 Este ponto tambm foi trazido por Hunter sobre os africanos de uma cidade da frica do Sul. Ela escreveu:A clivagem entre os Bantu e os europeus aumenta a solidariedade Bantu (e europia) e sobrepe-se sdiferenas econmicas dentro da prpria comunidade Bantu. Hunter, M 1936 p.46562 McCulloch, M 1956 p.5063 Basicamente das provncias ao norte e leste da Rodsia do Norte.64 McCulloch, M 1956. Tabela 23

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    Parece, ento, que os africanos do Cinturo de Cobre, como classe poltica,

    no se dividem nem por filiao tribal nem por filiao scio-econmica; as relaes

    cotidianas entre africanos no Cinturo de Cobre, entretanto, so afetadas por ambas, e as

    evidncias que possuo sugere que a filiao tribal de longe a mais importante.

    Tribalismo nas cidades

    A moderna vestimenta dos danarinos da kalela pode, ento, ser associada

    importncia do estilo de vida europeu e o seu papel na estratificao da populao

    africana no Cinturo de Cobre. Os danarinos da equipe de Luke Mulumba, deve serlembrado, eram recrutados em extratos relativamente inferiores do sistema e, atravs de

    uma mobilidade ascendente fictcia, se orgulhavam de poder se vestir com calas bem

    passadas, camisas impecavelmente limpas e sapatos bem engraxados.

    Mas tambm vimos que a equipe no era selecionada simplesmente por seus

    membros serem dos extratos inferiores, mas sim por serem parte exclusivamente da tribo

    Bisa. Ela, de fato, foi formada para cantar louvores ao povo Bisa em geral, ao mesmo

    tempo diferenciando-se das outras tribos da Cinturo de Cobre. S possvel observarmos

    este segundo elemento na kalela quando examinarmos o papel do tribalismo na interao

    social dos africanos nas reas urbanas.

    Mesmo num nvel de observao superficial, o significado do tribalismo nas

    relaes cotidianas na regio visvel. Sua manifestao mais cristalina, claro, est nas

    lutas tribais que ocorrem de tempos em tempos. Spearpoint registra, por exemplo, como um

    homem da rea de Kasai, no Congo Belga, choca-se com sua bicicleta com dois homens

    Bemba, e como os membros dos dois grupos rapidamente alinham-se junto a seus

    companheiros e iniciam a luta65. Lutas tribais no so mais corriqueiras no Cinturo deCobre, mas a oposio entre tribos pode ser observada em diversas ocasies. Os Tumbuka,

    por exemplo, ameaaram abandonar a organizao Free Church (literalmente, Igreja Livre)

    no Cinturo de Cobre, em 1952, porque o servio religioso era conduzido por um Bemba;

    os Bisa, de Luanshya, acionaram vrias vezes o comissrio do distrito no sentido de

    colocarem um assistente Bisa no tribunal. D. Chansa, assistente de pesquisa do Rhodes-

    65 Spearpoint, F 1937, pp.16-8. Ver tambm Depoimento Comisso Russell.

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    Livingstone Institute, relata, num estudo no publicado sobre o hbito de beber cerveja, que

    88% dos 130 homens da amostra disseram que escolhem seus companheiros de bebida

    entre os de sua tribo. No ano de 1940, em Broken Hill, Wilson descobriu que grupos de

    comensais tinham constituio tribal, embora no exclusivamente.

    Na Rodsia do Sul, a unidade tribal dos africanos urbanos expressa em

    sociedades funerrias66. Seus membros contribuem mensalmente com, digamos, 2 xelins e

    6 centavos e, em troca, tm direito assistncia social e financeira se no tiverem recursos,

    e tambm a benefcios em caso de ficarem em dificuldades econmicas. difcil avaliar at

    que ponto estas sociedades englobam todas as tribos encontradas nas cidades da Rodsia do

    Sul. Em seu relatrio anual, terminado em junho de 1955, o diretor da administrao nativade Salisbury afirma que 15 destas sociedades haviam informado sua composio67. Quantas

    outras deixaram de faz-lo, no sabemos. Certamente h mais de 15 tribos representadas

    em Salisbury. Na Rodsia do Norte, em contraste, parece haver muito menos sociedades

    tribais em atividade, exceto em Livingstone68. Somente os Lozi, parece, mantiveram

    alguma associao tribal. Uma, chamada Filhos da Barotselndia, estaria operando com

    sucesso nos anos de 1951-52 no Cinturo de Cobre. Em 1954, o jornal da corporao

    Rhokana, direcionado aos funcionrios africanos, Luntandanya, relatou que a Sociedade

