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Volume 1 - Número 2 • mai/ago 2010

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Volume 1 - Número 2 • mai/ago 2010

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Volume 1 - Número 2 • Mai/Ago 2010relaTo De PeSQuiSa

Efeitos da dupla tarefa na marcha de pacientes atáxicosDual Task Effect in Ataxia GaitCamila Torriani-Pasin, michelly arjona, renata gonzalez leitão, roberta Zancani de lima Fabio Navarro Cyrillo ....................................................................................................................................................................................................... 101

metodologia de mapeamento e interpretação de trilha: trilha do mirante (Paranapiacaba)Method of mapping and interpretation of trail: Trilha do Mirante (Paranapiacaba)marcos Timóteo rodrigues de Sousa ............................................................................................................................................................................ 111

Tumores de ovário na gestação Ovarian tumors in the pregnancy Taciana Cristina Duarte, Temistocles Pie de lima, Sylvia michelina Fernandes Brenna ................................................................................... 117

PoNTo De ViSTa

o currículo por competências e sua relação com as diretrizes curriculares nacionais para a graduação em medicina. The competence based curriculum and its relationship with the national guidelines for medical education.Valdes roberto Bollela, José Lúcio Martins Machado ............................................................................................................................................... 126

Núcleo de estudos e pesquisa: um espaço de formação continuadaCenter for studies and research: an area of continued educationJanete ribeiro Nhoque ..................................................................................................................................................................................................... 143

miNi reViSÃo

Hospitalidade, um norteador para o turismólogo que acredita na inclusão social.Hospitality , a guide to the travel professional who believes in the social inclusionCarla merlotti, Catia Ferdinando Costa ..................................................................................................................................................................... 151

“Quando nasce um filho, nasce uma mãe: “aspectos ambientais, hormonais e neurais que levam ao pronto início e à manutenção do comportamento maternal”“When a child is born, a mother is born: environmental, hormonal and neural aspects that lead to initiationand maintenance of maternal behavior”marcia Harumi Sukikara, Sandra regina mota-ortiz .................................................................................................................................................. 163

ComuNiCaÇÃo CurTa

Proposta de um conjunto de indicadores de qualidade para uma farmácia hospitalarProposal of quality indicators for a hospital pharmacyameliana de Paula Silotti ................................................................................................................................................................................................. 170

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Science in Health

A revista de saúde da Universidade Cidade de São Paulo.

Chanceler

PAULO EDUARDO SOARES DE OLIVEIRA NADDEO

Reitor

RUBENS LOPES DA CRUZ

Vice-Reitor

SÉRGIO AUGUSTO SOARES DE OLIVEIRA NADDEO

Editor ChefeCláudio Antônio Barbosa de Toledo

Vice EditorJoaquim Edson Vieira

editoria acadêmica Ester Regina Vitale Denise Aparecida Campos

assistente editorial Mary Arlete Payão Pela

Normalização e revisãoClaudia MartinsEdevanete de Jesus de Oliveira

Chefe de edição e editoramento Juarez Tadeu de Paula Xavier Ricardo Di SantoMaria Bernadete Toneto

editoraçãoVinicius Antonio Zanetti Garcia

revisão do idioma portuguêsAntônio de Siqueira e Silva

assessoria de marketing Lúcia Ribeiro Periodicidade: Quadrimestral

Corpo editorial por Secção

1 - Biomedicina

Editor Sênior: Márcio Georges Jarrouge ([email protected])

Editores Associados: Ana Cestari, Marcia Kiyomi Koike

2 – Ciências Biológicas e meio ambiente

Editor Sênior: Débora Regina Machado Silva ([email protected])

Editores Associados: Maurício Anaya, Ana Lúcia Beirão Cabral,

3 – educação Física

Editor Sênior: Roberto Gimenez ([email protected])

Editores Associados: Marcelo Luis Marquezi, Maurício Teodoro de Souza

4 – Enfermagem

Editor Sênior: Wana Yeda Paranhos ([email protected]) Editores Associados: Patricia Fera; Fabiana Augusto Neman, Adriano Aparecido Bezerra Chaves

5 – Fisioterapia

Editor Sênior: Francine Barretto Gondo ([email protected]; [email protected])

Editores Associados: Fábio Navarro Cyrillo, Sergio de Souza Pinto, Renata Alqualo Costa

6 – Formação e capacitação na área da saúde

Editor Sênior: Ecleide Cunico Furlanetto ([email protected])

Editores Associados: Julio Gomes de Almeida, Joaquim Edson Vieira, Stewart Mennin

7 - gestão em saúde

Editor Sênior: Wagner Pagliato ([email protected])

Editores Associados: Marcelo Treff, Luiz Cláudio Gon-çalves

8 – inclusão social

Editor Sênior: Edileine Vieira Machado da Silva ([email protected])

Editores Associados: Fernanda Mendonça Pitta, Juarez Tadeu de Paula Xavier

9- informática na saúde

Editor Sênior: Waldir Grec ([email protected])

Editores Associados: Sergio Daré, Aníbal Afonso Ma-thias Júnior,

10 – medicina

Editor Sênior: José Lúcio Martins Machado ([email protected])

Editores Associados: Jaques Waisberg, Sonia Regina P. Souza, Edna Frasson de Souza Montero, Marcelo Au-gusto Fontenelle Ribeiro Júnior, Sylvia Michelina Fernan-des Brenna

11 – Odontologia

Editor Sênior: Cláudio Fróes de Freitas ([email protected])

Editores Associados: Eliza Maria Agueda Russo, Rivea Ines Ferreira, Flavio Augusto Cotrim Ferreira

12 – Tecnologia em saúde

Editor Sênior: Willi Pendl ([email protected])

Editores Associados: Luiz Fernando Tibaldi Kurahassi, Rodrigo de Maio

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E D I T O R I A L

Caro leitor,

Ficamos felizes novamente com o fechamento da segunda edição de nossa revista. No intervalo entre o primeiro quadrimestre e agora, continuamos a divulgar notícias no espaço interativo que julgamos interessantes e que possam suscitar discussões e reflexões sobre o impacto na área da saúde que os avanços da ciência e tecnologia produzem.

em relação ao ambiente acadêmico da revista, esta segunda edição apresenta-se mais uma vez instigante, com artigos que varrem aspectos diversos, desde dicas para mapear trilhas ecológicas, como faz o trabalho assinado pelo pesquisador marcos Timóteo, a determinantes comportamentais durante a fase de cuidado com a prole na área de Ciências Biológicas, assunto das pesquisadoras márcia Sukikara e Sandra mota-ortiz. Per-cebemos também que gerir uma farmácia hospitalar não é tarefa das mais fáceis, como atesta o comentário da farmacêutica ameliana.

Tão complexo como o cuidado maternal, uma outra importante fase da vida da mulher que antecede esta foi tema do texto de Taciana Duarte, no qual são levantados sérios questionamentos sobre uma ocorrência rara, porém delicada pelas suas decorrências, o tumor ovariano durante a gravidez.

Já o manuscrito da pesquisadora Carla merlotti faz um interessantíssimo paralelo sobre turismo e inclusão social, ao mesmo tempo em que, ao ler o trabalho do grupo da pesquisadora Camila Torriani, nós aprendemos o quão difícil é para nós, humanos, executar com habilidade duas atividades simultâneas que competem entre si por atenção.

Na área de Formação e Capacitação encontramos dois documentos que, no sentido macro, podem ser vistos como complementares, e ambos levam a repensar o papel do educador em nossa sociedade. os da-dos apresentados pela pesquisadora Janete Nhoque reforçam o sentimento de que compartilhar objetivos e combinar ação em cenários tão individualizados como são as multiculturais escolas brasileiras, pode ser mais eficaz que atender diretrizes administrativas. No segundo texto, os pesquisadores Valdes Bollela e José lúcio machado apresentam ferramentas que podem justamente assegurar esse objetivo, que prevê que a formação de um profissional da saúde deve, necessariamente, saber aplicar o conhecimento no panorama de seu ofício e, sobretudo, saber como obter esse conhecimento. a aquisição de habilidades e competências em sua própria área de atuação é o verdadeiro desafio de qualquer profissional; assim, conduzir o estudante a assimilar esse processo é o maior desafio do moderno educador.

Divida conosco suas ideias, tal qual dividimos hoje, com você, as reflexões dos pensadores que assinam esta edição. Tenha uma ótima leitura.

revista Science in HealthCorpo Editorial

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Science in Health 2010 mai-ago; 1(2): 101-10

eFeiToS Da DuPla TareFa Na marCHa De PaCieNTeS aTÁXiCoS

DuAL TAsk EffECT In ATAxIA GAIT

Camila Torriani-Pasin*

Michelly Arjona**

Renata Gonzalez Leitão**

Roberta Zancani de Lima**

Fabio Navarro Cyrillo***

*** Doutora em Ciências (educação Física - Biodinâmica do movimento Humano) eeFe-uSP, Docente escola de educação Física e esporte da universidade de São Paulo - eeFe-uSP

*** mestre em Fisioterapia pela uNiCiD, Docente no Curso de Fisioterapia da universidade da Cidade de São Paulo (uNiCiD). .*** Docente das Faculdades metropolitanas unidas - Fmu e universidade Cidade de São Paulo - uNiCiD no curso de Fisioterapia; mestrando em Fisiote-

rapia pela uNiCiD

Resumo

Introdução: São escassas na literatura informações que re-lacionem a dificuldade apresentada por indivíduos atáxicos durante a realização de ações que demandam associação entre estruturas cognitivas com as estruturas músculo-esqueléticas, configurando tarefas duplas. O estudo dessa associação é de fundamental importância nos pacientes atá-xicos tendo-se em vista o papel do cerebelo no armazena-mento da memória motora e na possibilidade de correções e ajustes durante a execução de um ato motor. Objetivo: In-vestigar a interferência motora-cognitiva em pacientes atá-xicos com realização de tarefas duplas durante a realização da marcha. Método: Foram realizados 4 testes que envol-vem as seguintes atividades: marcha simples, marcha com demanda cognitiva, marcha com demanda efetora e marcha com demanda combinada cognitivo-motora, avaliando-se como variável dependente a velocidade média e número de passos durante um percurso de 10 metros. Resultados: Verificou-se que o desempenho nas 4 tarefas propostas, relacionadas ao número de passos, apresentou-se compro-metido no grupo experimental (GE) quando comparado ao grupo-controle (GC) sendo que as tarefas que envolveram dupla tarefa tanto motora, cognitiva, quanto cognitivo-mo-tora associadas impactaram ainda mais sobre o GE de for-ma negativa. Na comparação do GC e GE ao que se refere à velocidade média de marcha, verificou-se o comprometi-mento de 3 tarefas no GE, com exceção da tarefa com de-manda cognitivo-motora (p=0,924), sendo o desempenho da tarefa de demanda cognitiva o mais comprometido no GE. Conclusão: Conclusão: Pacientes com ataxia cerebelar apresentaram significativo comprometimento na realização de tarefas duplas, principalmente quando foram solicitada tarefas com caráter cognitivo como tarefa secundária.

PalavRas-chave: Fisioterapia (especialidade) • Marcha • Lo-comoção • Ataxia.

aBsTRacT

Introduction: Scarce data are available in literature that relate the difficult showed by people with ataxia during perfor-mance of actions that require association between cognitive structures and musculoskeletal functions, configuring dual task. Studying this association is fundamentally important in patients with ataxia according to the role of cerebellum in motor memory storage and the possibility of correction and adaptations during a motor act performance. Purpose: Investigating the motor-cognitive interference in patients with ataxia during gait performance of dual tasks. Method: Four tests involving the following activities were done: sim-ple gait, gait with cognitive demand, gait with effecter de-mand and gait with combined motor and cognitive demand, assessing as dependent variables gait speed and number of steps during a ten meters distance. Results: According to the number of steps, it was verified that the performance in the four suggested tasks was damaged in experimental group (EG) when compared to control group (CG), once tasks that involved dual task (motor, cognitive as well as cognitive-motor associated) caused impact in EG in a very negative way. Comparing CG to EG referring to gait speed, it was verified detriment in three tasks in EG, except the cognitive-motor demand task (p=0,924), once the perfor-mance in the cognitive demand task was the most impaired in EG. Conclusion: Patients with cerebellar ataxia showed sig-nificantly detriment in performing dual tasks, mainly when cognitive tasks were requested as secondary task.

Key woRds: Physical Therapy (specialty)• Gait • Locomotion • Ataxia.

Relato de pesquisaFisioteRapia

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INTRoduçãoFunções relacionadas ao controle postural, à co-

ordenação motora, aos movimentos oculares e o controle da fala são realizadas por diversas áreas do Sistema Nervoso, tais como o cerebelo, os tratos espinocerebelares, a substância negra, a ponte e as áreas corticais. Lesões em uma ou mais dessas regi-ões podem levar a algum tipo de ataxia, sendo a mais conhecida relacionada a lesões cerebelares (Klockge-ther et al.1 2000).

Durante dois séculos de estudos relacionados ao cerebelo e às doenças cerebelares, enfatizou-se ex-clusivamente a função cerebelar de regular o movi-mento e a coordenação. Porém, os mecanismos do cerebelo apesar de devotos a atividade motora, são também ativos em tarefas emocionais e cognitivas (leroi et al.2 2002).

Segundo Bugalho et al.3 (2006), o cerebelo não atua somente em funções tradicionalmente conheci-das como efetoras, mas também podem participar em funções diversas, por meio de vias e circuitos pró-prios, como no controle de funções cognitivas, con-tribuindo com elementos específicos para um resul-tado comportamental que é a combinação de várias operações.

Para gordon4 (2007), estudos neurológicos por imagem têm confirmado a ideia de que o cerebelo entra em atividade em processos cognitivos como os de organização espacial, visual e de memória de movi-mento tanto em curto quanto em longo-prazo. Nesse sentido, disfunções relacionadas a essas funções após lesões cerebelares podem ser relacionadas à desco-nexão de projeções cérebro-cerebelares, desencade-ando repercussões motoras, e também em funções cognitivas e de aprendizagem motora.

as disfunções relacionadas com o cerebelo depen-derão da topografia de lesão cerebelar; o cerebelo é conectado com o sistema reticular (responsável pelo nível de ativação), com o hipotálamo (cuja função mais específica relaciona-se ao sistema autonômico e expressão emocional), com o sistema límbico (rela-cionado à experiência e expressão emocional), e com áreas de associações paralímbicas e neocorticais crí-ticas para regulação de funções superiores (incluindo as dimensões cognitivas) (Kandel et al.5 2000; lent6 2001).

Segundo Bugalho et al.3 (2006), após a análise

topográfica cerebelar, é possível relacionar como consequências diretas da ataxia tanto alterações re-lacionadas a sintomas e sinais motores como o de-sequilíbrio da marcha, incoordenação de movimento dos membros, alteração dos movimentos oculares e a disartria, como alterações em áreas de controle de diferentes funções cognitivas, quais sejam: de me-mória motora e aprendizagem. assim, pacientes com lesões cerebelares, como os atáxicos, apresentam disfunções temporais em tarefas que envolvem desde um simples movimento de dedo a um piscar de olhos após condicionamento (Spencer et al.7 2005).

Dentre as alterações mais comuns para os pa-cientes com doenças cerebelares, a marcha é a mais recorrente, sendo descrita como lenta, com base alargada e apresentando irregularidades de tempo e amplitude de passos. o balanço pode ser unidirecio-nal em lesões do cerebelo vestibular, lateralizado em lesões de hemisférios, e predominantemente ântero-posterior em caso de atrofia do lobo anterior. além do desequilíbrio, a disfunção da cinemática do tronco e de membros e a incoordenação entre os membros podem ser responsáveis pelos distúrbios da marcha (ebersbach et al.8 1999).

Dessa forma, são escassas na literatura informa-ções que relacionem a dificuldade apresentada por indivíduos atáxicos durante a realização de ações que demandam mais estruturas cognitivas, como maior demanda atencional, como no caso da realização de dupla tarefa, também denominada de tarefas concor-rentes.

a dupla tarefa é um método que tem sido utilizado para determinar a demanda atencional de tarefas par-ticulares (Wright e Kemp9 1991). Seu desempenho, conhecido também como desempenho simultâneo, envolve a execução de uma tarefa primária, que é o foco principal de atenção, e uma tarefa secundária, executada ao mesmo tempo (Teixeira e alouche10

2007). Segundo Schmidt e Wrisberg11 (2001), a capacida-

de de atenção no ser humano, além de ser limitada, parece apresentar-se de forma seriada em relação à natureza da tarefa executada, pois normalmente fo-caliza-se primeiro a atenção em uma atividade para depois haver possibilidade de direcionar a atenção para duas tarefas ao mesmo tempo. Tentar processar qualquer combinação dessas modalidades de infor-

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mação, simultaneamente durante os estágios iniciais da execução da marcha de uma habilidade motora, torna-se uma tarefa complexa.

Para Shumway-Cook e Woollacott12 (2003), du-rante a marcha, ao se percorrer um ambiente com-plexo ou cheio de objetos, informações sensoriais são solicitadas para ajudar no controle e na adaptação do andar. Nesse sentido, o comportamento locomotor inclui também a capacidade de iniciar e terminar a locomoção, ajustar e adaptar o andar de maneira a evitar obstáculos e alterar a velocidade e a direção de acordo com o ambiente. além dessa demanda, a marcha geralmente contextualiza-se como tarefa pri-mária, já que quando se analisa o andar nas atividades diárias, este sempre está associado a uma tarefa se-cundária, como falar, carregar objetos ou associado a processos mentais internos. Esse acoplamento de tarefa primária e secundária é aprendido e adquirido ao longo da vida com a prática e a experiência (Bond e Morris13 2000).

Durante o processo de aquisição de uma habilida-de motora, o córtex é totalmente exigido enquanto o processo de aquisição se consolida. após a automati-zação, os movimentos passam a ocorrer na área sub-cortical (núcleos da base, cerebelo e tálamo) deixando a área cortical livre para processar informações mais complexas. ou seja, a automatização torna possível a execução de duplas tarefas (Bond e morris13 2000).

em circunstâncias normais, a realização conco-mitante de tarefas motoras e cognitivas é comum e, nessas situações, as atividades motoras são desem-penhadas automaticamente, ou seja, não requerem recursos atencionais conscientes. esse estágio autô-nomo da aprendizagem de uma habilidade motora é alcançado a partir de um processo no qual a prática e sua variabilidade levam à formação de programas de ação (Cookburn et al.14 2003).

Segundo Teixeira e alouche10 (2007), quando duas tarefas são executadas ao mesmo tempo, exigindo alto grau de processamento de informações, o de-sempenho de uma ou de ambas é diminuído. um pre-juízo do desempenho da tarefa primária na execução da dupla tarefa indica que não há automatização dessa tarefa primária e essa piora no desempenho é con-sequência da atividade dupla. esse prejuízo na tarefa primária e/ou na tarefa secundária ocorre, porque ambas as tarefas competem por demandas similares

para o seu processamento.assim, uma interferência motora-cognitiva, duran-

te uma dupla tarefa, pode ser um importante indicador do estado funcional em que se encontra um paciente durante uma doença ou um período de reabilitação. após uma lesão cerebral, essa alteração pode surgir, e atividades anteriormente automatizadas passam a requerer maior demanda atencional, implicando em prejuízo durante essas tarefas concorrentes (Teixeira e alouche10 2007).

Para Cookburn et al.14 (2003), com o processo de automatização, torna-se desnecessário apresentar toda a atenção destinada à execução do movimento primário (no caso, a marcha), podendo, assim, reali-zarem-se outras funções secundárias de caráter cog-nitivo ou motor. Segundo Camicioli et al.15 (1998) e Bond e morris13 (2000), no paciente neurológico essa capacidade de realização de duplas tarefas encontra-se prejudicada principalmente no paciente com lesão cerebral, porém lesões cerebelares não foram muito estudadas sob essa perspectiva. assim, não há indí-cios concretos de que, após lesões cerebelares, a ca-pacidade de realização de duplas tarefas esteja preju-dicada.

Portanto, o objetivo deste estudo é investigar a in-terferência motora-cognitiva no desempenho da mar-cha em pacientes atáxicos com realização de tarefas concorrentes.

MéTodosLocalo estudo foi realizado na clínica de fisioterapia do

Centro universitário Fmu, local onde os pacientes foram selecionados.

CasuísticaForam selecionados 6 pacientes atáxicos para

constituir o grupo experimental (ge), com média de tempo de lesão de 5,26 anos (DP=3,88), idade média de 40 anos, que apresentassem ataxia cerebelar, além de ortostatismo e marcha independente, com ou sem uso de auxiliares externos. a casuística foi composta por 3 mulheres e 3 homens.

os critérios de exclusão foram pacientes com al-teração visual (como diplopia ou hemianospsia), alte-ração cognitiva (com mini exame do estado mental acima de 23 pontos), afasia de compreensão, instabi-

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lidade clínica e ataxia por etiologia sensitiva ou ves-tibular.

Para constituir o grupo-controle (gC) foram re-crutados 12 sujeitos saudáveis com idade entre 40 e 65 anos sem dores músculoesqueléticas, ou doenças reumatológicas. em relação ao gênero da casuística, foi composta por 61,1% do sexo feminino e 38,9% do masculino.

o estudo foi aprovado pelo Comitê Ético interno da instituição, respeitados os aspectos éticos concer-nentes à resolução de nº 196 de 10 de outubro de 1996, que delimita diretrizes e normas regulamenta-doras de pesquisas envolvendo seres humanos. a co-leta de dados iniciou-se após assinatura de termo de Consentimento livre e esclarecido contendo explica-ções detalhadas sobre o estudo e sua finalidade.

MATeRIAIsos materiais utilizados foram uma calculadora

convencional, um jaleco (avental) com bolsos bilate-rais, uma bola de ping-pong e um pedômetro Tech Line.

Delineamentoapós a seleção dos indivíduos, foi realizada a ava-

liação da velocidade da marcha de forma auto-selecio-nada em uma plataforma de 10 metros, sem nenhuma tarefa concorrente (Tarefa 1). o método de avaliação foi utilizar a velocidade como uma medida isolada do andar funcional, uma vez que esta é simples, rápida e composta das variáveis temporal e espacial. É im-portante a possibilidade de calcular a velocidade de andar auto-selecionada pelo paciente, independente-mente do tipo de superfície, uma vez que esse cálculo representa uma pontuação cumulativa da qualidade da confiança e da capacidade exibidas pelo paciente durante o andar.

Sequencialmente foi avaliada a marcha no mesmo espaço de 10 metros com a atividade concorrente de demanda cognitiva (Tarefa 2), na qual o paciente deveria memorizar uma sequência de 5 números por 1 minuto e repeti-la verbalmente enquanto realizava a marcha.

após essa etapa, avaliou-se a marcha com a ati-vidade concorrente de demanda motora (Tarefa 3). Para isso, enquanto o paciente realizava a marcha de 10 metros, devia pegar uma bola de ping-pong situada

em um bolso, sendo que havia bolsos bilateralmente, e transferi-la para o outro. Por fim, foi avaliada a ati-vidade concorrente de demandas cognitiva e motora associadas nas quais o paciente, durante a marcha, de-via repetir verbalmente a mesma sequência numérica vista anteriormente e ao mesmo tempo digitá-la em uma calculadora (Tarefa 4).

Como variáveis avaliadas nas 4 tarefas, foram con-siderados: números de passos e velocidade média, tanto na avaliação do gC quanto no ge. essas me-didas foram feitas por meio de pedômetro e cronô-metro digital.

Análise estatísticaNa realização da análise estatística foram utilizados

os Softwares: SPSS V11.5, minitab 14 e excel XP.Para este trabalho foram utilizados os testes não

paramétricos u de mann-Whitney, Friedman e Wil-coxon. e, na complementação da analise descritiva, fez-se uso da técnica de intervalo de Confiança para média. Sendo assim, a análise dos dados contemplou avaliação intergrupo (grupos: gC x ge) e intragrupo (Tarefas: 1x2x3x4).

Foi definido para este trabalho um nível de signifi-cância de 0,05 (5%). Todos os intervalos de confiança construídos ao longo do trabalho obtiveram 95% de confiança estatística.

ressalta-se que foram utilizados testes e técnicas estatísticas não paramétricas porque as condições como a normalidade e a homogeneidade das variân-cias não foram encontradas nesse conjunto de da-dos.

