7 Jose SimoesAspetos de Pragmaticalizacao Dem Mnarcadores Discursivos Alemao Portugues
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Simes, J. Aspectos de pragmaticalizao de marcadores discursivos
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Aspectos de pragmaticalizao de marcadores discursivos no alemo e no portugus
Jos da Silva Simes* Abstract: In this article, I discuss the syntactic, semantic and discursive roles of conjunctions as discourse markers in German and Portuguese (wobei, weil and obwohl; porque and que). I also provide some evidence for the process of grammaticalization/ pragmaticalization in which these markers are involved. This study is part of a broader contrastive-analysis project which aims to investigate the grammaticalization process of complex sentences in German and Portuguese from a cognitive-discursive perspective. Keywords: Discourse markers; linguistic change; German; Brazilian Portuguese; Pragmaticalization Resumo: Neste artigo, discute-se o papel discursivo, semntico e sinttico dos marcadores discursivos de origem conjuncional do alemo e do portugus (wobei, weil e obwohl; porque e que) e enumeram-se algumas evidncias a respeito do processo de gramaticalizao/ pragmaticalizao desses marcadores em ambas as lnguas. O estudo faz parte de um projeto de anlise contrastiva dos processos de gramaticalizao das sentenas complexas do alemo e do portugus e toma como base uma perspectiva terica cognitivo-discursiva. Palavras-chave: Marcadores discursivos; mudana lingstica; alemo; portugus brasileiro; pragmaticalizao.
0. Introduo
Com o desenvolvimento da Pragmtica Lingstica, h muito tempo os
marcadores discursivos (doravante, MD) tm sido foco de vrios estudos. Entre os
trabalhos que se destacam nesta rea esto o livro de Deborah SCHIFFRIN (1987) e os
trabalhos de FRASER (1988, 1990 e 1998). Estes estudos iniciais destacavam o carter
discursivo desses itens. Posteriormente, desenvolveram-se anlises sobre o seu estatuto
sinttico-semntico, tentando separ-los em categorias distintas entre partculas
discursivas (marcadores conversacionais e partculas modais) e advrbios de sentena.
Recentemente, com a ampliao do escopo dos estudos sobre gramaticalizao,
os mesmos MD tm sido alvo de novas anlises. Romanistas alemes vm discutindo
bastante o estatuto dos mesmos na lngua falada (KOCH/OESTERREICHER 1990) e sua
evoluo na diacronia das lnguas romnicas (WALTEREIT 2002 e 2006; DETGES 2001;
* Professor Doutor do Departamento de Letras Modernas/FFLCH/Universidade de So Paulo [email protected].
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WALTEREIT/DETGES 2007). TRAUGOTT (1995 e 2007) tem depositado especial ateno
ao desenvolvimento desses itens no canal de gramaticalizao sob uma perspectiva da
propapalada unidirecionalidade do vetor da mudana lingstica, enquanto outros, como
o grupo de Susanne GNTHNER do departamento de Germanstica da Universidade de
Mnster (GIDI-Projekt Grammatik in der Interaktion), defendem uma viso
pancrnica da lngua, observando os MD como elementos que evoluem segundo o
resultado da somatria de suas propriedades sintticas, semnticas e discursivas e em
funo de seu contexto de produo. GNTHNER (1999, 2000 e 2001) publicou vrios
trabalhos sobre o uso de itens conjuncionais que no alemo evoluram para MD, como
o caso de obwohl, weil e wobei.
unnime na literatura sobre o assunto a idia de que os MD desempenham um
papel fundamental na construo dos textos orais, pois no nvel do discurso acumulam
as funes de a) elementos de coeso intra- e intertextual, b) atuam como elementos de
negociao de turnos e tpicos que regulam a ao dos interlocutores, e c) so ndices
de modalizao do discurso.
Esse cenrio confirma a necessidade de estudar a relao existente entre o papel
polissmico e multifuncional dos MD nos planos da Sintaxe, da Semntica e do
Discurso tanto como itens extra-sentenciais e como elementos que atuam na ligao
intersentencial (parataxe/hipotaxe). Se observarmos que esses itens conjuncionais,
tanto em alemo como em portugus, desempenham funes equivalentes, possvel
afirmar que esse processo de gramaticalizao est submetido a universais cognitivos
comuns a vrias lnguas.
Defende-se aqui que uma anlise contrastiva dos processos de gramaticalizao
das sentenas complexas do alemo e do portugus pode ajudar no reconhecimento
desses universais. Para a investigao do processo de gramaticalizao dos MD do
alemo e do portugus, necessrio tomar como base uma anlise dos diferentes graus
de agregao e integrao sinttica (cf. RAIBLE 1992) das estruturas sentenciais do
alemo e do portugus em textos falados e escritos.
Neste estudo, pretende-se a) traar um panorama inicial a respeito do papel
discursivo, semntico e sinttico dos marcadores conversacionais de timo conjuncional
do alemo (wobei, weil e obwohl) e do portugus (porque e que), e b) enumerar algumas
evidncias a respeito do processo de gramaticalizao/pragmaticalizao desses
marcadores em ambas as lnguas.
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Na primeira seo (1.), apresento uma discusso prvia respeito da delimitao
do conceito de MD, historiando como os mesmos vm sendo tratados nos domnios da
Anlise da Conversao. Nas sees seguintes, discuto primeiramente (2.) como os
mesmos tm sido estudados segundo a perspectiva da mudana lingstica, observando
os pressupostos da Teoria da Gramaticalizao, e (3.) introduzo a discusso acerca da
diferenciao entre os conceitos de Gramaticalizao e Pragmaticalizao e como essa
distino tem colaborado para a anlise de MD de lnguas como o francs e o alemo,
procurando evidenciar como isso pode ser aplicado tambm a MD do portugus. Na
seo (4.) discorro a respeito do grau de sentencialidade de construes introduzidas
pelos MD em questo. Finalmente, em (5.), reno algumas concluses a respeito da
utilizao dos MD wobei, obwohl e weil do alemo e porque e que do portugus.
1. Os marcadores discursivos: uma proposta de releitura
Inicialmente, Deborah SCHIFFRIN (1987:31) j havia proposto que MD so
sequentially dependent elements which bracket units of talk, itens que devem ser
vistos como elementos lingsticos, paralingsticos ou no-verbais que sinalizam
relaes entre as unidades de conversao atravs de suas propriedades sintticas e
semnticas, se assim a possurem, e atravs de sua posio seqencial inicial ou final,
demarcando as margens destas unidades. FRASER (1990) e REDEKER (1991), ao fazerem
uma anlise crtica da abordagem de SCHIFFRIN, propuseram uma reordenao nos
planos de anlises apontados pela autora.