    Nacional Barotse havia realizado um show em Nkana69. D. Chansa, no seu estudo sobre o

    hbito de beber cerveja, descobriu clubes de bebida em Lusaka, organizados segundo linhas

    tribais. Uma Sociedade de Bebidas Cobra foi formada por um grupos de homens cultos

    ngoni. Gastavam sua contribuio ao clube em cerveja, todos os fins-de-semana. Um clube

    de bebida Kaonde tinha o mesmo objetivo e era encabeado por um rei e outros oficiais,

    de forma muito semelhante equipe kalela. Outras sociedades tribais certamente existiram

    no passado, e novas esto sendo constantemente criadas. Em agosto de 1954, por exemplo,

    o jornal African Roan Antelope relatou que o povo Nyakyusa organizou uma espcie deluau e que eles, agora, esto unidos e entendem-se uns com os outros. Em setembro do

    mesmo ano, os Nyakyusa, em Kitwe, formaram uma sociedade tribal. Mas, na Rodsia do

    66 O paralelo com as sociedades de amigos, que se desenvolveram entre as classes operrias urbanas naInglaterra durante a Revoluo Industrial notvel. Cf. Hammond, J.L e Barbara, The bleak age, PelicanBooks, pp.227-867 pgina 45, pargrafo 19568 A senhorita McCulloch relata que em Livingstone no ano de 1953, havia cerca de 27 associaes tribais.McCulloch, M 1956 p.8

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    Norte, elas so raras e, pouco depois de surgirem, desaparecem. Na Rodsia do Sul,

    parecem ter-se tornado parte da estrutura social urbana.

    difcil dar uma explicao para esta diferena entre norte e sul. Somos

    tentados a procur-la no fato de as cidades sulinas terem uma maior populao interiorana.

    E porque as populaes urbanas so, no todo, mais isoladas de sua origem rural, com a qual

    poderiam contar em pocas de dificuldade, a necessidade de sociedades de amigos maior.

    O fato dos Lozi e Nyakyusa, dois povos relativamente distantes, terem associaes tribais

    no Cinturo de Cobre, sugere que possa haver algum motivo nisso tudo. Porm africanos da

    Rodsia do Sul so preponderantes em cidades sulistas, e as associaes tribais mais ativas,

    como a Sociedade de Ajuda Matabeleland, em Bulawayo, e a Sociedade de AjudaMashonaland, em Salisbury, so representantes de tribos mais prximas.

    possvel, tambm, que grupos de dana tribal no Cinturo de Cobre

    funcionem como sociedades de amigos, embora eu no tenha descoberto isso trabalho de

    campo nem perguntado aos meus informantes. O senhor C.M.N White me chamou a

    ateno para o fato de que os danarinos da nyakasanga, que so das tribos Luvale, Luchazi

    e Chokwe, formam uma sociedade de assistncia. Escreve ele: Eles contribuem para a

    ajuda a membros em dificuldades e pagam a passagem de volta rea rural, alguns artigos

    para que o membro destitudo leve consigo em seu retorno, e o caixo, assegurando ao

    membro moribundo um funeral adequado70. O quo ordinrio este tipo de sociedade, no

    sei dizer. W.J Scrivenor, em seu depoimento Comisso Russell, exps que a sociedade

    mbeni, no Congo, parecia ser uma sociedade de previdncia, dando dinheiro para as

    pessoas em dificuldade e providenciando funerais e coisas do tipo71.

    O chefe Bemba Munkonge, em depoimento mesma comisso, disse que o

    povo Mbeni no se ajuda72. Nenhum membro Mbeni que deps comisso mencionou

    estas sociedades de amigos como parte dos deveres de seu povo. possvel que s asequipes de dana das tribos mais distantes achem necessrio executar estes deveres.

    Outra diferena entre as duas Rodsias que pode ser significativa que, at

    onde sei, no h tribos joking (zombeteiras) na parte sul. No norte, elas se encarregam de

    69Luntandanya, II, 8 (novembro 1954)70 Numa carta a mim dirigida71 Depoimento Comisso Russell, p.45772 Depoimento Comisso Russell, p.128. Grupos de dana tribal da frica Ocidental, entretanto, agem comosociedades de amigos. Ver Banton, M. 1953a; 1954

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    muitas tarefas de um funeral que, nas reas rurais, seriam executadas por parentes de um

    determinado cl73. Na falta de um acordo recproco, fcil observar que outros,

    formalizados, devem existir para dar conta das responsabilidades, sendo as sociedades

    funerrias o caminho natural.

    A importncia das associaes tribais nas cidades do sul, em oposio s do

    norte, , sem dvida, relacionada evoluo destas ltimas. Ainda no possuo informaes

    que me permitam desenvolver este ponto, mas me parece que a existncia de ancios tribais

    na cidades mineradoras da Rodsia do Norte, desde os primrdios da explorao, deve ter

    influenciado profundamente no desenvolvimento das associaes tribais. Os ancios74

    sempre serviram como um foco do sentimento tribal. Tm sido reconhecidos, oficialmente,como representantes da tribo, organizam eventos para divertir seus chefes e dignitrios de

    outras tribos, o luto na morte de chefes (como os representantes dos Lunda do leste fizeram

    em Luanshya, quando Mwata Kazembe morreu), as tarefas necessrias durante o funeral e,

    sobretudo, recebem recm-chegados das reas rurais e lhes do hospitalidade at se

    familiarizarem com o ambiente urbano75.