ResuLTAdosOs grupos foram compostos segundo as seguintes

características demográficas: 6 sujeitos atáxicos cons-tituiram o grupo experimental (ge), com média de tempo de lesão de 5,26 anos (DP=3,88); idade média de 53,3 (DP=4,2). em relação ao gênero, a casuísti-ca, foi composta por 3 mulheres e 3 homens. Já o grupo- controle (gC) foi composto por 12 sujeitos saudáveis com idade média de 50,8 (3,9). em relação ao gênero, 61,1% foram do sexo feminino e 38,9% do masculino.

Na Tabela 1 apresenta-se a análise intergrupo, re-ferente à comparação do gC e ge, quanto ao de-sempenho durante as 4 tarefas relacionadas à variável

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Número de Passos Média MedianaDesvio-Padrão

CV Q1 Q3 Tamanho iC p-valor

Tarefa 1. marchagC 12,75 12,0 2,18 17,1% 11,0 13,5 12 1,23

0,004*ge 22,17 20,5 8,75 39,5% 16,3 24,0 6 7,00

Tarefa 2. marcha com Demanda Cognitiva

gC 12,50 12,0 2,68 21,4% 11,0 14,3 12 1,520,001*

ge 26,67 28,5 7,37 27,6% 21,5 32,5 6 5,89

Tarefa 3. marcha com Demanda motora

gC 13,67 14,0 2,15 15,7% 12,0 15,3 12 1,210,002*

ge 25,67 28,5 7,28 28,4% 19,8 31,3 6 5,83

Tarefa 4. marcha com De-manda Cognitivo-motora

gC 13,50 12,5 3,15 23,3% 11,0 15,3 12 1,780,006*

ge 25,33 28,5 8,21 32,4% 18,3 31,3 6 6,57

Tabela 1- Dados relativos ao nº de passos nas 4 tarefas para gC e ge.

CV: coeficiente de variação; Q1 / Q3: primeiro e terceiro quartis; iC: intervalo de confiança; gC: grupo controle; ge: grupo experimental

Velocidade Média Média MedianaDesvio- Padrão

CV Q1 Q3 Tamanho iC p-valor

Tarefa 1. marchagC 1,30 1,3 0,12 9,2% 1,3 1,4 12 0,07

0,011*ge 0,79 0,8 0,41 52,3% 0,5 1,0 6 0,33

Tarefa 2. marcha com Demanda Cognitiva

gC 1,05 1,1 0,19 17,9% 1,0 1,1 12 0,110,005*

ge 0,59 0,5 0,31 53,0% 0,4 0,9 6 0,25

Tarefa 3. marcha com Demanda motora

gC 1,04 1,0 0,19 18,2% 0,9 1,1 12 0,110,026*

ge 0,63 0,6 0,35 56,0% 0,3 1,0 6 0,28

Tarefa 4. marcha com Demanda

Cognitivo-motora

gC 0,97 1,0 0,15 15,9% 0,8 1,1 12 0,090,924

g.e. 0,71 0,6 0,42 58,4% 0,4 1,1 6 0,33

Tabela 2 - Dados relativos à velocidade média nas 4 tarefas para gC e ge.

CV: coeficiente de variação; Q1 / Q3: primeiro e terceiro quartis; iC: intervalo de confiança; gC: grupo-controle; ge: grupo experimental

número de passos.a Tabela 2 apresenta a comparação do ge e gC

no que se refere a variável velocidade de marcha du-rante as execuções das 4 tarefas.

Nota-se que existe diferença estatisticamente sig-nificante entre o gC e ge tanto para o número de passos quanto para a velocidade de marcha durante a execução das 4 tarefas, exceto no que se refere à velocidade de marcha durante a execução da tarefa com demanda cognitivo-motora (p=0,924).

a seguir, ilustra-se a análise intragrupo para cada variável mensurada.

Com base nos dados da Figura 1, considerando-se que quanto menor o número de passos melhor a execução da tarefa realizada (Balasubramanian et al.16 2007), pode-se observar que no gC as tarefas de me-lhor desempenho foram as da marcha (Tarefa 1) e

marcha com demanda cognitiva (Tarefa 2), seguidas das tarefas com demanda cognitivo-motora (Tarefa 4) e motora (Tarefa 3) isoladamente. No ge, a ordem relativa ao desempenho nas tarefas foi a marcha se-guida pelas demais com mesmo valor.

Considerando-se que quanto maior a velocidade média melhor a realização da tarefa (Von Schroeder et al.17 1995), na Tabela 3, pode-se afirmar que para o gC a melhor performance ocorre na tarefa de mar-cha, seguida pela cognitiva e, por último, pela motora e cognitivo-motora, com os mesmos valores. Já para o ge, a tarefa de marcha apresenta melhor valor, se-guida pela motora, cognitivo-motora e, por último, a tarefa cognitiva.

Discussãoo alvo deste estudo é investigar os efeitos da du-

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0

5

10

15

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25

30

Tarefa 1 Tarefa 2 Tarefa 3 Tarefa 4

GCGE

Figura 1- Valores de mediana do número de passos realizados pelo gC e ge nas 4 tarefas testadas.

gC: grupo-controle; ge: grupo experimental

Figura 2 - Valores de mediana da velocidade média (m/s) realizada pelo gC e ge nas 4 tarefas testadas.

pla tarefa com demanda cognitiva e motora no de-sempenho da marcha de pacientes atáxicos.

Nota-se, neste estudo, em relação à velocidade média, que todas as tarefas para o grupo de pacientes atáxicos (exceto a cognitivo-motora) apresentaram diferenças estatisticamente significantes com relação ao grupo-controle (gC) apresentando maiores valo-res em relação ao grupo experimental (ge).

Nesse contexto, para Titianova et al.18 (2005), a

velocidade da marcha afeta parâmetros espaciais e temporais tanto em sujeitos saudáveis quanto em pa-cientes, sugerindo que o déficit da marcha poderia ser classificado em relação à sua velocidade. Portanto, analisando os resultados acima, pode-se indicar que o ge apresentou uma marcha mais comprometida em relação ao gC, exceto quando utilizadas tarefas cog-nitivo-motoras.

Segundo ebersbach et al.8 (1999), pacientes com

gC: grupo-controle; ge: grupo experimental

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doenças cerebelares apresentam alterações na mar-cha, com diminuição de velocidade, irregularidades de tempo e amplitude de passos. o fato de o cerebelo participar de múltiplas funções cerebrais (Bugalho et al.3 2006), bem como do controle de funções cogniti-vas e sobre o sistema reticular responsável pelo nível de ativação (Kandel et al.5 2000; lent6 2001) justifi-ca o seu comprometimento não somente em tare-fas motoras, mas também de caráter cognitivo. essa afirmação corrobora os achados do presente estudo na medida em que houve diminuição significativa da velocidade média no ge quando comparado ao gC nessa situação.

roerdink et al.19 (2006) realizaram um estudo com pacientes pós aVe em que se verificou relação entre a realização da tarefa cognitiva com a deterioração do controle postural (mensurado pelo deslocamento do centro de gravidade). Detectou-se que com a realiza-ção de tarefa cognitiva houve diminuição da estabili-dade local e, assim, do controle postural. esses resul-tados podem ser somados aos do estudo presente, pois pacientes atáxicos apresentam desequilíbrio e in-coordenação entre os membros, com diminuição do controle postural, sendo essa perda agravada quando associada à realização de tarefas concorrentes, impli-cando em deterioração da velocidade e número de passos.

Segundo Bond e morris13 (2000), a automatização de uma tarefa torna possível executá-las simultanea-mente, entretanto, os pacientes com ataxia não apre-sentam disponibilidade total para realizar uma segun-da tarefa concomitante à marcha, mesmo esta sendo uma habilidade extremamente praticada e inerente ao ser humano. assim, a simples atividade de andar demanda muita atenção, provavelmente em função do desequilíbrio, não favorecendo a disponibilidade de atenção necessária para a combinação de uma se-gunda tarefa.

analisando os resultados do presente estudo, a única tarefa que não apresentou diferença estatisti-camente significante em relação à velocidade média foi quando associada a demandas cognitivo-motoras. Para Cockburn et al.14 (2003), atividades motoras e cognitivas, quando combinadas, demandam maior acionamento e conexão cerebral, aumentando a com-plexidade da tarefa, sendo os efeitos da tarefa con-corrente mais evidentes. essa pode ser a razão pela

qual a tarefa cognitivo-motora prejudicou de maneira semelhante a velocidade média tanto do gC quanto do ge.

além disso, quando se analisa a característica e a natureza das tarefas propostas, pode-se dizer que a tarefa concorrente de demanda cognitiva e motora associada possivelmente prejudicou o controle visu-al durante a marcha. Nesse sentido, o equilíbrio foi, então, desafiado, o que pode explicar o pior desem-penho dos pacientes atáxicos em relação ao grupo-controle.

em relação ao número de passos, em todas as tarefas o gC apresentou menor valor, com impor-tante diferença estatisticamente significante, quando comparado ao ge. Segundo Camicioli et al.15 (1998), indivíduos saudáveis apresentam dificuldades ao reali-zar a dupla tarefa durante a marcha no que se refere à quantidade de passos, mas quando comparados à pacientes neurológicos esse prejuízo é muito menor.

em um estudo realizado por o´Shea et al.20 (2002), observou-se que pacientes com doença de Parkinson apresentam menor número de passos e de velocida-de quando executam dupla-tarefa, fato este que se opõe a este estudo quando comparados gC e ge. isso pode indicar que tarefas motoras e cognitivas podem afetar de forma diferente pacientes atáxicos e com doença de Parkinson, sendo uma provável causa a topografia lesional.

ao analisar os dados no que se refere ao grupo de sujeitos atáxicos, ainda com relação à natureza das tarefas propostas como secundárias à execução da marcha, pode-se afirmar que, quanto ao número de passos, os sujeitos com ataxia foram perturbados de forma similar. ou seja, acoplar atividade de memória à marcha impacta com a mesma magnitude que aco-plar tarefa de coordenação entre mãos e tarefas de memorização associadas à atividade manual. Porém, ao considerar a velocidade média, o fato de acoplar atividade cognitiva à execução da marcha repercu-te com magnitude mais acentuada do que associar a marcha à atividade de coordenação entre membros superiores. esse achado salienta a grande importân-cia do cerebelo em funções cognitivas e não somente como receptor e comparador de aferências prove-nientes de diversas regiões do sistema nervoso.

o limitado número de sujeitos na amostra e a he-terogeneidade da mesma exigem cuidados no que se

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refere a algumas extrapolações dos achados do pre-sente estudo para a terapêutica com pacientes cere-belares. Porém, o impacto negativo da tarefa secun-dária cognitiva associada à marcha deve ser avaliado pelo fisioterapeuta como rotina na prática avaliativa da marcha destes pacientes. uma sistematização de avaliações quantitativas da marcha acoplando tarefas secundárias diferenciadas, tais como motora, cogni-tiva e cognitivo-motora deve ser implantada como rotina tanto na avaliação, quanto no treinamento da marcha desses pacientes.

São necessários, assim, novos estudos que permi-tam a comparação entre diferentes doenças neuro-

lógicas no que se refere à realização da dupla tarefa para que possam ser desenvolvidos programas de re-abilitação mais específicos e eficientes.

CoNCLusãoConclui-se que a realização de dupla tarefa para o

paciente com ataxia encontra-se comprometida,sendo que tanto as atividades que associam como tarefas secundárias o caráter cognitivo quanto motor, con-tribuem para um pior desempenho na marcha desses pacientes. De forma especial, o acoplamento de tare-fa cognitiva à marcha foi a condição que mais compro-meteu a realização da mesma.

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This work is part of a methodology for mapping and moni-toring trails. The case study was conducted on track from the Belvedere in Paranapiacaba. The application of this me-thodology is to capture information in the field and trans-late them into graphic form, ie, produce a map of the trail design and describe the main features of the landscape.

Key woRds: Mapping of trail, methodology, monitoring and trail.

meToDologia De maPeameNTo e iNTerPreTaÇÃo De TrilHa: TrilHa Do miraNTe (ParaNaPiaCaBa)

METHOD Of MAPPInG AnD InTERPRETATIOn Of TRAIL: TRILHA DO MIRAnTE (PARAnAPIACABA)

Marcos Timóteo Rodrigues de sousa*

* Professor do curso de engenharia ambiental da universidade Cidade de São Paulo - uNiCiD [email protected],

Resumo

O presente trabalho faz parte de uma metodologia de ma-peamento e monitoramento em trilhas. O estudo de caso foi realizado na trilha do Mirante em Paranapiacaba. A apli-cação desta metodologia consiste em capturar informações em campo e traduzi-las em forma gráfica, ou seja, produzir um mapa do design da trilha e descrever as principais carac-terísticas da paisagem.

PalavRas-chaves: Mapeamento de trilha, metodologia, moni-toramento e trilha.

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MeTodoLoGIAo trabalho de campo foi realizado no dia 28 de se-

tembro de 2009; o tempo estava com predominância de formação strato-cumulus, com nevoeiro e chuva, umidade relativa acima de 75% o que possibilitou uma boa visualização da drenagem e uma análise mais me-tódica e com melhor levantamento das características da trilha e sua vegetação. o percurso foi de apro-ximadamente 1.185m de extensão acompanhando a encosta da serra por dentro da floresta, com atrati-vos como, uma grande formação rochosa conhecida como Pedra do Índio, topo do mirante que está cer-ca de 1.010m de altitude tendo vista para a Baixada Santista, para o Pólo industrial de Cubatão, parte da Serra do mar e do Complexo anchieta imigrantes. organizamos um grupo de trabalho composto por cinco pessoas que seguiu a seguinte sistematização: o coordenador geral, que tem a função de visualiza-

ção total do ambiente, o prumo, que se compromete com organização do sistema de guia, o registrador, que anota todas as informações sobre o mapeamen-to, o azimuth, que tem a função de manusear a bús-sola e o gPS e o fotógrafo que registra o ambiente e anota os impactos locais. Franco (1997) diz que a análise da paisagem e o registro fotográfico do am-biente é um fator determinante para o processo de gestão ambiental. os materiais utilizados em campo foram: gPS, bússola, trena, cronômetro, calculado-ra, prancheta e clinômetro. Coordenadas geográficas do início da trilha: 46º 18’ 07”W, 23º 46’44”S. Segue abaixo o modelo de formulário utilizado na captação de informações para o mapeamento da trilha.

ResuLTAdos e desCRIção do AMbIeNTelechner (2006) em seu manual sobre conservação

de trilhas nos diz que estas são provavelmente as ro-

Ponto azimuth Tempo Passos Referência altitude Declividade

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PlaNilHa De maPeameNTo e iNTerPreTaÇÃo De TrilHaS (folha:___)

Data:_______Horário:_______Trilha:__________Trecho:___________

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tas de viagem mais disseminadas no mundo, embora, na modernidade, as rodovias tendam a relegar esse papel. Para o autor, as trilhas costumam ser o pri-meiro dos elementos de infraestrutura desenvolvidos sempre que uma nova área protegida é declarada e, isso ocorre antes que o planejamento formal ou pla-no de manejo sejam implantados.

o monitoramento é primordial para a longevidade das trilhas. Para Ferrari (2004) a primeira etapa de manejo é a fase de mapeamento, pois, o trabalho car-tográfico e fotográfico poderá constituir um elemen-to norteador dos planos de ação no ambiente.

a cabeceira (área de amortecimento) da trilha é utilizada também como passagem de automóvel utilitário (permitida apenas para administração do Parque), possui largura de 6,0 metros e altitude de 820 metros. Nos pontos onde a mata se apresentava mais densa e fechada, as raízes e galhos adentraram a trilha, dificultando a locomoção e, notou-se uma pe-quena alteração no traçado da trilha pela vegetação como desvio do obstáculo. Há problemas na drena-gem, pois, em diversos pontos há sulcos e erosões, ficando mais evidentes devido à ocorrência de chuva

no dia da visitação, principalmente nas áreas de maior circulação. algumas espécies de gramíneas eram en-contradas com maior frequência nas bordas da tri-lha, é um reflexo da tolerância que algumas espécies apresentam com relação à influência do pisoteio. a Foto 1 exibe a serrapilheira que foi encontrada em poucos pontos, em sua maioria estava pisoteada, de-vido a constantes visitações. a intensidade de erosão na trilha pode ser mais influenciada pelo declive, pelas características das chuvas (enxurrada), cobertura ve-getal, e pelo pisoteio frequente.

a vegetação da trilha é diferente da vegetação ao redor.

1 – Mata primária2 – Queimada ou desmatamento3 – Mata secundáriaa erosão pode ser evitada ou mitigada com a ado-

ção de canais de drenagem e colocação de pedras sobre terrenos com maior declividade.

a Foto 2 destaca a drenagem, característica do solo de reter água e um fator extremamente impor-tante na determinação do impacto potencial. Confor-

Foto1: Vegetação e solo da trilha

Fonte: marcos T

. r. Sousa

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me observado, a composição das espécies vegetais em áreas de pouca drenagem geralmente apresenta um impacto maior e mais longo. Vale destacar que a drenagem em alguns trechos da trilha é ineficiente.

Seguem abaixo alguns aspectos importantes para o

uma maior erosão e enxurradas.- manutenção da trilhaa manutenção tem a função de promover a con-

servação e qualidade física das trilhas. É um trabalho que deve ser feito regularmente, abordando aspectos como infraestrutura, recuperação da vegetação, com-pactação do solo, erosão e acessibilidade. a Figura 1 exibe o design da trilha a partir das informações de campo e da imagem do google earth.

- monitoramento de visitaçãoPara Sousa (2006), o monitoramento deverá an-

tecipadamente traçar um perfil da visitação na trilha, além de envolver os visitantes em questões que di-zem respeito à gestão da trilha, chamando a atenção para assuntos como presença de lixo, quantidade de pessoas em circulação, observação de animais e de espécimes vegetais e, o mais importante o respeito e conservação da fauna e flora locais. Segundo Del rio (1990), a partir de um levantamento prévio será possível propor monitoramentos, tais como: padrões de sinalização, implantação dos itens de apoio ao visi-tante. esse trabalho com os visitantes também servirá para subsidiar o planejamento de futuras ações ligadas à trilhas, tais com educação ambiental, fiscalização, a disposição do lixo, sua coleta e destinação, dentre outras.

CoNCLusãoa drenagem, característica do solo de reter água

é um fator extremamente importante na determina-ção do impacto potencial. Conforme observado, a composição das espécies vegetais em áreas de pouca drenagem geralmente apresenta um impacto maior e mais longo. Vale destacar que a drenagem em alguns trechos da trilha é ineficiente. Foram verificados vá-rios danos à vegetação durante o percurso (principal-mente no mirante), onde existe um maior acúmulo/espera de pessoas. as intervenções propostas, sem-pre que possível, devem ser documentadas num pro-jeto - ou pelo menos num croqui e posteriormente atualizado quando as intervenções forem executadas. a manutenção tem a função de promover a conser-vação e qualidade física das trilhas. É um trabalho que deve ser feito regularmente, abordando os principais aspectos da recuperação de áreas degradadas.

monitoramento da trilha.- largura média da Trilha mínima: 0,30 metrosmédia: 1,80 metrosmáxima: 4,00 metros

- impactos na vegetação Foram verificados danos a vegetação durante o

percurso (principalmente no mirante e no final da bi-furcação), onde existe um maior acúmulo/espera de pessoas.

- Declividade do TerrenoTrechos comparados: a) altitude 990,0 metros e B) altitude de 967,0

metrosescolhemos o ponto com a maior declividade, que

chega a apresentar uma diferença de 23 metros de in-clinação entre os pontos escolhidos. a porcentagem da inclinação é de 15% de declive. Nesse trecho há

Fonte: marcos T

. r. Sousa

Foto2: Drenagem da trilha

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Figura 1: Design da Trilha do mirante

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TumoreS De oVÁrio Na geSTaÇÃo

OVARIAn TuMORs In THE PREGnAnCY

Taciana Cristina duarte *

Temistocles Pie de Lima **

sylvia Michelina Fernandes brenna ***

*** Curso de medicina da universidade Cidade de São Paulo (uNiCiD)*** Hospital maternidade leonor mendes de Barros, Secretaria de estado da Saúde de São Paulo.*** Curso de medicina da universidade Cidade de São Paulo (uNiCiD) Hospital maternidade leonor mendes de Barros, Secretaria de estado da Saúde

de São Paulo.

Resumo

Objetivo: determinar a frequência dos tumores de ovário na gravidez e analisar a abordagem para tratamento e o prog-nóstico da mãe e do recém-nascido. Métodos: Foram estu-dadas 9075 mulheres que realizaram o pré-natal e recebe-ram assistência ao parto no Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros, Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, entre 2003 a 2008. Foram selecionados quatro casos de tumores complexos de ovário. Resultados: A incidência de tumores complexos na gravidez foi 1:2268. Dois casos apresentaram tumores bordeline (1:4537). Todas as mulhe-res foram tratadas no terceiro trimestre da gravidez com cesárea e cirurgia curativa, ao mesmo tempo. Os recém-nascidos apresentaram boa evolução em três casos e um caso foi a óbito devido a complicações da prematuridade. Conclusões: Os tumores de ovário na gravidez são doenças raras, em geral assintomáticas, cujo diagnóstico pode ser sugerido pela ultrassonografia. O prognóstico materno será definido pelo momento do diagnóstico histológico e esta-diamento e o prognóstico do recém-nascido será definido pelo momento do parto, pré termo ou termo. Essa deci-são deve ser realizada com critério ético, em conjunto com equipe multidisciplinar e preservar a vontade da paciente, que nem sempre está de acordo com a equipe de saúde.

PalavRas-chave: Neoplasias ovarianas • Complicações na gravidez • Ultrassonografia

aBsTRacT

Objective: to determine the frequency of the ovarian tumors in the pregnancy and to analyze the approach for treat-ment and the maternal and the newborn prognosis. Metho-ds: Were studied 9075 women that received prenatal and delivery attendance at the Leonor Mendes de Barros Ma-ternity Hospital, São Paulo Health State Secretariat, betwe-en 2003 and 2008. Four cases of complex ovarian tumors were selected. Results: The incidence of complex tumors in the pregnancy was 1:2268. Two cases presented tumors borderline (1:4537). All of the women were treated in the third quarter of the pregnancy with cesarean and curative surgery at the same time. The newborns presented good evolution in 3 cases and one died due prematurity compli-cations. Conclusions: The ovary tumors in the pregnancy are rare diseases, asymptomatic in general, whose diagnosis can be suggested by the ultrasound. The maternal prognostic will be defined by the moment of the histological diagnosis and stage and the prognostic of the newborn will be defined by the moment of delivery if preterm or term. This decision should be accomplished with ethical criterion, together with multidisciplinary team and preserve the patient’s desire that not always is in agreement with the health team.

Key woRds: Ovarian neoplasm • Pregnancy complications • Ultrasonography

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INTRoduçãoo achado de massas anexiais na gravidez tem au-

mentado nos últimos anos, devido ao uso difundido do exame de ultrassonografia (uSg) durante o pré-natal. a estimativa de tumores de ovário associados à gravidez é de aproximadamente 1:1000 gestações, to-davia somente 3- 6% deles serão malignos (Sayedur et al.1 2002, Zanotti et al.2 2000). os tumores benignos, como os cistos funcionais, são as massas mais comuns durante a gravidez, mas os cistoadenomas e os cistos dermoides ou teratomas também são frequentes. em geral essas neoplasias são de crescimento lento, não colocam em risco o binômio feto-materno e podem ser tratadas após o parto. Todavia, o tumor maligno de ovário é o câncer ginecológico mais difícil de ser diagnosticado, pois se trata de doença insidiosa, ou seja, quase não apresenta sintomatologia (oehler et al.3 2003, Zhao et al.4 2006). os tumores malignos de ovário na gravidez também são assintomáticos e diagnosticá-los durante a gestação faz com que o ma-nejo seja incrivelmente desafiador.

o tratamento de tumores ovarianos durante a gestação depende de vários fatores como: sintoma-tologia clínica, tamanho da tumoração, características a uSg, idade gestacional e a participação da mulher em aceitar ou não o tratamento proposto pela equipe de saúde. em geral, o tratamento cirúrgico é o mes-mo das mulheres não grávidas, entretanto o grande problema é definir o melhor momento para a abor-dagem e o prognóstico para o binômio materno fetal (Behtash et al.5 2008). este estudo foi desenvolvido para determinar a incidência de tumores complexos de ovário em um serviço publico de saúde no Bra-sil, avaliar o tratamento realizado e o prognóstico da mãe e do recém-nascido.

suJeITos e MéTodoseste estudo descritivo foi realizado no serviço de

obstetrícia do Hospital maternidade leonor mendes de Barros, da Secretaria de estado da Saúde de São Paulo, Brasil, entre os anos de 2003 e 2008. o proje-to foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob número Caae 0030.0.255.186-08.

