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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I

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  • O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PBLICA PARANAENSE

    2009

    Produo Didtico-Pedaggica

    Verso Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

    VOLU

    ME I

    I

  • PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONALUNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA

    MARIA APARECIDA DE BARROS

    A REPRESENTAO POTICA NAS PRODUES HIP HOP

    Trabalho Pedaggico elaborado no PDE, sob orientao do Professor Doutor Srgio Paulo Adolfo, destinado srie final do Ensino Fundamental e para Ensino Mdio.

    Londrina, 2010

  • Universidade Estadual de Londrina

    Ncleo Regional da Educao de Cornlio Procpio

    Professora Maria Aparecida de Barros PDE-2009/2011Disciplina: Portuguesa/Literatura

    Orientador: Professor Doutor Srgio Paulo Adolfo

    A REPRESENTAO POTICA NAS PRODUES HIP HOP

    CADERNO PEDAGGICO A SER APLICADO EM TURMA DE 8 SRIE ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR WILLIAM MADI

    Cornlio Procpio - Paran, maio de 2010.

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  • SUMRIO

    1. Apresentao...................................................................................................................... 42. Fundamentao terica: .................................................................................................... 52.1) O Hip Hop sob uma perspectiva literria: Mtodo Recepcional - proposta de trabalho pedaggico ............................................................................................................................ 5

    3) Problema ........................................................................................................................... 94) Proposta de atividades pedaggicas: ................................................................................. 9 4.1. Determinao do horizonte de expectativa:

    Leitura da fotografia de MV Bill ............................................................................. 9 Leitura da cano O bonde no para..................................................................... 10 Atividade escrita e oral da cano: O bonde no para ............................................... 11 Proposta de pesquisa ................................................................................................. 11 Leitura da msica: Castelo de Madeira ................................................................ 12 Proposta de atividades.oral e escrita .................................................................... 14 Leitura de imagens com tcnicas de break e grafite ................................................. 15 Proposta de atividades sobre as produes break e grafite ....................................... 16

    4.2. Atendimento ao horizonte de expectativa Leitura da entrevista: A periferia de So Paulo pode explodir a qualquer momento

    (Frrez)...................................................................................................................... 17 Atividade escrita sobre a entrevista .......................................................................... 21 Leitura do conto: Totonha ........................................................................................ 21 Proposta de atividade oral e escrita ......................................................................... 22 Proposta de pesquisa miditica com apresentao oral ......................................... 22 Leitura da biografia de Carolina Maria de Jesus ..................................................... 23 Leitura de Quarto de despejo: dirio de uma favelada (fragmento) ......................... 24 Proposta de atividades oral e escrita ......................................................................... 29

    4.3. Ruptura do horizonte de expectativa: Leitura do poema: Do Velho ao Jovem .................................................................... 30 Proposta de atividades oral e escrita ...................................................................... 31 Leitura do conto: A carta ........................................................................................ 32 Proposta de atividade oral de escrita ...................................................................... 33 Leitura do romance Parbola de um cgado velho (fragmento).............................. 34 Proposta de atividade oral de escrita ....................................................................... 37

    4.4 Questionamento do horizonte de expectativa: Proposta de atividade: seminrio e produo textual ............................................ 37

    4.5. Ampliao do horizonte de expectativa Debate, tendo como foco o material pesquisado ................................................... 38

    5. Referncias ........................................................................................................................ 39

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  • 1) Apresentao:

    As Diretrizes Curriculares da Educao Bsica - Lngua Portuguesa apontam que A

    literatura, como produo humana, est intrinsecamente ligada vida social (2008, p.57).

    nesse caminhar que deve trilhar o ensino de literatura na educao bsica paranaense, portanto.

    No entanto, h muitos desafios a serem enfrentados pelos docentes da disciplina,

    principalmente em relao incorporao de uma teoria que fundamente e solidifique a ao

    educativa. Outro fator reside na elaborao de material pedaggico que possibilite alternativas

    metodolgicas para a formao do leitor crtico, pois como afirmam Maria da Glria Bordini e

    Vera Teixeira Aguiar a obra um cruzamento de apreenses que se fizeram e se fazem dela

    nos vrios contextos histricos em que ela ocorreu e no que agora estudada. (1993, p. 81). A

    apreenso das narrativas afro-brasileiras e indgenas, no s em atendimento Lei nmero

    10.639, de 9 de janeiro de 2003, que representa um marco histrico, mas trazendo,

    efetivamente, as vozes e culturas marginalizadas para o contexto escolar, contribui para a

    formao tica e esttica dos alunos. A Lei nmero 11.645, de 10 de maro de 2008, que altera

    a 10.639/2003 no sentido da incluso do ensino da Cultura Indgena prescreve em seu

    pargrafo segundo: Os contedos referentes histria e cultura afro-brasileira e dos povos

    indgenas brasileiros sero ministrados no mbito de todo o currculo escolar, em especial nas

    reas de educao artstica, literatura e histria brasileiras.

    Para aprofundar o objeto de estudo, faz-se necessrio um recorte, por esta razo, os

    esforos se concentraro tanto nos fundamentos tericos sobre o ensino de literatura numa

    abrangncia da emancipao do sujeito, quanto na contribuio do povo africano para

    formao da identidade nacional, refletida nas narrativas e produes literrias afro-

    brasileiras.

    Um trabalho pedaggico, nessa perspectiva, requer uma postura de busca, de

    pesquisa por parte do educador atuante na rede pblica de educao bsica paranaense. Nisso

    reside o intento da pesquisadora. Primeiro, estudar e refletir sobre a questo terica para o

    ensino de literatura a fim de fortalecer uma ao pedaggica, de modo que essa conduta

    contribua para a formao de leitores de si mesmos e do mundo. Num segundo plano,

    transpor essa reflexo aos professores de Lngua Portuguesa, discutindo a relevncia da

    aprendizagem literria, embasada em teorias que objetivam a formao do sujeito, de forma a

    mobiliz-los para um trabalho pedaggico com a literatura que, de fato, no contato dos alunos

    com as literaturas de origem afro-brasileiras, propicie o aprimoramento esttico e tico na

    formao de sujeitos leitores. Pensa-se que a materializao dessa ao coletiva, poderia

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  • resultar em material pedaggico, consistindo-se em mais uma ferramenta no contexto escolar

    para dinamizao da prtica educativa.

    Para alcanar o propsito, elaborou-se este Caderno Pedaggico, referenciado na

    formao do leitor (Mtodo Recepcional), na poesia oral, bem como em produes que se

    debruam sobre as vozes silenciadas. A reflexo iniciou-se com produes do movimento Hip

    Hop, sendo agregados variados gneros textuais com o propsito de aprimorar a percepo

    esttica do aluno, a fim de que analise a situao social e nela interfira como agente produtor

    de conhecimentos.

    2) Fundamentao terica

    2.1) O Hip Hop sob uma perspectiva literria: Mtodo Recepcional proposta de trabalho pedaggico

    O Mtodo Recepcional compe um dos referenciais tericos das Diretrizes

    Curriculares de Lngua Portuguesa, visa a formao do leitor crtico, pois sua estrutura basilar

    a linguagem, expresso de humanizao. Com experincias lingusticas, proporcionadas

    pela interao, h percepo do prprio conhecimento, o que permite ao aluno uma atuao

    mais crtica as instncias sociais. Esse contato amplia os saberes, redimensiona o olhar para

    analisar as situaes emergentes na sociedade.

    O contato com o universo textual, cientfico, literrio, contribui para socializao do

    ser, que por este intercmbio estimula novas descobertas e tomadas de decises e a

    valorizao do outro.

    Ao trazer as vozes silenciadas para integrarem-se ao contedo estruturante de Lngua

    Portuguesa espera-se que se ampliem os horizontes de aprendizagem dos educandos, visto que

    a socializao se processa na interao a que se expe o sujeito quer seja em contatos

    pessoais, quer seja pela leitura de variados gneros textuais, presentes no meio social. Em

    dilogo com essas produes, o leitor precisa descortinar os sentidos que emergem das vrias

    vozes textuais e provido de novos saberes, desencadeia-lhe o senso critico em relao a si

    prprio e o outro. Essa viso se aguar por intermdio da obra literria por representar as

    aes humanas atravs da criao esttica. Esta forma artstica mobiliza a participao do

    leitor em situaes diversas e o leva a refletir sobre sua maneira de pensar acerca do mundo.

    por esta razo que elegemos vozes que se encontram margem dos contedos escolares,

    porque a leitura responsiva e de fruio advm com o processo de identificao do sujeito

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  • com os elementos da realidade representada (Aguiar, Bordini, 1996, p. 26). Disso resulta

    uma ao pedaggica pautada no Mtodo Recepcional.

    O Mtodo Recepcional considera o ponto de vista do leitor e sua experincia com a

    leitura. Assim, a recepo ocorre quando se estabelece um dilogo entre o leitor e texto,

    desencadeando o processo de informaes.

    Os textos, a obra, so estudados e questionados em sua dinmica histrica, ao cotejar

    a ideologia passado-presente, se desperta a possibilidade de mudana na Histria, porque a

    Histria um sistema em construo, aberta s mudanas, s transformaes, em oposio ao

    fatalismo/determinismo do sistema capitalista.

    Ao contemplarmos o Hip Hop como objeto de estudo, partimos do pressuposto que

    esta expresso potica faz parte do universo de uma parcela de alunos da rede pblica de

    educao bsica e, por isso, esta manifestao cultural deve ser valorizada pela escola, pois ao

    partir dos conhecimentos prvios do aluno acerca desse assunto, numa dinmica pedaggica

    que contemple textos mais complexos, a ao tem por fim aguar-lhe o senso crtico,

    ampliando seus horizontes de expectativas. Esses horizontes so alterados medida que o

    educador insira textos mais densos de forma a provocar estranhamento, desencadeando

    conflitos em relao s normas e valores do leitor, arrebatando-o de sua comodidade. Nesse

    vis, o texto questionador, problematizador, propicia emancipao no sujeito-leitor.

    Nesse sentido, o Mtodo Recepcional, pela seleo textual, expande o objeto de

    pesquisa ao acessar a historiografia, vitaliza o universo de sentidos, a criatividade e aperfeioa

    o senso crtico do aluno.

    Para esse fim, estruturamos nossa pesquisa numa ao educativa direcionada nas

    cinco etapas do Mtodo Recepcional, planejada da seguinte forma:

    a) Para Determinao do horizonte de expectativa partimos da contemplao a voz

    comunitria, revelada no Hip Hop, como elemento de estudo e identificao, ao consider-lo

    como poesia da linguagem cotidiana e a partir dessa literatura engajada, explorar outros

    modos de expresso literria com o propsito de transformar o leitor ingnuo em leitor crtico.

    A isso se destinam a anlise da imagem de MV Bill, as canes de rap, de MV Bill e

    Racionais Mcs, a performance do break e a arte grafite.

    b) Guiados pela etapa anterior, passamos ao Atendimento ao horizonte de

    expectativa, selecionamos variados gneros textuais, como: entrevista: A periferia de So

    Paulo pode explodir a qualquer momento, conto: Totonha, biografia e fragmento da obra

    Quarto de despejo: dirio de uma favelada, mantendo o intercmbio e contraste entre eles,

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  • almejando o texto mais complexo, pois nele jaz elementos crticos dos esquemas ideolgicos.

