14ª Catequese do Ano da Fé

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    AUDINCIA GERAL

    Sala Paulo VIQuarta-feira, 23 de Janeiro de 2013

    Creio em Deus

    Queridos irmos e irms,

    NesteAno da f, hoje gostaria de comear a meditar convosco sobre o Credo, ou seja,sobre a solene profisso de f que acompanha a nossa vida de fiis. O Credo comeaassim: Creio em Deus. uma afirmao fundamental, aparentemente simples na suaessencialidade, mas que abre ao mundo infinito da relao com o Senhor e com o seumistrio. Acreditar em Deus implica adeso a Ele, acolhimento da sua Palavra eobedincia jubilosa sua revelao. Como ensina o Catecismo da Igreja Catlica, a f um acto pessoal, uma resposta livre do homem proposta de Deus que se revela (n.

    166). Portanto, poder dizer que se cr em Deus um dom Deus revela-se, vem aonosso encontro e, ao mesmo tempo um compromisso, graa divina eresponsabilidade humana, numa experincia de dilogo com Deus que, por amor, falaaos homens como a amigos (Dei Verbum, 2), fala-nos a fim de que, na f e com a f,

    possamos entrar em comunho com Ele.

    Onde podemos ouvir Deus e a sua palavra? fundamental a Sagrada Escritura, ondepodemos ouvir a Palavra de Deus que alimento para a nossa vida de amigos deDeus. A Bblia inteira narra o revelar-se de Deus humanidade; toda a Bblia fala de fe ensina-nos a f, narrando uma histria em que Deus faz progredir o seu desgnio de

    redeno, tornando-se prximo de ns, homens, atravs de muitas figuras luminosas depessoas que acreditam nele e a Ele se confiam, at plenitude da revelao no SenhorJesus.

    A este propsito, muito bonito o captulo 11 da Carta aos Hebreus, que h poucoouvimos. Ali, fala-se da f e pem-se em evidncia as grandes figuras bblicas que aviveram, tornando-se modelo para todos os fiis. No primeiro versculo, o texto reza:A f o fundamento da esperana, uma certeza a respeito do que no se v (11, 1).Por conseguinte, os olhos da f so capazes de ver o invisvel, e o corao do crente

    pode esperar alm de toda a esperana precisamente como Abrao, de quem na Cartaaos Romanos Paulo afirma que acreditou, esperando contra toda a esperana (4, 18).

    E precisamente sobre Abrao, que gostaria de chamar a nossa ateno, porque ele aprimeira grande figura de referncia para falar de f em Deus: Abrao, o grandepatriarca, modelo exemplar, pai de todos os crentes (cf. Rm 4, 11-12). A Carta aosHebreus apresenta-o assim: Foi pela f que Abrao, obedecendo ao apelo divino,partiu para uma terra que devia receber em herana. E partiu sem saber para onde ia. Foipela f que ele habitou na terra prometida, como em terra estrangeira, habitando a emtendas com Isaac e Jacob, co-herdeiros da mesma promessa. Porque tinha a esperanafixa na cidade assentada sobre os fundamentos eternos, cujo arquitecto e construtor Deus (11, 8-10).

    Aqui, o autor da Carta aos Hebreus faz referncia vocao de Abrao, narrada noLivro do Gnesis, o primeiro livro da Bblia. O que pede Deus a este patriarca? Pede-lhe

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    que parta, abandonando a prpria terra para ir rumo terra que lhe indicar: Deixa a tuaterra, a tua famlia e a casa de teu pai e vai para a terra que eu te mostrar ( Gn 12, 1).Como teramos respondido ns a um convite semelhante? Com efeito, trata-se de uma

    partida s escuras, sem saber para onde Deus o levar; um caminho que exige umaobedincia e uma confiana radicais, ao qual s a f permite aceder. Mas a escurido do

    desconhecido onde Abrao deve ir iluminado pela luz de uma promessa; Deusacrescenta ao mandato uma palavra tranquilizadora que abre diante de Abrao umfuturo de vida em plenitude: Farei de ti uma grande nao; abenoar-te-ei e exaltarei oteu nome... e todas as famlias da terra sero benditas em ti (Gn 12, 2.3).

    Na Sagrada Escritura, a bno est vinculada primariamente ao dom da vida que vemde Deus e manifesta-se em primeiro lugar na fecundidade, numa vida que se multiplica,

    passando de gerao em gerao. E bno est ligada tambm a experincia da possede uma terra, de um lugar estvel onde viver e crescer em liberdade e segurana,temendo Deus e construindo uma sociedade de homens fiis Aliana, reino desacerdotes e nao santa (cf.x 19, 6).