Foram estudadas 9075 mulheres matriculadas no serviço de pré-natal e assistidas durante o parto na instituição. Foram selecionadas apenas quatro gestan-tes, cujo uSg com Doppler mostrou imagens de tu-moração ovariana complexa e cuja cirurgia para trata-

mento foi realizada no mesmo hospital. as mulheres cuja imagem por uSg mostrou a presença de cistos funcionais ou cuja assistência ao parto foi em outra instituição não foram incluídas, pois não foi possível a comprovação histológica da formação ovariana.

Cada caso foi individualizado e a proposta de tra-tamento foi feita conforme as características morfo-lógicas da massa ovariana e idade gestacional. Quando houve interrupção da gravidez antes do termo, a mu-lher foi submetida ao uso de corticosteróide intra-muscular, em doses semanais durante duas semanas, a fim de acelerar a maturidade fetal, conforme proto-colo da instituição.

ResuLTAdoso total de mulheres matrículadas no serviço de

pré-natal do Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros foi: 1) 1512 em 2003; 2) 1513 em 2004; 3) 1416 em 2005; 4) 1314 em 2006; 5) 1564 em 2007 e 6) 1756 em 2008. Total de 9075 casos.

a Tabela 1 mostra as características da amostra. entre as 9075 gestantes, foram encontradas apenas quatro mulheres com tumores complexos de ovário, ou seja, 1:2268 casos. Destas, em apenas dois casos o tumor apresentou imagens sugestivas para maligni-dade a uSg com Doppler (Figura 1), ou seja, 1:4537 casos. em todos os casos, as mulheres eram assin-tomáticas e as tumorações foram achadas durante o exame de uSg pélvico de rotina no primeiro ou se-gundo trimestres.

Todas elas foram submetidas à cesárea a partir da 35ª. semana de gestação e à laparotomia exploradora para inventário da cavidade abdominal e tratamento

CaraCTerÍSTiCaSNúmero Do CaSo

1º. 2˚. 3˚. 4˚.

idade (anos) 31 25 39 20

Número de gestações 3 5 3 1

ig aproximada (semanas) ao uSg

24 7 13 10

ig aproximada (semanas) ao tratamento

35 35 38 37

Tabela 1. Características das gestantes com tumor de ovário na gravidez no momento do diagnóstico por ultrassom

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da tumoração ovariana. Na maioria dos casos, o ci-rurgião optou apenas pela exérese da massa tumoral com a intenção de aguardar o resultado do exame histológico e completar a cirurgia radical se neces-sário, num segundo tempo operatório. Não houve exame por congelação durante o ato operatório em nenhum dos casos, devido a dificuldades inerentes ao serviço de saúde. Todavia, em nenhum caso houve necessidade de uma segunda abordagem cirúrgica para completar o tratamento. apenas em um caso também foi realizada a histerectomia subtotal, pois a paciente apresentava mioma uterino concomitante à tumoração de ovário.

após a cirurgia, os espécimes foram encaminha-dos para o exame histológico, realizado por diferen-tes patologistas, conforme o protocolo da instituição. Nos dois casos em que o diagnóstico foi de tumores com baixo potencial de malignidade, ou seja, border-line (Figura 2), as mulheres foram acompanhadas pelo serviço de oncologia ginecológica, com exame clinico, pesquisa do marcador Ca 125 e uSg, com proposta de seguimento de cinco anos. Não houve necessidade

de tratamento complementar. a Tabela 2 mostra o tratamento cirúrgico realizado e o exame histológico do espécime. Na Tabela 3 está descrita a evolução materna e do recém-nascido em cada um dos casos.

Segue abaixo a descrição individual de cada caso:Primeiro caso: SJPT, 31 anos, 3ª. a gestação apre-

sentava cerca de 27 semanas no momento do diag-nóstico por uSg. a mulher tinha antecedentes de ooforectomia direita anterior por neoplasia benigna de ovário e mioma uterino. a proposta inicial era la-parotomia exploradora imediata para obter material para exame histológico e estadiamento. após, a pro-posta seria aguardar o termo da gestação para inter-rupção e tratamento cirúrgico curativo. a mulher não aceitou essa proposta e preferiu aguardar o termo sem diagnóstico definitivo. Todavia a massa ovariana mostrou crescimento significativo no segundo exame de uSg. ela foi submetida a uso de corticosteroides para acelerar a maturidade fetal e foi proposta a inter-rupção imediata da gestação e tratamento do tumor. Foi submetida à cesárea com 35 semanas de gestação,

CaSo TraTameNTo CirurgiCo TiPo HiSTolÓgiCo Do Tumor

1º.Cesárea, histerectomia subtotal e ooforectomia

unilateral *Cistoadenocarcinoma papilífero mucinoso

borderline

2º. Cesarea e ooforectomia unilateral Cistoadenoma sero-mucinoso

3º. Cesárea e ooforectomia unilateral Teratoma cístico maduro

4º. Cesárea, salpingooforectomia bilateral Cistoadenocarcinoma seroso papilífero

borderline

Tabela 2 – Tipo de tratamento cirúrgico e tipo histológico do tumor ovariano em gestantes

* paciente submetida à ooforectomia unilateral prévia a gestação atual

CaSo eVoluÇÃo maTerNa eVoluÇÃo Do reCem-NaSCiDo

1º.Cirurgia curativa, sem necessidade de tratamento complementar. Seguimento oncológico por 5 anos

Óbito com 21 dias por complicações associadas à prematuridade

2º.Cirurgia curativa.

Seguimento no puerpérioBoa, alta em 15 dias

3º.Cirurgia curativa.

Seguimento no puerpérioBoa, alta em alta em 2 dias

4º.Cirurgia curativa.

Seguimento oncológico por 5 anos Boa, alta em 2 dias

Tabela 3 – Prognóstico materno infantil após o tratamento cirúrgico por tumor de ovário

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histerectomia subtotal e ooforectomia unilateral es-querda. o diagnóstico histológico do tumor foi cisto-adenocarcinoma papilífero mucinoso tipo borderline, ou seja, o tumor apresentou características de baixo potencial de malignidade. Não necessitou de trata-mento oncológico complementar. o recém-nascido ficou internado em unidade intensiva neonatal e foi a óbito após 21 dias por complicações da prematu-ridade.

Segundo caso: JSl, 25 anos, 5ª. gestação, com 07 semanas aproximadas no momento do diagnóstico por uSg. a mulher não aceitou a proposta de ci-rurgia para exérese do tumor no primeiro trimestre, porém devido ao crescimento do tumor evidenciado ao uSg, foi submetida a uso de corticosteroides e proposta a interrupção da gestação com 35 semanas. ao inventário da cavidade notou-se cisto de ovário esquerdo, cistos de tuba uterina direita e esquerda e líquido ascítico na cavidade. o diagnóstico histológico do tumor foi de cistoadenoma seromucinoso, ou seja, o tumor não apresentou características malignas.

Terceiro caso: NmS, 39 anos, 3ª. gestação, apre-sentava 13 semanas no momento do diagnóstico por uSg. Como as características de imagem do tumor não eram sugestivas de malignidade a uSg com Do-ppler, foi sugerida conduta expectante pela equi-pe profissional. Foi submetida à cesárea segmentar transversa com 38 semanas de gestação e a ooforec-tomia esquerda. o diagnóstico histológico do tumor foi de teratoma cístico maduro e cistos foliculares do ovário esquerdo, ou seja, o tumor não apresentou características malignas.

Quarto caso: mCCl, 20 anos, primigesta, apre-sentava 10 semanas no momento do diagnóstico por uSg. a mulher não aceitou a proposta de tratamento no primeiro trimestre, então foi submetida a inter-rupção da gestação com 37 semanas e o inventário da cavidade abdominal evidenciou tumoração ovariana bilateral e líquido ascístico. realizou salpigectomia e ooforectomia bilateral. o diagnóstico histológico foi de cistoadenocarcinoma seroso papilífero tipo bor-derline bilateralmente, ou seja, o tumor apresentou

características de baixo po-tencial de malignidade. Não necessitou de tratamento oncológico complementar.

dIsCussãoEste estudo mostrou

que os tumores comple-xos de ovário na gestação são doenças raras e a taxa de incidência esteve abaixo do que já foi descrito em outros estudos. Pode-se explicar tal diferença, pois possivelmente muitos au-tores incluíram em suas es-tatísticas, cistos funcionais ou simples de ovário, sem quaisquer características de imagens complexas ou suspeitas de malignidade a uSg. Tais cistos funcionais ou simples são achados fre-quentes na uSg e não se associam à gestação, pois estão presentes em muitas

Figura 1. Características ultrassonográficas de tumor anexial complexo, sugestivo para malignidade.

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mulheres da população. o presente estudo consi-derou apenas os tumores complexos e aqueles cuja imagem a uSg com Doppler mostrou algum sinal sugestivo para malignidade. em todos os casos sele-cionados a proposta de tratamento foi a abordagem cirúrgica para a confirmação do diagnóstico histológi-co. os cistos funcionais não foram incluídos porque, em geral, apresentam regressão espontânea e não podem ser considerados como entidade patológica. além disso, não são passíveis de exérese e confirma-ção histológica, principalmente se o parto for por via vaginal.

Outro ponto a ser discutido é que a maioria dos estudos sobre tumores ovarianos disponíveis na lite-ratura científica foram realizados em outros países. São poucas ou quase inexistentes as fontes de dados brasileiras, o que mostra que o problema desperta pouca ou nenhuma atenção dos profissionais de saú-

de brasileiros, durante a assistência pré-natal. a in-cidência pode variar conforme as diferentes regiões geográficas, raça, paridade e outros fatores físicos ou químicos que estejam associados à gênese desses tu-mores.

os achados clínicos dos tumores ovarianos na gra-videz não diferem daqueles que ocorrem no estado não gestacional. apesar do tumor de ovário ser pato-logia rara durante a gravidez, seu diagnóstico no iní-cio da gestação pode mudar o prognóstico. Por isso, deve-se incentivar o uso da uSg durante o pré-natal, logo no primeiro trimestre. Lesões anexiais comuns na gestação incluem cistos simples de ovário, cistos hemorrágicos, leiomiomas de trompas uterinas e ová-rios hiperestimulados, como em pacientes submeti-das à reprodução assistida. a uSg é muito importan-te para o diagnóstico, monitorização e avaliação do potencial maligno das tumorações anexiais (DePriest

Figura 2. Características histológicas do tumor de ovário borderline, com baixo potencial de malignidade

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e DeSimone6 2003, oriang e levine7 2004). a imagem da tumoração ovariana pode ser su-

gestiva de neoplasia maligna, quando apresenta áreas sólidas e císticas, com papilas no interior; ou quan-do há presença de ascite na cavidade abdominal. o fluxo sanguíneo com baixa resistência, observado na uSg com Doppler, pode ser sugestivo de malignida-de, entretanto na gestação essa característica pode estar alterada, pois o padrão vascular já é diferente da paciente não gestante. Quando o diagnóstico não é satisfatório somente com a uSg, a ressonância mag-nética nuclear pode ser o método auxiliar de escolha (Chiang e levine7 2004).

Não se pode deixar de considerar que as mulhe-res, que frequentam o sistema público de saúde brasi-leiro, muitas vezes, têm dificuldade de acesso a uSg, devido à alta demanda de exames e a espera prolon-gada na maioria dos serviços. Por outro lado, essa carência na assistência de saúde pode se aplicar ao próprio atendimento de pré-natal. isso pode resultar em desistência em realizar o exame ou, em muitos casos, ele nem sequer é solicitado em pré-natal mal assistido.

Pode-se inferir que, quando as mulheres desistem de realizar a uSg ou quando há assistência de pré-natal inadequada, elas correm o risco de ter algumas patologias da gestação sem diagnóstico e no caso de algum tumor de ovário, entre outras coisas, perde-se a oportunidade de um diagnóstico e tratamento adequado. Sabe-se que esse quadro não é comum na rede conveniada e privada brasileira, nem tampouco nos países desenvolvidos, onde o exame de uSg é largamente utilizado. isso também poderia explicar, em parte, o porquê das diferenças entre as taxas de incidência deste estudo com relação aos estudos rea-lizados em outros países.

No caso de suspeita de malignidade por imagem de uSg com Doppler está indicada a laparotomia, independente do trimestre da gravidez. o objetivo da abordagem cirúrgica é obter espécime para exame histológico e exploração da cavidade abdominal, ou seja, realizar o estadiamento intraoperatório do tu-mor, segundo os critérios da Federação internacional de ginecologia e obstetrícia (Figo8 2008) . em servi-ços de oncologia, em geral, esse diagnóstico é feito inicialmente por exame de congelação durante o ato operatório e posteriormente confirmado pelo exame do tecido fixado em parafina. Nos casos em que a

abordagem cirúrgica é feita no primeiro ou segundo trimestre da gravidez e há confirmação de malignida-de, existe a possibilidade de manutenção da gestação até o termo.

Se o espécime cirúrgico for positivo para maligni-dade, existem várias opções de tratamento. uma das possibilidades é manter a gestação próxima do termo, quando se realizará a cesárea seguida pela cirurgia ra-dical de citorredução, no mesmo ato operatório (Za-notti et al.2 2000). outra possibilidade, que depende do tipo histológico do tumor e do seu estadiamento, é realizar um esquema de quimioterapia para dimi-nuir a massa tumoral e as metástases e interromper a gestação próxima do termo, para então realizar a cirurgia oncológica com citorredução. Vários diferen-tes esquemas de drogas para quimioterapia já foram testados e podem ser administrados durante a gesta-ção sem prejuízos para o feto (Behtash et al.5 2008, Picone et al.9 2004, Ferrandina et al.10 2005, modares et al.11 2007, Karimi et al.12 2008).

em especial, os tumores borderline de ovário, são tumores com baixo potencial de malignidade e grande diferenciação celular, ou seja, são tumores localizados em um ou dois ovários, mas dificilmente se propagam a órgãos vizinhos ou à distância. a abordagem cirúr-gica desses tumores costuma ser conservadora e po-de-se extirpar apenas o ovário comprometido, sem necessidade de tratamento complementar (gojnic et al.13 2004). No presente estudo, duas das mulheres apresentaram tumores borderline. em um dos casos a mulher já havia sido submetida à ooforectomia unila-teral prévia à gestação atual, então a opção da equipe médica foi realizar a ooforectomia contralateral. Nes-se caso, a paciente também era portadora de mioma uterino e foi realizada a histerectomia subtotal. No segundo caso, o tumor borderline comprometia am-bos os ovários e foi realizada a ooforectomia bilateral. em ambos, a cirurgia foi curativa e não houve necessi-dade de tratamento oncológico complementar.

Quando não há suspeita de malignidade, muitas vezes a abordagem cirúrgica é realizada porque o tu-mor apresenta indícios de crescimento muito rápido ou quando há complicações associadas. Estima-se que de 10 a 15% dessas tumorações podem tornar-se sin-tomáticos quando há torção do pedículo, ruptura ou simplesmente sangramento do cisto. Nesses casos, a intervenção cirúrgica deve ser imediata, independen-te do trimestre da gravidez (ghaemmaghami e Ha-

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sanzadeh14 2006, Hermans et al.15 2003, leiserowitz et al.16 2006, Condous et al.17 2003).

Na primeira metade da gestação, a extirpação dos ovários poderá ser realizada após a 12ª. semana, pois nessa fase a placenta supre as necessidades hormo-nais da gravidez e os ovários já não são mais necessá-rios (Ferrandina et al.10 2005). Na segunda metade da gestação, uma intervenção cirúrgica pode ser adiada, exceto em casos e complicações associadas. Pode-se aguardar ou acelerar a maturidade fetal com o uso de medicamentos e programar a interrupção da gravidez e realização da cirurgia assim que for possível (moda-res et al.11 2007). Propõe-se que a cirurgia seja pos-tergada após a 34ª. semana de gestação a fim de evitar as complicações associadas à prematuridade extrema

(ghaemmaghami e Hasanzadeh14 2006). Se não hou-ver nenhuma intercorrência associada ao tumor, a intervenção cirúrgica definitiva pode ser postergada até próxima ao termo, entre 37ª. ou 38ª. semanas de gestação.

a escolha do tratamento também depende das características da tumoração, se é unilateral, encap-sulada, mede menos que 10cm, com contornos re-gulares, sem papilas no seu interior e não apresenta crescimento durante a gravidez; a mulher pode ser mantida em observação, clínica e com uSg, até o ter-ceiro trimestre. o parto pode obedecer à indicação obstétrica: se vaginal, a puérpera será tratada poste-riormente ou se cesárea, a ooforectomia poderá ser realizada no ato operatório. Porém tumores acima de 10cm são elegíveis de tratamento cirúrgico imediato, para evitar torção ou ruptura (agarwal et al.18 2003, Schnee19 2004).

Deve-se ter em mente que a demora no diagnós-tico histológico poderá modificar a resolução do pro-blema e o prognóstico, perdendo-se uma oportunida-de de tratamento adequado da tumoração (Brenna et al.20 2004). Por outro lado, propostas de tratamento radicais, com interrupção imediata da gestação, po-dem comprometer o futuro do recém-nascido. No atual estudo, três mulheres se negaram a aceitar a proposta de exérese do tumor durante o inicio da gestação. elas foram orientadas pela equipe profissio-nal sobre a necessidade de um diagnóstico histológico e estadiamento imediato com manutenção da gesta-ção e tratamento definitivo no último trimestre. Suas justificativas foram o medo de que a anestesia ou a cirurgia interferisse de alguma forma com a gestação e com o feto. Preferiram correr o risco de ter uma patologia maligna em crescimento a qualquer outro risco inerente a manutenção da gravidez e a viabili-dade fetal.

a decisão de tratamento deve ser realizada com critério ético, em conjunto com equipe multidiscipli-nar e sempre se levando em consideração a vontade da paciente, pois apesar de toda a orientação dada, nem sempre a decisão da paciente é compatível com a pro-posta de tratamento dos profissionais da saúde. acre-dita-se que este estudo possa nortear os profissionais de saúde, no sentido de terem estatísticas nacionais mais precisas e de estarem atentos à possibilidade de ocorrência de tumores de ovário na gravidez. afinal, as estratégias públicas para melhorar a assistência pré-natal devem possibilitar aos profissionais de saúde o amplo conhecimento de toda a gama de situações que podem ocorrer no ciclo gravídico puerperal.

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Valdes Roberto bollela *

José Lúcio Martins Machado

* universidade Cidade de São Paulo uNiCiD; e Hospital das Clínicas da Faculdade de medicina de ribeirão Preto-uSP. [email protected]

o CurrÍCulo Por ComPeTêNCiaS e Sua relaÇÃo Com aS DireTriZeS CurriCulareS NaCioNaiS Para a graDuaÇÃo em meDiCiNa.

THE COMPETEnCE BAsED CuRRICuLuM AnD ITs RELATIOnsHIP WITH THE nATIOnAL GuIDELInEs fOR MEDICAL EDuCATIOn.

aBsTRacT

The statement of the Brazilian Guidelines for Medical edu-cation in November 2001, brought key concepts regarding to the adult learning principles, and since than guides good practices on health professional education guiding faculty members, administrative staff and students. The Guidelines states fix general competencies (outcomes) the expected graduate profile and foster curriculum design based on the population health needs and with integration and interdis-ciplinary approach on teaching, learning and patient care. How can we design a curriculum that follows these and many other recommendations? Mostly of medical educa-tors is not trained to develop and implement curriculum, but they all have to do it. Despite lack of information and papers in Portuguese about this topic, there is a plenty of knowledge and many experiences around the world which is the focus of this review. We expect to present the basis to the design and implementation of a competence based curriculum to the medical course based on the most impor-tant documents in the literature.

Key woRds: Competence to curriculum • Guidelines • Edu-cation, Medical.

Resumo

A publicação das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Medicina (DCN) em novembro de 2001 incorpora alguns dos conceitos mais modernos em termos de educação de adultos, e desde então é o guia para educadores, gestores e estudantes em relação a conceitos e valores na formação de profissionais da saúde no nosso país. As DCN estabele-cem competências gerais e específicas, o perfil do egresso e privilegia um currículo que tenha como eixo de desenvol-vimento as necessidades de saúde da população, devendo promover a integração e a interdisciplinaridade nas práticas de ensino e assistenciais. Como desenhar um currículo que atenda a essas e tantas outras orientações? A maioria dos educadores médicos não é treinada para o desenho nem a implementação de currículos e mesmo assim precisam fazê-lo. Apesar da escassez de informações e publicações em língua portuguesa sobre o tema, existe um acúmulo de conhecimento e inúmeras experiências internacionais e que é o objeto desta revisão, que tem como objetivo apresentar as bases para o desenho e implantação de um currículo baseado em competências para o curso médico, tendo como referencial os principais documentos que tra-tam desta questão em diferentes localidades no mundo.

PalavRas chave: Currículo por competências • Educação Médica • Diretrizes Curriculares.

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INTRodução: Desde a segunda metade do século XX assistimos

a uma explosão na produção de novas informações em todas as áreas do conhecimento. observamos a necessidade de incorporação de um volume crescen-te de novos conhecimentos e tecnologias, ao mesmo tempo em que vemos aumentar a demanda pela for-mação de profissionais capacitados para atender às necessidades da sociedade em termos de cuidado e atenção à saúde.

o ministério da Saúde, através da Secretaria de gestão do Trabalho e da educação na Saúde (SgeTS) de forma articulada com a Secretaria de educação Su-perior do ministério da educação vem mobilizando esforços para demonstrar claramente suas necessi-dades e expectativas, ao mesmo tempo em que dis-ponibiliza vários recursos de apoio e suporte para os cursos de graduação da saúde, tais como: as Diretri-zes Curriculares Nacionais, Programa Pró-Saúde, PeT Saúde, rede universitária de Telemedicina (ruTe), residência multiprofissional, Pró residência, mestra-do Profissional, etc.. Dessa forma estimula e provoca os cursos da área da saúde a repensar suas práticas de ensino e assistenciais na busca de currículos e mo-delos pedagógicos adequados à formação de um pro-fissional de saúde de alto nível, capacitado a atender as necessidades da sociedade no contexto do Sistema único de Saúde (SuS).

Diante das necessidades de se formar um profis-sional com um perfil contemporâneo e baseado em competências foram instituídas as Diretrizes Curri-culares Nacionais para os Cursos de graduação em medicina (BraSil, 2001). Buscava-se uma mudança no modelo curricular dos cursos de graduação, geral-mente formulados em “grades” e caracterizados por excessiva rigidez, advindas em grande parte da fixação detalhada e quase que exclusiva dos conteúdos das disciplinas. em novembro de 2001, o ministério da educação aprovou as DCN estabelecidas pela Câma-ra de educação Superior do Conselho Nacional de educação em conjunto com diversos setores interes-sados (academia e serviços) e após extensa revisão da literatura relevante na área: Declaração mundial sobre a educação Superior no século XXi; Conferência Na-cional de Saúde (1998); documentos da organização Panamericana de Saúde (oPaS); organização mundial da Saúde (omS), rede unida, entre outros. (gaSTel

et al., 1994; WorlD HealTH orgaNiZaTioN , 1996; oPS/alaFem/FePaFem/NeTWorK, 1996; uNeSCo, 1998; BraSil, 2001)

Decorridos nove anos, as DCN têm servido aos educadores e gestores como o principal documento de referência para a revisão, ou para o desenho e im-plementação do currículo das escolas médicas brasi-leiras. as DCN reafirmam as conquistas obtidas com a lei de Diretrizes e Bases da educação (lDB – Nº 9394/96) que assegurou maior flexibilidade na orga-nização de cursos e carreiras e tem desempenhado papel decisivo na consolidação do Sistema único de Saúde, conforme estabelecido na Constituição Fede-ral e na lei orgânica de Saúde (SuS, 1990).

as DCN recomendam claramente que, indepen-dente da carreira ou profissão, os Cursos da Saúde devem promover no estudante a competência do de-senvolvimento intelectual e a capacitação permanente na busca da autonomia profissional. assim o egresso da escola médica deve saber que a continuidade de sua formação acadêmica e profissional não termina com a concessão do diploma de graduação. Seguin-do os princípios da educação Permanente que devem ser compreendidos e desenvolvidos durante e após a graduação, espera-se que o médico egresso tenha aprimorado sua capacidade de “aprender a aprender” e “aprender fazendo” dentro do próprio ambiente de trabalho. a medida do sucesso das instituições for-madoras de profissionais de saúde está diretamente relacionada à sua capacidade de habilitar pessoas para atuar com eficiência e garantir a sustentabilidade do próprio Sistema único de Saúde.