REDEKER (1991) prope, por sua vez, a seguinte reformulao do conceito de
MD:
a discourse operator is a word or phrase - for instance, a conjunction, adverbial, comment clause, interjection - that is uttered with the primary function of bringing to the listeners attention a particular kind of linkage of the upcoming utterance with the immediate discourse context. An utterance in this definition is an intonationally and structurally bounded, usually clausal unit (REDEKER 1991:1168)
FRASER (1990 e 1998) foi outro autor que se preocupou com a questo da
delimitao do campo de estudo dos MD. O autor prope uma anlise em dois nveis: o
nvel do contedo e o nvel pragmtico. No nvel do contedo, o estado de coisas se
reflete nas proposies, sejam elas de quais tipos forem, ou seja, apesar das formas
diferenciadas de enunciado, o contedo proposicional o mesmo. No nvel pragmtico,
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esto expressas as intenes comunicativas dos falantes, atravs do que chama de
marcadores pragmticos, indicando os tipos de mensagens diretas (em oposio s
indiretas) que o falante pretende usar ao enunciar a sentena.
Ecos destas discusses podem ser notados em SCHIFFRIN (1992), em uma
reviso de seu modelo (SCHIFFRIN 1987), ao analisar o uso anafrico do marcador
ento. Mais uma vez, a autora retoma a noo de MD e, levando em considerao as
crticas ao seu modelo, d um novo enfoque no estudo destas marcas. SCHIFFRIN (1992)
reconhece para os MD os dois nveis de anlise propostos pelos outros autores (o
ideacional e o pragmtico).
Nessa perspectiva, em SIMES (1997) fiz uma distino entre os MD
pragmticos (interacionais) que atuam na organizao dos turnos, como em (1)1 e (2), e
na organizao dos tpicos, como (3) e (4), em oposio aos MD ideacionais
(modalizadores), como em (5) e (6), introdutores de valores de relaes proposicionais
sem que se estabeleam como elos sintticos de oraes complexas:
(1) Doc. a localizao da escola ... no centro da cidade ... n? os alunos ... ahn ... moram aqui perto ... ou no? L1 (segue a resposta de L1)
(D2SP-255:1393-1395) (2) L3 (ja) . / ich meine s+ ich kann das ich kann das schlecht fr ne groe Gruppe
sagen +s .aber ich ich glaube schon ,+ da da die +g+ Bereitschaft vorhanden ist +, i+ dem Mdchen hier die gleiche Rolle und eine (ja) +g+ entsprechende Rolle eben in der Sexualitt +g+ zu berlassen +i (ja)+.
M sie sind Erziehungswissenschaftler . wie sind da die Ergebnisse etwa ? (FK-577, p.316)
(3) L1 {1} eu fui:: quinta-feira... no foi tera-feira noite fui l
no () n? l na Celso Furtado L2 h:: L1 {2} passei ali em frente :: Faculdade de Direito {3} [...ento
estava lembrando... que eu ia muito l quando tinha sete nove onze...(com) a titia sabe?...] {4} e:: est muito pior a cidade... est... o aspecto dos prdios assim bem mais sujo... tudo acinzentado n?
(D2SP-343:10-24) (4) L3 {1}+g+ Herr Professor z+ Schulte +z sprach eben davon ,+ da +g+ eine ganze
Reihe von +g+ Krften in der Psychiatrie ttig sind und rhrig sind und das beste tun . / {2} [und +g+ mir wurde gerade im Zusammenhang mit meinem Bericht vorgeworfen ,+ da ich durch Berichte dieser Art +g+ die Krfte ,+die +g+ die mglich +g+ die * potentiell zu gewinnen wren fr die Arbeit +, da ich die also in einer +g+ drastischen Weise verprellt habe +, .] {3} nun wrde ich die Frage +g+ stellen ,+ ob es denn +g+ sinnvoll ist +, i+ zu verheimlichen
1 Exemplos retirados de SIMES (1997).
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+i ,+ welche Situationen in den Landeskrankenhusern {4} [( und das ist nun das grte +g+ therapeutische Potential ,+ was fr die Kranken k+ da ist +, )]
(FK-334, p.144-145) (5) (...) ... bvio que ... assim como ...
falando-se apenas em termos de So Paulo ... Notcias Populares ... com o seu sensacionalismo tem o seu pblico ... o Jornal da Tarde tambm tem o seu pblico dentro de outra linha ...
(D2SP-255:968-972)
(6) L6 (ja) darf ich mal +k +g+ den Begriff Partnerschaft hier einfhren ? . und Partnerschaft heit ja nun wirklich nicht ,+ da jeder die gleiche Rolle spielt
(FK-557, p. 317)
Determinadas ocorrncias de MD, tais como nos exemplos de (3) a (6),
demonstram que tais elementos apresentam propriedades que os aproximam ora da
categoria dos advrbios, ora das conjunes coordenativas ou tambm das conjunes
subordinativas. Por esse motivo, no de surpreender que muitos itens lexicais dessa
categorias so utilizados pelos falantes como MD. Nesse sentido, tambm as estratgias
de conexo intersentencial so afetadas pela atuao dos mesmos MD, da o fato de
tambm no portugus existirem MD de valor conjuncional como porque, que, alm de
outros, como se bem que e apesar que.
Em um estudo contrastivo inicial a respeito dos MD do alemo e do portugus
falados (SIMES, 1996), falei sobre o papel desempenhado pelos mesmos nos diferentes
planos do discurso oral. Nesse trabalho, apresentei uma possibilidade de anlise das
funes desempenhadas por estes elementos nas margens da unidade conversacional; a
sua atuao para a organizao do turno conversacional e do tpico discursivo e, por
ltimo, o valor argumentativo inerente a estas marcas que regulam a interao entre os
falantes. Defendi a idia de que a anlise poderia ser feita em dois planos distintos: a
anlise do plano interacional, no qual poderiam ser observados elementos pragmticos
especficos da interao verbal, e a anlise do plano ideacional
(argumentativo/modalizador), no qual seriam detectadas marcas mais ou menos
explcitas da inteno pretendida pelos interlocutores. Inicialmente, propus-me a
analisar os MD separadamente, nos dois planos ali descritos; previ, no entanto, a
possibilidade de que fossem aceitas ocorrncias de um mesmo marcador atuando
simultaneamente nos planos interacional e ideacional.