    Um dado que surge que os sentimentos tribais so reforados pelas

    situaes sociais especficas desenvolvidas em cidades recm-criadas. A rea rural, de onde

    as minas de cobre tiram sua fora de trabalho, extensa. Somente na Rodsia do Norte,

    listam-se 27 grupos tribais distintos. Se os mais perto de Angola, Congo, Tanganika,

    Niasalndia, Moambique, Rodsia do Sul e Bechuanalndia forem includos, o nmero de

    grupos tribais dos quais saem trabalhadores para o Cinturo de Cobre soma algumas

    centenas. Mas a regio tambm tira sua fora de trabalho, predominantemente, de certas

    reas locais76. No distrito administrativo de Luanshya, em 1951 por exemplo, a distribuio

    tribal dos homens adultos e grupos tnicos amplos era:

    Bemba, Aushi, Bisa, Lunda do leste etc. 34.2%

    Lamba, Lala, Swaka, Lima etc. 24.5%

    73 ver pginas a seguir74 ver pginas a seguir75 Muitos ancios que depuseram na comisso Russell mencionaram suas tarefas e responsabilidades paracom seus companheiros de tribo recm-chegados. interessante notar que as tarefas do chefe da tribo emFreetown (Serra Leoa) eram quase idnticas. Ver Banton, M 195476 Mitchell, J.C 1954b

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    Nsenga, Chewa, Yao, Kunda, etc. 16.5%

    Kaonde, Lunda do oeste, Luchazi, etc. 9.8%

    Lenje, Tonga Mazabuka, Toka, etc. 5.6%

    Ngoni 4.0%

    Mambwe, Nyamwanga, Tumbuka 2.6%

    Lozi 2.2%

    Outros 0.6%

    Total 100%

    No h um padro de distribuio espacial entre as tribos do local. H umalonga lista de espera para casas, tanto que, assim que uma delas vaga, logo preenchida

    pelo prximo homem da lista. As tribos, ento, se espalham por todo o espao 77. H

    considervel movimento de pessoas entrando e saindo dos distritos da regio. Isto se deve,

    em parte, ao fato de a mo-de-obra africana ser largamente migratria e, em parte, ao fato

    de as casas serem alugadas do conselho administrativo pelos empregadores, ento o

    operrio africano tem de mudar de residncia toda vez que muda de emprego. O resultado

    que a composio dos distritos est constantemente mudando e h pouca chance de se

    desenvolver uma estrutura comunitria definitiva em qualquer parte.

    numa situao como esta, em que vizinhos esto constantemente mudando

    e pessoas das mais variadas tribos se juntam, que a distino entre povos torna-se evidente.

    Esta diferenciao mostra-se de vrias maneiras. A mais importante, sem dvida, a

    lngua. Mas a vestimenta, os hbitos alimentares, msica, danas, todas fornecem

    indicadores ou smbolos de pertencimento tnico.

    Isto significa que a classificao por tribo permite a um africano que viva

    numa localidade onde os contatos devem ser, por necessidade, superficiais, classificarqualquer outro africano numa categoria, definir a situao e permitir a adoo de um tipo

    de comportamento particular em relao a ele.

    77 H uma tendncia para que os quartos, na parte dos solteiros, sejam ocupados por 4 ou 6 homens de ummesmo grupo tnico. Wilson, G 1942, p.75, em 1940, relatou que, em Broken Hill, companheiros de tribostendem a se agrupar em cabanas adjacentes. No sei se isto ainda verdade.

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    Distncia tribal

    A habilidade em classificar uma pessoa numa categoria especfica

    pressupe, claro, um certo conhecimento sobre ela- lngua, vestimenta, hbitos

    alimentares e todas as suas caractersticas culturais. As pessoas, geralmente, conhecem algo

    sobre seus vizinhos tribais, sua lngua e caractersticas gerais de sua cultura. Assim, alm

    da similaridade cultural que pode unir pessoas numa rea urbana, a familiaridade, numa

    situao onde h tantos desconhecidos, pode unir pessoas que, nas reas rurais, tinham certa

    hostilidade mtua. H dois princpios que servem como classificadores das relaes entre

    membros de tribos distintas numa rea urbana. O primeiro a similaridade cultural e osegundo, a familiaridade. Na Rodsia do Norte, h poucas fronteiras culturais bem

    demarcadas- as culturas tendem a misturar-se umas nas outras em toda a regio. Os dois

    princpios se superpem na prtica.

    Fiquei impressionado com o significado do tribalismo durante o trabalho de

    campo, mas senti a necessidade de complementar meus dados com material quantitativo.

