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Johanna Oksala

Como ler Foucault

Tradução:Maria Luiza X. de A. Borges

Revisão técnica:Alfredo Veiga-NetoProfessor Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Karla SaraivaProfessora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil

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Título original:How to read Foucault

Tradução autorizada da primeira edição inglesa,publicada em 2007 por Granta Books, de Londres, Inglaterra, na série How to Read, sob edição de Simon Critchley

Copyright © Johanna Oksala, 2007Johanna Oksala asserts the moral right to be identified as the author of this work.

Copyright da edição brasileira © 2011:Jorge Zahar Editor Ltda.rua México 31 sobreloja | 20031-144 Rio de Janeiro, RJtel (21) 2108-0808 | fax (21) [email protected] | www.zahar.com.br

Todos os direitos reservados.A reprodução não autorizada desta publicação, no todoou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)

Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Preparação: Geísa Pimentel Duque Estrada | Revisão: Eduardo Monteiro, Sandra MagerIndexação: Nelly Praça | Capa: Dupla DesignFoto da capa: © Bettmann/CORBIS/Corbis (DC)/Latinstock

CIP-Brasil. Catalogação na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

Oksala, Johanna, 1966-O36c Como ler Foucault / Johanna Oksala; tradução Maria Luiza X. de

A. Borges; revisão técnica Alfredo Veiga-Neto, Karla Saraiva – Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

Tradução de: How to read FoucaultContém cronologiaInclui bibliografia e índiceisbn 978-85-378-0520-6

1. Foucault, Michel, 1926-1984. i. Título. cdd: 194

10-6476 cdu: 1(44)

Para Sid

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Sumário

Introdução 7

1. A liberdade da filosofia 13

2. Razão e loucura 24

3. A morte do homem 35

4. O anonimato da literatura 48

5. Da arqueologia à genealogia 59

6. A prisão 71

7. Sexualidade reprimida 81

8. Um sexo verdadeiro 91

9. Poder político, racionalidade e crítica 101

10. Práticas de si 114

Notas 125

Cronologia 129

Sugestões de leituras adicionais 133

Agradecimentos 138

Índice remissivo 139

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Introdução

Michel Foucault (1926-84) foi um filósofo de extraordinário talento, um ativista político, teórico social, crítico cultural, historiador criativo, professor na mais prestigiosa instituição acadêmica da França e um intelectual mundialmente famoso que moldou de forma irreversível as maneiras como pensamos hoje. Seu projeto crítico continua a inspirar estudiosos, artis-tas e ativistas políticos a encontrar modos sem precedentes de construir novas formas de pensar, bem como de destruir velhas certezas — ou ilusões confortadoras, como frequente-mente se revelam.

Foucault concebia seus livros como uma caixa de ferramen-tas que os leitores poderiam vasculhar em busca daquela de que precisavam para pensar e agir. O manejo dessas ferramen-tas, contudo, pode envolver questões de interpretação, uma vez que o uso de toda ferramenta é sempre determinado pelo contexto e, em última análise, pelo objetivo de nosso traba-lho. Uma pedra pode ser usada com igual eficácia tanto para bater um prego quanto para quebrar uma vidraça. Para chegar mais perto da intenção de Foucault, é útil que estejamos dis-postos a questionar a ordem social firmemente estabelecida, a abrir mão de todas as verdades petrificadas, agarrando-nos ao mesmo tempo a um frágil compromisso com a liberdade.

As controvérsias que continuam rondando a obra de Fou-cault decorrem em parte do fato de que ela pode ser usada de muitas formas diferentes. Sua originalidade e atrativo residem

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8 Como ler Foucault

em sua natureza multifacetada. Em vez de fornecer uma única teoria ou doutrina, ela oferece um corpo diversificado de pen-samento que consiste em várias análises específicas das várias questões em jogo. Usos novos e imaginativos de sua caixa de ferramentas são objetivos essenciais quando lemos sua obra.

É possível, no entanto, encontrar fios unificadores nesse cor-pus multifacetado sem o reduzir a uma teoria ou metodologia única. A liberdade foi uma questão norteadora para Foucault ao longo de toda a sua carreira filosófica. Seu domínio de es-tudo eram as práticas sociais: todo o seu pensamento pode ser mapeado como estudos de diferentes aspectos dessas práticas. As características metodológicas de seu pensamento, a saber, o uso inovador que ele fez da historiografia como método filo-sófico, também conferem à sua obra um caráter uniforme e extremamente original. Foucault foi um filósofo que usou a história para compreender a sociedade contemporânea a fim de transformá-la rumo a uma maior liberdade.

Ao lado de pensadores influentes como Jacques Derrida, Gil-les Deleuze e Julia Kristeva, ele é em geral classificado como um pós-estruturalista, embora recusasse o rótulo e afirmasse sequer entender o que significava. Ainda assim, Foucault per-tence à geração de pensadores franceses proeminentes nos anos 60, após o esgotamento do existencialismo. O existencia-lismo e seus mais famosos representantes — Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty e Simone de Beauvoir — promoveram a ideia da filosofia como sendo fundamentalmente o estudo do ser humano: sua natureza, o sentido da existência humana e os limites de suas possibilidades. O pós-estruturalismo, por outro lado, caracterizou-se pela negação do ser humano como ob-jeto privilegiado da análise filosófica, concentrando-se em vez

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disso nos determinantes sociais, linguísticos e inconscientes do pensamento. Sartre fora o rei inconteste da filosofia fran-cesa até os anos 60; Foucault e Derrida tomaram seu lugar nas décadas seguintes.