Posteriormente, em SIMES (1997), ampliei o espectro de minha anlise sobre os
MD como elementos organizadores da interao verbal, estabeleci o lugar ocupado
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pelos MD nos fundamentos da Pragmtica e, em seguida, procedi a um recorte,
concentrando-me em tpicos especficos da Anlise da Conversao. Em seguida,
propus um esquema de categorizao dos MD, encaixando-os em dois grupos bsicos:
a) marcadores interacionais e b) marcadores modalizadores. Os primeiros
subdivididos em (i) marcadores de gesto do turno e (ii) marcadores de gesto dos
tpicos. Os marcadores modalizadores foram subdivididos em epistmicos, denticos
e afetivos, segundo o modelo proposto por CASTILHO e MORAES DE CASTILHO (1992)
para os advrbios modalizadores. Essa proposta de subdiviso dos MD em interacionais
e modalizadores funcionava apenas para diferenciar funes cumulativas que os
mesmos desempenham durante o evento conversacional. Assim, entendemos que os
articuladores como e, mas, porque e agora, no portugus, e also, weil, nun e und, no
alemo, atuam simultaneamente como elementos que organizam os turnos e os tpicos,
e que podem co-ocorrer com outras formas de MD.
Dessa anlise tripartida, podemos enumerar algumas constataes que importam
para a pesquisa a que me proponho:
a) Em SIMES (1997), verificou-se a ocorrncia de articuladores e MD nas
margens de construes paratticas (de continuidade tpica linear e de continuidade
tpica hierrquica), e, de outro lado, observou-se a presena de articuladores e MD nas
margens de construes hipotticas (de descontinuidade tpica linear), tais como as
digresses, que podem ser ampliadas em algum outro ponto do evento, e os parnteses,
como breves interrupes que no estabelecem relaes de concernncia e relevncia
com outras unidades discursivas, e que no so pontualizadas em outro lugar da
conversao. Constatou-se, ainda, a existncia de marcadores de superordenao tpica,
em portugus e em alemo (mas, agora, ento; nun, aber, also), que exercem uma
funo organizadora em nvel mais alto no plano hierrquico dos tpicos, tal como
mostram os exemplos (3) e (4) acima.
Essas constataes permitem afirmar que itens lingsticos que canonicamente
so reconhecidos como conjunes coordenativas ou subordinativas podem apresentar
propriedades semntico-discursivas distintas nos enunciados negociados on-line. Pode-
se falar, portanto, de parataxe sinttica (cannica, p.ex. e > conjuno coordenativa) e
de parataxe discursiva (p.ex. porque > marcador discursivo de continuidade tpica
linear), e de outro, de hipotaxe sinttica (p.ex. porque > conjuno subordinativa
cannica) e de uma hipotaxe discursiva (p. ex. e > marcador de descontinuidade tpica
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linear). O estatuto sinttico-semntico-discursivo de um item lexical somente se
estabelece a partir de suas propriedades funcionais articuladas pelos falantes em um
determinado enunciado (pr-sentena, sentena, sentena complexa, texto, intertextos).
b) SIMES (1997) revela tambm que, em alemo, o maior nmero de falantes e
a fixidez temtica das conversaes analisadas regulam a argumentao dos
interlocutores de forma a que as inseres, sob forma de digresso ou parnteses,
apresentam um carter argumentativo mais prximo da exemplificao, da avaliao e
da sntese, dado que os protagonistas so especialistas do assunto. Por outro lado,
SIMES (op. cit.) tambm constatou que, em portugus, o grau mais alto de privacidade
e de familiaridade entre os interlocutores e a baixa fixidez temtica permitem que haja
transies mais constantes e que as mesmas possam facilmente ocupar o status de novo
subtpico da conversao. No que se refere ao contraste especfico entre o portugus e o
alemo falados, verifiquei que a tipologia dos crpora, diferenciada em alguns pontos,
provoca usos e realizaes diferentes nas duas lnguas, tornando determinadas formas
de modalizadores mais ocorrentes numa lngua do que em outra, como o caso do
grande nmero de denticos em alemo e de quase-asseverativos em portugus.
c) A partir da anlise dos MD sob a perspectiva da modalizao, categorizando-
os em epistmicos, denticos e afetivos segundo a perspectiva adotada por CASTILHO
(2006 e 2007), verificou-se, nesse mesmo estudo (SIMES 1997), que a co-ocorrncia de
marcadores modalizadores determina as estratgias de negociao postas em prtica
pelos interlocutores. De um lado, temos ocorrncias de marcadores epistmicos
asseverativos com quase-asseverativos (heute ist es doch so, wahrscheinlich doch, ich
finde man vertuscht eben doch; eu tenho impresso que [...] na verdade, sobretudo
parece que) ou juntamente com denticos (gerade bezglich des letzten Begriffs mu
ich nur noch ganz kurz sagen; eu acho que a nica coisa que eu devo assinalar). Tal
recurso confirma o papel preponderante dos marcadores modalizadores como
mecanismos de preservao da face e de exteriorizao da polidez dialgica. De outro
lado, encontramos a ocorrncia redobrada de epistmicos asseverativos e denticos,
usados para marcar a intensificao do enunciado (doch wirklich, ja nun wirklich; sim
naturalmente nem h dvida). Os epistmicos delimitadores mostraram-se bastante
produtivos nos textos dos especialistas (biologisch gesehen, politisch; geograficamente,
de um ponto de vista biolgico) e funcionam como elementos que estabelecem relaes
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de figura e fundo (figure and ground na Semntica Cognitiva) na delimitao de
domnios.
Estas evidncias levam ao seguinte questionamento: de que forma as
propriedades semnticas desses itens contribuem para a gramaticalizao de novas
conjunes (lexicalizao) ou para a sintaticizao de novas estratgias de agregao e
integrao sintticas.
Em SIMES (2007), ao estudar as propriedades sintticas das oraes de
gerndio (OG) no portugus brasileiro (PB), o levantamento estatstico revelou aspectos
interessantes a respeito da gramaticalizao das oraes de gerndio no PB. Entre eles,
destacam-se (a) a questo da reduo significativa dessas oraes do sc. XVIII ao XX,
o que mostra que estas estruturas devem estar em competio com outros recursos
sintticos (oraes conjuncionais e outros processos de juno de enunciados), e (b) a
problemtica que envolve a reduo das OG adverbiais e o aumento das perfrases de
gerndio.