    Conseqentemente, uma colega, a senhorita J. Longton78, e eu tentamos tirar informaes

    adicionais sobre tribalismo enquanto categoria social, atravs da adaptao da escala de

    distncia social elaborada por Bogardus. Bogardus, depois de um extensivo trabalho

    preliminar, selecionou sete situaes sociais tpicas que, segundo o critrio adotado ,

    representavam sete estgios da distncia ou proximidade social. Eram as seguintes:

    1- casaria2- teria como amigo3- trabalharia no escritrio4- teria vrias famlias na vizinhana5- teria como conhecidos com os quais fala6- moraria fora da vizinhana7- moraria fora do pas

    78 Num paper sobre Distncia social numa escola secundria, na 9a Conferncia de Pesquisadores doRhodes-Livingstone Institute, em maro de 1955. Esperamos publicar o relatrio completo em breve.

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    Bogardus, ento, pediu que seus entrevistados respondessem a perguntas sobre estas

    situaes sociais relacionadas a diversos grupos tnicos, ocupacionais etc.79

    Seguimos sua proposta. Depois de algum debate com os assistentes de

    pesquisa africanos do Rhodes-Livingstone Institute, decidimos, levando em conta a

    experincia social geral na frica Central, que as seguintes situaes representariam

    estgios no estabelecimento da distncia social, mais ou menos equivalente aos usados por

    Bogardus:

    1- aceitaria parentesco por casamento2-

    dividiria uma refeio com ele

    3- trabalharia junto com ele4- permitiria viver prximo na mesma cidade5- permitiria fixar residncia na minha rea tribal6- permitiria como visitante na minha rea tribal7- excluiria de minha rea tribal

    Ns, ento, selecionamos 21 tribos, 19 das quais so as mais importantes da Rodsia do

    Norte, uma da Rodsia do Sul e outra do Sudo. Elas foram escolhidas de tal modo que,

    pelo menos uma, representava os maiores grupos tribais da Rodsia do Norte. Eram elas:

    Povos matrilineares do norte: Bemba, Bisa, Aushi

    Povos matrilineares do oeste: Chokwe, Kaonde, Lovale, Luchazi e Mwinilunga

    Povos matrilineares do centro: Ila, Lenje, Soli, Tonga do distrito de Mazabuka

    Povos matrilineares do leste: Chewa, Nsenga

    Povos patrilineares do norte: Mambwe, Nyamwanga e TumbukaPovos patrilineares do sul: Ndebele e Ngoni

    Povos bilaterais: Lozi

    Sudo: Zande

    79 Bogardus, E.S 1933

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    O grupo do Sudo, os Zande, foi includo como joker (zombeteiro). Cuidamos para que

    nenhum dos entrevistados tivesse tido contato com os Zande para que pudssemos ser

    capazes de julgar reaes a pessoas desconhecidas.

    Formulamos, ento, em forma de questionrio, cada uma das situaes em

    relao a cada tribo. Por exemplo: voc concordaria em dividir uma refeio com um Bisa

    ? ou voc concordaria em casar com uma Lozi ?. Listamos aleatoriamente 147 perguntas

    assim elaboradas. Os entrevistados tinham de responder sim, no, ou no sei e

    indicar a intensidade do sentimento numa escala de 1 a 3.

    O grupo de entrevistados escolhido para a experincia constava de 329

    estudantes de uma escola secundria local. Admitimos que a amostra altamente seletiva,mas foi necessrio usar um grupo alfabetizado, pela prpria natureza do teste. Nossos

    resultados mostraram tamanha concordncia com aqueles que obtivemos na situao de

    campo, que confiamos que tais resultados so, provavelmente, vlidos.

    Quando a tabela de respostas foi feita, ficou bvio que a ordem das situaes

    utilizadas tinha, de fato, sido insatisfatria. Ao invs, achamos que a ordem correta deveria

    ser:

    1- admitiria parentesco atravs de casamento2- permitiria fixar residncia na mesma rea tribal3- permitiria viver prximo na mesma rea tribal4- dividiria uma refeio5- trabalharia junto6- permitiria como visitante

    Tabela I: porcentagem de entrevistados dos povos matrilineares do norte de acordo com osgraus de proximidade social entre tribos

    A B C D E F %Bemba 89 94 90 96 95 99 93.7

    Bisa 82 94 93 96 98 96 93.0Mambwe 81 88 90 94 94 95 90.2

    Ushi 75 83 86 90 95 93 86.8Nsenga 74 77 89 89 89 99 85.9Ngeni 58 83 85 94 85 94 82.9

    Nyamwanga 71 78 88 81 91 88 82.7Lenje 50 73 84 90 88 96 79.7

    Tumbuka 53 74 79 88 75 91 76.3Ndebele 69 57 70 90 80 81 74.2

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    Chewa 53 65 73 89 80 85 73.8Soli 40 72 70 77 81 88 70.8

    Kaonde 40 68 65 80 79 90 69.8Tonga 32 61 60 80 86 90 67.4

    Ha 32 56 53 68 85 89 63.1Lozi 23 53 63 74 78 84 61.9

    Lunda 22 52 53 63 79 88 58.7Luchazi 10 50 45 31 56 69 42.9Chokwe 10 44 41 32 57 76 42.6Zande 15 27 45 56 46 64 41.7Lovale 11 43 35 33 58 72 41.3