    Tudo isso com o propsito de ampliar o universo intelectual do educando.

    c) Ruptura do horizonte de expectativa: para esta etapa escolhemos a poesia Do

    Jovem ao Velho, de Conceio Evaristo, e o conto A carta, de Mia Couto e um fragmento

    do livro Parbola do cgado velho, de Pepetela. H vnculos entre esta seleo textual e as

    demais apresentadas nas etapas anteriores, contudo, os textos apresentados, nesta etapa,

    requerem maior participao do aluno, uma vez que a tcnica composional, desprendida pelos

    escritores, mais densa e complexa. Nesse momento, pretendemos abalar as certezas dos

    alunos acerca do tema estudado, mobilizando-o reflexo das diversas atividades de leitura

    efetuadas, apresentadas por meio de variados gneros. O professor precisa promover a

    discusso sobre a realidade em seus diversos aspectos e a ao exige maior ateno por parte

    do aluno. Para efetuar na ltima etapa do Mtodo, o professor solicita, antecipadamente,

    pesquisa extraclasse, sugerida no item Ampliao do horizonte de expectativa.

    d) Diante aos textos estudados, passa-se etapa Questionamento do horizonte de

    expectativa, o professor desencadear uma avaliao dos materiais estudados, levando em

    considerao os textos que mais exigiram reflexo, bem como os que produziram, pela gama

    de informaes, maior satisfao. A promoo do debate permite tecer semelhanas e

    diferenas e contribui para incorporao de novos conceitos.

    e) Decorre desse debate analtico a Ampliao do horizonte de expectativa,

    momento em que os alunos se lanam pesquisa dos autores estudados. Ao saber que so

    eles, de onde vm e como pensam a realidade por meio de sua produo cultural, nesse

    intercmbio com a experincia literria, a prtica social do aluno torna-se mais consciente em

    relao ao assunto estudado. Desta forma, passa a questionar criticamente a realidade, ao

    perceber a pertinncia entre leitura e vida, vislumbra-se como sujeito histrico na perspectiva

    de atuar significamente, contribuindo para melhoria social. As lacunas e dificuldades, ainda

    no sanadas, so viabilizadas por outra organizao textual, reiniciando o Mtodo

    Recepcional.

    A avaliao, sob a perspectiva do Mtodo Recepcional , se processa pelas

    prticas de leitura, oralidade e escrita, mediada por situaes em que o professor provoca -

    pelos recursos de que lanou mo: diversidade textual, pesquisas, debates, produo escrita e

    oral - mudanas no comportamento do aluno, incitando-o a refletir sobre as situaes

    apresentadas. Sob essa tica, os critrios de avaliao devem primar pelo crescimento

    intelectual do aluno em sua competncia de anlise crtica em relao ao material estudado e a

    problematizao acerca de suas prprios ideias, conceitos e a de seu grupo, pois nas palavras

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  • de Aguiar; Bordini (1993: 86), O mtodo , portanto, eminentemente social ao pensar o

    sujeito em constante interao com os demais, atravs do debate, e ao atentar para a atuao

    do aluno como sujeito da Histria.

    Recorremos ao Mtodo Recepcional com a finalidade de analisar nas tcnicas

    compositivas de escritores, que contemplam vozes perifricas, o modo como discutem a

    realidade, contrapondo-se ao discurso socialmente vigente. Ao se fazerem por meio do

    discurso esttico/ideolgico, emerge a voz coletiva que denuncia o sistema opressor ao

    mesmo tempo que cunha uma nova identidade.

    Ampliados os horizontes do educando pelo estudo de diversos gneros textuais, os

    alunos apresentaro os resultados da pesquisa., numa exposio cultural no espao escolar,

    com participao das autoridades educacionais e demais membros da comunidade estudantil.

    Compartilhamos que o trajeto da pesquisa espinhoso, pois necessrio superar as

    limitaes e isso se faz pela busca tenaz. No tocante Esttica da Recepo/Mtodo

    Recepcional, por exemplo, no h orientadores na Universidade Estadual de Londrina UEL

    - especialista na formao do leitor, objeto to elementar a ns, professores da educao

    bsica. A disciplina se findou com a aposentadoria da Professora Doutora Neuza Cicciliato.

    O motivo levou a pesquisadora desse Caderno Pedaggico a submeter o trabalho,

    tambm, Professora Doutora Neuza Cicciliato, livre docente da UEL, estudiosa da Esttica

    de Recepo, que no se furtou em opinar, sendo que suas generosas contribuies, se fazem

    presentes neste trabalho, por isso, os devidos crditos.

    A Professora Neuza questionou-me sobre dois aspectos e por conta deles, obriguei-

    me a repensar o percurso de minha pesquisa, estando ela j definida por ns, pesquisadora e

    Orientador.

    Havamos planejado, num primeiro momento, envolver os alunos numa pesquisa de

    campo junto aos rappers da comunidade, em que ser aplicado este material pedaggico, e

    Professora Neuza argumentou que os propsitos do Mtodo so outros, ou seja, aflorar a

    percepo esttica do aluno. Atrelado a este fator, outro argumento lanado pela docente foi a

    carncia de produes que viessem a desautorizar os conhecimentos dos alunos, a fim de

    provocar-lhes novos saberes. Novas pesquisas, novas leituras num tempo escasso. Vencidos

    os percalos, organizamos esse produto pedaggico.

    O som produzido pelos autores arrolados na pesquisa pode soar baixo, talvez

    inaudvel, mas a palavra pode ganhar corpo e fazer ecoar e ser ressignificada, se a ela

    somarem outras vozes, outros saberes, outros desejos que rumem para a emancipao dos

    alunos da rede pblica de educao bsica. Por isso, a relevncia de sua contribuio!

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  • (Texto elaborado a partir da leitura de Literatura a formao do leitor: alternativas

    metodolgicas, citado na referncia).

    3) Problema:

    Por que o Hip Hop se compe de dana, msica, interpretao vocal e grafite?

    H poesia na manifestao do Hip Hop?

    4) Proposta de atividades pedaggicas

    Observe a imagem,abaixo, e organize seu texto para expor suas ideias aos colegas.

    (http://vagalume.uol.com.ar/mv-bill/o-bonde-nao-para.html)

    DIALOGANDO COM A IMAGEM

    Aps observao da fotografia, responda:

    1) O que mais lhe chama a ateno?

    2) Como se encontra a pessoa retratada? Quem e o que faz?

    3) Observe os olhos, a expresso facial, a postura da imagem. Como eles se encontram?

    Como voc os analisa?

    4) Para onde convergem os olhos e corpo da imagem? Em sua opinio, o que expressa esse

    ato? Comente.

    5) Qual o tema central retratado na imagem?

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  • Na sequncia, h a msica O bonde no para, de Alex Pereira Barbosa, conhecido

    como MV Bill, sendo que M, significa Mensageiro, V, Verdade e Bill, apelido adquirido na

    infncia. Bill, o Mensageiro da Verdade, ecoa sua voz em prol dos desfavorecidos, denuncia a

    situao de descaso pblico, de violncia, de abandono que vivem os favelados. MV Bill

    organizou a Central nica das Favelas CUFA , que objetiva promover a incluso social por

    meio da arte do Hip Hop, sendo que h vrias centrais distribudas pelo pas, inclusive em

    Curitiba e Londrina.

    Leia-a com ateno.

    O bonde t formado, MV Bill, Kamila CDD, junto emisturado, lado a lado

    RefroO bonde no para, o bonde no para, s quem t formadono bondeque bota a cara (2x)o bonde no para, o bonde no para, s quem t formadano bondeque bota a cara (2x)

    o bonde no para, estamos junto novamenteos preto da favela aqui virou linha de frenteacreditando, carregando no peitoemergindo do fundo, fazendo do nosso jeito, preto!Pra quem no acreditou... Veja bem que se enganouo bonde passou levando poeira, atropelou quem no foificoudeixa que agora a favela invadee cada vez mais junto nis fortalecendo a cidadedemoooorou nis! cantando numa s vozcom a sagacidade de um animal velozquem pisoteado a vida ensina a ser ferozno d pra aguardar, ficar de baixo dos lenisvamos que a caminhada longa, o bonde nopara!tem que t ligeira, que s h lugar pra quem encarana vida, vivida, sofrida, j demo a partidavem comigo, minha passagem s de ida

    Refro

    pra neguinho chapar! e no desacreditarque possvel a conexo com ceara coletividade existe em qualquer lugartem que se ligar, se conectar, pra poder constarque aqui ningum espera, todo mundo corre vera

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  • a credibilidade supera, o otrio que vira ferafalando mal daquilo que t dando certono faz porra nenhuma mas na foto qu t perto

    o bonde vai, muitos vo ficar pra trsocupar vrios espaos o nosso plano de pazqueremos muito mais, veja aqui como se fazdando sequncia na luta dos nossos ancestraisque deixaram a guerra para ns como heranaguerrera do gueto t no jogo e no se cansa

    no bonde s quem na f nisj homemmulherfirmoufalouquem no se confirmoumete o p

    refro (2x)

    DIALOGANDO COM O TEXTO

    1. Quais foram as suas impresses ao ler a letra do rap? Anote-as em seu caderno.2. http://www.youtube.com/watch?v=SnzNq_Vz7QY h neste stio uma apresentao com o grupo que integra o MV Bill. Aprecie-o e, em seguida, continue registrando suas impresses, considerando a letra, a msica, a dana e o grafite, retratados no vdeo. 3. Que ponto voc estabelece entre a imagem de MV Bill e o rap O bonde no para?4. Em sua opinio, h poesia na composio e apresentao de O bonde no para?5. Em crculos ou em pequenos grupos, apresente suas impresses aos seus colegas. Discuta os significados atribudos por cada um, aos elementos que compem o rap e o vdeo.

    PROPOSTA DE PESQUISA: ATIVIDADE ORAL

    Nos clips, endereos abaixo, voc assistir performence do rap Soldado do Morro e o documentrio Falco, meninos do trfico. Assista-os e, em seguida, discuta com os colegas da sala de aula os aspectos que mais lhes chamaram a ateno.

    http://www.youtube.com/watch?v=yI4urSYqkog

    http://www.youtube.com/watch?v=lp4Oq5Go_5k

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    http://www.youtube.com/watch?v=lp4Oq5Go_5khttp://www.youtube.com/watch?v=yI4urSYqkoghttp://www.youtube.com/watch?v=SnzNq_Vz7QY
  • ATIVIDADE DE MIDITICA

    1) Para saber mais a respeito do movimento Hip-Hop consulte dos stios:

    http://www.enraizados.com.br/Conteudo/4Elementos.asp

    http://www.overmundo.com.br/overblog/historia-da-cultura-hip-hop

    http://www.youtube.com/watch?v=coQkFPLDnOM

    www.centralunicadasfavelas.com.br

    www.rapnacional.com.br

    Faa uma sntese dos dados que voc julgou mais relevantes e depois comente-os para os

    colegas da sala de aula.

    Para continuar a exercitar sua reflexo, h o rap Castelo de Madeira.

    (Racionais Mcs)Milhes de brasileiros no tm teto no tm choEu sou apenas mais um na multidoNo vai pra grupo com minha cala, minha peita, minha lupaSe canto rap a, no se iluda.

    Al! t vendo a cena vai chover e o rio vai transbordarE meu castelo de madeira vai alagar.Isento de imposto eu mesmo abrao com meus prejuzosNatural sofrer se os cordes so indecisos.

    Mil avisos, periferia desestruturadaMil muleque louco, no crime mostra a cara.Centenas de vezes vi a cena se multiplicarQuando cheguei ate aqui no tinha ningum agora tem uma p.