Na anlise do gerndio no subsistema do Discurso, observou-se que as oraes
de gerndio exibem a propriedade pragmtica de articulao tpica. Alm disso, notou-
se, atravs dos procedimentos estatsticos, que as oraes adverbiais (oraes gerundiais
adverbiais (doravante, OGadv) e construes absolutas (doravante,CA) so mais
freqentes em textos de maior planejamento, como as memrias, as cartas da
administrao privada e as cartas oficiais, enquanto as perfrases so mais usadas em
textos menos formais, como as cartas particulares, e textos mais prximos da oralidade,
como os dilogos de teatro, bem como os inquritos de lngua falada (sc. XX).
Investigadas a partir da tica do subsistema da Semntica, observamos que as
OGadv apresentam-se num processo de dessemanticizao, por exibirem menos
relaes proposicionais, se comparadas s CA. Notamos que estas ltimas mostram uma
maior produtividade de relaes proposicionais e que nelas mantm-se mais preservadas
as propriedades semnticas estudadas.
Esses resultados abrem caminho para novas pesquisas sobre a gramaticalizao
de oraes complexas e de seus elementos constitutivos.
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2. Pressupostos da teoria da gramaticalizao na anlise dos
marcadores discursivos
Numa primeira abordagem sobre os MD, TRAUGOTT (1995) discute em seu
trabalho a interao entre Sintaxe, Pragmtica e Semntica a partir do desenvolvimento
dos MD indeed, in fact e besides e na qual analisa o papel que eles podem desempenhar
na teoria da gramaticalizao, segundo os parmetros defendidos por LEHMANN (1995
[1982] apud TRAUGOTT 1995:3). A autora defende a interpretao da unidirecionalidade
da gramaticalizao no seguinte esquema:
advrbio intrasentencial > advrbio sentencial > partcula discursiva (entre elas, os MD)
Para esta autora, os MD responderiam aos processos de condensao,
coalescncia e fixao de mudana lingstica defendidos por LEHMANN (1982):
Quadro 1. Parmetros de gramaticalizao de LEHMANN (1982 apud TRAUGOTT 1995:3)
parameter
weak GR process strong GR
scope intem relates to constituent of arbitrary complexity
condensation item modifies word or stem
bondedness item independently juxtaposed
coalescence item = affix, phonol, feature or carrier
syntagmic variability
item can be shifted around freely
fixation item occupies fixed slot
Os conceitos expostos neste quadro respondem ao postulado inicial de MEILLET
(1922 apud TRAUGOTT 1995) e retomados posteriormente por HEINE/ CLAUDI/
HHNEMEYER (1991) e HOPPER/TRAUGOTT (2003), de que, no canal de
gramaticalizao, um item lexical que desfruta de certa mobilidade sinttica e que pode
modificar uma palavra evolui em direo a um estgio mais avanado em que pode se
tornar um afixo, portanto, uma palavra mais gramatical.
Num enquadramento maior dos MD na Teoria da Gramaticalizao, TRAUGOTT
(2007) enumerou para os MD do ingls alguns dos processos de mudana tidos por ela
como unidirecionais:
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(i) Decategorizao: os MD desenvolvem-se a partir de categorias lexicais plenas e so
decategorizados progressivamente;
(ii) Reduo fonolgica: MD podem assumir uma entonao especial e podem
eventualmente ser reduzidos fonologicamente.
(iii) Aumento de funo pragmtica: com a evoluo dos MD, a mudana ocorre de
uma funo sinttica para uma funo pragmtica;
(iv) Aumento do escopo: com a evoluo para um MD, aumenta o escopo de atuao
do item de elemento integrado sentena (satzintern) passa a elemento referencial
(satzbezogen) e da a elemento que toma por escopo a sentena toda (satzbergreifend);
(v) Polissemia e polifuncionalidade: a par das novas funes de um elemento como
MD, os significados e funes originais (advrbios, conjunes, etc.) ainda permanecem
preservados, de forma que um elemento denota vrios significados e cumpre variadas
funes que se correlacionam entre si. Essa caracterstica demonstra que os MD no tm
clear-cut internal boundaries (HEINE/CLAUDI/HNNEMEYER 1991:67). Ao invs de
entidades discretas, trata-se de formas hbridas que possuem propriedades contnuas e
sobrepostas, formando, assim, elementos ambguos em significado e funo.
As evidncias enumeradas acima, por um lado, confirmam em parte a postura de
entender a gramaticalizao como um processo que se d de forma unidirecional, mas,
ao mesmo tempo, as propriedades descritas para os MD demonstram que o processo de
evoluo de uma conjuno para um MD pode ser descrito sob uma perspectiva
multidirecional. Prova disso so as propriedades (iii), (iv) e (v).
3. Gramaticalizao vs. pragmaticalizao: conjunes ou marcadores
discursivos?
GNTHNER (1999) discute que nas lnguas a mudana nem sempre se d de
forma linear. Ela verifica que na lngua falada no se verifica a tendncia estabelecida
para a ligao intersentencial, que vai do plo de agregao para o plo de integrao.
Ao contrrio, na oralidade, a tendncia maior agregao, o que no significa
exatamente que esse tipo de ligao intersentencial seja mais pobre. Trata-se apenas de
um recurso diferenciado.
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Estas reflexes levam essa autora a entender esse mecanismo de evoluo e
mudana de estruturas sintticas como um processo de pragmatizao
(Pragmatisierung). Esse conceito foi assim cunhado primeiramente por ERMAN /
KOTSINAS (1993), que a esta altura entendiam a gramaticalizao e a pragmaticalizao
como processos distintos pelos quais os itens lexicais da lngua podem evoluir. Nessa
mesma linha, Eva BUCHI (sem data) estudou o caso da (poli)pragmaticalizao do dj
do francs. DETGES (2001) chega a propor, em sua tese de doutorado, o que chama de
uma teoria cognitivo-pragmtica da gramaticalizao. Mais recentemente, alguns
autores tm defendido a adoo do modelo cognitivista de anlise (FILLMORE 1989,
CROFT 2001) numa interface com a Anlise da Conversao, como o caso de
DEPPERMANN (2006), GNTHNER (2005 e 2007) e IMO (2005). Augusto SOARES DA
SILVA (2006) analisou o caso do MD pronto do portugus em seu livro sobre a
polissemia dos itens lingsticos.