    Nota: Esta tabela substitui uma verso errnea que apareceu em edies anteriores.A. concordaria em ter parentesco prximoB. permitiria fixar-se na rea tribalC. permitiria viver na mesma aldeiaD. dividiria uma refeioE. trabalharia juntoF. permitiria apenas como visitante na rea tribal

    A ltima categoria, excluiria, infelizmente se mostrou precria, provavelmente por causa

    da dificuldade semntica envolvida na resposta positiva a uma questo colocada de forma

    negativa. Esta nova ordem de situaes apresenta um problema interessante que devemos

    levantar adiante. Por enquanto, tudo o que precisamos relatar as investigaes

    preliminares, cujos seis itens formam uma possvel escala Guttman80.

    Somente os resultados preliminares do estudo esto disponveis. 329

    questionrios foram classificados pelos grupos tnicos dos entrevistados. Usando a mdia

    ponderada do percentual dos que responderam sim para vrias tribos, podemos orden-

    las em termos de distncia social para cada um dos grupos tnicos. A tabela I mostra os

    resultados do ponto de vista dos povos matrilineares do norte.

    Podemos reorden-la, agrupando as tribos segundo similaridades culturais

    mais abrangentes, como na tabela II. A tendncia geral visvel.

    Tabela II: tribos dispostas de acordo com a distncia social dos povos matrilineares do

    norteMatrilineares

    do nortePatrilineares

    do norteMatrilineares

    do lestePatrilineares

    do sulMatrilineares

    do centroBilaterais Matrilineares

    do oeste1 Bemba2 Bisa3 Mambwe4 Aushi5 Nyamwanga Nsenga67 Ngoni

    80 ndices de reproduo estendem-se de 0,91 a 0,95 para diferentes grupos tnicos. Para seu significado, verStouffer, A.S 1950

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    8 Lenje9 Tumbuka

    10 Ndebele11 Chewa

    12 Soli13 Kaonde14 Tonga15 Ila16 Lozi17 Lunda18 Luchazi19 Chokwe20 Lovale

    O grupo testado composto de matrilineares do norte foi tomado da seguinte forma: Bemba, 36; Lamba, 10; Lungu; 8;Lala, 6; Bisa, 5; Chishinga, 4; Lunda do leste, 4; Senga, 4; Ngumbo, 3; Tabwa, 3; Aushi,2; Swaka,1; Luano 1. Total = 87

    Os povos patrilineares do norte so aceitos mais prontamente, seguidos dosmatrilineares do leste, patrilineares do sul, matrilineares do centro, Lozi e, finalmente,

    matrilineares do oeste, os menos aceitos. Uma caracterstica interessante surge desta tabela:

    dentro de qualquer grupo tnico as tribos se organizam de acordo com a distncia de seu

    local de residncia em relao aos povos matrilineares do norte. Entre os patrilineares do

    norte, os Mambwe por exemplo, vivem em contato ntimo com a tribo mais representativa

    dos povos matrilineares do norte, os Bemba. Prximos na ordem de distncia social e fsica

    esto os Nyamwanga e, por fim, os Tumbuka. Os Kaonde fornecem um exemplo

    particularmente interessante. Do ponto de vista cultural, esto entre os Lunda e os Bemba.

    Tambm se situam, geograficamente, numa posio intermediria. Isto reflete-se, de modo

    muito claro, na hierarquia onde a distncia entre os Kaonde e os povos matrilineares do

    norte muito menor do que qualquer outro grupo matrilinear do oeste.

    Os padres de distncia social de outros grupos tnicos no surge to

    claramente quanto o dos povos matrilineares do norte mas, geralmente, as mesmas

    caractersticas aparecem81. Se considerarmos o padro que emerge das respostas dos povos

    matrilineares do norte, descobrimos que os outros povos patrilineares so colocados maisperto deles. A seguir, temos os povos matrilineares do norte. No seu interior, a ordem :

    Bemba, Bisa e, ento, Aushi, tanto relativa distncia geogrfica quanto dessemelhana

    cultural em comparao com os patrilineares do norte. Prximos na lista esto os

    matrilineares do leste, seguidos pelos matrilineares do centro e, finalmente, os Lozi e os

    matrilineares do oeste. A correlao entre distncia social e geogrfica interrompida no

    81 Ver tabelas no Apndice II

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    caso dos matrilineares do centro, onde os Soli, que vivem a sudeste da cidade de Lusaka,

    colocam-se um pouco abaixo dos Tonga e Ila, ligeiramente mais distantes.