Como toda diretriz, o documento deixa claro “o que se deve fazer” e aonde se espera chegar, mas a questão não resolvida e tampouco equacionada ainda é relativa ao “como fazer” (almeiDa, 2008). Não temos dúvida, portanto de que o verdadeiro desafio das escolas médicas não é a falta de um “norte”, mas sim a decisão de “como” mobilizar os recursos dispo-níveis para se chegar ao destino pretendido.

Há mais de uma década as escolas brasileiras es-tão implementando mudanças curriculares utilizando metodologias inovadoras como a aprendizagem ba-seada em problemas e a problematização. importan-tes avanços foram obtidos na reorganização de vá-rias escolas de medicina, mas as principais alterações concentram-se nos primeiros quatro anos do curso.

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geralmente as mudanças durante o internato médico foram as mais difíceis, como no caso do Curso de me-dicina da universidade estadual de londrina, pionei-ra na mudança do currículo para uma proposta mais integrada e em várias outras escolas brasileiras que buscavam rever seus currículos de uma maneira mais significativa e profunda (FeuerWerKer, 2002; uNi-VerSiDaDe eSTaDual De loNDriNa, 2006).

a organização curricular dessas escolas convive com uma lacuna entre as práticas pedagógicas dos pri-meiros quatro anos do curso (metodologias inovado-ras de ensino e aprendizagem, centradas no estudan-te, utilizando a aprendizagem baseada em problemas e com inserção precoce na comunidade), e aquelas observadas durante o internato médico onde predo-minam práticas no ambiente hospitalar e nas diversas subespecialidades, com ensino centrado na figura do professor, e a avaliação do estudante geralmente é não estruturada e dependente de uma nota de con-ceito, atribuída ao estudante no final do estágio. Bol-lela (2008 e 2009a), estudando essa situação propõe que, a partir da capacitação docente e de precepto-res que atuam no internato, seja possível desenhar e implementar um currículo baseado nas competências das Diretrizes Curriculares Nacionais e assim cons-truir uma ponte (bridging the gap) que diminuiria a distância entre esses dois importantes momentos e consequentemente qualificando a formação médica nas escolas brasileiras.

a escola e sua gestão acadêmica, a partir das DCN, devem considerar uma proposta curricular que contemple um currículo baseado em competên-cias (CBC). experiências práticas nessa área ainda são relativamente escassas no Brasil. Vieira et al. (2003) descrevem as impressões dos estudantes de medicina sobre as propostas curriculares da escola e das DCN e concluem que existe uma deficiência na formação em atenção primária, limitação no treinamento para atuar em equipes de saúde e limitado conhecimento sobre o sistema de saúde brasileiro, dois dos compo-nentes básicos das competências gerais presentes nas DCN. geralmente esses temas não estão contempla-dos nos planos de ensino ou currículos das disciplinas e estágios da maioria das escolas médicas brasileiras, especialmente durante o internato.

apesar da escassez de informações e publicações em língua portuguesa sobre o tema, existe um acú-mulo de conhecimento e inúmeras experiências pré-

vias internacionais e que são objeto desta revisão, que tem como objetivo apresentar as bases para o dese-nho e implantação de um currículo no curso médi-co tendo como referencial os principais documentos que tratam dessa questão em diferentes localidades no mundo. (ama, 1982; aamC, 1984; mSoP, 1998; marden, 1999; BraSil, 2001; CaNmeD, 2005; aCg-me/aBmS, 2006; TomorroW’S DoCTor, 1993, 2003 e 2009)

Tyler (1949), em meados do século XX, estabe-leceu pela primeira vez a ideia de que para desenhar um currículo seria necessário ter uma concepção das metas que se espera alcançar. Nesse contexto, a defi-nição de objetivos de aprendizagem se torna um refe-rencial para a seleção de material de estudo, definição de conteúdos, escolha dos métodos de instrução e exames e provas a serem elaborados. Sem um cur-rículo claramente definido, não há como estabelecer um sistema de avaliação objetivo, representativo, vá-lido, reprodutível e justo.

Nos últimos 60 anos, o tema “currículo” vem ga-nhando espaço e é evidente o crescente interesse nos estudos e pesquisas a respeito. Um currículo somen-te será satisfatório se guiar aprendizes, professores e gestores para conhecer e cumprir com todas as suas obrigações em relação ao curso. ao mesmo tempo deve deixar espaço para a criatividade e o profissio-nalismo individual do professor e para as preferências individuais do estudante. No processo de desenho de um currículo devemos perguntar: Qual o propósito desta experiência educacional?; Como este programa será organizado?; Quais as experiências de aprendiza-gem que nos ajudarão a alcançar nossos propósitos? e finalmente: Como saberemos se os alcançamos? grant (2006) afirma que, independente da forma que escolhermos para responder a essas questões, “não há qualquer evidência de que exista apenas uma for-ma de se estruturar um currículo ou parte dele. O currículo deve se adequar aos seus propósitos e aos seus dias.” Este é um conceito importante que quere-mos reafirmar, pois de fato não há modelos prontos e sim escolhas que cada escola deve fazer à luz das diretrizes curriculares, da legislação e do contexto locorregional.

a maioria dos educadores médicos não é treinada para o desenho nem para a implementação de currí-culos nas escolas médicas e mesmo assim precisam fazê-lo. São vários os fatores que devem ser valori-

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zados no desenho e implementação de um currículo, a saber: teorias de aprendizagem; teorias de prática profissional; valores sociais; expansão constante da base de conhecimento; profissionalismo; desenvolvi-mento dos serviços e do sistema de saúde; aspectos políticos; transparência e responsabilidade. a partir disso, devemos estar cientes de que a escolha do “de-senho ou modelo do currículo” não é uma entidade “objetiva e exclusivamente racional”, mas sim uma construção social, política, acadêmica e profissional. (graNT, 2006)

Nessa perspectiva, mais recentemente tem sido discutida a ideia de um currículo baseado em com-petências, que parte da premissa de que devemos es-tabelecer os resultados esperados (outcomes) com aquela experiência educacional, e defini-los na forma de competências gerais e específicas que podem ser descritas de forma mais ou menos detalhada através de objetivos de aprendizagem. esse modelo parte do princípio de que, se pudermos definir as compe-tências esperadas, poderemos criar as condições de aprendizagem necessárias para que os estudantes as desenvolvam com proficiência, bem como saber atra-vés de processos robustos de avaliação se os resulta-dos desejados foram realmente alcançados.

essa proposta incorpora as ideias de Tyler (1949): a necessidade de se compreender e definir com cla-reza qual o resultado esperado ao final daquele cur-so, disciplina, estágio ou experiência educacional que está sendo proposta. Nessa busca, devemos analisar as políticas públicas para a saúde e educação à luz das reais necessidades da sociedade. Esse modelo tem progressivamente atraído mais e mais o interesse de diversas escolas em diferentes partes do mundo, in-clusive no Brasil.

o Brasil vive nas duas últimas décadas uma revo-lução silenciosa com a implantação do Sistema único de Saúde (SuS) e com a decisão de seguir o “man-dato constitucional” de que o SuS deverá ordenar o processo de formação profissional na área da saúde com base na importância da força de trabalho que ele absorve. Para tanto precisa estimular uma atuação in-terdisciplinar multiprofissional por meio da constru-ção de um novo modelo pedagógico que equilibre a excelência técnica e a relevância social, com métodos de ensino-aprendizagem centrados no estudante e desenvolvidos como processo permanente, com base nas relações de parceria da universidade com os ser-

viços de saúde, com a comunidade, com as entidades e outros setores da sociedade civil. (CamPoS et al. 2001)

Cada escola deve identificar e explicitar o perfil do médico que pretende formar e entregar à socie-dade ao final da graduação, tendo inclusive liberdade para complementar ou propor alternativas ao perfil proposto nas DCN, considerando as características da instituição e as necessidades da sociedade no con-texto locorregional. entenda-se por perfil do egres-so, a definição clara dos resultados que pretendemos alcançar ao final dos seis anos de formação na escola médica. Seria o “produto final”, fruto dos esforços da escola médica, seu corpo docente e dos estudantes na execução do projeto político pedagógico do curso. esse mesmo princípio vale se, ao invés do currículo, considerarmos uma disciplina ou um rodízio do inter-nato. Deveremos sempre estabelecer quais as capaci-dades e desempenhos esperados do aprendiz ao final da experiência educacional.

ao definirmos o perfil do egresso ou os desfechos esperados, estamos nos comprometendo de forma explícita e consciente com os resultados que dese-jamos alcançar, e nos precavendo de nos vermos na mesma situação de alice, da fábula “alice no País das maravilhas” quando perdida na floresta, encontra o gato de Cheshire e pergunta: (Carrol, 2005)

alice: “Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para ir embora daqui?

gato: Depende bastante de para onde quer ir.alice: Não me importa muito para onde.gato: então não importa que caminho tome”...Se não tivermos clareza de aonde pretendemos

chegar com nosso esforço e investimento para for-mar médicos, corremos o risco de chegar a lugar nenhum, ou pior ainda, chegarmos a lugares absolu-tamente indesejados. o problema é que nesse caso estaremos entregando à sociedade um profissional recém-graduado que provavelmente não atenderá às suas expectativas e necessidades.

Diretrizes Nacionais e CompetênciasCom intuito de qualificar o entendimento do pro-

fissional definido no perfil do egresso, as Diretrizes Nacionais detalham no seu artigo 4o que a formação do médico tem por objetivo preparar o profissional para o exercício das seguintes competências e habi-lidades gerais: atenção à saúde, tomada de decisões,

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comunicação, liderança, educação permanente, admi-nistração e gerenciamento. (BraSil, 2001)

Na literatura médica internacional encontramos vários documentos e diretrizes que, da mesma forma, buscaram estabelecer as bases para a construção cur-ricular dos cursos de medicina tendo como objetivos principais a melhoria no cuidado prestado pelos mé-dicos aos cidadãos e a formação de um profissional preparado para atender às necessidades de saúde da sociedade. O ponto em comum desses documentos é que eles buscam estabelecer, da forma mais clara possível, um conjunto de competências a serem de-senvolvidas ou resultados esperados (outcomes) para o exercício profissional de alto nível, respeitando os diferentes níveis de especialização na formação do médico, que vão desde a formação geral (graduação), especialização (residência), até a pós-graduação em nível de mestrado e doutorado. (TomorroW’S DoCTorS, 1993; oPS, 1996; amee, 1999; ePSTeiN & HuNDerT, 2002; WFme, 2003; TomorroW’S DoCTorS, 2003; CaNmeD, 2005; aCgme/aBmS, 2006; TomorroW’S DoCTorS, 2009).

Qual o significado de competência?existe uma grande confusão relacionada à defi-

nição de competência, abrangendo várias definições e compreensões sobre o tema. a natureza de uma competência é complexa pois se trata de uma combi-nação de pré-requisitos interligados como habilidades cognitivas e práticas, conhecimento (tácito e explí-cito), motivação, orientação de valores, atitudes e emoções. Consequentemente, competência não é si-nônimo de habilidade. Habilidade geralmente é usada para designar a capacidade de realizar atos cognitivos e/ou práticos de alta complexidade (raciocínio clínico, punção venosa central, exame físico, etc..). o termo competência tem caráter mais amplo e inclui conhe-cimento, atitudes, habilidades cognitivas e práticas em um caráter mais holístico. epstein e Hundert (2002) definem competência profissional a partir de uma am-pla revisão da literatura (artigos obtidos no medline de 1996 a 2001), resultando na análise de 195 artigos relevantes em inglês sobre validade e confiabilidade das medidas de competência de médicos, estudantes de medicina e residentes. a competência foi então definida nesse estudo como:

“o uso habitual e criterioso da comunicação, do conhecimento, do raciocínio, da capacidade de inte-

gração de dados, habilidade técnica, emoções, capaci-dade reflexiva, e capacidade de se manter atualizado, de que o médico lança mão para servir as pessoas e comunidades que dele necessitarem”

Os autores entendem que a competência se fun-damenta nas habilidades clínicas básicas, no conheci-mento científico e nos atributos morais e éticos. as dimensões da competência profissional incluiriam portanto:

Função cognitiva: aquisição e utilização do conhe-cimento para resolver problemas da vida real.

Função integrativa: utilização de dados biomédicos e psicossociais para a elaboração do raciocínio clíni-co.

Função de relacionamento: efetiva comunicação com pacientes, familiares e membros da equipe de saúde.

Função afetiva e moral: disponibilidade, paciência, tolerância, respeito e a capacidade de utilizar esses atributos de forma criteriosa e humana.

Competência depende de hábitos da mente tais como a curiosidade, disponibilidade para reconhecer e corrigir erros, cordialidade, entre outros. Vale lem-brar que competência profissional deve ser desenvol-vida continuadamente, não é permanente ou estática e é contexto-dependente, ou seja, depende daquilo que a sociedade valoriza (o que indivíduos, grupos e instituições que compõem a sociedade consideram importante). Partindo da subjetividade inerente a essa questão, fica ainda mais clara a importância de defi-nirmos as competências e objetivos de aprendizagem que julgamos necessários para que os estudantes em formação alcancem a capacitação profissional dese-jada.

Currículo Baseado em Competênciasoutra definição que merece destaque é a de currí-

culo baseado em competências (CBC). Segundo o do-cumento outcome Project da aCgme/aBmS (2006), CBC é aquele que deixa claras as competências que se espera do aprendiz e deve ser descrito em ter-mos de objetivos de aprendizagem específicos. Cada objetivo deve estar relacionado com um plano que descreva “como ele será alcançado” e “como essa aquisição será avaliada”.

apesar de ser uma terminologia muito utilizada por professores de medicina, pedagogos e profis-sionais da saúde desde a publicação das DCN, nossa

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percepção é de que a maioria das pessoas não está preparada para desenvolver um currículo baseado em competências. Habitualmente o currículo do cur-so médico é composto por um conjunto de propos-tas curriculares para cada unidade de ensino/apren-dizagem (disciplinas, módulos, estágios, rodízios do internato, etc.) ao longo dos seis anos da formação médica. Da mesma forma que as instituições e em-presas de sucesso na atualidade precisam definir sua missão, Visão e Valores, o curso de medicina deve ter um currículo baseado em competências que sirva de referencial para as diferentes unidades educacionais que compõem o currículo do primeiro ao sexto ano do curso, independente das práticas pedagógicas uti-lizadas. essa proposta curricular não pode ser enten-dida apenas como a ementa da disciplina, com foco exclusivo em conteúdos cognitivos (“lista de temas ou patologias”).

a estratégia proposta a seguir tem como base o guia do facilitador para o desenvolvimento de um cur-rículo fundamentado em competências da aCgme/aBmS, que apesar de ter foco na estruturação de currículos médicos para a especialização (residência médica), descreve com clareza e praticidade o passo a passo do desenvolvimento curricular baseado em competências e os resultados esperados. (JoYCe, 2006)

essa metodologia também tem sido utilizada para trabalhar o currículo dos cursos de graduação em medicina. Para tanto é necessário identificar uma unidade (disciplina, estágio, componente do curso) constante do currículo ou uma experiência educacio-nal sobre a qual se deseja desenvolver o currículo baseado em competências. (Bollela et al., 2008a; NagHeTTiNi, 2010)

o planejamento curricular é uma ferramenta mui-to útil para deixar claro aos estudantes e professores o que se pretende e o que se espera com a experi-ência educacional proposta. São seis os passos ne-cessários para executar um planejamento curricular baseado em competências.

Passo 1: identificar as necessidades dos aprendizes e aonde se pretende chegar.

Passo 2: elencar e definir as competências que de-vem ser desenvolvidas e adquiridas durante e ao final da experiência educacional.

Passo 3: Descrever as competências na forma de resultados esperados e objetivos específicos.

Passo 4: garantir oportunidades de aprendiza-gem.

Passo 5: Determinar os métodos de avaliação do estudante

Passo 6: estabelecer como a experiência educacio-nal será avaliada e melhorada.

No início de cada estágio/disciplina, professores e estudantes devem rever o currículo proposto para o estágio e ter clareza sobre objetivos de aprendiza-gem, estratégias de ensino, métodos de avaliação do desempenho esperado (conhecimento, habilidades e atitudes) e como o estágio será avaliado e melhorado. essa atividade é essencial para que os estudantes es-tejam informados e esclarecidos sobre o que devem esperar e o que se espera deles. assim podemos mi-nimizar desentendimentos futuros, caso o estudante não possa progredir por mau desempenho na avalia-ção. Como diz o ditado: “o que é combinado, não sai caro!”

Detalhando o passo a passo do CBCP1. Identificar necessidades dos aprendizes: identifi-

car o que será necessário aprender em uma determi-nada experiência educacional, estabelecendo a priori o que se espera que os estudantes (residentes, pós-graduandos) sejam capazes de fazer ao final de uma experiência educacional específica: perfil do egresso. (BraSil, 2001) Devemos identificar os conhecimen-tos, as habilidades e as atitudes que serão ensinadas e aprendidas durante essa experiência educacional, e que deverão sobrepor-se àquelas que se espera que sejam adquiridas ao final do programa. a análise das necessidades de aprendizagem pode ser realiza-da através de painéis de consenso entre docentes da área, a partir de informações epidemiológicas, ques-tionários, grupos focais e revisão da literatura. Se ao invés de criar, estivermos revendo o currículo de um

determinado estágio, faz-se necessário identificar as possíveis “lacunas” entre o que os estudantes estão realmente aprendendo e o que se espera que eles aprendam com a nova proposta. (JoYCe, 2006)

esse é o momento em que devemos considerar as necessidades de saúde da população para a identifi-

n

= PS e PS = ∑Ui

i=1

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cação de lacunas entre o que fazemos e o que pode-ríamos oferecer aos nossos estudantes para melhor prepará-los para os desafios do futuro. (gaSTel et al., 1995, CamPoS et al., 2001)

P2. Identificar as competências que podem ser desen-volvidas e ou adquiridas naquela experiência educacional. Nesse caso, podemos nos basear nas competências gerais e específicas existentes nas DCN (citadas ante-riormente). (BraSil, 2001) Várias publicações inter-nacionais tratam desse tema e podem ser consultadas para definição e detalhamento das competências e dos objetivos educacionais. Dentre os documentos internacionais que destacaremos como base para o desenvolvimento de um currículo baseado em com-petências podemos citar:

ACGME/ABMS – Outcome Project (2006) 1. Patient Care (cuidado ao paciente)2. medical Knowledge (conhecimento médico)3. Practice based learning and improvement

(aprendizado baseado na prática e educação permanente)

4. System Based Practice (Prática baseada na orde-nação do sistema de saúde)

5. Communication skills (Habilidade de comunica-ção)

6. Professionalism (profissionalismo e ética na prá-tica profissional)

CANMED – Canadian Medical Education Framework (2005)

1. medical expert: (conhecimento, habilidades clí-nicas e atitudes profissionais para prover cuida-do ao paciente)

2. Communicator (comunicador eficaz na relação médico/paciente)

3. Collaborator (colaborador. Capacidade para o trabalho em equipe de saúde na busca do me-lhor cuidado ao paciente)

4. manager (gerente. Capacidade para participar das decisões tomadas dentro das organizações que compõem o sistema de saúde)

5. Scholar (capacidade de aprender de modo per-manente)

6. Professional (profissionalismo: ética na prática profissional e compromisso com a prática mé-dica sustentável)

AMEE – Outcome Based Curriculum: AMEE Guide 14 (1999)

1. Resultados relacionados ao desempenho em atividades esperadas de um médico:

a) aplicação de habilidade clínica para realizar a história clínica e o exame físico

b) Comunicação com pacientes, familiares e outros membros da equipe de saúde

c) Promoção da saúde e prevenção de doen-ças

d) realização de procedimentos práticos e) investigação clínica e manejo de pacientes2. resultados relacionados à capacidade do médi-

co de realizar suas atividades profissionais: a) aplicação da compreensão dos conhe-

cimentos de ciências básicas e clínicas na prática médica

b) utilização do conhecimento e raciocínio clínico na resolução de problemas e na to-mada de decisões.

c) incorporação de atitudes apropriadas, princípios éticos e um claro entendimento das responsabilidades legais do médico

3. resultados relacionados ao profissionalismo a) O papel do médico dentro do sistema de

atenção à saúde b) atitude positiva relativa ao desenvolvimen-

to pessoal e à capacidade de treinar outros membros da equipe de saúde

Podemos observar que, de formas distintas, to-das as propostas apresentam uma sobreposição e uma complementaridade. Sem dúvida existe um ali-nhamento em relação a este tema na literatura in-ternacional. Detalharemos aqui o modelo desenvol-vido pelo aCgme/aBmS (2006), pois neste modelo encontramos publicações com propostas de matrizes curriculares e as competências gerais com termino-logias muito parecidas com aquelas presentes nas DCN. (BraSil, 2001).

a título de ilustração apresentamos a seguir uma tabela comparando as competências gerais das DCN brasileiras e o documento de referência da aCgme/aBmS. (TaBela 1).

P3. Escrever os resultados esperados e os objetivos específicos de aprendizagem a serem alcançados pelo es-tudante ao final da experiência educacional.

Os resultados esperados que em inglês podem

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ser definidos como “outcomes” (HarDeN, 1999) ou “goals” (aCgme/aBmS, 2006) e são assertivas que descrevem quais as capacidades que o estudan-te deverá desenvolver e/ou adquirir ao final daque-la experiência educacional proposta. Os resultados esperados não são necessariamente mensuráveis de forma direta, o que os difere dos objetivos de apren-dizagem, que servem para detalhar cada competência geral, e podem ser medidos através de um proces-so de avaliação do estudante. É fundamental que os objetivos gerais e específicos reflitam trajetórias que levem na direção dos resultados esperados (metas, goals, outcomes) para aquela atividade proposta, con-forme exemplo a seguir:

a seguir apresentamos alguns exemplos de objeti-vos específicos, que detalham a competência “Conhe-cimento e Habilidades médicas na atenção à Saúde”, para o estágio de pediatria do internato no 5o ano. O objetivo de aprendizagem descreve que o estudante deverá ser capaz de obter informações do paciente e seus familiares, e que foram detalhados em objetivos específicos, como se pode ver a seguir:

Diretrizes Curriculares (2001) outcome Project (2006)

atenção à saúde Patient Care + medical Knowledge

Tomada de Decisão Patient Care + medical Knowledge

administração e gerenciamento Systems Based Practice

educação Permanente Practice Based learning and improvement

liderança e ética profissional * Professionalism

Comunicação Communication skills

*apesar de não constar das seis competências gerais, a ética profissional e a bioética permeiam todas assertivas contidas nas DCN de 2001 e tem equiva-lência parcial com profissionalismo da aCgme.

TaBela 1: equivalência entre as competências gerais das DCN, (Brasil, 2001) e o documento outcome Project (aCg-me/aBmS, 2006).

ComPeTêNCia: educação Permanente e aprendi-zagem Baseada na Prática:

resultados esperados:

• Demonstrar habilidade de avaliar o próprio desempenho (autoavaliação) no cuidado dos pacientes e continuamente aperfeiçoar conhe-cimento e habilidades através de um processo permanente de educação em serviço.

• reconhecer o que “não sabe” (lacunas) e buscar a superação.

• identificar e aplicar evidência científica ao cuida-do do paciente e da comunidade

• Promover e facilitar o aprendizado de outros profissionais de saúde no ambiente de trabalho em equipe.

ao final do estágio o estudante deverá ser capaz de:

1) realizar a anamnese da criança nas diferentes fases do seu desenvolvimento (recém-nascido, infância e adolescência).