A gramaticalizao tem sido entendida como o resultado da evoluo de um
item lexical a uma nova categoria gramatical. Segundo esta perspectiva, que remonta s
reflexes de HUMBOLDT (1822) sobre a evoluo das formas gramaticais, o processo de
mudana lingstica consiste na atribuio de um carter gramatical a um item cada vez
mais autnomo (MEILLET 1912), desenvolvendo-se de um forma derivada para uma
forma flexional (KURYLOWICZ 1965), mudando de uma categoria sinttica para outra.
Na perspectiva que analisa o percurso do Lxico para a Gramtica, entende-se a
mudana sob uma trajetria empreendida pelos itens lexicais que segue o seguinte
esquema: Lxico > Sintaxe > Morfologia > Morfofonmica > zero. Sob este prisma
pde-se estudar a gramaticalizao de substantivos, pronomes e expresses de
tratamento, verbos, advrbios, conjunes e preposies.
Em contrapartida, a pragmaticalizao refere-se ao processo que promove a
evoluo de um item lexical diretamente como elemento que organiza o discurso:
we argue that it is possible (but not necessary) for a lexical element to develop directly into a discourse marker without an intermediate stage of grammaticalization. As a consequence, we suggest that lexical items on their way to becoming function words may follow two different paths, one of them resulting in the creation of grammatical markers, functioning mainly sentence internally, the other resulting in discourse markers mainly serving as textstructuring devices at different levels of discourse. We reserve the term grammaticalization for the first of these two paths, while we propose the term pragmaticalization for the second one (ERMAN/KOTSINAS, 1993:79-80 apud DOSTIE 2004:28).
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DOSTIE (2004) aplica o conceito de pragmaticalizao na anlise de MD do
francs e redefine o conceito da seguinte forma:
Un des objectifs de ltude est de souligner lexistence de deux trajectoires menant la gense dunits qui nappartiennent pas aux classes majeures de mots (cest--dire aux noms, aux verbes, aux adjectifs ou aux adverbes). Dune part, une unit lexicale peut dvelopper des emplois grammaticaux; elle aura alors t soumise un processus de grammaticalisation. Dautre part, une unit lexicale/grammaticale peut dvelopper des emplois o elle ne joue pas un rle sur le plan rfrentiel, mais bien, sur le plan conversationel; elle sera alors le rsultat dun processus de pragmaticalisation (DOSTIE 2004:27).
Entendida dessa forma, a pragmaticalizao representa uma das direes
tomadas pelo item lexical no processo de mudana lingstica. Nesse sentido, nada
impede que um item que passa de um estgio a outro como elemento gramatical no
possa evoluir para um uso menos gramatical, como o caso dos MD.
Provas dessa evoluo podem ser encontradas no estudo de Susanne GNTHNER
(1999) sobre a gramaticalizao das construes com obwohl em textos orais alemes,
no qual investiga se o uso desse item, nas variantes com posio do verbo V2 e final,
est associado a diferentes funes discursivas. Alm disso, ela questiona se se podem
considerar como construes concessivas as estruturas em que obwohl encabea uma
sentena V2. Em linhas gerais, discute-se nesse trabalho se a reinterpretao de obwohl
com V2 pode ser considerada como resultado de um processo de gramaticalizao, ou
seja, reprsentieren die synchron vorhandenen Verwendungsweisen und Funktionen
von obwohl verschiedene Stadien eines Grammatikalisierungsprozesses? (GNTHNER
1999:3).
Vejamos alguns exemplos que ilustram o estudo de GNTHNER (1999) em que
obwohl aparece como MD de correo:
(7) WEIHNACHTSESSEN 33Willi: brauchst du noch en KISSEN? 34Nora: hm. ne. das reicht. 35 (0.5) 36Nora: obWOHL (.) des isch DOCH unbequem. 37Willi: ((wirft ihr ein Kissen zu)) (GNTHNER 1999:2)
(8) EHEGATTEN 18Anne: ganz selten is=er mit.
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19 wei=der=Teufel, 20 wenn Agnes Heller da war, 21 und Manfred geKOCHT hat, 22 ne obwohl da ist Hans auch nicht mitgegangen. 23 (0.5) 24 ach Herbert hat mal bei Fritz (.) fr en fr diesen fr den 25 (-) Michael Witzenski gekocht, 26 da is Hans mal mitgegangen. (GNTHNER 1999:8)
(9) KRANKHEITEN
36Ulla: do: kann man bis=jetzt=no=eigentlich (-) 37 TOI. TOI. TOI (.) no ganz FROH sei. gell? 38 (0.5) 39 OBWOHL man wei jo gar net was in oim SCHLUMMERT. 40 (1.5) 41 vielleicht sen mir au scho bald mol DO.GWESE. 42 (1.5) 43Rolf: des wei mer halt [nie:.] 44Ulla: [hajo] 45Rolf: do steckt mer halt net drinne. (GNTHNER 1999:8)
(10) MORALPREDIGT 65Kati: [der] hopft nur en bichen, 66 der will mich ja nich abschmeien, 67 der will ja blo umdrehn. 68Eva: 'hh des is doch ega::l. 69 stell dir mal vor, (.) 70 da kommt irgendwie en Hund der abgehaun is, 71 und des Pferd scheut und na biste unten. 'hhhh 72 (1.0) 73 obwohl (.) wenn de dann im Krankenhaus liegst, 74 kann ma wenigstens gleich deine Schulter und deine Hnde [mitreparieren.] 75Kati: [HEHEHEHEHE ja.] 76Eva: [und den Rcken gleich auch noch,] 77Kati: [is doch praktisch HEHEHEHE] (GNTHNER 1999:9)
O estatuto de obwohl como MD confirma-se nos exemplos seguintes com base
nas pausas verificadas:
(11) DIT 42Hans: der joggt ja auch jeden=Tag. 43 (-) 44 obwohl (.) Joggen is ja auch kein K- Kunststck. 45Bert: (find ich auch) (GNTHNER 1999:12)
(12) NUDELSUPPE
9Sara: Nudelsupp (find i) schlecht. 10Kay: Nudelsupp (sind) schlecht? 11Sara: na: (.) obwohl (.) in Vietnam (-) gabs ganz tolle
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Nudelsuppen. 12K/R?: und isch trotzdem schlecht (oder was) 13Sara: die (hier) is so::::was hihi von langweilig. (GNTHNER 1999:12)
O quadro abaixo apresenta de forma constrativa os achados da autora a respeito
das duas realizaes de obwohl no alemo:
Quadro 2. Funo discursiva e propriedades formais do obwohl concesssivo e do obwohl corretivo (GNTHNER 1999:18-9)
obwohl concessivo obwohl corretivo
Funo discursiva (p, obwohl q)
apesar de informaes aparentemente contraditrias, p apresentado como vlido; i.e. confirmao de p (p tem o peso argumentativo mais forte)
(p, obwohl q)
mudana de perspectiva: mudana parcial ou completa de p (q tem o peso argumentativo mais forte)
propriedades formais
A afirmao de p permanece preservada corrigida parcial- ou completamente
propriedades de integrao sinttica
sintaticamente integrado
(verbo em posio final, testes operacionais de subordinao so possveis)
sintaticamente no-integrado
(verbo em posio V2, podem ocorrer fenmenos de oraes matriz, testes operacionais de subordinao no so possveis)
Posio do sintagma obwohl anteposio
posposio
posposio
propriedades prosdicas tanto a integrao prosdica como tambm a no-integrao prosdica so possveis
no-integrao prosdica
propriedades pragmticas a orao com obwohl integra o escopo da fora ilocutiva da orao matriz
foras ilocucionrias separadas; alm de outras possibilidades, obwohl pode introduzir oraes interrogativas e imperativas autnomas
Opes de conexo conexo de dois enunciados conexo de dois sintagmas, ou de unidades discursivas maiores (dos mesmos falantes ou de diferentes falantes)
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A partir de vrias evidncias, a autora prope uma escala de evoluo das
construes com obwohl concessivo e obwohl corretivo num eixo que vai das
construes hipotticas para construes paratticas que obedece o seguinte esquema:
Quadro 3. Usos sincrnicos de obwohl no alemo falado (GNTHNER 1999:21)
obwohl como conjuno subordinativa concessiva
obwohl restritivo
obwohl corretivo
Verbo em posio V2
Verbo em posio final e V2
Verbo em posio V2
Essa anlise levanta questionamentos referentes a aspectos centrais da Teoria da
Gramaticalizao (TG), como (a) a questo da evoluo de marcadores discursivos
dentro de uma TG, (b) a tese da crescente subjetivizao na evoluo das funes
gramaticais, (c) a questo da tese de unidirecionalidade, especificamente das conexes
sintticas de lose und nicht-integriert para eng und integriert, (d) a questo dos
mecanismos cognitivos e pragmticos que regulam os processos de evoluo envolvidos,
e (e) a questo acerca do valor semntico dos diferenciados usos e funes de obwohl,
especificamente a questo em torno do possvel esvaziamento do contedo semntico
no caso do obwohl corretivo.
GNTHNER / GOHL (1999) tambm analisaram o uso de weil e de wobei
(GNTHNER 2001) como MD, de onde foram coletados os seguintes exemplos:
(13) FREUND (25.01/22.02, B) Kotext (Band 5:15) 01 P: wer hat dich heRABgesEtzt? 02 (1.5) 03 A: Also () beWUSST () kann ich dazu nIchts sagen; 04 weil meine KINDheit hab ich eigentlich (2 Silben) von meinem famIlien und Elternhaus her 05 h. ich bin zwar (.) zu einem drittel (.) sag ich mal zu beGINN ohne vAter aufgewachsen, 06 ABer () hm 07 grade auch die bezIEhung zu meiner MUTter, 08 oder das verhltnis zu hause wrd ich als uerst INNich bezeichnen;
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09 AUch als harMONisch; 10 P: HMhm, (Band 6:30)
(14) ESSENSEINLADUNG
11Bert: ja KNNT Ihr? 12Karl: ja. (-) wobei ich hab am frhen abend ne univeranstaltung, 13 und wei nicht genau wann die zuENDE ist. 14Bert: na kannst DU [ja spter nachkommen.] 15Karl: [(ich komm) dann gegebenen]falls spter.
Tambm no portugus o processo de pragmaticalizao pode ser evidenciado
para algumas conjunes que evoluem a MD. Ataliba CASTILHO (2006) alerta que a
discursivizao consiste no processo de criao do texto, resultado de um conjunto de
atividades de negociao conversacional no qual esto envolvidos o locutor e o
interlocutor e atravs das quais (i) se instanciam as pessoas do discurso e se
constroem suas imagens, (ii) se organiza a interao atravs da elaborao do tpico
conversacional (...), (iii) se organiza essa interao atravs dos procedimentos de
correo sociopragmtica, (iv) se abandona o ritmo em curso atravs de digresses e
parnteses (...), e (v) se estabelece a coeso textual por meio de expedientes vrios
(CASTILHO 2006:274-275). Os exemplos seguintes de porque como MD no portugus falado culto do
Brasil2 referendam essa postura:
(15) [D2 SP 360] L2 porque::j pensou que que eu vou dizer para ele se ele no for eu no sei realmente eu chego na eu fico::indecisa...porque acho muito cedo para impor mas tambm se ele aprender a que dizendo que no quer ir no vai...eu estou criando um precedente muito srio...
(16) [D2 SP 360] L2 ...e outra coisa eles esto na escola de manh provocado por alguma coisa porque como eu trabalho de manh
(17) [D2 SP 360] L2 (que) eles acordam cedo mesmo...e agora realmente ele no gosta muito e e e a gente cria um impasse para a gente (porque)...ele no eu pus em uma escola ele no gostou daquela...a eu achei que realmente a escola no preenchia tudo...que eu gostaria (que) preenchesse ento eu tirei...
(18) [D2 SP 360 74] L2 de eu poder trazer para casa porque a eu fico trabalhando em casa mas tomando conta toda hora preciso interromper no meio de um negcio para::...levar um ao banheiro para dar uma comida para outro::...e as coisas de casa que a gente aten/ tem que atender normalmente com crianas BRIgas que a gente tem que repartir
(19) [D2 SP 360] L2 porque diSSEram no sei se mesmo...que enquanto existe um projeto nosso...e::provavelmente ele deve ter falado com voc
2 A notao aqui utilizada segue aquela acordada dentro do Projeto da Norma Urbana Culta no Brasil (Projeto NURC) e da Gramtica do Portugus Falado Culto no Brasil, registrando-se o tipo de texto, a origem e o endereo numrico do inqurito no NURC: donde, D2 representam conversaes entre dois informantes e EF so elocues formais.