    Muleque doido eu enfrentei o mundo de frenteAusente em vrias fita bandido filho de crenteNo pente, desiluso, dinheiro, mulherMais pra frente se deus quiser mais resistente f

    Rumo ao centro calos nas mos multidesToda essa rebeldia refora os refresTalvez voc no saiba do heri que vive a guerraCom uma marmita fria sem mistura eu sou favela

    Vivi pensando a vida inteira em fazer um regaoMas agora que conquistei meu sonho, aquele abrao.Mas no importa se cho de terra tem poeiraRealizei meu sonho, meu castelo de madeira.

    RefroSou prncipe do gueto s quem desce, sobe a ladeiraSou prncipe do gueto e meu castelo de madeira.

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    http://www.rapnacional.com.br/http://www.centralunicadasfavelas.com.br/http://www.youtube.com/watch?v=coQkFPLDnOMhttp://www.overmundo.com.br/overblog/historia-da-cultura-hip-hophttp://www.enraizados.com.br/Conteudo/4Elementos.asp
  • Sou prncipe do gueto s quem desce, sobe a ladeiraSou prncipe do gueto e meu castelo de madeira.

    Hoje j choveu j ventou to de caraEm saber que meu castelo suporta tudo menos fogo e bala.Suporta dor, minhas crenas, minhas loucurasSuporta ate minhas cabreiragem com a viela escura.

    E o sobe e desce de uns nia na fissuraChave de cadeia se trombar com a viaturaVida dura, brotou o espinho no a rosaQuebrada querida vida bandida verso e prosa.

    Meu orgulho, um rdio velho toca fitasRap nacional tocando o que liga.s sete da noite a luz eltrica caiSe a comunitria sai do ar... a vai.

    Coloco aquela fita de dro bambambam.Um crebro sobre rodas finado coban.As crianas me vem como um adulto equilibradoNo sabem das minhas fitas nem dos meus pecados.

    E os aplausos deixem pra depoisQuebrada querida me, s nos doisVou lutar pra ser vencedor nessa porradesbaratinar vidinha podre sodoma e gomorra

    Deus criou o mundo, e o homem criou o dinheiroCrack e cocana, bebida e puteiroMas no importa se cho de terra tem poeiraAqui! meu castelo de madeira.

    RefroSou prncipe do gueto s quem desce, sobe a ladeiraSou prncipe do gueto e meu castelo de madeira.Sou prncipe do gueto s quem desce, sobe a ladeiraSou prncipe do gueto e meu castelo de madeira.

    Do lado de c, do lado de ltreta todo dia sem pararDo lado de l, do lado de c sempre a mesma coisa mano, o que qu eu vou falar

    Voc sabe o que o sistema faz, ignora!E trs problema psicolgico, tenso foda.Descaso, humilhao transtorno permanenteEu vi at uma famlia de crente espancar um parente.

    Que amanheceu no outro dia em comaAlcoolizado, drogado, traumatizado foi pra lona

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  • Dez horas depois, percia, policia, ambulnciaE o parente que bateu chorou, igual criana

    Esse o sintoma da doena que me afetaGanhei de cortesia mau humor e as frestasNo a festa, porque sorrir difcil entendaSou verdadeiro e no lenda

    Hoje j choveu oh, m neuroseNem costumo beber, at tomei uma dose.Talvez pra clarear ou esconder os problemasMil fitinha acontecendo esse meu dilema.

    Coisa de louco, abrir a janela e ver no esgotoCachorro morto, sentir o mau cheiro e o desconfortoE junto com a lama, o drama, a sujeirabrasilit no calor um inferno, m canseira

    Sonhar, sonhar, querer no poderTem que ser mano, fazer jus ao proceder.Pros cu que tem dinheiro e luxo constrangedorMe ver empreguinado aqui com dio e rancor.

    Sonhei com tudo isso a vida inteiraRealizei meu sonho, meu castelo de madeira.E treta todo dia, todo dia, o dia inteiroS falta construir um banheiro

    RefraoSou prncipe do gueto s quem desce, sobe a ladeiraSou prncipe do gueto e meu castelo de madeira.Sou prncipe do gueto s quem desce, sobe a ladeiraSou prncipe do gueto e meu castelo de madeira

    http://letras.terra.com.br/racionais-mcs/1023513/

    PROPOSTA DE ATIVIDADE: ORAL E ESCRITA

    1) No stio: www.youtube.com/watch?v=ZsUNEsjhZt0, encontra-se a apresentao A

    famlia Castelo de Madeira, produzida pelos Racionais Mcs. Aprecio-o e registre,

    em seu caderno, suas impresses.

    14

    http://www.youtube.com/watch?v=ZsUNEsjhZt0http://letras.terra.com.br/racionais-mcs/1023513/
  • 2) Por que o eu-lrico diz ser prncipe do gueto? A quem ele se compara? Qual

    condio econmica das pessoas das pessoas comparadas a eles? Por que no h banheiro

    no castelo de madeira do eu-lrico?

    3) Nas performance das canes apresentadas a expresso facial sisuda, h um estilo

    de roupa caracterstico e gesticulao. Qual a inteno para isso?

    4) Quais suas consideraes sobre as duas canes? O que elas objetivam? Amplie suas

    ideias produzindo um texto dissertativo, na sequncia socialize-as com demais da sala de

    aula.

    5) Voc conhece outros estilos de canes que tratam de questes semelhantes? Traga-

    os e discuta com os colegas da classe.

    6) Pesquise na comunidade um grupo de rap ou traga um cd ou uma msica de um grupo

    desses artistas, residentes no municpio.

    BREAK e GRAFITE

    Break uma dana que representa a dura situao vivenciada por grande parte da

    populao. A condio de pobreza imposta pela desigualdade econmica mutila as

    expectativas. Ento, os artistas do break, um dos componentes do movimento Hip Hop usam

    o corpo para protestar e mobilizar a comunidade a lutar e reivindicar soluo para os

    problemas que os assolam. Por isso, o nome break, palavra de origem inglesa que significa

    quebrar. Pelos movimentos contorcidos, quebrados, os danarinos criticam o regime de

    explorao na expectativa de uma sociedade igualitria.

    O Break uma dana criada pelos porto-riquenhos como forma de contestao

    poltica e a guerra do Vietn (1959-1975). Os movimentos dessa dana assemelham-se aos

    helicpteros da guerra e tambm expressam mutilaes sofridas pelos soldados ao

    regressarem do combate. Com o tempo esse estilo se incorporou cultura Hip Hop, os

    danarinos entram em competio, simulam esses movimentos de batalha, sendo o vencedor o

    que demonstrar mais criatividade e maior rapidez na execuo dos movimentos.

    Grafite, componente do movimento Hip Hop, uma arte plstica caracterizada pela

    elaborao de desenhos com formas esculturadas sobre um plano ou fundo, tornando-se a

    espessura saliente, destacada por traos livres, carregada de cores variadas. Por meio deles, o

    15

  • artista grafiteiro expressa na paisagem urbana sua sensibilidade e protesto contra o sistema

    capitalista.

    Observe as imagens e responda:

    http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://screw.no.comunidades.net/imagens/break_dance_by_swakoo%255B1%255D.jpg&imgrefurl=http://screw.no.comunidades.net/index.php%3Fpagina%3D1074700296&h=305&w=300&sz=30&tbnid=Lg67nIptiZ-XYM:&tbnh=116&tbnw=114&prev=/images%3Fq%3Dbreak%2Bdance%2Bfotos&hl=pt-BR&usg=__4QUOr0xryJQX-HzMChZdvLHR_uM=&ei=ADlCS4bECs-ruAfNsdmaBw&sa=X&oi=image_result&resnum=2&ct=image&ved=0CAkQ9QEwAQ

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    http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://screw.no.comunidades.net/imagens/break_dance_by_swakoo%255B1%255D.jpg&imgrefurl=http://screw.no.comunidades.net/index.php%3Fpagina%3D1074700296&h=305&w=300&sz=30&tbnid=Lg67nIptiZ-XYM:&tbnh=116&tbnw=114&prev=/images%3Fq%3Dbreak%2Bdance%2Bfotos&hl=pt-BR&usg=__4QUOr0xryJQX-HzMChZdvLHR_uM=&ei=ADlCS4bECs-ruAfNsdmaBw&sa=X&oi=image_result&resnum=2&ct=image&ved=0CAkQ9QEwAQhttp://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://screw.no.comunidades.net/imagens/break_dance_by_swakoo%255B1%255D.jpg&imgrefurl=http://screw.no.comunidades.net/index.php%3Fpagina%3D1074700296&h=305&w=300&sz=30&tbnid=Lg67nIptiZ-XYM:&tbnh=116&tbnw=114&prev=/images%3Fq%3Dbreak%2Bdance%2Bfotos&hl=pt-BR&usg=__4QUOr0xryJQX-HzMChZdvLHR_uM=&ei=ADlCS4bECs-ruAfNsdmaBw&sa=X&oi=image_result&resnum=2&ct=image&ved=0CAkQ9QEwAQhttp://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://screw.no.comunidades.net/imagens/break_dance_by_swakoo%255B1%255D.jpg&imgrefurl=http://screw.no.comunidades.net/index.php%3Fpagina%3D1074700296&h=305&w=300&sz=30&tbnid=Lg67nIptiZ-XYM:&tbnh=116&tbnw=114&prev=/images%3Fq%3Dbreak%2Bdance%2Bfotos&hl=pt-BR&usg=__4QUOr0xryJQX-HzMChZdvLHR_uM=&ei=ADlCS4bECs-ruAfNsdmaBw&sa=X&oi=image_result&resnum=2&ct=image&ved=0CAkQ9QEwAQ
  • http://www.riotemporada.com.br/wp-content/uploads/2008/05/grafite-da-

    DIALOGANDO COM A IMAGEM: ATIVIDADE ORAL

    1) Descreva os movimentos efetuados pelos breakers.

    2) preciso determinao e disciplina para essa atividade? Comente.

    3) Que leitura voc faz da imagem com arte grafite?

    4) H poesia no break e no grafite? Desenvolva suas ideias recorrendo aos textos estudados.

    O Hip Hop compem-se pela discotecagem, interpretao vocal, dana e grafite e o

    rapper, ao recorrer a esses estilos, deseja que a voz da populao desfavorecida seja ouvida.

    Denuncia, por meio da arte, o descaso e o abandono social, ao mesmo passo que reivindica

    condio de vida digna, uma sociedade que valorize a contribuio cultural de seu povo para

    formao da nacionalidade brasileira.

    Na atividade seguinte, voc dialogar com Reginaldo Ferreira da Silva, conhecido

    como Ferrz. escritor e rapper, reside numa regio perifrica de So Paulo, chamada Capo

    Redondo. Utiliza a arte literria como fim de conscientizar sua comunidade e lutar contra a

    violncia. O texto, a seguir, faz parte de uma entrevista que Ferrz concedeu revista Caros

    Amigos, em outubro de 2009. Abaixo, partes da entrevista.

    A periferia de So Paulo pode explodir a qualquer momento

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    http://www.riotemporada.com.br/wp-content/uploads/2008/05/grafite-da-
  • Caros Amigos Fale um pouco da sua vida, onde nasceu, estudou, o que faz hoje.

    Ferrz Meu nome Ferrz, eu no uso meu nome de batismo por que eu no acredito no ba-tismo, no acredito na Igreja Catlica. Prefiro um pseudnimo, por que uma coisa que eu in-ventei tambm, como a minha carreira. Eu sou vendedor ambulante, eu s vivo com coisa de-baixo do brao para cima e para baixo para vender s editoras, sou datilgrafo tambm, por que escrevo e trabalho com muita coisa para poder ter o bsico, ento vivo de muita coisa, tra-balho de muita coisa. A minha infncia foi normal como a de todo moleque de favela, t liga-do? S no soltava tanto pipa porque meu pai no deixava.