    O padro para os matrilineares do centro similar, mas h anomalias

    interessantes. Uma, que os Ngoni e Ndebele esto numa posio bem elevada. Outra,

    que os Kaonde esto colocados muito acima dos matrilineares do oeste. Uma grande parte

    dos matrilineares do centro era Tonga e Ila, que eram atacados pelos Ndebele em busca de

    gado em fins do sculo passado82. provvel que eles e os Ngoni, intimamente associados,

    ainda tragam consigo as glrias de seus antepassados guerreiros. J mencionei que os

    Kaonde so um grupo culturalmente intermedirio entre os Lunda do distrito de

    Mwinilunga para o oeste e os Lamba, um dos povos semelhante aos Bemba, para o leste.Ao sul, tendem a se assemelhar aos Ila do distrito de Namwala, e provvel que os

    entrevistados estejam reagindo a este esteretipo.

    Os matrilineares do leste tambm fornecem uma anomalia interessante.

    Primeiramente, os Ngoni e Ndebele colocam-se na categoria mais prxima, contudo os

    primeiros esto acima, tanto dos Chewa quanto dos Nsenga. Os Ngoni vieram para o

    distrito do leste e estabeleceram um Estado no qual subjugaram tribos, colocando-as em

    posio de inferioridade. Creio que os conquistadores Ngoni ainda tm um prestgio

    considervel entre muitos de seus antigos inferiores, e mesmo povos matrilineares do leste

    so incorporados estrutura social de Fort Jameson83. Aps este grupo, seguem os

    matrilineares do norte e, ento, os matrilineares do centro geograficamente mais prximos.

    Os do leste so suficientemente prximos Niasalndia do norte para saberem que os

    Tumbuka, como eles, foram integrados ao estado Ngoni. Acho, portanto, que eles olham os

    Tumbuka como um outro tipo de Ngoni. Os Mambwe e Nyamwanga, entretanto, parecem

    ser considerados como parte da massa de fala Bemba. Acho que a ordem correta, do ponto

    de vista dos matrilineares do leste, , depois de si prprios, os Ngoni, a seguir os Bemba, osmatrilineares do centro e, finalmente, os matrilineares do oeste. Devemos procurar uma

    explicao para esta anomalia de se colocar os Bemba acima dos matrilineares do centro no

    sistema de relaes de zombaria ( joking) entre algumas tribos na Rodsia do Norte-

    ponto ao qual retornarei mais tarde.

    82 Ver Colson, E 1951 pp.10083 Ver Barnes, J.A 1951; 1954a

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    H um terceiro fator relacionado ao estabelecimento da distncia social entre

    as tribos. At ento, sugeri dois fatos inter-relacionados: distncia geogrfica e similaridade

    cultural. No interior do grupo matrilinear do norte, em todas as hierarquias tribais, os

    Bemba so colocados na posio mais alta e os Aushi, na mais baixa. Os Kaonde e os

    Lunda so colocados acima de outros povos matrilineares do oeste, os Soli, o mais baixo

    dentre os matrilineares do centro. Os matrilineares do oeste esto sempre na base, exceto na

    bilateral e na sua prpria. Em outras palavras, algumas tribos adquiriram certa reputao,

    umas favorveis e outras, desfavorveis, afetando sua posio na escala de distncia social,

    parte a similaridade cultural e familiaridade devido proximidade de seus locais de

    residncia rurais. fcil explicar algumas destas reputaes. A bravura militar dos Ngoni,

    Ndebele e Bemba, por exemplo, sem dvida contribuiu para a alta posio destes povos por

    todas as escalas84. O fato de os Luchazi, Luvale e Chokwe aceitarem ocupaes que os

    pem em contato com excremento humano, sem dvida favorece sua colocao na base da

    escala. Minhas informaes insuficientes para explicar por que essas outros tm essas

    reputaes, necessitando de um trabalho de campo mais amplo.

    Anomalias em certas classificaes so explicadas, tambm, por referncia a

    contatos no passado. Um exemplo cristalino fornecido pela classificao Lozi. Aqui, os

    Ndebele so colocados prximos dos prprios Lozi, e largamente separados dos Ngoni,

    com os quais, em outras classificaes, so intimamente associados. Esta explicao deve-

    se, sem dvida, ao fato de os Ndebele terem guerreado contra os Lozi antes da chegada dos

    europeus, e estabelecido para si a reputao que persistiu. Os Ngoni, por outro lado, nunca

    tiveram contato com os Lozi e so posicionados no mesmo nvel que os distantes Mambwe.

    Creio, tambm, que a alta posio dos Ndebele e Ngoni, do ponto de vista dos matrilineares

    do centro, pode ser explicada na mesma base.O ponto principal que surge da experincia que, quanto mais distante um

    grupo de povos est de outro, social e geograficamente, maior a tendncia a encar-los

    como uma categoria indiferenciada e coloc-los sob a rubrica geral, por exemplo, de

    84 Note, entretanto, que os Lozi, que tambm eram um povo militar, aparentemente no gozam de talreputao.

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    Bemba, Ngoni, Lozi etc85. Neste sentido, do ponto de vista do africano do Cinturo

    de Cobre, todas as tribos, que no as de sua rea de residncia, tendem a se reduzir a trs ou

    quatro categorias, levando o nome de tribos que, por ocasio da chegada dos europeus,

    eram as mais poderosas e dominadoras da regio.