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(20) [D2 SP 360] L2 (porque) o::pessoal que est agora comea com vinte a::vinte b::e assim vai indo
(21) [D2 SP 360] L2 porque o::o ganho POU::co e tem que manter...um certo STA::tus...e h realmente dificuldade...ento a no ser que saia da dedicao e continue advogando por fora
(22) [D2 SP 360] L1 ento na hora de lutar pelos vencimentos elas...so /L1 quase que ausentes porque para elas muito bom...no ? para elas aquele...eh::ordenado timo...MAS PAra um homem no ento quer dizer que h uma certa...ah presso no sen/ ah da parte dos homens no sentido de no deixar as procuradoras...ah::
Tambm nas elocues formais o porque pode ser utilizado como MD:
(23) [EF SP 405] agora a fi-na-li-da-de com que ela foi feita no impede... que elas tenham um valor esttico quer dizer que elas se mantenham at hoje... que a gente Olhe e ache que obra de arte... porque hoje para ns... no influi mais o fato... delas terem sido feitas com uma finalidade mgica porque ns no dependemos da caa mais...
(24) [EF SP 405] mas possvel a gente olhar para elas e ainda se espantar com a QUAlidade da representao ento so dois fatos diferentes... a finalidade (para o que) ela foi feita... e a ca-pa-ci-da-de artstica de quem a fez... certo? porque se eu (fizer) este gato e deixasse durante doze mil anos... ele vai continuar sendo um gato sem valor... no tem:: nenhuma... um valor artstico esta representao mesmo porque:: usada por todas as crainas acho que quase que do mundo inteiro para desenhar gatos...
O exemplo abaixo demonstra que o uso de porque como MD tambm usual na
lngua falada no-culta:
(25) [Inqurito do Projeto Filologia Bandeirante] Inf. ai eu nu sei...isso comigo nu sei porque...eu nem nu acredito isso ((ri))
Os exemplos seguintes, retirados do corpus diacrnico de SIMES (2007),
evidenciam seu uso tambm na lngua escrita:
(26) [Carta de Washington Lus] S um Tacito ou um Juvenal saberia encontrar || [2 v.] as tintas adequadas ao debuxo do quadro sinistro | destes dias sem grandeza. Porque tudo aqui | mesquinho e vergonhoso.
(27) [Carta de Washington Lus] Em- | quanto isso, a Gironda dorme. Falta-lhe um | chefe.
Talvez seja melhor assim. Mas no ha du- | vida que, se ninguem se mexer, continuar | a immerso da patria no lodo e talvez no | sangue. Porque Damaso continua a ameaar. | E no faz mysterio dos seus propositos.
(28) [Carta de Mrio de Andrade] Deve ser seqestro de vaidade, que est ocultando o seu
poema pra que o meu se sustente. Porque sei, desde o princpio que verifiquei o seu ser muito melhor. Mas no nego que acho o meu tambm muito bom. Talvez isto seja porque a notao me lembra perfeitamente o momento, no sei, mas tenho a impresso que despertar nalguns outros, sensao idntica.
Em todos os casos acima no possvel atribuir ao item porque o papel sinttico
de conjuno hipottica. Nesses enunciados, porque utilizado como item pragmtico
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que insere o valor de explicao de forma syntax-loose, assim como caso das
ocorrncias de wobei, obwohl e weil estudadas por Susanne Gnthner e acima citadas.
Em ambas as lnguas, trata-se de elementos que no integram sintaticamente os
enunciados precedentes queles que os seguem.
No mbito dos estudos sobre o eixo parataxe-hipotaxe, muito se tem falado a
respeito da dificuldade de estabelecer parmetros fixos e delineveis para os enunciados
complexos da lngua falada e tambm daqueles textos escritos que exibem maior carter
de oralidade no eixo de proximidade e distncia comunicativas (cf. KOCH e
OESTERREICHER 1990, como o caso de cartas, bilhetes, dirios etc.). Na seo seguinte,
discuto o estatuto sinttico dessas construes a partir de alguns conceitos de
sentencialidade propostos, entre outros, por LEHMANN (1988), RAIBLE (1992) e TALMY
(2000), procurando identificar nesse plano o trajeto percorrido pelos MD aqui
analisados.
4. Marcadores discursivos: do plo da integrao para o plo da
agregao sinttica
Em seu estudo sobre as ligaes sentenciais, LEHMANN (1988:217) apresenta
seis escalas de gramaticalizao, nas quais se podem dispor as vrias ligaes
sentenciais:
1. degradao hierrquica das oraes subordinadas (parataxis : embedding);
2. nvel sinttico do constituinte ao qual a orao se liga (sentence : word);
3. dessentencializao da orao (clause : noun);
4. gramaticalizao do verbo principal (lexical verb : grammatical affix);
5. entrelaamento das oraes (clauses disjunct : clauses overlapping);
6. grau de explicitude do elo (syndesis : asyndesis).
O autor entrev um continuum de dessentencializao, a escala que se estende do
plo da sentencialidade [clause] ao plo da nominalizao [verbal noun], como mostra
o quadro a seguir:
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Quadro 4. Escala de dessentencializao proposta por LEHMANN (1988:200)
sententiality nominality
clause nonfinite construction verbal noun
no illocutinary force
constraints on illocutionary elements
constraints on/loss of modal elements
constraints on/loss of tense and aspect
dispensability of complements
loss of personal conjugation
conversion of subject into oblique slot
Wolfgang RAIBLE (1992) discute esta questo a partir da evoluo dos recursos
de ligao intersentencial disponveis para as lnguas. No modelo de Junktion, este autor
dispe uma escala de tcnicas de juno organizada verticalmente. No nvel mais
superior, encontra-se o plo da agregao [Aggregation], no nvel mais inferior o plo
da integrao [Integration]. Entre o plo da agregao para a integrao, RAIBLE
identifica oito segmentos distintos, que correspondem a determinadas tcnicas de juno,
o chamado eixo-sinttico, que delimita os graus de sentencialidade dos itens que
compem as sentenas simples ou complexas:
(I) simples justaposio de oraes sem juntores (parataxe assindtica):
(II) juno atravs de retomada correferencial de um item da orao anterior;
(III) ligao de oraes principais atravs de juntores explcitos (parataxe sindtica);
(IV) ligao de oraes atravs de conjunes subordinativas;
(V) ligao de oraes atravs de construes gerundiais e participiais;
(VI) juno de relaes atravs de construes com grupos preposicionais (locues
prepositiva);
(VII) juno de relaes atravs de preposies e/ou morfemas de caso, e finalmente
(VIII) juno atravs de morfemas marcadores de caso ou papel temtico.