    Caros Amigos E os teus pais faziam o que?

    Ferrz Meu pai motorista de nibus aposentado, depois foi motorista da Sabesp, se apo-sentou e agora cuida de um bar. Minha me domstica, trabalha em casa de famlia e at hoje a mesma coisa, ela faz uns bicos e tal, tem barzinho, mas vive de bico tambm.

    (...)

    Caros Amigos Quando e como voc comeou a gostar de literatura?

    Ferrz Meu, no tem uma data assim. Tipo, eu no sei assim um dia eu acordei e falei agora eu gosto de literatura, sabe? Mas eu lia sempre quadrinhos e gostava de Robert E. Howard que autor do Conan e a eu buscava saber mais sobre os caras. Eu sempre tive um ensino pa-ralelo ao da escola, ento se eu gostava de Conan eu lia Conan no servio e ia para escola, ti-nha que ler Alusio de Azevedo ou tinha que ler Carlos Drummond de Andrade l no me in-teressava...

    Caros Amigos O que acha dos rappers tipo GOG, Racionais, Faco Central?

    Ferrz O Gog, o Racionais, o Faco Central, o Conscincia Humana, so a minha escola tambm, eu no existiria e toda uma legio de caras que existe hoje que gosta de literatura e rap, no existiria se no fosse eles. O rap, pra mim, junto com os caras uma injeo, t liga-do? Que na verdade pra quem t com dor, quando eu vou em faculdade fazer palestra tem um monte de gente que reclama, mas eu acho violento Faco Central, Racionais Por que no para eles, eles no precisam ouvir aquilo, eles no to na cadeia, eles no to usando droga, ento no precisa. bem claro pra mim, as letras de rap no Brasil so as melhores le-tras do mundo, no existe um tipo de letra de rap no mundo igual as que existem no Brasil. Um rap que o cara fala: No rio em queJesus andou, o homem navegou e matou pela cor. No existe em nenhum lugar no mundo um verso como o homem nasceu com defeito de fabrica-o, invs do corao uma granada de mo dentro do peito. o tipo de letra que os caras fa-zem.(...)

    Caros Amigos - Mas e o PT em si? O que voc se decepcionou com o PT?

    Ferrz - Ah! Eu no sei, eu votei num partido que prometeu outras coisas, entendeu? No prometeu escndalo, no prometeu virar as costas na hora em um julgamento, no prometeu... O PT virou outra coisa, no o que eu acreditava no. No estou falando que tinha que ser revolucionrio, que tinha que mudar tudo, que todo mundo sair de vermelho, mas era uma coisa que eu acreditava como moleque de favela que a favela ia mudar, entendeu? Mas eu tive que esperar o PCC chegar para mudar a favela, no foi o PT... A sigla foi outra, no foi o PT

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  • que mudou a favela, ento nessas partes no um governo autoritrio ruim, mas tambm no o governo dos sonhos que eu lutei, que eu vendi show, que o Gis morreu na estrada tentando lutar pelo partido, que eu vi muito amigo meu morrendo lutando pelo PT e ficando velho pelo PT, no era isso que a gente queria no poder e eu no t falando s do Lula, t falando de todo o partido.(...)

    Caros Amigos - um Estado paralelo dentro da favela?

    Ferrz - Poder paralelo? No, o poder. Esse negcio de dizer que o poder paralelo, no existe o poder paralelo, o Estado no manda na favela, quem disse que o Estado manda na favela? A PM vai l manda o cara por a mo da cabea e tudo, repudia o cara, mas depois o cara volta a ser da favela, entendeu? Por mais que os caras cerquem um motoboy, cerquem o cara que est dentro do nibus, bata geral em todo mundo eles vo embora e a favela continua. Ento mudou tudo e vai mudar mais ainda, ta em processo de mudana.(...)

    Caros Amigos Existe um papel do crime como mediao nos conflitos cotidianos?

    Ferrz Existe. O crime est em tudo em que o Estado nunca teve, o Estado deixou uma lacuna muito grande que o crime cobriu, voc vai na delegacia prestar queixa de um carro roubado voc fica 4 horas sentado, sendo humilhado pelo policial, parece que voc no foi roubado, parece que voc roubou, entendeu? E o crime no. Voc procura o crime ou ele resolve, ou no. Voc no mnimo no fica 4 horas sentado, voc no fica na palavra de ningum, entendeu? Ento, onde no chegou o poder pblico o crime chegou, quando o poder pblico est cuidando da elite, o crime est cuidando de outra parte da cidade que dele.(...)

    Caros Amigos Como voc v essa separao que existe na sociedade brasileira?

    Ferrz Eu acho que a gente tem toda uma classe querendo se inserir e que no vai poder se inserir, no tem espao, no tem organizao. Ento o cara tem acesso agora a comprar um carro importado parcelado, ele tem acesso. S que ele no tem onde por, no tem caragem, no tem estrutura para por o carro. O Governo Lula deu estabilidade para todo mundo poder compar um carro parcelado, ma casa parcelada, mas voc no tem aonde por tudo isso, voc tem estrutura na quebrada para por carro, os carros ficam no meio da rua, os aougues esto lotados, entendeu? No tem comida boa, todo mundo come na mesma pizzaria. No tem estrutura fsica para abranger gente que tem dinheiro e o que se est dando iluso de que se tem dinheiro, iluso.

    Caros Amigos Qual a sada para este tipo de coisa?

    A sada clara. A sada ... J comeou a sada j algum tempo. A sada ta na cara das pessoas, s no v quem no quer. A sada que o povo j ta se mexendo, isso no utopia minha, realidade, quando voc v uma favela reagindo, quando voc v um nibus queimando, no o crime, por mais que a mdia queira, quando voc v as pessoas que esto legitimadas como embaixadores da periferia tendo acesso a dar entrevista, tendo acesso a falar, entendeu? A que a coisa ta difcil... Quando a gente tem que ser ouvido, que nem eu sou ouvido, que nem os outros caras do Hip Hop so ouvidos, os caras da literatura marginal so ouvidos quando a gente ouvido, a voc comea a perceber que a gente tem uma importncia e alguma coisa t acontecendo, entendeu?(...)

    19

  • Caros Amigos O que tem de luta? Como que a luta e a resistncia na periferia hoje?

    Ferrz A luta pelos meios intelectuais e pelos meios de produtos, n? Que lana independente, de fazer toda aquela corrente, sabe? De tentar galgar, de aprender a trampar, de aprender a pegar um padro capitalista e mudar ele um pouco para no ser to perverso, tem todo esse lado empresarial que a periferia ta pagando e vai pagar porque quando se tem um lder que empresarial a gente vai seguindo tambm e tem tambm toda uma outra luta que eu te falei, que da populao mesmo, a populao este se conscientizando. O cara sofre, leva tapa, a chuva derruba o barraco dele, a mulher dele abandonou ele, mas ele no acredita em Deus, entendeu? Ele tinha para se apoiar, ento, de todo tipo ideolgico na periferia se tem: O movimento Punk, o movimento Rock, todo mundo est se organizando da sua forma, mano. Entendeu?(...)

    Caros Amigos Quando voc escreve fico tem em mente o pblico da periferia ou o pblico de fora da periferia?Ferrz Eu escrevo para periferia mano, quem l de fora bastardo. Eu s escrevo para a periferia, toda vez que eu escrevo um conto eu penso: O moleque vai entender? Vai. Ento...

    Caros Amigos Como popularizar a literatura na periferia? Quanto custa um livro seu?

    Ferrz Ento meus livros custavam o preo de editora normal at esse ano. Eu sempre busquei acordo com as editoras para sair mais barato, nunca teve resposta, no tem jeito. O mercado no aceita, ento eu montei um selo chamado selo povo que a partir desse ms j sai um dvd e vai sair um livro agora a cinco reais. Por enquanto ta cinco reais esse novo livro meu, e a todo mundo pergunta: Como que voc vai fazer a cinco reais? Meu, o autor j no ganha nada, ento pra mim no ganhar nada a mesma coisa. Ento eu fao por convico e no fao por dinheiro, ento eu to pagando do meu bolso essa edio e a editora vai lanar vrios autores tambm a cinco reais.

    (...)

    Caros Amigos Quando voc cria fico que peso d para forma e contedo?

    Ferrz Eu sempre tento achar que aquele conto ele tem um sentido no mundo, por que se ele no tiver um corpo no basta escrever ele. Ento eu j escrevi histria que ela era vazia de alma, a histria tinha um puta dilogo e tal, mas vai chegar aonde? Entendeu? Eu tenho muita vontade de escrever sobre ser humano, entendeu? Favela, clausura, regime semi-aberto, fechado. Eu gosto muito de focar o ser-humano tambm, os sonhos, os sonhos e a vida de ser-humano.

    Caros Amigos Queria que voc dissesse o que a literatura marginal.

    Ferrz Literatura marginal, meu minha coisa, mas o rap da literatura, literatura marginal os moleques escrevendo direto. Literatura marginal os moleques fizeram dias desses, bateram o rdio para mim: Ai mano, tem um amigo meu que t escrevendo uns bagulho e quer saber como ele te manda, uns bagulho escrito para ti, que ele t fazendo umas paradas escritas, uns textos, uns bagulhos velho l e ele quer te mandar. A quando voc vai ler voc fala: Caralho meu! Bom para caralho! Literatura marginal um cara chegar pra ti e falar: O tio, eu to escrevendo uns contos a, p, uns textos e eu queria ver como que faz para lanar. Literatura marginal a gente trocar ideia com moleque, literatura marginal a minha paixo

    20

  • de onde eu tiver eu convencer algum pela literatura, eu nunca deixei de ser apaixonado pelo que eu fao.

    Caros Amigos Voc j pensou em ser poltico? Por que este trabalho que voc faz de um vereador, de um deputado que vai acompanhar a rea que ele tem atuao. Voc j pensou alguma vez em se candidatar?

    Ferrz Meu, pra mim o poltico ele que nem um cara andando armado, ele est mal intencionado. No tem jeito, se eu virar poltico vo me dar um carro com placa preta, vai me dar o conforto de umas passagens de avio, vai me dar uns bagulhos que para anestesiar. Prefiro ficar na literatura, na verdade esse bagulho poltico quando eu comeo a falar muita gente fala, eu acredito que eu sou poltico desde que eu nasci, eu fao poltica tambm, mas de certa forma a minha hombridade no patenteada pelo Estado, o Estado no me d nada.

    PROPOSTA DE ATIVIDADE: ESCRITA1) Qual sua impresso a respeito da ao de Frrez? Comente seu ponto de vista com os demais colegas da sala.2) Ferrz se considera um lder em sua comunidade. O que o torna um lder? Comprove sua resposta com trechos do texto.3) Qual o instrumento de luta de Ferrz?. Explique com argumentos pautados no texto. Desenvolva sua resposta com base em trechos do texto.4) O escritor deseja que seus livros sejam lidos pela periferia. Por qu?5) Eu sempre tento achar que aquele conto ele tem um sentido no mundo, por que se ele no tiver um corpo no basta escrever ele. Que corpo esse de que fala Ferrz?6) O que uma histria de alma vazia? Por que Ferrz atribui importncia literatura?

    Agora voc ler e depois analisar um conto escrito por Marcelino Freire, chamado

    Totonha. A histria se passa na Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, localizado perto da

    Bahia. A regio que se tornou muito pobre devido ao predatria do homem em busca de

    diamante. Essa rea territorial invadida pelas secas e enchentes, o que torna difcil a vida

    dos moradores, que vivem da agricultura e pecuria.