2) realizar o exame físico geral e específico, com ênfase nas peculiaridades observadas no exame físico da criança nas diferentes fases do seu de-senvolvimento (recém-nascido, infância e adoles-cência).

3) revisar as anotações do prontuário e obter infor-mações necessárias para a compreensão do caso clínico e a posterior tomada de decisão

4) Documentar e manter anotações clínicas apro-priadas e legíveis.

os objetivos devem ser estabelecidos tendo como premissa a real possibilidade de serem alcançados com os recursos disponíveis ou com o compromisso de que serão disponibilizados. objetivos de aprendizagem são afirmações explícitas que refletem o que o estudante deverá assimilar para se tornar competente e capaz, considerando-se cada estágio ou disciplina e o nível de

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ser abordada de forma não equilibrada pelos diferen-tes preceptores do estágio. Quando estabelecemos o objeto e o explicitamos no currículo do estágio estamos sinalizando, de forma clara, a nossa expec-tativa de que os futuros médicos tenham competên-cia e capacidade para reconhecer que as suas ações profissionais não são tomadas no vácuo. elas dizem respeito a outras pessoas que têm autonomia, e que precisam entender o que lhes está sendo proposto, bem como consentir.

Como já dissemos acima, os planos de ensino de disciplinas e estágios do Curso de Medicina geralmen-te apresentam objetivos de aprendizagem que refle-tem o que é necessário para se desenvolver a compe-tência geral da “atenção à Saúde” tendo como ênfase o conhecimento e habilidades médicas. a maioria dos programas (Cursos de medicina ou disciplinas) não identifica objetivos específicos para as outras com-petências estabelecidas nas DCN. Por exemplo: um estágio de internato de clínica médica em que os es-tudantes atendem pacientes nos ambulatórios de es-pecialidades e na enfermaria de clínica geral é uma excelente oportunidade para aprender todas as com-petências esperadas de um futuro médico, para além do Conhecimento médico e a atenção à saúde.

Seria interessante e recomendável explicitar no currículo também objetivos de aprendizagem rela-cionados às competências de: Comunicação e rela-cionamento interpessoal; educação permanente e aprendizagem baseada na prática (capacidade de au-toavaliação para identificar onde pode melhorar e de aprender na prática diária nas equipes de saúde); Pro-fissionalismo (ética médica e bioética); Prática basea-da no conhecimento e respeito à ordenação do Sis-tema único de Saúde (hierarquização do sistema de saúde, referência e contra-referência, financiamento, etc..). Devemos, tanto quanto possível, valorizar as oportunidades de aprendizado, deixando claro para estudantes e professores (preceptores, residentes) o que valorizamos e sobre o que estamos falando.

Cada disciplina ou estágio geralmente traz consigo oportunidades diferenciadas para desenvolvimento de competências. Por exemplo, um estágio em que os estudantes do segundo ano desenvolvem ativida-des práticas em unidades básicas de saúde traz opor-tunidades diferentes daquelas do estágio de urgência e emergência do quinto ano. em ambos é possível aprender sobre a ordenação do sistema de saúde,

complexidade do programa. a expectativa é de desen-volver competências e, em última análise, a capacidade para o exercício profissional adequado aos padrões de qualidade que a escola estabeleceu.

uma dificuldade comum a professores e coorde-nadores de estágio ou disciplinas tem sido redigir ob-jetivos de aprendizagem de forma correta. geralmen-te a lista de objetivos do plano de ensino da disciplina se confunde com uma lista de patologias ou assuntos que serão estudadas durante o estágio, ou seja, insu-ficiência renal aguda, nefrites, princípios do equilíbrio ácido-base, etc.. esse modelo, apesar de incompleto, ainda é muito utilizado e valorizado pelos clínicos que estruturam os estágios do internato. Nossa proposta tem sido de capacitação dos docentes para elaborar melhor os objetivos de aprendizagem, tendo duas vertentes: uma mais geral e que foca os valores que são a essência do “ser médico” e que é comum a to-das as especialidades. outra mais específica que está mais relacionada à identidade de cada especialidade e que também deve ser descrita e valorizada.

os objetivos de aprendizagem devem ser escritos utilizando-se verbos de ação no infinitivo, e devemos evitar o uso de ítens que contenham apenas o subs-tantivo (lista de temas) ou verbos no gerúndio. existe um acrônimo em inglês que explica as características desejadas na formulação de um objetivo de apren-dizagem: S – Specific (específico), m – measurable (mensurável), a – achievable (alcançável), r – rele-vant (relevante), T – Time framed (tempo definido). (SmarT, 2004)

os objetivos devem responder à seguinte pergun-ta: Quem deverá fazer o Que, QuaNDo e oNDe, e sempre que possível com referência ao padrão de qualidade desejado.

Parece óbvia a necessidade de obter o consenti-

ao final do internato de pediatria o estudante deve-rá ser capaz de:

• reconhecer a necessidade e obter o consentimen-to do paciente e/ou responsável para a realização de procedimentos e o tratamento proposto.

mento do paciente e familiares para a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos, entretan-to essa questão pode passar de forma despercebida ao docente, médicos preceptores e estudantes, ou

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mas certamente no estágio de urgência e emergência o estudante poderá compreender, na prática, a im-portância do sistema de referência e regulação médi-ca que é proposto para o SuS.

outro exemplo, usando a competência “educação permanente e aprendizagem baseada na prática” seria utilizar atividades do tipo “Journal club” (discussão de artigos científicos) que geralmente envolvem estudan-tes, residentes e docentes, onde temos uma excelen-te oportunidade para os estudantes compreenderem os princípios de epidemiologia clínica e utilização da medicina baseada em evidências (mBe) na prática mé-dica. a discussão de um caso clínico pode ser outra oportunidade para que as propostas terapêuticas se-jam analisadas a partir dos mesmos pressupostos da mBe. (liNZer et al. 1998, aleXaNDer, 2003)

Para concluir, gostaríamos de frisar que na ela-boração de objetivos de aprendizagem é prioritário identificar o que é essencial. esse não é um exercício simples e não raramente os docentes se sentem pa-ralisados na ânsia de contemplar “todo o conteúdo” em incontáveis objetivos. Na impossibilidade de exe-cutar essa tarefa fazem a opção pela tradicional lista de doenças, muitas vezes repetindo o índice do livro de referência da especialidade.

É preciso evitar a ideia de que “tudo” tem a mes-ma relevância, e assim tentar escrever uma centena de objetivos de aprendizagem, caminhando para uma excessiva fragmentação do currículo, que certamente fará pouco sentido e será de pouca utilidade (FER-NaNDeS, 2009). os dados epidemiológicos e a ex-periência clínica são bons aliados para esse exercício, sempre se lembrando de respeitar o nível de desen-volvimento do aprendiz. o currículo da disciplina de clínica médica do quarto ano não será igual ao rodízio do internato do sexto ano, ou com o currículo do primeiro ano da residência desta especialidade. É bem provável que os temas relevantes estejam presentes nos três programas, mas a estratégia de aprendiza-gem e de avaliação deverá ser distinta.

o exercício coletivo para identificar o essencial (Core Curriculum) de cada experiência educacional é fundamental para o sucesso da mesma. Certamen-te receberemos críticas pelas “faltas” e “omissões cometidas”, entretanto devemos assumir o risco na busca de uma proposta curricular que revele aspec-tos essenciais que devem compor qualquer currículo de um curso de medicina e muitas vezes são negligen-

ciados tanto do ponto de vista de ensino, quanto de avaliação.

P4. Garantir oportunidades de aprendizagem e o em-prego de metodologias de ensino apropriadas.

É absolutamente necessário que exista um alinha-mento entre os objetivos de aprendizagem esperados e as oportunidades de aprendizagem que a experiên-cia educacional proporcionará aos estudantes, além de estabelecer as metodologias de ensino que serão utilizadas (aulas teóricas, seminários, jornal club, prá-ticas de laboratórios, simulações, prática clínica, auto-estudo, etc..).

Suponhamos que na disciplina de ginecologia e obstetrícia do quinto ano seja estabelecido como objetivo de aprendizagem que ao final do estágio o estudante deverá ser capaz de realizar com proficiên-cia uma consulta de seguimento clínico de pré-natal em mulher com gestação normal. assim, o estudante deverá ser capaz de realizar a anamnese, o exame físico da gestante, anotar os achados no cartão de pré-natal e prover as orientações necessárias para a mesma. a partir do momento em que definimos esse objetivo em nosso programa temos o compromisso, enquanto responsáveis pela experiência educacional, de oferecer oportunidades (em número necessário) para que todos os estudantes do estágio sejam ca-pazes de conduzir de forma adequada uma consulta de pré-natal em paciente com gestação normal. Se esse conceito parece óbvio, podemos imaginar um programa de urgência e emergência que inclua nos objetivos, por exemplo, que o estudante seja capaz de proceder com proficiência uma punção venosa para acesso central ao final do estágio. Se não tiver-mos condição de garantir oportunidade a todos os estudantes de realizarem o procedimento, devemos considerar a exclusão desse objetivo do programa do estágio, ou pensar em formas alternativas (simulado-res, manequins) para que todos aprendam e realizem o procedimento.

Na medida em que estabelecemos objetivos de aprendizagem para uma determinada experiência profissional, estamos assumindo a responsabilidade por disponibilizar as oportunidades necessárias para se alcançar os objetivos estabelecidos. Por exemplo: Dentre os objetivos de aprendizagem na competência “Conhecimento e habilidades médicas” da disciplina de técnica cirúrgica foi estabelecido que o estudante

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deverá ser capaz de indicar e realizar uma sutura sim-ples. as atividades didáticas devem ser estruturadas de modo a garantir que todos os estudantes tenham oportunidade de aprender e praticar o procedimento em número suficiente de vezes para realizá-lo com proficiência.

Quanto aos métodos de ensino podemos citar aulas teóricas, prática clínica, análise de vídeos ou fil-mes, casos clínicos virtuais, seminários, simulações, “journal club”, projetos individuais e em grupos, pro-jetos de pesquisa, mentoring, autoaprendizado, tuto-riais em pequenos grupos (Problem Based learning ou Case Based learning), feedback, conferências, etc. Na matriz do internato associamos, dentro de cada competência, os objetivos de aprendizagem com as oportunidades previstas de desenvolvê-los. (VEN-Turelli, 1997; liNZer et al., 1998; aleXaNDer, 2003; HaTTie e TimPerleY, 2007)

Durante os seis anos do curso de medicina, o estudante deverá participar de atividades curricula-res nos diferentes cenários de prática (salas de aula, laboratórios, equipamentos sociais na comunidade, unidades de saúde da atenção básica, hospitais, etc..) o movimento atual é de parcerias da academia com os serviços de saúde para garantir oportunidades aos alunos de aprenderem no cenário onde certamente deverão atuar enquanto profissionais. mesmo assim existe uma dúvida entre gestores, professores e os próprios estudantes sobre a qualidade do aprendiza-do em unidades de saúde quando comparado com as enfermarias e ambulatórios do hospital de refe-rência. essa é uma questão presente em todas as escolas médicas brasileiras na atualidade, entretanto várias experiências já publicadas na literatura médica nacional e internacional demonstram que esse é um falso dilema. (SNell et al. 1998; WorleY et al. 2000; amaral et al. 2007) os estudantes que aprendem nos cenários da atenção básica cuidam sim de pessoas com condições comuns e relevantes para a formação médica em nível de graduação. as limitações geral-mente presentes nas práticas de ensino nas unidades de saúde da atenção básica são relacionadas à falta de infraestrutura (consultórios, salas de reuniões e grupos) e de supervisão dos estudantes.

P5. Determinar os métodos de avaliação do estudan-te.

a proposta de desenvolvimento curricular por

competências pressupõe a mensuração do desempe-nho do estudante em múltiplos domínios utilizando práticas de avaliação do processo educacional que já são conhecidas e padronizadas. avaliação é mui-to mais que simplesmente aprovar ou reprovar. o emprego de múltiplos métodos de avaliação e múl-tiplos avaliadores garante observações de diferentes perspectivas sobre o desempenho do estudante, que são necessárias para avaliação de competência e, em última instância, para a tomada de decisão acerca da progressão do estudante até a sua graduação como médico com o maior grau de certeza possível. mui-tos docentes entendem que uma avaliação ao final da disciplina ou estágio é mais que suficiente. Por que se preocupar com diversidade de métodos de avaliação? a resposta é simples. múltiplos métodos e perspec-tivas suportam com maior solidez a decisão sobre a capacidade ou incapacidade de desempenhar o papel de praticante da medicina após a graduação. (aCg-me/aBmS, 2000)

enfrentar o desafio de avaliar a aquisição ou de-senvolvimento de competência e de capacitação para a prática médica é uma tarefa no mínimo assustadora, especialmente se não estamos devidamente prepara-dos e familiarizados com essa temática. entretanto, nos parece imensamente mais preocupante simples-mente assumir que todos os estudantes estão ade-quadamente preparados e capacitados para o exercí-cio da profissão, simplesmente porque concluíram os seis anos do curso médico.

Tradicionalmente, os estágios ou rodízios clíni-cos do internato de medicina são avaliados através da “nota de conceito”. interessante observar que a experiência internacional de avaliação do internato durante a graduação não é diferente. o que muda é o nome que se dá para esse tipo de avaliação; geral-mente é citado: “global rating of live Performance”. Nesse método o professor estabelece alguns crité-rios para guiá-lo (apresentação pessoal, pontualidade, estudo prévio, postura, etc..) e atribui nota de 0 a 10 ao estudante, geralmente no final do estágio. a gran-de limitação é que geralmente não se estabelecem critérios claros e objetivos para atribuição de notas. o que diferencia um estudante que recebeu nota 06 daquele que recebeu um 08 na “Nota de Conceito”? Quando os estudantes questionam isso aos professo-res, a resposta geralmente não é esclarecedora, sim-plesmente porque não existe informação suficiente

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para um instrumento que deixa grande margem para a subjetividade do avaliador. essa situação também é indesejável do ponto de vista do estudante que não pode utilizar a informação da avaliação para conhecer seus pontos fortes e pontos a serem melhorados.

Bollela et al. (2008a) estudando a percepção de es-tudantes e professores do internato médico a respei-to da nota de conceito, demonstraram a fragilidade e inconsistência desse tipo de avaliação, especialmente se utilizada de forma isolada para tomada de decisões. O estudo incluiu 57 docentes das cinco grandes áreas do internato médico e 60 internos do último ano do curso de medicina. Um mesmo cenário foi apresenta-do para estudantes e professores duas vezes duran-te um questionário. a primeira, no início do mesmo quando era solicitado ao respondente que atribuísse uma nota de 0 a 10 pontos para o estudante. ao final do questionário, a mesma situação era apresentada, mas agora apenas com uma opção de dois conceitos, ao invés da nota. o avaliador deveria decidir se o estudante em questão deveria receber o cenceito de suficiente ou insuficiente.

Cenário:um estudante do internato de clínica médica partici-

pou de todas as atividades previstas para o seu estágio. sempre adequadamente trajado e por ter personalidade extrovertida manteve ótimo relacionamento com os co-legas e com a equipe. Durante as visitas na enfermaria (ambulatórios, plantões) observou-se dificuldades por par-

te do estudante para realizar a anamnese, exame físico e discutir os casos clínicos.Qual o conceito que você atribui-ria a esse estudante:

os resultados podem ser observados a seguir (gráfico 1 e 2).

Podemos observar que a nota de conceito sofre grande influência da forma-escopo deste trabalho não é detalhar os diferentes métodos de avaliação dispo-níveis, suas vantagens e desvantagens considerando critérios como validade, confiabilidade ou reproduti-bilidade, custo, logística e aspectos operacionais. Para aqueles que se interessarem por se aprofundar nesse tema, sugerimos a leitura do Toolbox of assessment methods. (aCgme/aBmS, 2000). É fundamental que, para cada objetivo de aprendizagem, seja indicado um método de avaliação coerente com essa finalidade. Na matriz de competências do internato existe um espaço específico para essa informação.

P6. Determinar como a experiência educacional será avaliada e melhorada.

Por que avaliar os resultados de uma experiência educacional? Para checar se ela realmente faz diferen-ça na vida das pessoas e para auxiliar as instituições mantenedoras, gestores e educadores a melhorar seus próprios programas. a avaliação dos resultados cria oportunidades de aprendizagem e alimenta o programa com informações que servirão para com-preender como estão indo e como fazer para me-lhorar e se tornarem mais efetivos. (HaTrY e VaN HouTeN, 1996)

grÁFiCo 1: Notas atribuídas pelos docentes e estudantes para o estudante do internato, apresentado no cenário descrito.

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a avaliação do programa é um importante com-ponente do planejamento do currículo, pois pressu-põe que toda vez que nos propomos a desenvolver uma atividade que envolve outras pessoas e que tem finalidades específicas, deve-se sempre garantir opor-tunidades de se checar se os resultados que preten-díamos alcançar realmente foram obtidos (por nós e pelas outras pessoas envolvidas naquela experiência). No caso de um estágio de internato, por exemplo, é fundamental obtermos a opinião de docentes e estu-dantes envolvidos. assim, partimos de dados objetivos coletados sistematicamente daqueles que vivenciaram o programa e podemos inferir sobre sua eficiência e considerar revisões e ajustes para sua melhoria.

existe um acrônimo muito utilizado por adminis-tradores para esse tipo da abordagem, denominado: PDCa (Planejar, Desenvolver, Checar e agir). a associação americana de escolas médicas (aamC) desenvolveu uma versão dessa proposta que se de-nomina SoaP (Study; objectify, audit, Plan), que em resumo propõe que se: eSTuDe propostas de ensi-no e de avaliação das competências propostas; oBJe-TiVe o processo de avaliação do estudante; auDiTe a proposta implementada e PlaNeJe ajustes no sen-tido de garantir a qualidade desejada para propostas de educação baseada em competências. (SimPSoN et al. 2004)

Dentre as estratégias de avaliação dos programas de internato de medicina e que buscam superar a di-ficuldade de contato com estudantes que geralmente estão em atividade em várias unidades de saúde em diferentes localidades, Bollela et al. (2009) propuse-

ram o uso da plataforma de educação à distância do Moodle para facilitar o acesso dos estudantes aos questionários, à análise e divulgação dos dados.

CoNCLusão: Steinert et al. (2006) em uma extensa revisão sis-

temática sobre desenvolvimento docente afirma que “mesmo assumindo que um cientista básico ou clínico pode naturalmente ser um professor efetivo, não exis-tem dúvidas de que o treinamento e desenvolvimento para a docência é essencial” acreditamos que cada vez mais será necessário que os educadores médicos aprofundem seus conhecimentos e suas capacidades para a assistência, a pesquisa e, fundamentalmente, o ensino. a formação de novas gerações de médicos tem um efeito multiplicador na medida em que nos-sos estudantes serão agentes que produzirão cuidado e atenção à saúde em nossa sociedade. entendemos que a capacitação docente para práticas pedagógicas de alto nível deve ser construída a partir de abor-dagens do passado, endereçada aos problemas do presente, e que resulte, no futuro, em práticas mais efetivas na educação dos profissionais da saúde e con-sequentemente no planejamento, gestão e atenção à saúde da população brasileira.

AGRAdeCIMeNTos:ao Prof. Dr. Joaquim edson Vieira pela sugestão

do tema e revisão deste manuscrito.ao instituto Faimer (Filadélfia) e instituto regio-

nal de educação médica Faimer Brasil.

grÁFiCo 2: Conceito atribuído pelos docentes e estudantes para o estudante do internato.

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NúCleo De eSTuDoS e PeSQuiSa: um eSPaÇo De FormaÇÃo CoNTiNuaDa

CEnTER fOR sTuDIEs AnD REsEARCH: An AREA Of COnTInuED EDuCATIOn

Janete Ribeiro Nhoque *

* graduada em Pedagogia pela universidade Cidade de São Paulo (uNiCiD). atualmente é mestranda em educação pela universidade Cidade de São Paulo (uNiCiD) e diretora de escola na Secretaria municipal de educação de São Paulo. Possui experiência na área de educação, com ênfase em educação infantil, ensino Fundamental, atuando principalmente nos seguintes temas: formação de professores, história de vida e educação continuada. [email protected]

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Resumo

O objetivo deste trabalho é apresentar a experiência de formação envolvendo um grupo de educadores da Rede Pública Municipal de São Paulo que, a partir de discussões sobre o cotidiano da escola e de suas experiências de vida, constituíram um núcleo de estudo e pesquisa comprome-tido com a construção do conhecimento no campo da educação. Esta experiência aponta que: a escola, com toda sua complexidade, dificuldades e dinâmica, é um espaço de encontro entre pessoas que, juntas, podem desenvolver projetos de formação ou intervenção; as histórias de vida surgem como uma possibilidade real de formação de pro-fessores e que a escola pode se tornar não só um espaço em que se ensina, mas também e principalmente um espa-ço em que se aprende.

PalavRas chaves: Formação de professores • Histórias de vida • Formação continuada

aBsTRacT

The aim of this paper is to present the training experien-ce involving a group of educators of the Public Hall of São Paulo, that from discussions about the school daily and their life experiences, a core of study and research was constitu-ted, committed with the construction of knowledge in the field of education. This experience shows that: the school, with all its complexity, difficulties and dynamic, is a place for people to meet and together they can develop training projects or intervention; the life stories emerge as a real training possibility of teachers and the school may become not only an area where you teach, but also and above all, a place where you learn

KeywoRds: Teacher’s education • Life stories • Continued education

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o objetivo deste trabalho é apresentar a expe-riência de formação envolvendo um grupo de edu-cadores da rede Pública municipal de São Paulo. a experiência teve início com a formação de um grupo de trabalho coletivo iniciado em 2001, em uma escola da referida rede. Posteriormente passaram a fazer parte professores de outras unidades da região e por fim foi estabelecida parceria com um Programa de mestrado da universidade Cidade de São Paulo.

o grupo de trabalho coletivo que deu origem a esta experiência foi organizado conforme portaria es-pecifica da Secretaria municipal de educação que de-termina a constituição de Projetos especiais de ação, os Peas, dentro do horário de trabalho dos professo-res que optaram em participar desses projetos e são remunerados por isso. o Pea previa apenas a partici-pação de professores e do coordenador pedagógico. o diretor poderia participar, se assim o desejasse, mas sua participação não era obrigatória e também não era pontuada.

Porém, entendendo que a formação de todos na unidade era importante na implantação do projeto pedagógico, o diretor não só assumiu o compromisso de participar do grupo, mas criou condições para que pessoas que ocupavam outros cargos na escola, tam-bém participassem do projeto de formação.

esse grupo organizou-se em um período em que a escola enfrentava grandes conflitos gerados pela ade-são da instituição ao “Projeto escola aberta”, propos-to à rede pública municipal no início da gestão marta Suplicy, período de 2001 a 2004. o seu desenvolvi-mento seguiu um percurso diferente do da maioria dos grupos organizados nas unidades escolares que normalmente cumprem as exigências burocráticas da portaria em função da carga horária do professor. a diferença não se resumiu ao fato do grupo acolher ocupantes de cargos não previstos na portaria, mas por ele ter se constituído como espaço de reflexão sobre a prática pedagógica contextualizada na unida-de escolar.

a organização desse grupo coincidiu com a minha chegada à escola, onde fui exercer a função de coor-denadora pedagógica.