    Por isso, no desgnio divino, Abrao est destinado a tornar-se pai de uma multido depovos (Gn 17, 5; cf. Rm 4, 17-18) e a entrar numa nova terra onde habitar. E noentanto Sara, sua esposa, estril, no pode ter filhos; e o pas para o qual Deus oconduz distante da sua terra de origem, j habitado por outras populaes, e nuncalhe pertencer verdadeiramente. O narrador bblico sublinha-o, mas com muitadiscrio: quando Abrao chegou ao lugar da promessa de Deus: Os Cananeus jviviam naquela terra (Gn 12, 6). A terra que Deus oferece a Abrao no lhe pertence,ele um estrangeiro e tal permanecer para sempre, com tudo o que isto comporta: noter finalidades de posse, sentir sempre a prpria pobreza, ver tudo como ddiva. Esta tambm a condio espiritual de quem aceita seguir o Senhor, de quem decide partir,acolhendo a sua chamada, sob o sinal da sua bno invisvel mas poderosa. E Abrao,pai dos crentes, aceita esta chamada na f. Na Carta aos Romanos so Paulo escreve:Esperando, contra toda a esperana, Abrao teve f e tornou-se pai de muitas naes,segundo o que lhe fora dito: Assim ser a tua descendncia. No vacilou na f,embora tenha reconhecido o seu prprio corpo sem vigor pois tinha quase cem anos

    e o seio de Sara igualmente amortecido. Diante da promessa de Deus, no vacilou,no desconfiou, mas conservou-se forte na f e deu glria a Deus. Estava plenamenteconvencido de que Deus era poderoso, para cumprir o que prometera (Rm 4, 18-21).

    A f leva Abrao a percorrer um caminho paradoxal. Ele ser abenoado, mas sem os

    sinais visveis da bno: recebe a promessa de se tornar um grande povo, mas com umavida marcada pela esterilidade da sua esposa Sara; levado para uma nova ptria, masnela dever viver como estrangeiro; e a nica posse da terra que se lhe permitir ser ade um lote de terreno para ali sepultar Sara (cf. Gn 23, 1-20). Abrao abenoado

    porque, na f, sabe discernir a bno divina, indo alm das aparncias, confiando napresena de Deus at quando os seus caminhos lhe parecem misteriosos.

    O que significa isto para ns? Quando afirmamos: Creio em Deus, ns dizemos comoAbrao: Confio em ti; confio-me a ti, Senhor!, mas no como a algum, ao qualrecorrer apenas nos momentos de dificuldade, ou a quem dedicar alguns momentos dodia ou da semana. Dizer Creio em Deus significa fundar sobre Ele a minha prpria

    vida, deixar que a sua Palavra a oriente todos os dias, nas escolhas concretas, sem medode perder algo de mim mesmo. Quando, no Rito do Baptismo, por trs vezes somos

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    interrogados: Credes? em Deus, em Jesus Cristo, no Esprito Santo, na santa Igrejacatlica e nas outras verdades de f, a trplice resposta no singular: Creio, porque a minha existncia pessoal que deve passar por uma transformao mediante o dom daf; a minha existncia que deve mudar, converter-se. Cada vez que participamos num

    baptizado, deveramos perguntar-nos como vivemos diariamente o grande dom da f.

    Abrao, o crente, ensina-nos a f; e, como estrangeiro na terra, indica-nos a ptriaverdadeira. A f torna-nos peregrinos na terra, inseridos no mundo e na histria, mas acaminho da ptria celestial. Portanto, crer em Deus torna-nos portadores de valores quemuitas vezes no coincidem com a moda, nem com a opinio do momento, exige queadoptemos critrios e assumamos comportamentos que no pertencem ao modo de

    pensar comum. O cristo no deve ter medo de ir contra a corrente para viver a suaf, resistindo tentao de se conformar. Em numerosas das nossas sociedades, Deustornou-se o grande ausente e no seu lugar existem muitos dolos, dolosextremamente diferentes entre si, e sobretudo a posse e o eu autnomo. E tambm os

    progressos notveis e positivos da cincia e da tcnica suscitaram no homem uma iluso

    de omnipotncia e de auto-suficincia, e um egocentrismo crescente criou no poucosdesequilbrios no contexto das relaes interpessoais e dos comportamentos sociais.

    E no entanto, a sede de Deus (cf. Sl63, 2) no foi saciada e a mensagem evanglicacontinua a ressoar atravs das palavras e das obras de numerosos homens e mulheres def. Abrao, o pai dos crentes, continua a ser pai de muitos filhos que aceitam caminharno seu sulco e pem-se a caminho, em obedincia vocao divina, confiando na

    presena benvola do Senhor e acolhendo a sua bno, a fim de se fazer bno paratodos. o mundo abenoado da f, ao qual todos somos chamados, para caminhar semmedo no seguimento do Senhor Jesus Cristo. Trata-se de um caminho por vezes difcil,que conhece tambm a prova e a morte, mas que abre vida, numa transformaoradical da realidade, que unicamente os olhos da f so capazes de ver e saborear em

    plenitude.

    Ento, afirmar Creio em Deus impele-nos a partir, a sair de modo incessante de nsmesmos, precisamente como Abrao, para levar realidade quotidiana em que vivemosa certeza que nos deriva da f: ou seja, a certeza da presena de Deus na histria,tambm hoje; uma presena que traz vida e salvao, abrindo-nos a um futuro com Ele,

    para uma plenitude de vida que nunca conhecer ocaso.