    Totonha

    Marcelino Freire

    Capim sabe ler? Escrever? J viu cachorro letrado, cientfico? J viu juzo de valor? Em qu? No quero aprender, dispenso.Deixa pra gente que moo. Gente que tem ainda vontade de doutorar. De falar bonito. De salvar vida de pobre. O pobre s precisa ser pobre. E mais nada precisa. Deixa eu, aqui no meu canto. Na boca do fogo que fico. T bem. J viu fogo ir atrs de slaba?O governo me d o dinheiro da feira. O dente o presidente. E o vale-doce e o vale-linguia.

    21

  • Quero ser bem ignorante. Aprender com o vento, t me entendendo? Demente como um mosquito. Na bosta ali, da cabrita. Que ningum respeita mais a bosta do que eu. A qumica.Tem coisa mais bonita? A geografia do rio mesmo seco, mesmo esculhambado? O risco da poeira? O p da gua? Hein? O que eu vou fazer com essa cartilha? Nmero?S para o prefeito dizer que valeu a pena o esforo? Tem esforo mais esforo que o meu esforo? Todo dia, h tanto tempo, nesse esquecimento. Acordando com o sol. Tem melhor b--b? Assoletrar se a chuva vem? Se no vem?Morrer, j sei. Comer, tambm. De vez em quando, ir atrs de pre, caru. Roer osso de tatu. Adivinhar quando a coceira s uma coceira, no uma doena. Tenha santa pacincia!Ser que eu preciso mesmo garranchear meu nome? Desenhar s pra mocinha a ficar contente? Dona professora, que valia tem o meu nome numa folha de papel, me diga honestamente. Coisa mais sem vida um nome assim, sem gente. Quem est atrs do nome no conta?No papel, sou menos ningum do que aqui, no Vale do Jequitinhonha. Pelo menos aqui todo mundo me conhece. Grita, apelida. Vem me chamar de Totonha. Quase no mudo de roupa, quase no mudo de lugar. Sou sempre a mesma pessoa. Que voa.Para mim, a melhor sabedoria olhar na cara da pessoa. No focinho de quem for. No tenho medo de linguagem superior. Deus que me ensinou. S quero que me deixem sozinha. Eu e minha lngua, sim, que s passarinho entende, entende?No preciso ler, moa. A mocinha que aprenda. O doutor. O presidente que precisa saber o que assinou. Eu que no vou baixar minha cabea para escrever.Ah, no vou.

    In: Contos Negreiros, pp79-81.Record, 2005

    DIALOGANDO COM O TEXTO

    1) Que sentimentos despertam em voc esse conto?

    2) Em crculos, debata e discuta os significados que voc e seus colegas atriburam histria e

    apresente para seus colegas as impresses levantadas.

    3) Totonha afirma que: Quase no mudo de roupa, no mudo de lugar. Sou sempre a mesma

    pessoa. Pensando nisso, ento, como ela voa?

    4) No preciso ler, moa. A mocinha que aprenda. O doutor. O presidente que precisa saber

    o que assinou. Eu que no vou baixar minha cabea para escrever, Ah, no vou. O que

    significa a atitude de Totonha?

    5) Qual a ideia principal contida na narrao?

    PROPOSTA DE PESQUISA MIDITICA

    1) http://www.youtube.com/watch?v=WIv1KfwIstQ, neste endereo voc encontrar

    Marcelino Freire lendo o conto: Totonha.

    22

    http://www.youtube.com/watch?v=WIv1KfwIstQ
  • 2) http://www.youtube.com/watch?v=hyga44eNDL0, neste voc assistir a um documentrio

    produzido pela Rede Globo sobre Jequitinhonha. Assista e analise os dois vdeos, logo aps

    exponha aos colegas de classe, os aspectos que mais lhe chamaram a ateno.

    Outra mulher impressionante Conceio Maria de Jesus. A biografia a seguir foi extrada do stio http://www.acordacultura.org.br/main.asp?View={EC5CAD8E-DA92-4DAA.

    Carolina Maria de Jesus (1914-1977)Carolina Maria de Jesus nasceu no interior de Minas Gerais, em Sacramento, no dia 14 de maro de 1914. Vinda de uma famlia extremamente pobre, tinha mais sete irmos e teve que trabalhar cedo para ajudar no sustento da casa. Por isso, es-tudou apenas at o segundo ano primrio.

    Na dcada de 30, mudou-se para So Paulo e foi morar na favela do Canind. Ga-nhava seu sustento e de seus trs filhos catando papel. No meio do lixo, Carolina encontrou uma caderneta, onde passou a registrar seu cotidiano de favelada, em forma de dirio.

    Segundo Magnabosco, mesmo diante todas as mazelas, perdas e discriminaes que sofreu em Sacramento por ser negra e pobre, Carolina revela, atravs de sua escritura, a importncia do testemunho como meio de denncia sociopoltica de uma cultura hegemnica que exclui aqueles que lhe so alteridade.

    Descoberta pelo jornalista Audlio Dantas, reprter da Folha da Noite, Carolina teve suas anotaes publicadas em 1960 no livro Quarto de Despejo, que vendeu mais de cem mil exemplares. A obra foi prefaciada pelo escritor italiano Alberto Moravia e traduzida para 29 idiomas. Em 1961, o livro foi adaptado como pea teatral por Edi Lima e encenado no Teatro Ndia Lcia, no mesmo ano. Sua obra tambm virou filme, produzido pela Televiso Alem, que utilizou a prpria Carolina de Jesus como protagonista do longa-metragem Despertar de um sonho (indito no Brasil).

    Em 1963, Carolina publicou, pela editora quila, o livro Pedaos da Fome, com apresenta-o de Eduardo de Oliveira. Em 1965 publicou Provrbios.

    Em 1977, durante entrevista concedida a jornalistas franceses, Carolina entregaria seus apon-tamentos biogrficos, nos quais narrava sua infncia e adolescncia. Em 1982 o material foi publicado postumamente na Frana e na Espanha, sendo lanado no Brasil em 1986, com o t-tulo Dirio de Bitita, pela editora Nova Fronteira.

    Carolina foi uma das duas nicas brasileiras includas na Antologia de Escritoras Negras, publicada em 1980 pela Random House, em Nova York. Tambm est includa no Dicion-rio Mundial de Mulheres Notveis, publicado em Lisboa por Lello & Irmo.

    Carolina faleceu em So Paulo, em 13 de fevereiro de 1977.

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    http://www.acordacultura.org.br/main.asp?View=%7BEC5CAD8E-DA92-4DAAhttp://www.youtube.com/watch?v=hyga44eNDL0
  • Leia atentamente o texto abaixo:

    Quarto de despejo: dirio de uma favelada (fragmento)(Carolina Maria de Jesus)

    2 de maio de 1958 Eu no sou indolente. H tempos que eu pretendia fazer o meu dirio. Mas eu pensava que no tinha valor e achei que era perder tempo

    ... Eu fiz uma reforma em mim. Quero tratar as pessoas que eu conheo com mais ateno. Quero enviar um sorriso amvel as crianas e aos operrios.

    ... Recebi intimao para comparecer s 8 horas da noite na Delegacia do 12. Passei o dia catando papel. noite meus ps doam tanto que eu no podia andar. Comeou a chover. Eu ia na Delegacia, ia levar o Jos Carlos. A intimao era para ele. O Jos Carlos est com 9 anos.

    3 de maio ... Fui na feira da Rua Carlos de Campos, catar qualquer coisa. Ganhei bastante verdura. Mas ficou sem efeito, porque eu no tenho gordura. Os meninos esto nervosos por no ter o que comer.

    6 de maio. De manh no fui buscar gua. Mandei o Joo carregar. Eu estava contente. Recebi outra intimao. Eu estava inspirada e os versos eram bonitos e eu esqueci de ir na Delagacia. Era 11 horas quando eu recordei do convite do ilustre tenente da 12 Delegacia.

    ... O que eu aviso aos pretendentes a poltica, que o povo no tolera a fome. preciso conhecer a fome para saber descreve-la.

    Esto construindo um circo aqui na Rua Araguaia. Ento eu penso. Faz de conta que, eu estou sonhando.

    10 de maio Fui na delegacia e falei com o tenente. Que homem amvel! Se eu soubesse que ele era to amvel eu teria ido na delegacia na primeira intimao (...) O tenente interessou-se pela educao de meus filhos. Disse-me que a favela um ambiente propenso, que as pessoas tm mais possibilidades de delinqir do que tornar-se til ptria e ao pas. Pensei: Se ele sabe disto, porque no faz um relatrio e envia para os polticos? O Senhor Jnio Quadros, o Hubschek e o Dr. Adhemar de Barros? Agora falar para mim, que sou uma pobre lixeira. No posso resolver nem as minhas dificuldades.

    ... O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que passou fome. A fome tambm professora.

    Quem passa fome aprende a pensar no prximo, e nas crianas.11 de maio Dia das Mes. O cu est azul e branco. Parece que at a Natureza quer

    homenagear as mes que atualmente se setem infeliz por no poder realizar os desejos de seus filhos.

    ... O sol vai galgando. Hoje no vai chover. Hoje o nosso dia.

    ... A D. Teresinha veio visitar-me. Ela deu-me 15 cruzeiros. Disse-me que era para a Vera ir no circo. Mas eu vou deixar o dinheiro pra comprar po amanh, porque eu s tenho 4 cruzeiros.

    ... Ontem eu ganhei metade de uma cabea de porco no Frigorfico. Comemos a carne e guardei os ossos. E hoje pus os ossos pra ferver. E com o caldo diz as batatas. Os meus filhos esto sempre com fome. Quando eles passam muita fome eles no so exigentes no paladar.

    ... Surgiu a noite. As estrelas esto ocultas. O barraco est cheio de pernilongos. Eu vou acender uma folha de jornal e passar pelas paredes. assim que os favelados matam mosquistos.

    24

  • 13 de maio Hoje amanheceu chovendo. um dia simptico para mim. o dia da Abolio. Dia que comemoramos a libertao dos escravos.

    ... Nas prises os negros eram os bodes expiatrios. Mas os brancos agora so mais cultos. E no nos trata com desprezo. Que Deus ilumine os brancos para que os pretos sejam feliz.

    Continua chovendo. E eu tenho s feijo e sal. A chuva est forte. Mesmo assim. Mandei os meninos para a escola. Estou escrevendo at passar a chuva, para eu ir l no senhor Manuel vender os ferros. Com o dinheiro dos ferros vou comprar arroz e linguia. A chuva passou um pouco. Vou sair.

    ... Eu tenho tanto d de meus filhos. Quando eles v as coisas de comer eles brada:__ Viva a mame!A manifestao agrada-me. Mas eu j perdi o hbito de sorrir. Dez minutos depois

    eles querem mais comida. Eu mendei o Joo pedir um pouquinho de gordura a Dona Ida. Ela no tinha. Mandei-lhe um bilhete assim:

    __ Dona Ida peo-te se pode me arranjar um pouco de gordura, para eu fazer uma sopa para os meninos. Hoje choveu e eu no pude ir catar o papel. Agradeo. Carolina.

    ... Choveu, esfriou. o inverno que chega. E no inverno a gente come mais. A Vera comeou pedir comida. E eu no tinha. Era a reprise do espetculo. Eu estava com dois cruzeiros. Pretendia comprar um pouco de farinha para fazer um virado. Fui pedir um pouco de banha a Dona Alice quando comemos.