    Tribalismo e relaes entre categorias

    A tendncia a reduzir a diversidade de tribos a umas poucas categorias

    parte de um processo sociolgico geral, devendo ser apreendido se quisermos entender as

    relaes sociais entre africanos nas reas urbanas.Por este processo, relaes superficiais entre povos so determinadas por

    certas categorias principais dentro das quais no se reconhecem diferenas. Devemos

    examin-lo mais de perto luz dos depoimentos no Cinturo de Cobre. L, a maioria da

    populao formada de tribos matrilineares das provncias do norte e centro que tm em

    comum, entre outras coisas, um sistema clnico. A priori, podemos deduzir que, numa

    situao urbana, na qual muitos forasteiros so postos em contato, o sistema clnico, to

    comum entre tantos deles, forneceria um mecanismo por meio do qual se inventaria uma

    ligao entre vizinhos. De fato, meus dados sugerem que no isto que acontece. Um sinal

    disso surgiu claramente durante uma viagem de campo entre os Kaonde do distrito de

    Kasempa, na Rodsia do Norte86. Os Kaonde, como muitas outras tribos norte-rodesianas,

    organizam-se em cls matrilineares exogmicos. Entre eles, a regra da exogamia ainda

    bastante forte; em Kasempa, durante uma curta viagem de campo, o dr. Watson e o sr. van

    Velsen no encontraram casamentos entre pessoas com o mesmo nome clnico. Quando

    encontravam um desses casos, analisavam as circunstncias em que este fato se deu. Parece

    que o casamento foi contrado no Cinturo de Cobre e o casal, quando l, no se preocupouem perguntar os nomes dos cls. Descobriram que haviam cometido incesto somente

    quando retornaram para a rea rural, onde o sistema de cls importante.

    85 Cf. Depoimento de E.B.H Goodall Comisso Russell: Creio ser uma boa idia inteirar os comissrios dofato de que o termo (Bemba) largamente utilizado e cobre outras tribos como os Ushi (Aushi), Wisa eLuwunda (Lunda do leste). Depoimento Comisso Russell. P.30186 Sou grato ao dr. W.Watson e ao sr. J. van Velsen, que me relataram este incidente.

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    Outro incidente em Luanshya, em 1951, sustenta a idia de que o sistema de

    cls no surge enquanto categoria significativa nas relaes sociais no Cinturo de Cobre.

    Uma mulher Lenje, casada com um homem Bisa, morreu repentinamente. Seu nome

    clnico matrilinear era chowa (cogumelo). Normalmente, em reas tribais, as obrigaes

    do funeral deveriam ser executadas por membros do cl zombeteiro, isto , o cl chulu

    (formigueiro). Como disse, os mesmos nomes clnicos aparecem numa grande parte das

    tribos predominantes no Cinturo de Cobre, e deveramos esperar que membros do cl

    formigueiro entre os Lenje, Lamba, Lala, Swaka, Liwa, Bemba, Kaonde ou mesmo os

    Bisa, executassem as obrigaes do funeral. Na realidade, foram os Yao que

    desempenharam este papel. A explicao para este fato que a tribo Yao, como um todo,encontra-se numa relao zombeteira com os Bisa, a tribo do esposo. Os Lenje, at onde

    sei, no tm relaes zombeteiras com outras tribos. Assim, nesta situao urbana, em que

    tribo a categoria social predominante, era a zombeteira, do esposo, que vinha executar

    as obrigaes do funeral.

    Os dados sugerem que interaes casuais entre africanos no Cinturo de

    Cobre, portanto, so essencialmente determinadas pelo pertencimento a uma tribo. Esta

    interao um aspecto das relaes categricas que afloram em qualquer situao onde os

    contatos devem ser, necessariamente, rpidos e transitrios. O processo foi descrito em

    termos gerais por Shaler, h muitos anos. Disse ele: No incio de qualquer relacionamento

    o outro , inevitavelmente, tratado de modo categrico. Ele tomado como membro do

    grupo, reconhecido atravs de poucos sinais convenientes: medida que o relacionamento

    com uma certa pessoa se desenvolve, esta categoria tende a ser qualificada. Seus limites so

    estendidos at que desapaream87. Hiller expressa a mesma idia. Diz ele: A...tendncia

    categorizante economiza esforos nas relaes sociais pois fornece um plano para

    reciprocidades e mesmo para recus-las. Este , especialmente, o caso ao lidar comestranhos. Classificar pessoas implica o seu conhecimento e o planejamento antecipado das

    relaes88.