[...] No final do curso de Pedagogia, prestei con-curso para ser Coordenadora Pedagógica na Prefei-tura municipal de São Paulo e passei. antes de assu-mir o cargo como titular, assumi como designada em

uma escola municipal de ensino Fundamental (emeF), onde trabalhei por dois meses. Foi uma experiência curta, mas intensa. essa emeF estava vivendo um mo-mento de grandes discussões. Meu primeiro contato como os professores e funcionários foi nas reuniões de organização do ano escolar de 2001. No pátio, estavam reunidos os funcionários num grande círculo e a proposta de trabalho era discussão de um texto elaborado após a avaliação realizada no final de 2000. (BeNZaTTi; NHoQue; almeiDa; 2008, p.180)

iniciativas complexas e polêmicas implementadas na escola geravam tensões no momento de minha chegada. a situação aguçou o espírito corporativo daqueles que se sentiram contrariados com a pro-posta de abertura da escola, sobretudo com a inclu-são dos alunos que costumeiramente eram expulsos da escola. Profissionais que desempenhavam funções que dependiam de referendo do conselho de escola para continuar, passaram a ser pressionados por pais, professores e funcionários que os queriam compro-metidas com as tradições da escola, dentre as quais almeida (2008) destaca:

1-impedimento de re-matrícula dos alunos que apresentavam problemas de indisciplina; 2- incentivo ao pais para que tirassem da escola crianças que “não conseguiam aprender”; 3- solicitação da presença da polícia para resolver problemas de relacionamen-to com alunos; 4- realização de atividades dentro e fora da escola, cuja participação estava condicionada a pagamento; 5- permissão ao aluno para permanecer na escola apenas no seu horário de aulas; 6- ideia de que o professor já sabia e o aluno precisava aprender. (almeiDa, 2008, p. 72)

Diante a ameaça sofrida por esses profissionais, cuja permanência nas funções dependia de referendo do conselho de escola, o diretor propôs como tema de um dos grupos de trabalho coletivo a avaliação institucional. essa proposta tinha por objetivo criar um instrumento que possibilitasse avaliar o trabalho desenvolvido pelos educadores da unidade. a per-manência ou não desses profissionais, dessa forma, ficaria atrelada a uma avaliação de desempenho. Na introdução do livro “Histórias de Vida: quando falam os professores”, ao referirem-se à criação desse gru-po, os autores assim se manifestam:

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[...] este Pea tinha como objetivo criar um instru-mento de avaliação que permitisse discutir o trabalho de todos os educadores da unidade e não apenas da-queles que desempenhavam funções que dependiam de ser referendado ao final de cada período. a ideia era garantir que também os educadores que não de-sempenhavam essas funções, bem como as condições de trabalho oferecidas fossem avaliados, estabelecen-do uma certa blindagem para as pessoas que, ao as-sumirem o projeto escola aberta, se tornavam mais vulneráveis às pressões decorrentes das demandas corporativas. (BeNZaTTi; NHoQue; almeiDa, 2008, p.14).

almeida (2005), ao referir-se à constituição deste grupo a partir do Pea da escola, assim se manifesta:

aquele projeto especial de ação não durou um semestre: houve licença médica, ingresso de coorde-nadores, mudanças de função de membros do grupo, membros do grupo que mudaram de escola, enfim, vinculado ao tempo e espaço da escola o projeto não poderia continuar. então, tomamos duas deci-sões: desvincular o grupo da escola e transformá-lo em um núcleo de estudo e pesquisa. assim, procura-mos o professor Jair militão da Silva e, por meio dele, conseguimos uma parceria com a Pós-graduação da uNiCiD. Neste momento, já não era mais um grupo de professores. O grupo era composto por coorde-nadores pedagógicos, professores, agentes escolares, diretores e supervisores, um diferencial importante no processo de formação que se estabeleceu na es-cola. (almeiDa, 2005, p.80)

Como bem colocou almeida, a experiência des-se grupo de formação não durou muito: quando o grupo engatinhava houve um processo de ingresso na rede, o que fez com que alguns membros mu-dassem de escola, “o que se apresentou como uma ameaça para a desarticulação do mesmo.” (almeiDa E NHoQue, 2006). embora quiséssemos continuar estudando juntos, “quer pela amizade construída nos encontros que o grupo possibilitou, quer pela riqueza que os encontros vinham significando para cada um” (almeiDa E NHoQue 2006), o espaço do Pea não compreendia a todos. Porém os temas e, sobretu-do, a maneira como eles eram discutidos tornaram a experiência significativa para os participantes que

resolveram continuar a se reunir fora do horário de trabalho, tanto na unidade na qual o projeto teve iní-cio como também em outras que haviam recebido educadores, como eu, que tinham sido remanejados. assim o grupo estendeu-se, englobando diversas uni-dades. em suas novas escolas, os participantes falavam do grupo e novos interessados foram se agregando fazendo com que este se ampliasse. ao narrar sua entrada no grupo, ana galvão, uma das participantes, mostra como se deu esse processo:

[...] fui convidada a participar do NePae. Fiquei muito feliz, pois minhas amigas Walkiria e Janete já haviam me falado sobre o grupo e eu havia demons-trado muito interesse em participar. aliás, sempre tive vontade de participar de um grupo de pesqui-sa. (BeNZaTTi, NHoQue e almeiDa, (org), 2008, p.32)

este depoimento, além de mostrar como se deu o processo de ampliação do grupo, também revela seu processo de constituição como núcleo de estudo e pesquisa comprometido com a construção do conhe-cimento no campo da educação, a partir do cotidiano das escolas em que atuavam seus participantes. Com a ampliação do número de participantes, surgiu a pre-ocupação com a identidade do grupo que necessitava ser nomeado e, após várias discussões, chegamos ao nome NePae (Núcleo de estudo e Pesquisa sobre a ação educativa). Para Silva (2003a), após o com-prometimento pessoal e grupal com os objetivos “o grupo encontra-se mais coeso e com a continuidade das atividades passa a ser identificado, quer pelos próprios componentes quer publicamente, por alguma designação [...] Essa identidade é que garantirá um sentimento e um sentido de ‘nós’ que terá força ética, ou seja, será condi-cionadora de comportamento das pessoas mesmo quan-do estejam agindo isoladamente.”.(SilVa, 2003a, p.54)

a constituição do grupo enquanto núcleo se deu a partir do momento em que passamos a sentir a necessidade de construirmos um projeto comum ao grupo. esse fato é narrado no texto introdutório do livro, mais tarde elaborado pelo grupo:

Porém, como tínhamos aprendido no texto de enriquez, para que um grupo se constitua se faz ne-cessária a existência de um projeto comum. então

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começamos a buscar um novo projeto comum, uma vez que o Projeto especial de ação da escola já não comportava a todos nós. Nesse momento o profes-sor Jair militão da Silva passou a fazer parte da his-tória do grupo, digamos, de maneira formal, porque antes já o fazia através de contatos informais com al-guns membros. Com a orientação do professor Jair, começamos a elaborar um novo projeto comum: um projeto de pesquisa com fito de pedir financiamento à FaPeSP. (BeNZaTTi; NHoQue; almeiDa; 2008, p.15)

a elaboração desse projeto durou todo o ano de 2001 e foi muito importante pelos momentos de estudo e trabalho que proporcionou ao grupo, que passou a tratar as questões cotidianas da escola como uma possibilidade de construção do conhecimento. ana Paula, outra participante do grupo, ao narrar sua experiência dá pistas importantes nesse sentido:

Por convite da professora Jane e do professor Juliano, comecei a participar das reuniões do grupo NePae (Núcleo de estudo e Pesquisa da ação educa-tiva), e aprendi (aprendo constantemente) mais sobre o papel da escola e dos educadores frente à inclusão. [...] Numa reunião, em março de 2005, falou-se do papel social da escola, e que muitos professores ainda defendem valores que não são deles, e sim de uma eli-te à qual não pertencem. eu me debrucei sobre meus pensamentos e valores, e sobre as discriminações que sofri ao longo de minha vida – ao despertar para a aurora – e conclui que eu “quase fui excluída” na escola, na faculdade,... e pior que isso, poderia estar trabalhando para a exclusão de outro! (BeNZaTTi; NHoQue; almeiDa; 2008, p.106)

Trabalhamos durante aquele ano na elaboração do projeto que foi apresentado à FaPeSP em janeiro de 2002. após análise, o projeto foi classificado como um projeto de formação, para o qual a entidade não dispunha de financiamento. mas a elaboração do pro-jeto propiciou muitas discussões interessantes e o crescimento das pessoas do grupo.

além da preocupação com o estudo e a pesquisa inerente ao grupo, outro ponto comum foi a adesão das escolas onde os participantes atuavam ao “Proje-to escola aberta”. esse projeto previa entre outros objetivos a abertura da escola aos finais de semana.

Junto com essa proposta, iniciou-se uma discussão sobre a abertura também do currículo e a inclusão dos alunos que estavam fora da escola e daqueles que dela haviam sido expulsos, num processo de humani-zação da escola.

Para almeida (2008), que analisou e acompanhou os acontecimentos ocorridos em uma daquelas es-colas.

a maneira como o Projeto escola aberta foi con-cebido e desenvolvido na escola introduziu em seu cotidiano novas práticas que quebraram a hegemonia do currículo, que estava estabelecido com base em uma cultura excludente em relação a certo tipo de criança e adolescente. Cultura essa que se manifes-ta em atitudes que desconsidera a condição de vida das pessoas. Nesse sentido, a implantação do Pro-jeto escola aberta ao possibilitar a emergência de instituições mais democráticas constitui-se em passo importante no processo de humanização da escola. (almeiDa, 2008, p. 73)

À medida que as discussões sobre esses temas eram aprofundadas e difundidas nas escolas, outras pessoas interessadas, como nós, em buscar um aper-feiçoamento sobre as questões do campo educacio-nal, foram integradas ao grupo. Para Silva (2003b),

um aperfeiçoamento sobre o campo educacional, o trabalho coletivo e o projeto pedagógico não ocor-re, geralmente, de forma espontânea: é fundamental haver estudos sistemáticos nas modalidades que as situações concretas permitam: seminários, leituras dirigidas, cursos, oficinas, etc. o importante é que o educador perceba a necessidade desta formação e te-nha oportunidade de realizá-la de forma sistemática e continuada. (SilVa 2003b, p. 68)

Essa necessidade foi se tornando premente e du-rante os encontros discutíamos o cotidiano da escola à luz de alguns autores, como eugene enriquez (1997) que discute a constituição e funcionamento de grupos e vê nestes uma possibilidade de análise dos fenôme-nos coletivos.

Para o autor, entender e atuar num pequeno gru-po é atuar e entender toda a sociedade e o debate e a comunicação não dependem do tamanho do grupo. enriquez enfoca o grupo enquanto portador de um

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projeto comum, afirmando que:um projeto comum significa de imediato que o

grupo possui um sistema de valores suficientemente interiorizado pelo conjunto dos membros a fim de conferir ao projeto suas características dinâmicas (fa-zê-lo passar da etapa do projeto para a da realização). (eNriQueZ, 1997; 91-2).

Segundo o autor, o grupo funciona na base da idealização, da ilusão e da crença. a idealização é o elemento que dá consistência, vigor e “alma” excep-cionais ao projeto. a ilusão coloca um dispositivo simbólico que permite a canalização dos desejos e evita o questionamento. a crença cria um dispositivo simbólico que cobre toda a dúvida e toda a indagação sobre si mesmo. esses três elementos são essenciais à formação de um grupo.

outro autor também discutido nos encontros foi Silva (2001), que trata da formação de sujeitos coleti-vos. Para ele, “um sujeito coletivo é um grupo de pesso-as que possui uma identidade comum, um juízo comum sobre a realidade e reconhece-se participante do mesmo ‘nós-ético’, ou seja, percebe-se fazendo parte de uma mesma realidade comportamental [...]”(SilVa, 2001, pg. 95). este sujeito coletivo não brota de forma es-pontânea, a sua constituição tem um caminho a ser percorrido, que se inicia com um encontro marcado pela afetividade. ao apresentar esse caminho, Silva as-sim se expressa:

um caminho para a constituição de sujeitos co-letivos deverá, portanto procurar conduzir seus in-tegrantes a vivenciarem: uma situação de encontro onde predominem sentimentos de simpatia e iden-tificação; a oportunidade de realizarem uma tarefa comum onde possam exercitar julgamentos comuns, de modo a construir uma visão comum de mundo; um comprometer-se pessoal e grupalmente com ob-jetivos e metas; assumir ou acolher uma identidade comum; atuar publicamente com essa identidade, enfrentando os desafios do ambiente físico e social; conservar a memória da criação e as experiências do grupo; propor obras concretas que ajudem a vida do grupo; interagir com outros sujeitos em clima plura-lista e democrático. (SilVa, 2003, pg.56).

Com o passar do tempo fomos percebendo que tínhamos muito em comum e laços de amizade e ide-

ais começaram a ser construídos e hoje, observado o trajeto do grupo, podemos afirmar que um sujeito coletivo foi se constituindo.

No entanto, a não aprovação do projeto pela Fa-PeSP fez com que algumas pessoas desistissem, mas fortaleceu a permanência de outras, até mesmo de colegas que morando em outra cidade vinham par-ticipar dos encontros aos sábados. Durante os en-contros as discussões giraram em torno de diversos temas: fluxo de informação, informação e poder, o conceito de organização, a burocracia na escola, a di-visão dos tempos na escola, a pedagogia do sujeito coletivo, a escola como produtora de conhecimento, metodologia do trabalho científico, inclusão e exclu-são, a inclusão do socialmente excluído, alfabetização e exclusão, alunos com necessidades especiais, a es-cola e a rede de proteção, a gestão da escola e a par-ticipação da comunidade, escola aberta, escola que aprende... e, em meados de 2003, elaboramos o livro “Histórias de vida: quando falam os professores”, pu-blicado em 2008, que conta a trajetória de vida dos membros do grupo na constituição de sua identidade de professor.

a construção desse livro foi um passo muito im-portante para os membros do grupo, pois fortaleceu vínculos e desencadeou um processo de formação pessoal e grupal a partir das vivências de cada mem-bro, o que propiciou uma verdadeira “experiência formadora” de acordo com Josso (2004).

Para Josso (2004), somos sujeitos em formação e aprendemos pela experiência. No entanto ela faz uma distinção entre experiência e nossas vivências coti-dianas:

...vivemos uma infinidade de transações, de vivên-cias; estas vivências atingem o status (grifo do autor) de experiências a partir do momento em que fazemos um certo trabalho reflexivo sobre o que se passou e sobre o que foi observado, percebido e sentido.(JoSSo, 2004, p. 48)

Portanto, uma experiência formadora são aquelas vivências que tivemos e que sobre elas refletimos e de alguma forma afetaram nossa identidade e subje-tividade. a reflexão sobre o vivido ocorreu na forma pela qual o texto de cada um era escrito e apresenta-do aos outros membros como colocam os próprios autores:

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Na construção deste livro houve um momento em que as histórias após serem escritas eram lidas para os outros membros do grupo. Com isso percebemos que cada pessoa, ao tratar de sua história, tanta ven-der o melhor de si. Quando eram compartilhadas as leituras, as dúvidas dos colegas apontavam não para o que se tentava vender sobre si, mas justamente sobre o que ocultávamos de nós. esse processo se cons-tituiu num momento importante de nossa formação como educadores na medida em que possibilitou que um aprendesse com a experiência do outro e com a retomada da própria experiência (BeNZaTTi; NHO-Que; almeiDa; 2008, p.19)

a elaboração do livro, no entanto, não foi uma tarefa fácil, pois, em muitos momentos, tivemos que superar dificuldades pessoais, como é exposto no de-poimento abaixo de gilza, um dos membros do gru-po à época:

escrever foi muito difícil, mesmo sendo uma pro-fessora alfabetizadora. Senti-me como uma criança que começa a produzir seus primeiros textos, en-volvida e radiante com cada frase que realizava para compô-lo. Percebi a função, o significado, o porquê, para quem eu quero escrever. escrever as memó-rias foi relembrar e resgatar a história da minha vida [...] Constatei o quanto é importante registrar para validar o que desenvolvemos na prática, e a teoria transformada em experiência está sendo um desafio intelectual significativo e emocionante, cujo objeti-vo principal foi conhecer a mim mesma e perceber que sou capaz de construir e reconstruir currículos (BeNZaTTi; NHoQue; almeiDa; 2008, p.17)

o depoimento de gilza aponta para a importância na formação do professor e para seu autoconheci-mento do trabalho com histórias de vida. Para Souza (2006), as histórias de vida são importantes “para a autocompreensão do que somos, das aprendizagens que constituímos ao longo da vida, das nossas experi-ências e de um processo de conhecimento de si e dos significados que atribuímos as diferentes fenômenos que mobilizam e tecem a nossa vida individual e cole-tiva” (SouZa, 2006,p.139).

Bueno (2002), em seu artigo que trata do método autobiográfico e história de vida na formação de pro-fessores coloca que a abordagem autobiográfica tem sido utilizada na formação continuada de professores

e tratada por pesquisadores como Pierre Dominicé (1988 a 1990), antonio Nóvoa (1988 a 1990) e Chris-tine Josso (1999). Segundo eles há falta de uma teo-ria da formação de adultos e as biografias podem ser educativas, isto é, ser um instrumento de formação e estar ou não aliadas às pesquisas.

De acordo com Josso, outros autores apontam estas duas possibilidades dos métodos autobiográfi-cos e histórias de vida:

outros autores também têm sublinhado esse du-plo caráter dos métodos autobiográficos. Para falar sobre este aspecto, goodson (1992, 1994) apela para a questão da subjetividade e para a importância da voz do professor. ele diz que nessa abordagem está implícita uma reconceitualização da própria pesqui-sa educacional, pois dar voz aos professores supõe uma valorização da subjetividade e o reconhecimento do direito dos mestres de falarem por si mesmos. além disso, ao serem concebidos como sujeitos da investigação e não apenas como objeto, eles deixam de ser meros recipientes do conhecimento gerado pelos pesquisadores profissionais (goodson, 1994), para se tornarem, como querem marilyn Cochran-Smith e Susan lytle (1993), “arquitetos de estudos e geradores de conhecimento” (p. 4). a terminologia utilizada pelos autores para reforçar essa concepção, como se pode notar, é sempre metafórica e enfática. o objetivo é chamar a atenção para uma nova relação que se estabelece entre o investigador e seu objeto de estudo. Nóvoa (1992) fala “no duplo estatuto de ator e investigador” dos formandos, cuja atuação cria as condições para que a produção do saber, e não o seu consumo, se constitua no eixo e no meio me-diante o qual se processe a formação. Dessa forma, a abordagem biográfica prioriza o papel do sujeito na sua formação, o que quer dizer que a própria pessoa se forma mediante a apropriação de seu percurso de vida, ou do percurso de sua vida escolar. admite-se, por isso, a existência de uma nova epistemologia da formação (NÓVoa, 1992). (BueNo, 2002, p.22)

No mesmo artigo Bueno coloca que, seja na pes-quisa, na formação ou em ambas, o método autobio-gráfico e as histórias de vida oferecem “possibilida-des várias para se repensar e renovar as formas de educação de adultos, abrindo também, dessa forma, a possibilidade de se construir uma teoria sobre essa

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formação.” (BueNo, 2002, p.23).Para ela também, citando goodson (1992,1994),

as potencialidades dos métodos autobiográficos e his-tórias de vida é que “tais abordagens podem gerar ‘uma contra-cultura’. Isto é, ao se trabalhar na perspectiva das histórias de vida pode-se desenvolver entre os professores uma postura que irá funcionar como resistência às novas políticas que tentam fazer com que os docentes ‘voltem para as sobras”. (BueNo, 2002, p.24). outra possibili-dade desta abordagem, também apontado pela autora é do “papel que essas novas abordagens possam desem-penhar no desenvolvimento de uma consciência individual e coletiva dos professores”. (BueNo, 2002, p.25).

Souza (2006) considerara as histórias de vida ex-tremamente importantes para a compreensão de quem somos e como nos constituímos durante nossa vida tanto para a auto-formação como para uma ativi-dade formadora, pois,

[...] a narrativa de si e das experiências vividas ao longo da vida caracteriza-se como processo de for-mação e de conhecimento, porque se ancora nos re-cursos, experiências construídas e mudanças identitá-rias vividas pelos sujeitos em processo de formação e desenvolvimento. (SouZa, 2006, p. 136).

Portanto podemos dizer que passamos por uma experiência formadora na elaboração desse livro e nenhum de nós é o mesmo depois desse processo. isso fica claro na declaração abaixo extraída do pró-prio livro:

No nosso entender, “as histórias de vida” como coloca Souza (2006) ou “histórias de formação” de acordo com Josso (2004), são uma oportunidade de encontro do educador com dimensões esquecidas de seu “ser professor”, de sua “matriz pedagógica”, como coloca Furnaletto (2003) e foi isso que a consti-tuição deste livro nos propiciou. (BeNZaTTi; NHo-Que almeiDa; 2008, p.21)

Durante esse tempo de construção do livro sen-timos a necessidade de promover encontros mais sistematizados e eles passaram a ser com data marca-da, mensalmente, um dia do mês em uma das escolas e outro na uNiCiD com o professor Jair militão da Silva. Como já comentamos, as discussões do grupo

eram levadas para as escolas pelos membros do grupo e também foram apresentados trabalhos, fruto dessas discussões em palestras em universidades (uNiCiD, FaSuP), no simpósio da aNeSC (associação Nacio-nal para o ensino Social Cristão), apresentação no i Fórum de inclusão da Coordenadoria de São mateus, no Fórum mundial de educação em São Paulo. Parti-cipamos na elaboração e execução de um curso de preparação para o concurso da Prefeitura municipal de São Paulo em 2004, do curso de formação da Sme/uNiCiD também de 2004, e em 2006, com ideias mais amadurecidas, elaboramos outro projeto de pesquisa intitulado “alfabetização inclusiva”, em parceria com a uNiCiD, e novamente apresentamos à FaPeSP que, não só o aprovou como financiou bolsas de pesquisa aos membros do grupo e, no final do projeto, em 2007, aprovou sua continuidade.

Hoje, o NePae é constituído por professores, di-retores, auxiliares de direção, coordenadores peda-gógicos, supervisores e agentes escolares de escolas da Prefeitura municipal de São Paulo da região de São Mateus. Continuamos estudando e tentando compre-ender o cotidiano da escola e acreditando que ela é um espaço de encontros significativos, construção de identidades e formação de sujeitos da sua própria his-tória, que para Silva (2001), “[...] esses sujeitos da histó-ria não são fruto automático das circunstâncias; surgem, mantêm-se, morrem, transformam-se a partir sempre da ação humana combinada com a realidade em que estão inseridos” (SilVa, 2001, p 94).

Com essa experiência podemos concluir que a es-cola, com toda a sua complexidade, dificuldades e di-nâmica, é um espaço de encontro entre pessoas que juntas podem desenvolver um projeto de formação ou de intervenção para compreender o cotidiano da escola. É possível também a realização da formação dos educadores, uma formação in loco, que vem da própria experiência de vida daqueles educadores, ex-periência esta muito rica e muitas vezes desprezada pelas administrações do sistema, mais preocupadas com a realização de seus programas de governo do que com o que ocorre nas escolas. as histórias de vida surgem como uma possibilidade real de forma-ção, pois, como vimos, quando é dada ao professor a oportunidade de pensar sua prática a partir de sua história de vida, ele muda sua prática e muda sua his-tória. outro ponto a ser destacado a partir desta ex-periência é que a escola pode se tornar não só um

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Nhoque JR. Núcleo de estudos e pesquisa: um espaço de formação continuada São Paulo • Science in Health • 2010 mai-ago; 1(2): 143-50

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ponto de VistaFoRMação e CapaCitação na ÁRea da saúde

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espaço onde se ensina, mas também e principalmente, um espaço onde se aprende. Numa escola onde as pessoas têm oportunidade de serem sujeitos, estes

sujeitos constroem conhecimentos, aprendem e fa-zem histórias.

RefeRências

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HoSPiTaliDaDe, um NorTeaDor Para o TuriSmÓlogo Que aCreDiTa Na iNCluSÃo SoCial.

HOsPITALITY , A GuIDE TO THE TRAVEL PROfEssIOnAL WHO BELIEVEs In THE sOCIAL InCLusIOn

Carla Merlotti * Catia Ferdinando Costa **

** Professora na universidade Cidade de São Paulo - uNiCiD e Serviço Nacional de aprendizagem Comenrcial - SeNaC/Campos do Jordão** Centro universitário anhanguera de São Paulo - Brigadeiro

Resumo

Este trabalho evidencia que a prática do turismo necessita de recursos humanos´ devidamente qualificados, de pes-soas atuantes que sintam significado em suas ações, que tenham a Hospitalidade como um norteador e a Inclusão Social um ato verdadeiramente humanizado. As políticas públicas, às quais cabe responder às demandas da socie-dade, devem priorizar a formação dos profissionais de Turismo para uma ação que resgate o direito de todos a essa atividade, à convivência com outras culturas, à busca de lugares saudáveis onde se sintam bem e incluídos, como membros participantes da sociedade. Com base na matriz maussiana (MAUSS 2001) do dar-receber-retribuir, ou seja, uma hospitalidade que envolva altruísmo e beneficência possibilitando ao Turismo Social passar do proclamado para o real, acredita-se ser possível propiciar esta qualificação ao futuro profissional de turismo.