    E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual a fome!15 de maio Tem noite que eles improsivam uma batucada e no deixa ningum

    dormir. Os vizinhos de alvenaria j tentaram com abaixo assinado retirar os favelados. Mas no conseguiram. Os vizinhos das casas de tijolos diz:

    __ Os polticos protegem os favelados.Quem nos protege o povo e os Vicentinos. Os polticos s aparecem aqui nas

    pocas eleitorais. O senhor Cantdio Sampaio quando era vereador em 1953 passava os domingos aqui na favela. Ele era to agradvel. Tomava nosso caf, bebia nas nossas xcaras. Ele nos dirigia as suas frases de veludo. Brincava como nossas crianas. Deixou boas impresses por aqui e quando candidatou-se a deputado venceu. Mas na Cmara dos Deputados no criou um projeto para beneficiar o favelado. Nem nos visitou mais.

    ... Eu classifico So Paulo assim: O Palcio, a sala de visita. A Prefeitura a sal de jantar e a cidade o jardim. E a favela o quintal onde jogam os lixos.

    ... A noite est tpida. O cu j est salpicado de estrelas. Eu que sou extica gostaria de recortar um pedao do cu para fazer um vestido. Comeo ouvir uns brados. Saio para a rua. o Ramiro que quer dar no senhor Binitido. Mal entendido. Caiu uma ripa no fio da luz e apagou a luz da casa do Ramiro. Por isso o Ramiro queira bater no senhor Binitido. Porque o Ramiro forte e o senhor Binidito fraco.

    O Ramiro ficou zangado porque fui a favor do senhor Binidito. Tentei concertar os fios. Enquanto eu tentava concertar o fio co Ramiro queria espancar o Binidito que estava alcoolizado e no podia parar em p. Estava inconciente. Eu no posso descrevcr o efeito do lcool porque no bebe. J bebi uma vez, em carter experimental, mas o lcool no me tonteia.

    Enquanto eu pretendia concertar a luz o Ramiro dizia:__ Liga a luz, liga a luz. Precisava emend-lo. Sou leiga em eletricidade. Mandei

    chamar o senhor Alfredo, que o atual encarregado da luz. Ele estava nervoso. Olhava o senhor Binidito com desprezo. A Juana que esposa do Binidito deu cinquenta cruzeiros para o senhor Alfredo. Ele pegou o dinheiro. No sorriu. Mas ficou alegre. Percebi pela sua fisionomia. Enfim o dinheiro dissipou o nervosismo.

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  • 16 de maio Eu amanheci nervosa. Porque eu queria ficar em casa, mas eu no tinha nada para comer.

    ... Eu no ia comer porque o po era pouco. Ser que s eu que levo esta vida? O que posso esperar do futuro? Um leito em Campos do Jordo. Eu quando estou com fome quero matar o Jnio, quero enforcar o Adhemar e queimar o Juscelino. As dificuldades corta o afeto do povo pelos polticos.

    17 de maio Levantei nervosa. Com vontade de morrer. J que os pobres esto mal colocados, para que viver? Ser que os pobres de outro Pas sofrem igual aos pobres do Brasil? Eu estava descontente que at cheguei a brigar com eu filho Jos Carlos sem motivo.

    ... Chegou um caminho aqui na favela. O motorista e seu ajudante jogam umas latas. linguia enlatada. Penso: assim que fazem esses comerciantes insaciveis. E quando apodrece jogam fora para os corvos e os infelizes favelados.

    No houve briga. Eu at j estou achando isto aqui montono. Vejo as crianas abrir as latas de linguia e exclamar satisfeitas:

    __ Hum! T gostosa! A Dona Alice deu-me uma para experimentar. Mas a lata est estufada. J est podre.

    18 de maio ... Na favela tudo circula num minuto. E a notcia j circulou que a Dona Maria Jos faleceu. Vrias pessoas vieram v-la. Compareceu o vicentino que cuidava dela. Ele vinha visita-la todos os domingos. Ele no tem nojo dos favelados. Cuida dos mseros favelados com carinho. Isto competia ao tal Servio Social.

    ... Chegou o esquife. Cor roxa. Cor da amargura que envolve os coraes dos favelados.

    A Dona Maria era crente e dizia que os crentes antes de morrer j esto no cu. O enterro as trs da tarde. Os crentes esto entoando um hino. As vozes so afinadas, Tenho a impresso que so anjos que cantam. No vejo ningum bbado. Talvez seja por respeito a extinta. Mas duvido. Acho que porque eles no tm dinheiro.

    Chegou o carro para conduzir o corpo sem vida de Dona Maria Jos que para sua verdadeira casa prpria que a sepultura. A Dona Maria Jos era muito boa. Dizem que os vivos devem perdoar os mortos. Porque todos ns temos os nossos momentos de fraqueza. Chegou o carro fnebre. Esto esperando a hora para sair o enterro.

    Vou parar de escrever. Vou torcer as roupas que ensaboei ontem. No gosto de ver enterros.

    19 de maio Deixei o leito s 5 horas. Os pardais j esto iniciando a sua sinfonia matinal. As aves deve ser mais feliz que ns. Talvez entre elas reina amizade e igualdade. (...) O mundo das aves deve ser melhor do que dos favelados, que deitam e no dormem porque deitam sem comer.

    ... O que o senhor Juscelino tem de aproveitvel a voz. Parece um sabi e a sua voz agradvel aos ouvidos. E agora, o sabi est residindo na gaiola de outro que o Catete. Cuidado sabi, para no perder esta gaiola, porque os gatos quando esto com fome contempla as aves nas gaiolas. E os favelados so dos gatos. Tm fome.

    ... Deixei de meditar quando ouvi a voz do padeiro:__ Olhe o po doce, que est no hora do caf. Os favelados comem quando arranjam

    o que comer. Todas as famlias que residem na favela tm filhos. Aqui residia uma espanhola Dona Maria Puerta. Ela comprou um terreno e comeou a economizar para fazer a casa. Quando terminou a construo da casa os filhos estavam fracos do pulmo. E so oito crianas.

    ... Havia pessoas que nos visitava e dizia:__ Credo, para viver num lugar assim s os porcos. Isto aqui o chiqueiro de So

    Paulo.

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  • ... Eu estou comeando a perder o interesse pela existncia. Comeo a revoltar. E a minha revolta justa.

    ... Lavei o assoalho porque estou esperando a visita de um futuro deputado e ele quer que eu faa uns discursos para ele. Ele disse que pretende conhecer a favela, que se for eleito h de abolir as favelas.

    ... Contemplava extasiada o cu cor de anil. E eu fiquei compreendendo que eu adoro o Brasil. O meu olhar posou nos arvoredos que existe no incio da rua Pedro Vicente. As folhas movia-se. Pensei: elas esto aplaudindo este meu gosto de amor a minha Ptria. (...) Toquei o carrinho e fui buscar mais papis. A Vera ia sorrindo. E eu pensei no Casemiro de Abreu, que disse: Ri criana. A vida bela. S se a vida era boa naquele tempo. Porque agora a poca est apropriada para dizer: Chora criana. A vida amarga.

    ... Eu ando to preocupada que ainda no contemplei os jardins da cidade. poca das flores brancas, a cor que predomina. o ms de Maria e os altares deve estar adornados com flores brancas. Devemos agradecer Deus, ou a Natureza que nos deu as estrelas para adornar o cu e as flores para adornar os prados e as vrzeas e os bosques.

    Quando eu seguia a Avenida Cruzeiro do Sul ia uma senhora com um sapato azul e uma bolsa azul. A Vera disse-me:

    __ Olha mame. Que mulher bonita! Ela vai no meu carro. que a minha filha Vera Eunice diz que vai comprar um carro s para carregar

    pessoas bonitas. A mulher sorriu e a Vera prosseguiu:__ A senhora cheirosa!Percebi que a minha filha sabe bajular. A mulher abriu a bolsa e deu-lhe 20

    cruzeiros.... Aqui na favela quase todos lutam com dificuldades para viver. Mas quem

    manifesta o que sofre s eu. E fao isto em prol dos outros. Muitos catam sapatos no lixo para calar. Mas os sapatos j esto fracos e aturam s 6 dias. Antigamente, isto de 1950 at 1956, os favelados cantavam. Faziam batucadas, 1957, 1958, a vida foi ficando causticante. J no sobra dinheiro para eles comprar pinga. As batucadas foram cortando-se at extinguir-se. Outro dia eu encontrei um soldado. Perguntou-me:

    __ Voc ainda mora na favela?__ Porque?__ Porque vocs deixaram a Rdio Patrulha em paz.__ o dinheiro que no sobra para a aguardente.... Deitei o Joo e a Vera e fui procurar o Jos Carlos. Telefonei para a Central. Nem

    sempre o telefone resolve as coisas. Tomei o bonde e fui. Eu no sentia frio. Parece que o meu sangue estava a 40 graus. Fui falar com a Polcia Feminina que me deu notcia do Jos Carlos que estava na rua Asdrbal Nascimento. Que alvio! S quem me que pode avaliar.

    ... Eu dirigi para a rua Asdrbal Nascimento (1). Eu no sei andar a noite. A fuso das luzes desviam-me do roteiro. Preciso ir perguntando. Eu gosto da noite s para contemplar as estrelas cintilantes, ler e escrever. Durante a noite h mais silncio.

    Cheguei na rua Asdrbal Nascimento, o guarda mandou-me esperar. Eu contemplava as crianas. Umas choravam, outras estavam revolradas com a interferncia da Lei que no lhes permite agir a sua vontade. O Jos Carlos estava chorando. Quando ouviu a minha voz ficou alegre. Percebi o seu contentamento. Olhou-me. E foi o olhar mais terno que eu j recebi at hoje.

    ... s oito e meia da noite eu j estava na favela respirando o odor dos excrementos que mescla com o barro podre. Quando estou na cidade tenho a impresso que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de veludos, almofadas de cetim. E quando estou na favela tenho a impresso que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo.

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  • 20 de maio O dia vinha surgindo quando eu deixei o leito. A Vera despertou e cantou. E convidou-me para cantar. Cantamos. O Joo e o Jos Carlos tomaram parte.

    Amanheceu garoando. O Sol est elevando-se. Mas o seu calor no dissipa o frio. Eu fico pensando: tem poca que Sol que predomina. Tem poca que a chuva. Tem poca que o vento. Agora a vez do frio. E entre eles no deve haver rivalidades. Cada um por sua vez.

    Abri a janela e vi as mulheres qu passam rpidas com seus agasalhos descorados e gastos pelo tempo. Daqui a uns tempos estes pelitol que elas ganharam de outras e que de h muito devia estar num museu, vo ser substitudos por outros. as polticas que h de nos dar. Devo incluir-me, porque eu tambm sou favelada. Sou rebotalho. Estou no quarto de despejo, e o que est no quarto de despejo ou queima-se ou joga-se no lixo.

    ... As mulheres que eu vejo passar vo nas igrejas buscar pes para os filhos. Que o Frei Luiz lhes d, enquanto os esposos permanecem debaixo das cobertas. Uns porque no encontram emprego. Outros porque esto doentes. Outros porque embriagam-se.

    ... Eu no preocupo-me com os homens delas. Se fazem bailes eu no compareo porque no gosto de danar. S interfiro-me nas brigas onde prevejo um crime. No sei a origem desta antipatia por mim. Com os homens e as mulheres eu tenho um olhar duro e frio. O meu sorriso, as minhas palavras ternas e suaves, eu reservo para as crianas.

    ... Tem um adolescente por nome Julio que as vezes espanca o pai. Quando bate no pai com tanto sadismo e prazer. Acha que invencvel. Bate como se estivesse batendo num tambor. O pai queria que ele estudasse para advocacia (...) Quando o Julio vai preso o pai lhe acompanha com os olhos rasos dagua. Como se estivesse acompanhando um santo no andor. O Julio revoltado, mas sem motivo. Eles no precisa residir na favela. Tem casa no Alto de Vila Maria.