    No surpresa que a categoria significativa nas relaes sociais cotidianas

    entre africanos no Cinturo de Cobre seja o tribalismo. H um fluxo constante de recm-

    chegados s cidades, oriundos dos distritos rurais, de onde a regio alicia sua fora de

    87 Shaler, N.S 1904

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    trabalho. Eles no so imediatamente absorvidos pelo sistema de prestgio que,

    possivelmente, forneceria um princpio alternativo de interao social. Ao invs disso, sua

    prpria distino tnica, com a qual contava nas reas rurais, imediatamente substituda

    pela multiplicidade de tribos com as quais so postos em contato. Sua importncia para eles

    , ento, exagerada, e se teria a base sobre a qual agem com todos os estranhos.

    Uma tribo, nas reas rurais, um grupo de pessoas unido num nico sistema

    poltico e social, compartilhando uma srie de crenas e valores. Usamos a palavra tribo

    neste sentido, ento, para denotar o grupo de pessoas ligadas num dado sistema social.

    Porm, quando falamos de tribalismo em reas urbanas, no nos referimos unio de

    pessoas numa estrutura padronizada, isto , uma tribo, mas a uma subdiviso de pessoas emtermos de seu sentimento de pertencimento a certas categorias, definidas segundo critrios

    tnicos.

    Tribalismo no Cinturo de Cobre, ento, refere-se a agrupamentos formados

    com base em amplas diferenas culturais. H uma tendncia entre os Bemba e outras tribos

    da provncia do norte a considerar os Chewa, Nsenga, Kunda e outros povos de provncia

    do leste, por exemplo, como Ngoni, e todas as tribos da Niasalndia, embora sejam to

    diversas quanto os Tumbuka e os Lomwe, como Nyasa. Da mesma maneira, as tribos da

    provncia do leste tendem a agrupar os Lungu, Tabwa, Lunda do leste, Bemba e outras

    tribos da provncia do norte numa s categoria- os Bemba.

    evidente que no h correlao entre uma estrutura tribal, de um lado, e

    tribalismo, como uso esta palavra, de outro. A primeira um sistema de relaes sociais,

    o segundo uma categoria de interao dentro de um sistema mais amplo. Harlow, ao que

    parece, falhou ao tentar distingui-los num de seus poucos trabalhos publicados

    especificamente sobre o tribalismo89. Diz, por exemplo: H bastante evidncia para apoiar

    a idia de que o tribalismo, na frica, est em declnio e, ento, descreve as mudanas emcurso na estrutura social tribal. Mais adiante, diz: Sob a terrvel presso das tcnicas e

    idias ocidentais, os africanos, em muitos territrios, instintivamente cerram fileiras para

    sua auto-preservao; e as nicas classes que conhecem so as da tribo. Da a reafirmao

    agressiva da identidade tribal e do prestgio.

    88 Hiller, E.T 1947, p.64389 Harlow, V 1955

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    Como prova de que o tribalismo no est em declnio, Harlow cita os

    Chagga, que, recentemente, elegeram um chefe supremo, quando nunca tinham tido um.

    Mas uma pista importante est contida na frase: Os Chagga conseguiram um porta-voz e o

    investiram de autoridade e prestgiopara falar com os europeus90. Minha impresso a de

    um povo antes frouxamente ligado e agora unindo-se em oposio ao grupo externo de

    europeus. A identidade Chagga tornou-se uma categoria relevante de interao num

    sistema social mais amplo que o da tribo. A estrutura interna da tribo pode, de fato, sofrer

    grandes mudanas e o sistema tribal pode sucumbir; mais ainda, possvel que um senso de

    unidade tribal seja evocado em oposio a um grupo externo.

    Mas o tribalismo dos Chagga um fenmeno diferente daquele dos africanosdo Cinturo de Cobre. Para eles, o tribalismo uma categoria poltica: seu chefe representa

    o povo para as autoridades externas. No Cinturo de Cobre, o tribalismo uma categoria na

    interao social cotidiana. Ele fornece um mecanismo por meio do qual relaes sociais

    com estranhos podem organizar-se segundo uma situao social fluida. Aqui, onde muitos

    homens de diversas tribos concentram-se numa pequena rea, os sindicatos, o Congresso

    Nacional Africano e instituies similares operam no mesmo tipo de campo social que os

    Chagga e renem africanos, independentemente de sua origem tribal, em oposio aos

    europeus.

    Tribalismo e administrao urbana

    O fato de tribalismo, enquanto categoria social, ser significativo na interao

    social entre africanos, sozinho, no pode ser apresentado mais claramente do que a histria

    da representao tribal no Cinturo de Cobre. As companhias mineradoras perceberam

    rapidamente o significado do tribalismo como um fator nas relaes sociais e, em 1931,decidiram organizar um conselho de trabalhadores seguindo as linhas tribais. Spearpoint,

    que criou o programa na poca, era o chefe do departamento de pessoal91 nas minas de

    cobreRoan Antelope e, felizmente, registrou as etapas de seu nascimento92. Antes de 1931,

    90 Harlow, V 1955 p.19 Meu itlico.91 O chefe de pessoal era o oficial da mina responsvel pelo recrutamento, abrigo, alimentao e bem-estargeral dos trabalhadores africanos. Recentemente, o escritrio foi reba