A este eixo sinttico, RAIBLE (1992) ape um eixo semntico (quadro 5), no qual
reconhece 18 grandezas de valores proposicionais (causa, conseqncia, concessividade
etc.) que podem ser expressos pela juno de itens, sejam eles sentenas ou constituintes.
O autor oferece um quadro geral com as diversas possibilidades para o francs, do qual
se pode depreender que nas lnguas em geral nem sempre se pode projetar todos os
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valores semnticos atravs de todas as tcnicas de juno. Segundo ele, para o francs
no se pode obter o sentido de modo/instrumento atravs dos recursos sintticos dos
nveis (I), (III), (IV) e (VIII), mas tal relao entre eventos pode ser expressa atravs de
(V), (VI) e (VII). Adaptando-se esse esquema ao portugus, verifica-se que essa lngua
no tem uma conjuno lexicalizada para a expresso de modo. Exatamente por este
motivo que outras tcnicas so utilizadas para expressar esse valor proposicional.
Quadro 5. As tcnicas de juno segundo RAIBLE (1992), adaptado por SIMES (2007)
EIXO SEMNTICO I juno por justaposio
II juno pronominal
III juno com conectivo
IV juno com conjuno
V juno com gerndios e particpios
VI juno com grupos preposicionais
en c
as d
e
lo
ccas
ion
de
(de,
par
)
en p
rse
nce
de
par
lint
erm
dia
ire
d ca
use
de
en d
pit
de
li
nten
tion
de
en f
aveu
r de
au te
mps
de
hors
de
pr
oxim
it d
e
sous
lin
fluen
ce d
e
en g
uise
de
en c
ompa
rasi
on d
e
ra
ison
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du n
ombr
e de
cond
io
ocas
io
caus
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incl
uso
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lus
o
mei
o/in
stru
men
to
caus
a
conc
essi
vida
de
final
idad
e/ra
zo
cons
eq
ncia
resu
ltado
tem
po
luga
r
influ
nci
a
igua
ldad
e/de
sigu
alda
d conf
orm
idad
e
com
para
o
quan
tidad
e
orig
em/fo
nte
EIX
O S
INT
T
ICO
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18
VII juno com preposies
VIII juno por morfologia de caso (papis temticos)
O quadro de RAIBLE (1992) exibe uma gama muito ampla de relaes
proposicionais que podem ser expressas atravs das vrias tcnicas de juno, o que
demonstra que as lnguas so bastante criativas, ou melhor, os seus falantes, pois
procuram encontrar meios de reproduzir nas lnguas em particular o sentido especfico
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120
que querem atribuir a determinados contedos informacionais. de supor-se, portanto,
que o elenco de valores proposicionais de Raible possa ser ampliado, pois as relaes
entre enunciados no devem esgotar-se nas 18 possibilidades por ele arroladas. TALMY
(2000) um dos autores que tambm se preocuparam em verificar como as lnguas
desenvolvem estruturas que relacionam eventos. No captulo que trata da relao de
figura e fundo que se estabelece entre sentenas, o autor apresenta uma lista para o
ingls de 15 valores semnticos, dentre eles alguns que RAIBLE poderia ter includo
tambm para o francs em seu esquema, como o valor da adio (positiva e negativa),
da contrafactualidade (adversatividade) e da substituio, como ilustram os seguintes
exemplos retirados de TALMY (2000:373-6):
(29) He works at a sideline in addition to/besides/on top of/as well as holding down a regular
job. (adio positiva)
(30) He takes odd jobs no more than he holds down a regular job. (adio negativa)
(31) I would have joined you, except (that) only I was busy. (contrafactualidade)
(32) He watched TV instead of studying. (substituio)
TALMY (2000:381) observa ainda que as lnguas nem sempre desenvolvem
conjunes para expressar uma determinada relao proposicional, e nesse momento
que entra a criatividade que se verifica nas lnguas, ou seja, outros mecanismos so
ativados para expressar o valor almejado.
Ora, se levarmos em considerao as concepes de sentencialidade acima
descritas e aplicarmos tais princpios aos enunciados encabeados pelos MD em questo,
observamos que itens tradicionalmente interpretados unicamente como conjunes
subordinativas, ou seja, como elos de hipotaxe, em algum momento e em funo de
alguma motivao semntica especfica, podem exibir propriedades sintticas mais
prximas da parataxe. Os contextos analisados demonstram que essa motivao gera o
acesso s propriedades semnticas disponveis para esses mesmos itens (adversatividade,
explicao, concesso etc.), mas ao mesmo tempo so desativadas as propriedades
sintticas de integrao entre enunciados (maior sentenciality para LEHMANN 1988 e
maior Integration para RAIBLE 1992). Do ponto de vista da Gramtica Cognitiva, poder-
se-ia dizer que esses MD projetam valores semnticos ampliados sobre o conjunto dos
enunciados que os seguem, propriedade que os torna semelhantes aos conhecidos
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advrbios de sentena, que toma por escopo o todo do enunciado. Esto, portanto, ao
mesmo tempo orientados para o falante e para o discurso.
5. Consideraes finais
Ao longo da reviso da literatura a respeito dos MD (1.), observamos que uma
descrio ampla dos mesmos deve ultrapassar o domnio da Anlise da Conversao,
uma vez que os mesmos reunem propriedades que so ativadas nos vrios subsistemas
da lngua (Lxico, Discurso, Sintaxe e Semntica). Em (2), notou-se um ganho
significativo para o estudo dos MD quando se incorporam os instrumentos de anlise
associados Teoria da Gramaticalizao. Defendeu-se em (3) a adoo do conceito de
pragmaticalizao para a anlise dos MD do alemo (wobei, obwohl e weil) e do
portugus (porque e que), os quais so tradicionalmente interpretados como itens
conjuncionais. Esse estudo preliminar procurou demonstrar que uma abordagem mais
integralista das propriedades sintticas, semnticas e pragmticas dos chamados MD (4.)
pode ser mais efetiva no sentido de entender que tais itens ao mesmo tempo projetam
valores proposicionais a um determinado conjunto de enunciados, e tambm apresentam
propriedades sintticas tpicas dos elos de relao intersentencial com valor mais
prximo da agregao, em oposio s ocorrncias homnimas que funcionam como
conjunes hipotticas, tpicas da integrao sinttica.
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