PalavRas-chave: Turismo social • Inclusão social • Hospitali-dade • Políticas públicas.

aBsTRacT

This work exposes that tourism practices demand “human resources” qualified properly and they recquire productive people who search for meaning in their activities and pos-sess Hospitality as a guideline and Social Inclusion as a truly humanized act. Public policies must satisfy society require-ments and they shall lead tourism professional instruction into an action that recovers everyone’s right of practicing this activity, of living together with other cultures, of se-arching healthy places where they may feel better and also included as participant members of society. Based on (MAUSS 2001) theory of giving-receiving-repaying, that is, a hospitality that implies altruism and charity, it will enable Social Tourism transformation from proclamation into re-ality likewise making possible that qualification to tourism professional.

Key woRds: Social tourism • Social inclusion • Hospitality • Public policies.

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Não vos esqueçais da hospitalidade, pela qual alguns, sem o saberem, hospedaram anjos. Hebreus 13,2

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TuRIsMoo turismo, como atividade de lazer, de recreação,

de conhecimento (cultural), já possui seu lugar de des-taque na sociedade atual, faz parte da vida das pesso-as, no seu período de férias, nos feriados prolongados ou nos finais de semana, ao realizarem algum tipo de deslocamento. em viagens locais, regionais, nacionais ou internacionais, marítimas, aéreas ou terrestres, verão ou inverno, os cidadãos, que dispõem das con-dições necessárias para realizar tais deslocamentos, apropriaram-se do turismo como recompensa pela labuta anual.

Para definir turismo, é preciso considerar alguns itens como: deslocamento de um ponto a outro, sem-pre pensando no retorno ao local de origem; razão que leva o indivíduo a empreender uma viagem por lazer, prazer, descanso, negócios, saúde, religião, sau-dades, educação, aventuras no mar, na montanha, na neve, no ar.* a motivação é um dos três elementos que impulsiona ou favorece o indivíduo a sair em via-gem; os outros são vontade e dinheiro. a ausência de um desses elementos inibe esse tipo de desloca-mento.

a Declaração de manila** (aCereNZa,2002) dis-põe no artigo 23 que o desenvolvimento social, cul-tural e econômico da humanidade deveria levar em consideração atividades recreativas, afinal isso faz parte da vida moderna, e coloca que o turismo, por possuir/ser este elemento – recreacional, – deveria ter mais atenção das autoridades competentes, pois, tal atividade se origina na participação da população com suas viagens de férias, ou outro motivo qualquer que possibilite os deslocamentos e isso reflete, ou de-veria refletir, na “expansão ordenada de turismo em harmonia com as demais necessidades fundamentais das sociedades” (aCereNZa, 2002, p. 339).

a mesma Declaração, adotada pela organização mundial de Turismo, explicita, no artigo 11, os efei-tos benéficos sobre a saúde física e psíquica de quem pratica o turismo. Ele pode ser encarado como um fator de equilíbrio social e isso resulta numa melhoria da capacidade de bem-estar individual coletivo. No artigo 12 deixa claro que o turismo constitui um

* Poderia citar o tempo de permanência, mais de 24 horas = turismo, me-nos de 24 horas = excursionismo, mas recairia num dos pontos técnicos das definições, válido para fins estatísticos. e turismo é mais do que isto!** Documento resultante da Conferência mundial de Turismo, celebrada em manila (Filipinas), de 27 de setembro a 10 de outubro de 1980.

elemento positivo no progresso social em todos os países onde é praticado por conta da geração de em-pregos diretos e indiretos por ele originados. O tu-rismo aparece no artigo 13 como um fator positivo e permanente de conhecimento e compreensão mútua, base de respeito e confiança entre todos os povos do mundo (aCereNZa, 2002).

a omT*** destaca que, além dos aspectos inter-nos de cada povo, como raça, etnia, cultura, antro-pologia e costumes, estabelecem-se relações com outros povos, cuja vinculação é a atividade turística**** (moNTeJaNo, 1996, p.92). e a Declaração de mani-la complementa, ao anunciar, no artigo 16, a tentativa mundial de estabelecer uma nova ordem econômica internacional por meio do turismo. este, em condi-ções apropriadas, pode ser um modo de auxiliar no equilíbrio, na cooperação, na compreensão mútua e na solidariedade***** entre os povos. (aCereNZa, 2002, p.337).

os aspectos sócio-espirituais do turismo são des-tacados pala Declaração de manila no artigo 21o quan-do explicita que na prática do turismo os elementos espirituais devem prevalecer aos aspectos técnicos e materiais e evidencia tais elementos:

a realização plena do ser humano; uma contribui-ção cada vez maior à educação; a igualdade de des-tino dos povos; a liberação do homem, respeitando sua identidade e dignidade; a afirmação da originali-dade das culturas e o respeito ao patrimônio moral dos povos. (aCereNZa, 2002, p.338)

o turismo, além de desenvolver valores espiritu-ais, restaura a personalidade e a dignidade humana. o fenômeno turístico ramifica-se pelas mais diversas áreas, trabalha o espírito e o corpo do indivíduo, re-cuperando-o para retomar seus afazeres cotidianos. O turismo coloca o homem em contato com outros e o prepara para reencontrar a si mesmo, reencon-trar o outro ou simplesmente encontrar-se.

o turismo não é apenas uma forma de evasão ou distração para romper com a monotonia do cotidiano ou uma maneira de dar vida ao gosto por aventuras. Como diz montejano (1996), é um fator de solidarie-dade do homem para com o homem e com o univer-

*** a omT e a oNu escolheram o ano de 1967 como o ano inter-nacional do Turismo, sob o lema: “o turismo, passaporte para a paz”. (aCereNZa, 2002)**** Tradução livre.***** grifo nosso.

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so, pelas possibilidades de contatos e hospitalidade que promove.

o turismo pode ser de massa (ou da maioria), eli-te (ou seletivo ou das minorias), social ou popular, de acordo com as diferentes formas que pode adotar na sociedade . Nosso enfoque recai sobre a “forma” adotada: o turismo social.

A HosPITALIdAdeNa mitologia grega, Zeus era o deus protetor da-

queles que vinham de fora, os estrangeiros. o espíri-to hospitaleiro se desenvolveu na grécia antiga com a crescente movimentação de pessoas que viajavam de uma localidade a outra, em busca de respostas nos oráculos de Delfos e Dodona.* a hospitalidade era um ato de honra empregado com qualquer estran-geiro, o que significava, dar de beber, de comer (isto representava o sal, na época mercadoria de valor) e lavar os pés dos estrangeiros mesmo antes de per-guntar o nome e o motivo da viagem. Para (laSHleY e morriSoN, 2004), “as pessoas que comeram sal conjunto não brigariam entre si”. existiam cidadãos para exercer tal função, os Proxenos (em roma, am-phytrion, daí anfitrião: aquele que recebe, que hospe-da) (CuNHa, 1996, p.62).

a hospitalidade surgiu com o acolhimento a pes-soas que necessitavam de abrigo. Para o hospedeiro, o “calor humano”, proveniente da presença do foras-teiro, era a resposta ao seu gesto. Para o povo grego, representante dessa hospitalidade, era uma obrigação permeada de rituais: abrir sua moradia e receber o forasteiro, dar-lhe de beber e de comer, para depois questionar quem, era, e de onde e para onde se di-rigia.

Para Peyer (apud FlaNDriN e moNTaNari, 1998), nas culturas ditas primitivas, o estrangeiro, an-tes tratado com hostilidade por não pertencer àquele grupo social, chegando mesmo a ser morto, passou a ser bem recebido, por lhe atribuírem “forças mágicas” (p. 437), por vezes, tomado por deus. Nesse período os estrangeiros eram mercadores e mensageiros, o que lhes facilitava o contato com outros grupos. a

* Delfos era dedicado ao deus grego apollo e foi o primeiro centro reli-gioso do mundo helênico de que se tem notícia; já Dodona era dedicada ao deus Zeus. este último conhecido por proteger os estrangeiros, poderia, portanto ser considerado o Deus da Hospitalidade, se é que podemos fazer tal afirmação, afinal Héstia , sua irmã, era a Deusa dos laços familiares. Simbolizada pelo fogo da lareira, o que significava também hospitalidade, sentir-se em casa.

hospitalidade primitiva criava um elo bastante forte, a ponto de o anfitrião tomar partido do hóspede ao abraçar suas causas, o que lhe permitia tornar-se seu herdeiro, caso viesse a falecer sob seus cuidados, ou seja, na residência “acolhedora”.

Hospitalidade tem sentido amplo, abrangendo di-versos espaços e situações. o simples ato de com-partilhar água e sal estabelecia nas sociedades tradi-cionais uma ligação mística e a hospitalidade pode ser vista como uma comunhão. Companheiro, originária da união de palavras latinas com + pane, significa o amigo com o qual se divide o pão.

Para lashley e morrison (2004), hospitalidade pode ser considerada como “um conjunto de com-portamentos originários da própria base da socieda-de” (p.5), para a qual a partilha e a troca dos frutos do trabalho, aliadas à mutualidade e à reciprocidade, constituem a essência da organização coletiva e do senso de comunidade. Para os autores “a hospitalida-de envolve (...) altruísmo e beneficência” (p. 5). a au-têntica hospitalidade nos faz sentir verdadeiramente queridos e bem-vindos, não apenas por que pagamos a conta (p.18).

Para Derrida (2003), a hospitalidade, no seu senti-do macro e absoluto, estabelece que a casa deve ser aberta e oferecida ao estrangeiro, sem nome, sem fa-mília, sem status, é como se devêssemos ceder lugar a esse outro, mesmo que não haja reciprocidade. essa hospitalidade absoluta rompe com a hospitalidade de direito, é como se houvesse um pacto silencioso, onde cada qual, hospedeiro e hóspede tem conheci-mento de seus limites, direitos e deveres.

a hospitalidade é uma lei não escrita, que foi in-trojetada por aqueles que dela fazem uso, no entanto, passível de ser aprendida e transmitida.

Camargo (2004) fala de uma nostalgia da hospita-lidade, “a nostalgia de uma inocência perdida” (p.30). Para ele, a expectativa de resgate do calor humano resulta em uma ética especial, a ética da hospitalida-de** (p. 31).

o mecanismo da dádiva, o “dar-receber-retribuir” analisado por mauss (2001) em ensaio sobre a Dá-diva, perde-se no tempo. Para Camargo (2007) não há mais espaço para desenvolver o sistema de trocas humanas baseadas na hospitalidade absoluta, quando

** Camargo elenca esta ética como algo importante a ser trabalhado nos cursos de lazer, turismo e hospitalidade. Ética deveria ser trabalhada em todos os demais cursos!

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entram em cena os negócios, o dinheiro; este rompe com um vínculo humano genuíno, e já não há espaço para relações altruístas.

Esta “inocência perdida” e a falta de calor humano ocorrem por conta das rápidas transformações pe-las quais os seres humanos estão passando? estamos prontos para tantas mudanças, em tão pouco tempo? Não há como recuperar ou restabelecer a “inocên-cia perdida”? estará ela realmente perdida ou apenas oculta? Talvez a falta de tolerância, a presença de hos-tilidades, a exclusão e a inexistência de calor humano sejam resultados dessas mutações globais; é a con-cretude da lei causa e efeito!... criada pelo próprio Homem... este tornou-se lobo de si mesmo (Car-Neiro, 2001, p.223).

Carneiro, um dos membros da Comissão interna-cional sobre a educação para o século XXi, acredita que do homo homini lupus pode nascer o homo homini amicus, ou seja, o homem amigo do homem. Para res-tabelecer esse “elo perdido” com a hospitalidade - para não mais colidir com seu antônimo, a hostilidade a educação poderia ser uma solução plausível. Para o autor a educação sempre foi uma tarefa social:

a formação da personalidade madura resulta tan-to do fortalecimento da autonomia pessoal como da construção de uma alteridade solidária, ou seja, do processo de descoberta do outro como atitude moral. a humanização concebida como crescimento interior do indivíduo encontra seu pleno desenvolvi-mento no ponto onde se encontram de modo perma-nente os caminhos da liberdade e da responsabilidade. os sistemas educativos são fontes, simultaneamente, de capital humano (...), capital cultural (...) e capital social... (p. 233).

O autor é consciente da difícil tarefa que isso pode ser. No entanto, cita a “formação para a justi-ça” (p.233) para reforçar essa eterna busca e também para que seja possível uma coesão social por meio da educação, fator imprescindível numa sociedade cada vez mais complexa, multicultural e multirracial onde a intolerância faz-se presente cotidianamente.

outro membro da Comissão internacional da uNeSCo, geremek (2001, p.228), também ressalta a necessidade de respeitar a dignidade do ser humano e criar laços sociais, em nome da solidariedade. isto recai, segundo o autor, sobre um dos quatro pilares

da educação: “aprender a ser”. a educação não deve visar apenas a crianças e adolescentes, mas também aos adultos.

Segundo Kornhauser (2001), também membro da Comissão internacional, é imperativa uma nova pers-pectiva em relação ao desenvolvimento humano sus-tentável, ou seja, entender o progresso obtido pela melhoria de qualidade de toda e qualquer atividade humana. Para a autora, a educação é o cimento da construção que possibilita a integração de conheci-mentos e de valores e isso possibilita uma sociedade mais humana que enxergue a “responsabilidade em relação ao meio ambiente local, nacional e mundial e avivar o entusiasmo que deve animar a vontade de viver juntos” (p. 236).

assim, a hospitalidade não é apenas bem receber, mas retribuir e dar, sem pensar no que virá em troca, receber de coração aberto e retribuir pelo simples ato de retribuir, como ocorria nas mais remotas e primitivas sociedades.

É preciso ultrapassar o olhar de consumo, ir além, e isso significa considerar o outro como semelhante, como uma possível experiência de contato positiva, exercitar a sensibilidade, questionar os valores éticos e pensar em responsabilidade social.

Para ramos (2003), o homem é visto, pela “‘in-dústria da hospitalidade”, apenas como consumidor de um serviço, e por essa razão o atende melhor, não leva em consideração as relações humanas mas sim as comerciais. Para a autora, num mundo no qual as barreiras do tempo foram rompidas e as pessoas circulam sem considerarem mais as fronteiras; num mundo que se diz globalizado, a hospitalidade não pode ser reduzida a um mero serviço prestado por uma indústria.

Segundo ramos (2003), é urgente trabalhar não apenas as questões técnicas para atender o merca-do global, mas principalmente as questões ligadas à dignidade, ao desenvolvimento humano e à vida em sociedade. É imprescindível a preservação do pouco da hospitalidade que ainda há e, caso não reste mais nada, que seja recriada*.* “Desde sua criação, a uNeSCo direciona esforços políticos, sociais e tecnológicos para superar a lacuna que divide o mundo entre ricos e pobres, reafirmando uma enorme desigualdade social. o desenho de po-líticas públicas, a realização de avaliações e pesquisas, o intercâmbio de informações, a capacitação de indivíduos, instituições e comunidades, as parcerias com as comunidades acadêmico-científicas e os projetos de co-operação técnica são os meios para colocar em prática os seus objetivos, entre eles, o de desenvolver ações que contribuam para o combate à

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Nos cursos de Turismo e Hotelaria, os aspectos técnicos não devem se sobrepor aos humanos. Será a hospitalidade uma questão cultural? Pode ser “en-sinada”? De acordo com Hoebel (s.d.), a cultura é “a soma total, integrada, das características de compor-tamento aprendido que são manifestadas nos mem-bros de uma sociedade e compartilhadas por todos” (s.d.,p.208).

assim, se o desejo é colaborar para a formação de sujeitos que pertençam a uma sociedade baseada nos valores humanos e éticos, que leve em consideração o outro com suas especificidades e diferenças, a hos-pitalidade é passível (e imprescindível) de ser traba-lhada em sala de aula com os universitários e futuros bachareis em turismo.

INCLusão soCIAL e TuRIsMo soCIALgeremeck (2001) afirma que a exclusão aparece

na mitologia, em livros sagrados, e é objeto de análi-se da antropologia cultural e da história social, tanto no passado como nos dias de hoje. o autor explica que exclusão não é uma invenção deste ou do século passado, mas vem acompanhando a história da huma-nidade, a partir de Caim.*

Segundo o autor, a exclusão tornou-se um con-ceito corrente, tanto nas ciências humanas como na linguagem política, a partir dos anos 60 na europa e estados unidos, e um problema para a sociedade, tal-vez, por conta de sua dimensão seja algo desconhe-cido ou ainda, “que a necessidade de coesão social tornou o fenômeno ainda mais dramático” (p. 230).

martins (1997) entende que “exclusão, de fato, sociologicamente, não existe [antes], é aquilo que constitui o conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão precária e instável, marginal” (p.26). o autor denomina a exclusão de

pobreza e à desigualdade social. a pobreza é entendida como um fenô-meno amplo que se refere à estrutura de bem-estar e de participação no cotidiano social e engloba diversos elementos – não somente relaciona-dos à falta de recursos – como a desigualdade na distribuição de renda, a vulnerabilidade, a exclusão social, a violência, a discriminação, a ausência de dignidade, etc.” ações como as desenvolvidas por este órgão e outros a ele associados são também exemplos de hospitalidade (www.unesco.org.com).* referência ao primeiro filho de adão e eva. Segundo a Bíblia, Caim e seu irmão mais novo abel fizeram oferendas a Deus, e este olhou com agrado as ofertas do mais novo e não olhou para o primogênito. isto causou sua ira que, desejando ser querido a Deus, matou seu irmão. Foi expulso do Éden pelo Senhor: “Que fizeste! eis que a voz do sangue do teu irmão clama por mim desde a terra. De ora em diante, serás maldito e expulso da terra, que abriu sua boca para beber de tua mão o sangue do teu irmão.”(gên 4, 10-11)

deus-demônio, pois a usavam e ainda usam, como se fosse capaz de explicar as mazelas sociais; para o au-tor houve uma fetichização da ideia de exclusão. Para ele o discurso corrente sobre exclusão resultou em um produto equivocado, uma fetichização conceitual da exclusão (p.27), como se a palavra tivesse o poder mágico de transformar e explicar tudo.

Para martins (1997), a exclusão advém com a so-ciedade capitalista, cuja lógica é “desenraizar” e ex-cluir todos para incluí-los novamente segundo a sua própria lógica, ou seja, a lógica do mercado, do movi-mento, da circulação: “tudo tem de ser sinônimo ou equivalente de riqueza que circula, de mercadoria” (p.30). a sociedade capitalista precisava dos campo-neses desenraizados e excluídos para trabalhar como operários assalariados**, movimentando o mercado. uns aceitaram e se acomodaram à nova lógica, outros decidiram tentar uma nova vida em outros países.

Os camponeses expulsos do campo eram rapida-mente absorvidos pelas indústrias. assim, o tempo entre sua exclusão e reinclusão na produção e no mercado não era importante. Hoje não é mais assim, o tempo de excluído se prolonga e se instala, tornan-do-se um modo de vida, como afirma martins (1997), “o período da passagem do momento da exclusão para o momento da inclusão está se transformando num modo de vida, está se tornando mais do que um período transitório” (p.33).

este espaço de tempo faz com que o sujeito crie formas de se sentir incluído, pelo menos no que con-cerne às questões financeiras, como nas favelas, onde ocorre intensa circulação de dinheiro. Como sublinha martins (1997), não há reintegração social plena ba-seada nos valores morais, éticos, familiares que julga-mos normais, saudáveis e legais.

Desse modo, gera-se um sujeito, de acordo com martins (1997), privado de emprego, de meios para participar do mercado de consumo, de bem-estar, direito, liberdade e esperança. e privar alguém de es-perança – daquilo que acredita ser possível, da reali-zação de um desejo, da espera de algo bom, de fé, é destituí-lo do direito de sonhar, de viver e sobreviver. É privá-lo dos direitos humanos compreendidos pela Declaração universal dos Direitos Humanos (1948).

** o assalariado não pode escapar-me se passa as montanhas para me fu-gir, encontra-me do outro lado dos montes; atravessa os mares, espero-o na margem onde desembarca. o assalariado é meu prisioneiro e a terra a sua prisão (laFargue, 1983, p.94)

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Pode o turismo contribuir para que a população sobrante* não mais se sinta privada de bem-estar? a atividade turística pode restituir a esperança dessas pessoas?

Para Silva (2003), “a educação busca sempre trans-formar uma dada realidade e só pode atuar em edu-cação aquele que acredita na possibilidade de o ser humano mudar” (p.39).

esta fala diz respeito à educação comunitária, mas pode muito bem ser adequada àqueles que ensinam, partilham e estudam o turismo, ou seja, levar aos es-tudantes dos cursos de graduação em turismo essa verdade de acreditar no que se faz e na possibilidade de que podemos, ou pelo menos tentamos, transfor-mar, mudar para melhor o ser humano, suas ações e a sua realidade.

a formação da mentalidade crítica possibilita ao educando assimilar e refletir sobre o que ocorre à sua volta. É bom que o magistério tome consciência de que está em suas mãos a possibilidade da melhoria de educação e da própria sociedade.

Seria uma maneira de fazer uso da hospitalidade, ao pensar na possibilidade de fazer algo de bom por alguém, de trazer a sensação de bem-estar, de espe-rança; quem sabe estaríamos, de alguma forma, den-tro dos limites da atividade turística, incluindo-o. a inclusão pode ser associada à hospitalidade, ou seja, a inclusão social pode ser uma forma de hospitalidade na medida em que penso no outro.

esta inclusão é possível por meio do Turismo So-cial, uma das classificações atribuídas à atividade tu-rística. incluir é aceitar o outro, respeitar sua singu-laridade, envolvê-lo num grupo a fim de que juntos possam chegar ao sujeito coletivo, tendo por objetivo o bem-estar de todos.

É relevante a convivência com ideias, objetivos e saberes diferentes, para que haja crescimento, apri-moramento e construção do conhecimento. Transfe-rindo esse raciocínio para o universo escolar, nota-se o modo como o educador percebe o educando, seu comportamento e aprendizagem afeta a relação entre ambos.

Para ripoll (2003), atualmente preconiza-se uma forma de turismo para a classe trabalhadora, estudan-tes, jovens e idosos de baixa renda. Nesse sentido, o turismo social é uma espécie de corretor das insufi-ciências no desenvolvimento normal dos valores da * Termo utilizado por martins (1997, p. 34).

pessoa, pelo que está estreitamente unido à denomi-nada questão social** (p. 28). este tipo de turismo é direcionado, por conta da sua natureza, a auxiliar na melhoria da situação de pessoas limitadas economica-mente que geralmente não desfrutam da possibilidade de viajar ou tirar férias fora de casa, mesmo depois de um ano de trabalho (2003).

De acordo com Haulot (1997), ex-comissário ge-ral do BiTS (Bureau internacional du Turismo Social), o turismo social pode intervir de modo regulador nos aspectos econômicos e compensatórios por repre-sentar o acesso ao turismo, de uma clientela massiva (quanto ao seu tamanho, à quantidade de pessoas) com pouca capacidade de gasto individual. “Portanto, os transportes, a pequena e média hotelaria poderão encontrar nessas massas a compensação e a redução dos recursos tradicionais”.*** (p.124).

Para o autor, o Turismo Social representa a úni-ca oportunidade oferecida a milhares de cidadãos de aprender a conhecer e estimular outros povos **** (p.124).

Haulot (1997) defende o uso do tempo livre como o elemento reparador para devolver ao trabalhador o equilíbrio físico, nervoso e psicológico, e assim reco-meçar tudo outra vez, o que manteria um equilíbrio dos termos trabalho-ócio.

ao turismo social não interessa apenas o homo lu-dens em si mesmo, mas o homem completo, o qual deve ser preparado para que o tempo livre que se amplia não seja uma evasão, mas uma oportunidade de realização, de tomada de consciência, um conteú-do mais rico e valorizado, gerador de dignidade e de felicidade. o que o turismo deve proporcionar não é precisamente um lugar encantado privado de todo contato com a vida diária, mas um meio de desenvol-vimento para que o homem regresse à vida cotidia-na com mais forças, mais cultura, mais inteligência; em poucas palavras, com mais capacidade e melho-res meios para influir no cotidiano e transformá-lo. (HauloT, 1997). ainda com o mesmo autor:

Não é mediante a evasão fora da sociedade que o trabalhador e o jovem devem esperar encontrar a salvação. É na vontade de corrigir esta sociedade,

** grifo nosso.*** los transportes, la pequeña y mediana hotelaria, las ramas turísticas conexas podrán encontrar en esta masa la compensacíon a la redución de sus recursos tradicionales. Tradução livre.**** a conocer y a estimular a los otros pueblos. Tradução livre.