    ... s vezes mudam algumas famlias para a favela, com crianas. No incio so educadas, amveis. Dias depois usam o calo, so soezes e repugnantes. So diamantes que transformam em chumbo. Transformam-se em objetos que estavam na sala de visita e foram para o quarto de despejo.

    ... Para mim o mundo em vez de evoluir est retornando a primitividade. Quem no conhece a fome h de dizer: Quem escreve isto louco. Mas quem passa fome h de dizer:

    __ Muito bem, Carolina. Os gneros alimentcios deve ser ao alcance de todos.Como horrvel ver um filho comer e perguntar: tem mais? Esta palavra tem

    mais fico oscilando dentro do crebro de uma me que olha as panela e no tem mais.... Quando cheguei do palcio que a cidade os meus filhos vieram dizer-me que

    havia encontrado macarro no lixo. E a comida era pouca, eu fiz um pouco do macarro com feijo. E o meu Joo Jos disse-me:

    __ Pois . A senhora disse-me que no ia mais comer as coisas do lixo.Foi a primeira vez que vi minha palavra falhar. Eu disse:__ que eu tinha f no Kubstchek.__ A senhora tinha f e agora no tem mais?__ No, meu filho. A democracia est perdendo os seus adeptos. No nosso pas tudo

    est enfraquecendo. O dinheiro fraco. A democracia fraca e os polticos fraqussimos. E tudo que esta fraco, morre um dia.

    ... Os polticos sabem que eu sou poetisa. E que o poeta enfrenta a morte quando v o seu povo oprimido.

    21 de maio Passei uma noite horrvel. Sonhei que eu residia numa casa residvel, tinha banheiro, cozinha, copa e at quarto de criada. Eu ai festejar o aniversrio de minha filha Vera Eunice. Eu ia comprar-lhe umas panelinhas que h muito ela vive pedindo. Porque eu estava em condies de comprar. Sentei na mesa para comer. A tolha era alva ao lrio. Eu comia bife, po com manteiga, batata frita e salada. Quando fui pegar outro bife despertei.

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  • Que realidade amarga! Eu no residia na cidade. Estava na favela. Na lama, s margens do Tiet. E com 9 cruzeiros apenas. No tenho acar porque ontem eu sa e os meninos comeram o pouco que eu tinha.

    ... Quem deve dirigir quem tem capacidade. Quem tem d e amizade ao povo. Quem governa o nosso pas quem tem dinheiro, quem no sabe o que fome, a dor, e a aflio do pobre. Se a maioria revoltar-se, o que pode fazer a minoria? Eu estou ao lado do pobre, que o brao. Brao destrudo. Precisamos livrar o pas dos polticos aambarcadores.

    Eu ontem comi aquele macarro do lixo com receio de morrer, porque em 1953 eu vendia ferro l no Zinho. Havia um pretinho bonitinho. Ele ia vender ferro l no Zinho. Ele era jovem e dizia que quem deve catar papel so os velhos. Um dia eu ia vender ferro quando parei na Avenida Bom Jardim. No Lixo, como denominado o local. Os lixeiros haviam jogado carne no lixo. E ele escolhia uns pedaos. Disse-me:

    __ Leva, Carolina. D para comer.Deu-me uns pedaos. Para no mago-lo aceitei. Procurei convenc-lo a no comer

    aquela carne. Para comer os pes duros rudos pelos ratos. Ele disse-me que no. Que h dois dias no comia. Acendeu o fogo e assou a carne. A fome era tanta que ele no pode deixar assar a carne. Esquentou-a e comeu. Para no presenciar aquele quadro, sai pensando: faz de conta que eu no presenciei esta cena. Isto no pode ser real num pas frtil igual ao meu. Revoltei contra o tal Servio Social que diz ter sido criado para reajustar os desajustados, mas no toma conhecimento da existncia dos marginais. Vendi os ferros no Zinho e voltei para o quintal de So Paulo, a favela.

    No outro dia encontraram o pretinho morto. Os dedos do seu p abriram. O espao era de vinte centmetros. Ele aumentou-se como se fosse de borracha. Os dedos do p parecia um leque. No trazia documentos. Foi sepultado como um Z qualquer. Ningum procurou saber seu nome. Marginal no tem nome.

    (...)In: Quarto de despejo: dirio de uma favelada, p.30-40.

    Lino-Grfica, 1960.

    Para responder a questes abaixo, consulte o texto Quarto de despejo: dirio de uma favelada.

    PROPOSTA DE ATIVIDADE: ESCRITA E ORAL

    1) Ao pensar o momento presente, 13/5/1958, Carolina se volta para o passado para refletir sobre a abolio. Na viso da autora, a escravido acabou? Em caso afirmativo, de que forma ela se apresenta naquela poca? E hoje? Qual sua opinio sobre o assunto?2) Como Carolina classificou So Paulo? Que angstias lhes afligiam? 3) ...Eu fiz uma reforma em mim. O que Carolina Maria de Jesus usou para efetuar a reforma? Utilize exemplos com citao do texto.4) A escritora utiliza a palavra contra o preconceito e para ajudar os favelados, alm de denunciar o descaso social para com os marginalizados. Demonstre estas afirmaes com passagens do texto.5) Quarto de despejo foi publicado em 1960, sobre fatos anotados no dirio da autora a partir de 15/6/1955. Esses acontecimentos so retomados por outros pensadores da atualidade. Houve mudanas significativas por parte do poder pblico para mudar a situao dos marginalizados? Para responder esta questo pesquise os textos anteriores.6) Dos textos estudados, qual voc mais apreciou? Por qu?

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  • 7) http://www.youtube.com/watch?v=sPI9bdgMUnA, Carolina Maria de Jesus - Heris de Todo Mundo, clip em que a escritora declama alguns de seus escritos.Leia, tambm, a obra desta brasileira e escolha partes para expor aos colegas da classe.

    Agora, voc estudar a poesia Do Velho ao Jovem, de Conceio Evaristo. Ela

    nasceu em 1946, numa favela de Belo Horizonte, que por estar localizada em rea urbana

    privilegiada foi demolida e os moradores obrigaram-se a residir em regies perifricas.

    Estudou com dificuldade, pois tinha que conciliar estudo com a rdua jornada de trabalho.

    Tornou-se professora e em busca de prosseguir seus estudos transfere-se para o Rio de

    Janeiro. Sua infncia foi recheada de histrias contadas pela me, que, a lpis, as escrevia

    num caderno, que a Conceio Evaristo preservou. Essas lembranas motivaram Conceio

    Evaristo a se tornar escritora.

    Do Velho ao Jovem

    Na face do velhoas rugas so letras,palavras escritas na carne,abecedrio do viver.

    Na face do jovemo frescor da pelee o brilho dos olhosso dvidas.

    Nas mos entrelaadasde ambos,o velho tempofunde-se ao novo,e as falas silenciadasexplodem.

    O que os livros escondem,as palavras ditas libertam.E no h quem ponhaum ponto final na histria.

    Infinitas so as personagens...Vov Kalinda, Tia Mambene,Primo Sand, Ya Tapuli,Menina Mek, Menino Kambi,Neide do Brs, Cntia da Lapa,

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    http://www.youtube.com/watch?v=sPI9bdgMUnA
  • Piter do Estcio, Cris de Acari,Mabel do Pel, Sil de Manara,E tambm de Santana e de Bel e mais e mais, outras e outros...

    Nos olhos do jovem Tambm o brilho de muitas histrias.E no quem ponhaum ponto final no rap

    preciso eternizar as palavrasda liberdade ainda e agora...

    In: Poemas da recordao e outros movimentos, p.51, 2008.

    PROPOSTA DE ATIVIDADE: ESCRITA E ORAL1) O que o poema de Conceio Evaristo trata tem a ver com sua vida? Exemplifique narrando alguns fatos.2) Por que Velho e Jovem no ttulo so grafados em maisculo?3) Escreva sobre o significado desta estrofe:Na face do velhoas rugas so letras,palavras escritas na carne,abecedrio do viver.4) Que sentido h na estrofe:O que os livros escondem,as palavras ditas libertam.E no h quem ponhaum ponto final na histria.5) O jovem tem no olhar um brilho que o velho no pode ter. O que esse brilho? Comente.6) http://www.youtube.com/watch?v=W2DgEX8fIHE, voc ouvir Conceio Evaristo declamando De cor so os olhos de minha me e Vozes Mulheres.Leia poesias de Conceio Evaristo e escolha uma delas para declamar na sala de aula.

    Na sequncia h uma produo de Mia Couto, nome artstico de Antnio Emlio Leite

    Couto, escritor moambicano. Situada ao Sudeste de frica, Moambique foi colonizada

    pelos portugueses no sculo XVI, a populao e as riquezas naturais foram exploradas. Esta

    situao perdurou at o sculo XX, em 1964 houve mobilizao para a independncia de

    Moambique, liderada pela Frente de Libertao de Moambique (FRELIMO), instaurada por

    guerrilha. Em 25 de junho de 1975, Moambique conquista a independncia. Nesse perodo a

    Frente de Resistncia Nacional de Moambique (RENAMO) disputa o poder com a

    FRELIMO e o pas entra em guerra civil.

    A crnica A carta, escrita por Mia Couto, traz a voz do povo, na figura de uma

    mulher, que est distante de seu filho. Leia-a com ateno.

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    http://www.youtube.com/watch?v=W2DgEX8fIHE
  • A CARTA (Mia Couto)

    A velha dobrou as pernas como se dobrasse os sculos. Ela sofria doena do cho, mais e de mais se deixando nos cados. Amparava-se em poeiras, seria para se acostumar cova, na subfcie do mundo?- Me leia a carta. Me entregava o papel marrotado, dobrado em mil sujidades. Era a Carta de seu filho, Ezequiel. Ele se longeara, de farda, cabelo no zero. A carta, ele a enviara fazia anos muito coados. Sempre era a mesma, j eu lhe conhecia de memria, vrgula a vrgula.- Outra vez, mam Cacilda?- Sim, maistravez.Sentei o papel sob os olhos, fingi acarinhar o desenho das letras. Quase nem se viam, suadas que estavam. Dormiam sob o leno de Cacilda, desde que chegara a guerra. Essas letras chei-ram a plvora, me rodilham o corao. Era o dito da velha. Agora, passados os tempos, aquele papel era a nica prova do seu Ezequiel. Parecia que s pelo escrito, sempre mais desbotado, seu filho acedia existencia. Nas primeiras vezes eu at me procedia leitura, traduzindo a autntica verso do pequeno soldado. Eram letras incertinhas, pareciam crianas saindo da formatura. Juntavam-se ali mais erros que palavras. O recheio nem era maior que o formato. Porque naquela escrita no havia nem linha de ternura. O soldado aprendera a guerra desa-prendendo o amor? Em Ezequiel, morrera o filho para nascer o tropeiro? Nas primeiras leitu-ras, meu corao muito se apertava em inventadas dedicatrias aquela me. Enquanto lia, eu espreitava o rosto da idosa senhora, tentando escutar uma ruga de tristeza. Nada. A velha se imovia, como se tivesse saudade da morte. Seus olhos no mencionavam nenhuma dor. Eu tentava um alivio, desculpar o menino que no sobrevivera farda. Nem se entristenha, mam Cacilda. Tambm, maneira como carregaram esse menino para a tropa! Sem camisa, sem mala, sem notcia. Atirado para os fundos do caminho como se faz s encomendas sem ende-reo.- Entenda, mam Cacilda.Mas ela j dormia, deitada em antiqussima sombra. Ou mentia que dormia, debruada na va-randa da alma? Fingia, a velha. Como o rio, num aude, se disfara de lagoa. Depois, ela re-gressava s plpebras, me apressava.- Continua. Por que paraste?J no restava nada que ler. Era s o gorduroso gatafunho, despedida Sem nenhum beijo. Pode a carta de um saudoso filho terminar assim unidade, trabalho, vigilncia? Mas a velha insistia, cismalhava. Eu que lesse, toda a gente sabe, as letras igualam as estrelas mesmo pou-cas so infinitas. Eu lhe fosse paciente, pobre me, sem nenhuma escola. Foi ento que passei a alongar aquela tinta, amolecendo as reais palavras. Inventava. Em cada leitura, uma nova carta surgia da velha missiva. E o Ezequiel, em minha imaginutica, ganhava os infindos mo-dos de ser filho, homem com mritos para permanecer menino. Cacilda escutava num embalo, houvessem em minha voz ondas de um sepultado mar. Ela embarcava de visita a seu filho, tudo se passando na bondade de uma mentira. Diz-se na prpria doideira dos vamos loucuran-do. At, um dia, me trouxeram notcia. Ezequiel perdera, para sempre, a existencia. Ele se desfechara em incgnitos matos, vitima dos bandos. A me nem suspeitava. Perguntei desco-nhecia-se o paradeiro dela. Ficasse eu atribuido de lhe entregar o escuro anncio. Esperei. Nesse fim de tardinha, porm, mam Cacilda no compareceu em minha casa. Assustei adivi-nhara ela o destino do Ezequiel? Quem conhece os poderes de uma me em exercicio de sau-dade? Decidi ir ao seu lugar. Parti ainda restavam manchas do poente. Cacilda cozinhava uns mseros gros, ementa de passarinho.- Senta, meu filho, fica servido, no custa dividir pobrezas.Fui ficando, me compondo de coragem. Como podia eu deflagrar aquele luto? Comemos. Me-lhor fingimos comer. Faz conta uma refeio, meu filho. Faz conta. Modo que eu vivo, fa-zendo de conta.