Os pós-estruturalistas perceberam o esgotamento do exis-tencialismo como uma crise da investigação filosófica e, de maneira mais geral, de seus métodos tradicionais. O sujeito pensante havia sido a base do saber filosófico desde Descartes e seu famoso argumento do cogito — penso, logo sou. Dado o fracasso do existencialismo em explicar como a linguagem constrói a realidade, os pós-estruturalistas julgaram que a filosofia centrada no sujeito chegara ao fim. Para revitalizar a filosofia eram necessárias abordagens radicalmente novas. Enquanto Derrida desenvolvia seu projeto de desconstrução, concentrado na crítica textual de escritos filosóficos, Foucault se voltou para a história.

Ele fundiu filosofia e história de uma maneira nova, que re-sultou numa estarrecedora crítica da modernidade. Chamou suas obras de “histórias do presente” e tentou mapear o desen-volvimento histórico, bem como as bases conceituais de algu-mas práticas essenciais na cultura moderna — por exemplo de punir e tratar aqueles percebidos como loucos. Os estudos mostram a natureza historicamente contingente e aleatória des-sas práticas e geram um efeito de profundo estranhamento: aspectos de sua cultura que antes negligenciava, o leitor passa a vê-los não só como curiosos e contingentes, mas também, e significativamente, como intoleráveis e demandando mudanças.

A obra de Foucault costuma ser dividida em três fases dis-tintas. A primeira, em que ele chamava seus estudos históricos de arqueologia, é situada em geral nos anos 60: as principais

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obras desse período incluem História da loucura na Idade Clás-sica (1961), O nascimento da clínica (1963), As palavras e as coi-sas (1966) e A arqueologia do saber (1969). A fase genealógica —

“genealogia” sendo o termo que Foucault escolheu para seus estudos do poder — situou-se nos anos 70 e abrange suas obras mais conhecidas: Vigiar e punir (1975) e História da sexualidade, volume 1 (1976). Por fim, a fase ética, quando ele se voltou para a ética antiga, deu-se nos anos 80 e produziu os dois últimos volumes de História da sexualidade: O uso dos prazeres e O cui-dado de si (1984). Embora esse esquema tripartite sem dúvida torne mais fácil para iniciantes mergulhar na vasta obra de Foucault, é importante tratá-lo como um modelo heurístico ou pedagógico, não como uma divisão estrita. As três fases não se referem a três diferentes métodos ou objetos de estudo. O que marcou o início de cada “nova” fase foi a introdução de um novo eixo de análise, que resultou numa visão mais abrangente.

Além de inspirar discussões acaloradas entre acadêmicos profissionais sobre os diversos modos de ler e interpretar sua obra, o pensamento de Foucault alimentou controvérsias em debates culturais num nível mais geral. Sua ideia de poder produtivo — poder que produz e incita formas de experiência e conhecimento, em vez de reprimi-las e censurá-las — for-neceu valiosas ferramentas para a contestação de ideias políti-cas conservadoras sobre sexualidade, gênero, delinquência e doença mental. Seu pensamento foi uma importante fonte de inspiração intelectual e política para muitos ativistas gays, bem como para outros radicais da cultura.

Escrever livros críticos sobre tópicos como loucura, sexua-lidade e prisão provavelmente bastaria para criar uma aura

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de subversão e controvérsia em torno de um pensador. No entanto, talvez tenha sido a vida privada de Foucault que pro-vocou as mais violentas tempestades. Pessoas que nunca le-ram ou mesmo viram um só de seus livros muitas vezes têm conhecimento dos aspectos sensacionais de sua vida privada: ele foi um homossexual que morreu de aids, experimentou di-ferentes drogas e práticas sexuais sadomasoquistas, passou um período numa instituição psiquiátrica na juventude, gostava de andar em alta velocidade num Jaguar. Houve quem afirmasse que tais “experiências-limite autodestrutivas”1 fornecem uma chave para a resposta a como ler sua obra. O problema com a

“leitura de sua vida”, contudo, é que, diferentemente dos seus livros, ela não nos fornece nenhum texto determinado. Temos tão só uma série infinita de eventos fugazes, relatos contra-ditórios e lembranças, além de pensamentos e experiências privadas que jamais podem ser conhecidos ou interpretados.

Escolhi ignorar em grande parte o pouco que sei sobre a vida de Foucault. Não por considerá-la irrelevante ou desinte-ressante: se o lemos com a devida atenção, torna-se evidente como sua obra também incorpora sua vida. A vida de um fi-lósofo deve ser encontrada no ethos filosófico de seus livros, e, para aqueles de nós que não conhecemos Foucault pes - soalmente, talvez essa seja a única maneira de descobri-la. O próprio Foucault observou, acerca das conexões entre obra e vida, que “a vida privada de um indivíduo, suas preferências sexuais e seu trabalho são inter-relacionados não porque sua obra traduza sua vida sexual, mas porque a obra inclui toda a vida tanto quanto o texto.”2

O pensamento de Foucault, tal como a sua vida, desafia a categorização sob um único tema — não porque ele tenha

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malogrado muitas vezes e por isso mudado de opinião, mas especialmente porque perseguiu questões que não têm respos-tas definidas e definitivas. Para ele, a filosofia não era um cor- po de saber que se acumulava, mas um exercício crítico que questionava de maneira incessante crenças dogmáticas e práti-cas intoleráveis na sociedade contemporânea. Ele nos convidou a continuar essa prática crítica: é para mudar o mundo, nada menos, que devemos lê-lo.