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  • - E agora, diz porque vieste nesta minha casa?Olhei o cho, o mundo escapava pelo fundo. Ela venceu o silncio.- Me vens ler o meu filho?Acenei que sim. Aceitei o velho papel mas demorei a comear. Eu queria acertar os meus tons, evitando o emergir de alguma tremura. Finalmente, atravessei a escrita, ao avesso da verdade. Trouxe as novas do filho, seus consecutivos herosmos. Ele, o mais bravo, mais bon-doso, mais nico. Como sempre, a me escutou em qualificado silncio. s vezes, no colorir de um pargrafo, ela sorria sempre igual, esse meu filho. Eu me parabendizia, cumprida a misso do fingimento. Me despedi, quase em alvio. Foi ento, em derradeiro relance, que eu vi a velha me lanava a carta sobre a fogueira. Ao meu virar, ela emendou o gesto. O papel demorou um instante a ser mastigado pelo fogo. Nesse brevssimo segundo, eu anotei a lgri-ma pingando sobre a esteira. Ela fingiu tirar um fumo do rosto, fez conta que metia a carta sob o leno. Me voltei a despedir, fazendo de conta que aquele adeus era igual aos todos que j lhe concedera.(A crnica faz parte do livro: Cronicando, 1986, e foi extrada do stio: http://www.lumiarte.com/luardeoutono/miacouto.html).

    Aps leitura da crnica A carta, desenvolva as questes propostas:

    ATIVIDADE ORAL E ESCRITA1) O que voc entendeu da crnica A carta?2) Em crculos, debata e discuta os significados que voc e seus colegas atriburam histria.3) Mia Couto cria novas palavras e isso indica tanto sua proximidade com a linguagem cotidiana como o conhecimento que ele tem da lngua. A esse fator d-se o nome de neologismo. Localize os neologismos criados pelo escritor, pesquise no dicionrio a palavra matriz e explique os significados novos que essas palavras adquirem no texto.4) Os protagonistas da crnica so: um narrador que detm o conhecimento da escrita e mam Cacilda, cujo saberes vm da oralidade. O que os une? Qual a relao entre eles?5) Como o narrador apresenta mam Cacilda? Comprove sua resposta com passagens do texto? 6) A carta foi relida vrias vezes. Como se justifica essa ideia? H mensagens carinhosas de Ezequiel a mam Cacilda? Por qu?7) Explique essa passagem: Mas ela j dormia, deitada em antiqussima sombra. Ou mentia que dormia, debruada na varanda da alma? Fingia, a velha. Como o rio, num aude, se disfara de lagoa. Depois, ela regressava s plpebras, me apressava.8) O narrador retorna casa de mam Cacilda por qu? Como ele se comporta? E mam Casilda?9) Como se justifica a atitude de mam Cacilda no final do texto? Comente.10) Em sua opinio, o drama vivido por mam Cacilda pode se revelar, nos tempos atuais, de que outras formas?

    O texto final foi retirado do romance Parbola do Cgado Velho, de autoria de Pepetela,

    pseudnimo de Artur Carlos Maurcio Pestana dos Santos, escritor angolano. Localizada a

    Sudoeste da frica, Angola viveu o perodo de 1976 a 1991 envolvido pela guerra, causou

    desintegrao social e econmica, pois espalhou tragdias, como: a morte de dois milhes de

    pessoas e, ainda hoje, morrem, por dia, de fome 200 pessoas. As minas de bombas espalhadas

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    http://www.lumiarte.com/luardeoutono/miacouto.html
  • pelo solo angolano, mutilam grande parte da populao. A produo literria de Pepetela

    permite ao leitor conhecer a histria e os conflitos que afligem do povo de Angola.

    Parbola do Cgado Velho (fragmento)(Pepetela)1Ulume, o homem, olha o seu mundo.Por vezes a terra lhe parece estranha. Fica num planalto sem fim, embora se saiba que tudo acaba no mar. Chanas e cursos de gua por toda a parte. Junto dos rios tem florestas, nalguns pontos apenas muxitos, aquelas matitas em baixas hmidas. As elevaes so pequenas, excepto a Munda que corta a terra no sentido norte-sul. Nunca se v o cume da Munda, sempre encoberto por espessos nevoeiros. O seu kimbo fica colado ao p da Munda, outra forma de dizer montanha, na base de um morro encimado por grandes rochedos cinzentos, por vezes azuis. De cima do morra sai um regato que acaba por se acoitar, muito frente, num rio largo, o Kuanza de todas foras e maravilhas, quase fora do seu mundo. Desse regato tiram a gua para as nakas, onde verdejam os legumes e o milho de bandeiras brancas. Nele tambm bebe o gado. Mesmo no tempo das piores secas a gua do regato nunca falhou. No alto do morro ainda, existe a gruta de onde todos os dia sai um enorme cgado para ir beber a gua da fonte. Palmeiras de folhas irrequietas rodeiam o kimbo, casando com mangueiras e bananeiras, pintando de verde escuro os amarelos e verdes esbatidos do capim e do milho.Neste quadro familiar, algo faz a terra se afigurar de repente estranha. um momento especial a meio da tarde em que tudo parece parar. O vento no agita as palmas, as aves suspendem seus cantos, o sol brilha num azul profundo sem fulguraes. At o restolhar dos insectos deixa de ser ouvido. Como se a vida ficasse em suspenso, s, na luminosidade dum cu enxuto. Um instante apenas. E nem sempre acontece. O tempo precisa de estar limpo, de preferncia depois de uma chuvada, a Lua tem de aparecer apesar do Sol, e no peito deve ter a angstia da espera.Todos os dias sobe ao morro mais prximo, senta nas pedras a fumar o cachimbo que ele prprio talhou em madeira dura, e espera. A passagem do cgado velho, mais velho que ele pois j l estava quando nasceu, e o momento da paragem do tempo. um momento doloroso pelo medo estranho. Apesar das dcadas passadas desde a primeira vez. Mas tambm um instante de beleza, pois v o mundo parado a seus ps. Como se um gesto fosse importante, essencial, mudando a ordem das coisas. Odeia e ama esse instante e dele no pode escapar.Quando ainda muito jovem, falou disso aos outros. Ningum notara, imaginao s dele. Tambm era o nico que ia para o cimo do morro observar o vale e mundo. Os amigos conheciam a existncia do cgado velho, mas preferiam as cercanias do kimbo, onde brincavam e tentavam namorar as raparigas que iam ao regato. Assim, o cume do Mundo ficava s para ele. Nunca mais falou desse estranho instante, nem a Nunakazi. Ela perguntou no princpio da vida comum, mas que hbito esse de ires os dias para cima do morro tarde? E ele respondeu s um hbito desde criana. Tentou ligar essa sensao a coisas que lhe sucediam depois, como predio do que vai vir. Mas nada. No havia ligao possvel de adivinhar. As coisas iam e vinham, boas ou ms, quer chegasse o instante quer no. Acontecia apenas. No seu rabo no parecia trazer o mal, o desejado ou o temido.E continua a acontecer, de vez em quando. Talvez mais frequentemente agora. E Ulume fica apenas vazio, numa grande paz intranqila.(...)6

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  • Das guerras e fomes anteriores ainda trazia as cicatrizes. Sobretudo das duas filhas que tinham morrido de doena. Ou fome, quem sabe? A Muari nunca mais tinha engravidado. Ulume chegou a talhar uma serpente num tronco de rvore, pra, como manda a tradio, pr embaixo do catre onde dorme a Muari e assim leva-la a engravidar. Nem esse remdio, o mais forte que se conhece para mulheres estreis, resultou. Devia ser mesmo a vontade da Muari a resistir a tudo. Recusa de parir para alimentar a morte? S lhe restavam assim os dois filhos. E perdeu um, naquele dia que vieram os carros e Luzolo se meteu num deles, juntamente com outros jovens. A me chorava, queria segurar no filho, ele disse deixe me, depois volto. Nunca mais voltou. Kanda resmungava pelos cantos, um dia o ouviu dizer a um amigo, esse meu irmo Luzolo sempre foi parvo e teimoso.No princpio pensou que era apenas um passeio, todos os jovens queriam conhecer Calpe, man que os atraa mais que um dourado favo de mel. Passou tempo e Luzolo nunca mais apareceu. Notcias chegaram dizendo que agora era soldado. Kanda barafustou, burro, estpido, falava pelos cantos como se cazumbi tivesse entrato nele, dava murros na parede, vejam o que o vosso primognito, o preferido. Injusto como todos os jovens. Luzolo no era o preferido, naquela casa no havia preferidos. Quis dizer isso a Kanda, mas depois achou, deixa ficar, aquele rebelde no merecia resposta.Perdeu o segundo filho, da mesma maneira que o primeiro. Kanda entrou no carro, adeus gente, levou apenas um saquinho com as suas coisas. Chegou mais tarde o mujinho anunciando que se tornara soldado. Porque ficara Kanda to zangado ao saber que Luzolo entrara num exrcito, se agora fazia o mesmo? Ulume no entendia os jovens. Na njango os mais velhos lhe explicaram, Kanda e Luzolo eram soldados, s que no estavam no mesmo exrcito, eram adversrios, talvez inimigos.A meio da tarde, no cimo do morro, esperando a paragem do tempo, com mais angstia que o habitual, percebeu. H muito se anunciavam maus pressgios, ele no soubera ler, apenas pressentir. Sabia, ela estava l, a cidade que para muitos era de sonho e a ele trazia apenas temor. A distncia era grande, nem um rudo nem uma tnue coluna de fumo a indicavam. Mas ela estava l, h dois ou trs dia