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de dar a ela medida, um conteúdo de respeito ao ser humano. o turismo pode alimentar esta vonta-de, dar-lhe força, e assim continuar a: liberar, não alienar!”(p.131) *.

Haulot (1997) insiste na busca de algo melhor –

que o turismo pode proporcionar - medido não em dinheiro, mas em felicidade, bem-estar e dignidade. Para o autor, a indústria turística não ganhará apenas em termos econômicos, ao se voltar para essa forma de turismo, o social, mas se privilegiará de participar da alegria de viver (p.139).

Trata-se de atuar de tal modo que o turismo se revele a todos como uma ocasião privilegiada de mú-tuo descobrimento e conhecimento; como uma esco-la de solidariedade entre visitantes e visitados; como um lugar de pensamento e recreação onde se afirma o destino comum do qual, em nosso planeta, participa a vida consciente da espécie.

sIGNIFICAdo dA PedAGoGIA do suJeITo CoLeTIVoPara Sacristán (2002), o ser humano é por natu-

reza inclinado a estabelecer relações com outras pes-soas, pois encontra nestas “uma referência inevitável para apoiar sua ‘incompletude’ original [...] existimos coexistindo” (p.103).

Para o autor, cultura e sociabilidade não podem ser dissociadas, pois a primeira como origem de sig-nificados acerca de tudo o que vemos, fazemos e desejamos, influi nas relações sociais e se reflete na forma como se percebe o outro, que sentido é dado a este, como agimos ou como nos comunicamos com ele. a introjeção dos valores aprendidos se manifes-ta em atos e ações, quer conosco ou com os que nos rodeiam. Para o autor, cultura e sociabilidade são os responsáveis por manter o sujeito conectado ao mundo dos homens.

os significados atribuídos pelo homem a tudo que vê, pensa ou faz são desenvolvidos ao longo da vida; ao atribuir significado a alguém ou a alguma coisa, o homem mostra-se um ser cultural e social.

Herskovits (1963) considera muito adequada a de-finição de cultura de e. B. Taylor (1874): “um conjun-

* Tradução livre do texto original. No es mediante la evasión fuera de la sociedad como el trabajador y el jovem deben esperar encontrar la sal-vación. es en la voluntad de corregir a esta sociedad, de darle su medida, un contenido respetuoso del ser humano. El turismo puede alimentar a esta voluntad, darle fuerza, si la consigna contínua siendo: ¡ liberar, no alienar !

to complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costumes e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade” (p. 33). e acrescenta que tradição e civili-zação são sinônimos, e cultura é a parte do ambiente feito pelo homem (p. 33), e ainda, é aprendida e per-mite ao homem se adaptar ao seu ambiente natural que é variável e se manifesta de diferentes modos.

a cultura acumulada é transmitida entre mem-bros de um mesmo grupo e dessa maneira se per-petua – seja na sua forma original ou modificada – é compartilhada e convivida com os outros grupos. a cultura e os seus aspectos são aprendidos e apreendi-dos no transcurso da vida e desse modo vivenciados socialmente. (marCoNi e PreSoTTo, 1992). Cul-tura, segundo as autoras, permite classificações, as-sim cultura ideal ** é entendida como um conjunto de comportamentos que verbalmente são considerados como bons para o grupo, no entanto nem sempre são praticados.

o homem, como uma totalidade privada e solitá-ria, é como se não existisse; por ser um ser relacional, necessita dos demais para se desenvolver, fortalecer-se, conviver, viver bem e sentir-se civilizado.

De acordo com Silva (2006) a visão de mundo, ou seja, a forma de compreender a realidade constrói-se num processo contínuo mediante as trocas cotidia-nas, por vezes imperceptíveis quando estabelecidas com as pessoas. assim, as observações resultantes dessas ‘trocas’ influenciam os julgamentos elaborados sobre si mesmo, sobre os outros e sobre a própria realidade.

Sacristán (2002) entende a sociabilidade como um processo constante de formação que possibilita a abertura de novos horizontes, proporcionando no-vos conhecimentos, contatos e relações.

o mesmo autor afirma não ser possível compre-ender a relação entre as pessoas sem a presença da cultura, pois o ser humano é “ser cultural e social em tudo o que faz, pensa e quer” (p. 106). e lembra que a sociabilidade não é fácil de ser ‘governada’, mas existem meios que disponibilizam ‘instrumentos’ para facilitar a compreensão das relações sociais e sua re-levância: a educação baseada na civilidade, na ética, na prevalência de valores humanos é o caminho (Sa-CriSTÁN, 2002).

** as classificações da cultura são: material, imaterial, real e ideal. (in: marCoNi e PreSoTTo, 1992).

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Destarte, a cultura, ao propiciar os laços de inter-dependência entre sujeitos, fornece condições neces-sárias para o desenvolvimento da sociabilidade e pode ser entendida como um vínculo social que permite às pessoas aproximarem-se para compartilhar as “re-presentações do mundo, os traços culturais em geral e os modos de comunicação, formando um genérico ‘nós cultural’” (SaCriSTÁN, 2002, p.100).

a Pedagogia do Sujeito Coletivo* vem ao encontro dessa fala de Sacristán ao preconizar o entrosamento e agrupamento de pessoas que se reconhecem como participantes de um mesmo “nós - ético” e vai além, quando sistematiza uma pedagogia da formação desse sujeito.

Para Silva (2006), entende-se por sujeito coletivo um grupo de pessoas com uma identidade comum, ou seja, possuidoras de um juízo comum sobre determi-nada realidade, o que as une.

Para o autor, o sujeito coletivo, ao criar e manter sua identidade se torna uma possibilidade ao poder existente, pois se constitui sujeito político, ou seja, fortalecido pela força do grupo pode lutar por mu-danças sociais.

o mesmo autor (2006) afirma que a história é fei-ta com sujeitos coletivos concretos. Para ele a incor-poração da subjetividade, da pessoalidade (p.92), ou seja, dos elementos que constituem a cultura, é o que possibilita um real contato com a dinâmica da história humana, que por sua vez é feita por seres humanos concretos “e não por abstratos conjuntos derivados de um entendimento dedutivo da sociedade” (p.92).

Pensar nesse sujeito com um objetivo comum é acreditar que isso venha contribuir para formação de profissionais de turismo, sujeitos de suas práticas, capazes de desenvolver ações com significado e, as-sim, compreender, vivenciar, difundir e propagar uma hospitalidade baseada nos valores humanos, em rela-ções sustentadas pela cooperação, amor e amizade (ToDoroV**, SaCriSTÁN, 2002) o contraponto das relações contratuais. É uma maneira de vivificar e re-qualificar a hospitalidade de mauss.

os sujeitos, de um modo geral, respondem às

* Cf. SilVa, Jair militão da. a autonomia na escola pública – a re-human-ização da escola. 9ª. ed. Campinas: Papirus, 2006.** Tzvetan Todorov, em sua obra a Conquista da américa: a questão do outro (marstins Fontes,1983), pesquisou a alteridade, existente na rela-ção entre os indivíduos pertencentes a grupos distintos, obra que reflete a experiência vivida pelo autor, imigrante búlgaro na França, país marcado pelo xenofobismo .

condições culturais instauradas pela sociedade, Sa-cristán (2002) exemplifica: numa sociedade violenta, a violência se manifestará em seus indivíduos; numa sociedade competitiva, as relações estabelecidas en-tre os cidadãos serão competitivas e numa sociedade solidária os cidadãos responderão de modo coopera-tivo aos ideais reinantes.

Silva (2006) ressalta que toda pessoa é dotada de dignidade intrínseca – a dignidade humana- e por sua vez possui direitos inalienáveis, que ele chama de di-reitos humanos.

a educação pode favorecer aos indivíduos de uma sociedade, dando modos de exercer a sociabilidade baseada num modelo de vida cuja cultura seja conce-bida em formas dignas de viver e conviver. uma vez que “a educação tem por missão [...] levar as pessoas a tomar consciência das semelhanças e da interde-pendência entre todos os seres humanos do planeta” (DelorS, 1999, p.97).

a educação baseada nos valores humanos pode ser a resposta ao questionamento feito por Todo-rov** (SaCriSTÁN, 2002) e Niskier (2006) quando refletem a respeito dos sujeitos que se quer formar para o sociedade do futuro.

Niskier (2006) menciona a ética em suas falas acerca da educação. Baseando-se nas palavras de ruy martins altenfelder Silva, relembra ser a ética, indiscutivelmente, “o bem mais importante – e o mais rentável – de uma sociedade” (p. 75) e explica que se todos fossem éticos sobrariam recursos.

Tudo isso remete a um dos Quatro Pilares da educação: aprender a viver junto, aprender a viver com outros (DelorS, 1999). Quando se aprende a conhecer a si mesmo, melhor será para conhecer e entender o outro que partilha o mesmo espaço ou não. Para Delors (1999), a educação tem quatro pilares: aprender a conhecer: para desenvolver suas capacidades, o aluno precisa aprender a pesquisar e saber que “o processo de aprendizagem do conheci-mento nunca está acabado e pode enriquecer-se com qualquer experiência” (p.92); aprender a fazer: pôr em prática os seus conhecimentos, as competências que o tornem apto a enfrentar situações e a traba-lhar em equipe; aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros: desenvolver a compreensão do outro e a percepção da interdependência, respeito pelas ideias e valores diferenciados e busca da paz. “a educação tem por missão transmitir conhecimen-

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tos sobre a diversidade da espécie humana e levar as pessoas a tomarem consciência das semelhanças e da interdependência entre os seres humanos” (p.97), e aprender a ser: a educação deve contribuir para o de-senvolvimento total da pessoa, a ser sujeito, cidadão, usar a sua liberdade de pensamento e escolha, ser responsável e utilizar seu saber experiencial para dar sentido à sua vida.

a cultura ideal que poderia dominar nos círculos sociais e nortear as políticas públicas educacionais e sociais deve ser baseada na ética da convivência, na qual a dignidade como elemento indispensável com-poria o quadro de regras, bem como a hospitalidade, o respeito e valorização do outro. Para a efetivação da política de inclusão educacional é necessário que os profissionais de educação mudem de atitude, re-pensem sua prática, sua maneira de ver o mundo, a pessoa, seus valores, enxerguem o outro como um ser de relações, capaz de aprender, de mudar e trans-formar. a organização escolar também precisa mudar sua estrutura e cultura.

Silva (2006) nos lembra que o homem é pessoa, constituída de corpo e alma, com capacidade de co-nhecer, decidir e responsabilizar-se. No entanto, tais potencialidades não se dão de forma espontânea nem automática (p.82), faz-se necessário um trabalho de humanização para que aflorarem tais qualidades. Cabe, em parte, a nós educadores realizar esse traba-lho de humanização, pois, como fala o mesmo autor, ambiente primeiro e fundamental para que isso acon-teça é a família.

a preocupação com a qualidade e, portanto, com a humanização da educação é histórica, como já ha-via proclamado Teixeira (2002): “Tal escola mudará e transformar-se-á como muda e se transforma toda atividade humana baseada no conhecimento e no sa-ber” (p.104).

entretanto, o individualismo e a síndrome de po-der são marcantes nas relações humanas. os dias atu-ais são difíceis para o educador. a profissão docente e o próprio educador deparam-se com um processo de desvalorização e perda de identidade, pois, “[...] na medida em que a produção de novos conhecimentos tende a se impor como um fim em si mesmo e um im-perativo social indiscutível [...] as atividades de forma-ção e de educação parecem passar progressivamente para o segundo plano” (TarDiF, 2002, p.34).

embora muitos educadores busquem orientar e

influenciar positivamente seus educandos, ajudá-los a tornarem-se sujeitos participantes da sociedade, las-timam-se por acreditar que os educandos, hoje, são ‘impermeáveis’ às ações docentes (SilVa, 2003,p.65). a partir desse sentimento alguns “abandonam” os educandos à própria sorte, outros excluem os que se fazem notar através das dificuldades.

Tal situação pode ser revertida pela própria edu-cação. Com a descoberta de si mesmo e do outro pelo conhecimento, saber, construção de si mesmo como sujeito, o educando terá “visão ajustada do mundo [...] e poderá pôr-se no lugar dos outros e compreender suas reações. Desenvolver uma atitude de empatia, na escola, muito útil para (seus) compor-tamentos sociais ao longo de toda a sua vida” (De-lorS, 1999, p.98).

Cabe à educação fornecer os mapas de um mun-do complexo em constante transformação (DelorS, 1999), e aos educadores, àqueles que ‘enxergam’ sig-nificado em suas ações, serem as bússolas para orien-tar os educandos a navegar pelos mares calmos e/ou tempestuosos que a vida apresenta. e nessa viagem a atitude de empatia deve ser desenvolvida e introje-tada tanto nos ‘guias’ como nos ‘viajantes’ para que se sintam sujeitos partilhando com outros o mesmo ideal e perpetuem, como uma tradição, sua memória por meio de feitos que repercutam seus valores hu-manos resgatados.

CoNsIdeRAções FINAIsacredita-se que um desenvolvimento econômico

não se concretize se não houver ‘recursos humanos’ devidamente qualificados para que isso se torne legíti-mo. Pessoas que enxerguem significado no aprender a conhecer (a si mesmo e o outro), no aprender a fazer (saber-fazer para si mesmo, para o outro, junto ao outro), no aprender a viver junto, aprender a vi-ver com ou outros (desenvolver atitude de empatia, descobrir o outro e aceitá-lo) e aprender a ser (de-senvolver a personalidade, agir com autonomia, ter discernimento e responsabilidade perante si mesmo, e os outros).

a atividade turística nacional precisa de pessoas atuantes que sintam significado em suas ações, que te-nham a Hospitalidade como um norteador e a inclu-são Social um ato verdadeiramente humanizado, com base na tríplice obrigação de ‘dar-receber-retribuir’, ou seja, uma hospitalidade que envolva altruísmo e

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beneficência possibilitando ao Turismo Social passar do proclamado ao concretizado.

Nesta pesquisa segue-se a escola da hospitalidade francesa que se baseia na matriz maussiana do dar-receber-retribuir.

Segundo Haulot (1997), a formação para o turis-mo deve ser parte integrante do programa escolar em todos os níveis e figurar no centro de todas as or-ganizações livres dedicadas à educação da população. aprender a ler o livro da beleza do mundo, aprender a viver a alegria das férias, aprender a enriquecer o coração e o espírito mediante o contato com o dife-rente é fundamentalmente abrir ao homem os cami-nhos de uma percepção mais real de suas oportunida-des, e à sociedade as vias para uma solidariedade mais real. a tudo isso o turismo pode contribuir, mais que mercantilmente, se considerar o valor permanente do desenvolvimento humano.

É preciso pensar a Hospitalidade como dádiva. Para godbout (1999), a dádiva tem memória, contrariando a natureza fugaz do mercado, que conserva apenas o preço e a memória do vínculo entre as coisas e não com as pessoas. Segundo o autor, a dádiva tem como propriedades conservar vestígios de relacionamen-tos anteriores, “para além da transação imediata” (p. 197), e suas ‘regras’ são opostas às da troca mercan-til. a dádiva enriquece os vínculos criados e possui sempre um algo a mais: é o valor do vínculo que é o valor do tempo e que escapa ao cálculo. ao dizer dá-diva diz-se gratuidade e generosidade, termos (quase) esquecidos na sociedade atual.

De acordo com Silva (1998), a conscientização de que somos, todos, semelhantes uns aos outros, brasi-leiros, sul-americanos, cidadãos do mundo e perten-centes à raça humana, proporciona um critério para se pensar as políticas públicas: “a inclusão de todos os

interessados; o levar em conta todos os envolvidos, não somente os que têm poder de reivindicar” (p. 197).

“uma escola para todos é possível, mas precisa ter projeto [...], ser cidadã. as mudanças que vêm de dentro das escolas são mais duradouras” (gaDoTTi, 2000, p. 9). o educador tem condições de construir o conhecimento e um bom relacionamento com seus educandos, propiciando permanência e inclusão na escola. apesar das dificuldades, pode viver intensamente sua vocação, colaborar na humanização da escola, conquistar e ajudar o educando a se constituir cidadão participante.

“Se a educação é, ao mesmo tempo, um processo de contínua mudança e um lugar de encontro entre pessoas” (SilVa, 2006, p.108), a situação relacional entre educador e educando pode ser re-significada, pois como seres em movimento, abertos ao conheci-mento e ao saber, podemos transformar-nos, crescer e aprimorar-nos, o que levará ao encontro educador, educando e à inclusão “relacional” e escolar efetiva.

Se os sistemas educativos são fontes de capital hu-mano, cultural e social (CarNeiro, 2001, p. 233), acredita-se a Pedagogia do Sujeito Coletivo em cur-sos de turismo - técnicos ou bacharelados - nos quais trabalho dos alunos seja o resgate da Hospitalidade, desde o seu entendimento até sua possível aplicação nos diversos e diferentes setores compreendidos pela atividade turística, para que se possa fortalecer e alcançar o crescimento desejado pelo governo com o desenvolvimento capaz de beneficiar a todos. Quan-do todos os envolvidos estão bem, se sentem reco-nhecidos e valorizados e são tratados com dignidade, respondem à sociedade da mesma forma, de acordo com a lei da causa e efeito.

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“QuaNDo NaSCe um FilHo, NaSCe uma mÃe”“aSPeCToS amBieNTaiS, HormoNaiS e NeuraiS Que leVam ao ProNTo

iNÍCio e À maNuTeNÇÃo Do ComPorTameNTo maTerNal”

“WHEn A CHILD Is BORn, A MOTHER Is BORn”“EnVIROnMEnTAL, HORMOnAL AnD nEuRAL AsPECTs THAT LEAD TO InITIATIOn

AnD MAInTEnAnCE Of MATERnAL BEHAVIOR”

Marcia Harumi sukikarasandra Regina Mota-ortiz *

* laboratório de Neurociência. Núcleo de Pesquisa em Neurociência (NuPeN). universidade Cidade de São Paulo – uNiCiD

Resumo

O comportamento maternal, uma das categorias dos com-portamentos parentais exibido pelas fêmeas, consiste em cuidar de um indivíduo neonato e imaturo da mesma espé-cie, até que este atinja uma maturidade capaz de garantir a sua sobrevivência. Esse comportamento consiste em cuida-dos diretos (p.ex. amamentação) e indiretos (p.ex. constru-ção de ninho) apresentados pela fêmea para viabilizar a so-brevivência do neonato. À medida que este se desenvolve e se torna independente, a expressão do comportamento maternal das fêmeas diminui. A eclosão e manutenção do comportamento maternal são controladas pela interação de fatores ambientais, bioquímicos, hormonais e neurais. Esta revisão tem por objetivo descrever a regulação hor-monal na iniciação e na manutenção do comportamento maternal e o papel da circuitaria neural responsável pela regulação motivacional desse comportamento.

PalavRas chave: Comportamento materno.

aBsTRacT

Survival of a newborn relies on the mother and her ability to provide food, warmth and protection from predators and conspecifics. In this context, we use a definition of ma-ternal behavior, which refers to behaviors displayed during the very first days immediately before and after parturition that are preparatory to the arrival of the young (nest buil-ding) or are in response to the young (nursing). The aim of this review is to describe the hormonal factors that regulate the onset of maternal behavior and the neural circuits, whi-ch specifically regulate maternal motivation.

Key woRds: Maternal behavior

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em 1859, Charles Darwin propôs que os huma-nos, assim como toda e qualquer outra espécie ani-mal, evoluíram através de um processo gradual, irre-fletido e não intencional, denominado seleção natural. moralmente neutra, a seleção natural escolhe e avalia de antemão as probabilidades de vida; o resultado in-voluntário desse processo é a evolução, definida hoje como a mudança em frequências genéticas ao longo do tempo.

em todo meio ambiente, segundo Darwin, os organismos defrontam-se com desafios à sua sobre-vivência, seja termorregulação, busca por alimento, confronto com predadores ou territorialidade. Para as fêmeas, esses problemas convertem-se em obstá-culos para manter viva a sua prole. os indivíduos mais bem adaptados ao seu meio ambiente sobrevivem e reproduzem-se, transmitindo os atributos que pos-suem às futuras gerações. os perdedores na luta da sobrevivência morrem antes de ter uma oportunida-de para procriar, ou produzem menos filhos. Por fim, sua linhagem extingue-se.

Dessa forma, conclui-se que o teste final da com-petência genética de um animal é o número de des-cendentes que sobrevivem até a idade reprodutiva. assim, como o processo de seleção natural favorece os animais reprodutivamente competentes, também favorece aqueles que cuidam adequadamente de seus filhotes.

Define-se comportamento parental como o con-junto de cuidados que um indivíduo adulto de uma determinada espécie investe em um indivíduo neo-nato e imaturo da mesma espécie, até que este atinja uma maturidade capaz de garantir a sua sobrevivência (Numan1, 1994). Dentro dos comportamentos paren-tais, inclui-se o comportamento maternal e, também, o comportamento paternal, exercido por machos de algumas espécies de roedores.

Filogeneticamente, o comportamento maternal pode ser primeiramente observado em peixes tele-ósteos. No entanto, a complexidade e a diversidade desse comportamento são observadas em seus graus máximos em aves e, especialmente, em mamíferos, nos quais é possível quantificar e qualificar os parâ-metros comportamentais desempenhados pela fêmea lactante.

interessantemente, 90% das espécies de pássaros dividem o cuidado da prole entre fêmeas e machos,

caracterizando com isso um comportamento bipa-rental; enquanto 90% das espécies de mamíferos são consideradas uniparentais, pois cabe a fêmea o cuida-do com a prole.

Segundo lonstein et al.2 (2003), a dramática transi-ção na resposta materna que ocorre entre o acasala-mento e o aleitamento é uma das mais marcantes mo-dificações comportamentais que ocorre em animais adultos. muitos são os trabalhos que, utilizando a observação de fêmeas lactantes de diversas espécies, procuraram descrever e discutir essas modificações, na tentativa de explicar de que forma o nascimento de um filho desencadeia imediatamente o nascimento de uma mãe. a maioria desses estudos envolveu roe-dores; poucos descreveram as bases neurais e endó-crinas do comportamento maternal em primatas.

O comportamento maternal de ratas consiste em cuidados diretos, tais como busca e agrupamen-to, amamentação e limpeza dos filhotes, e indiretos, como agressividade e construção do ninho, apresen-tados pela fêmea para viabilizar a sobrevivência do neonato. À medida que este se desenvolve e se torna independente, a expressão do comportamento ma-ternal das fêmeas diminui. assim, está bem estabele-cido que os parâmetros característicos do comporta-mento maternal de ratas, como por exemplo, busca dos filhotes, agrupamento dos mesmos e permanên-cia da rata sobre a ninhada em postura apropriada à amamentação, são mais intensos na primeira semana após o nascimento da prole do que nas semanas se-guintes, quando os filhotes vão se desenvolvendo e adquirindo habilidades para assegurar sua própria so-brevivência (Numan et al.1 1994).

a eclosão e a manutenção do comportamento maternal são controladas pela interação de fatores ambientais, bioquímicos, hormonais e neurais (Nu-man1 1994). mudanças hormonais que ocorrem no fi-nal da gestação e durante a lactação, como a alteração dos níveis de estrógeno, progesterona, prolactina e ocitocina, são necessárias para a eclosão e manuten-ção do comportamento (Numan1 1994; Sanyal3 1978; Shaikh4 1971; Thorbourn e Challis5 1979), enquanto os sítios neurais mobilizados são responsáveis pela sua expressão.

Estímulos ambientais que induzem e mantêm o com-portamento maternal

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as fêmeas de roedores iniciam o cuidado maternal assim que os filhotes nascem. Parte desse efeito se dá pelas alterações hormonais pré-natais, mas a passa-gem dos filhotes pelo canal vaginal também é capaz de estimular o comportamento maternal: a disten-são artificial do canal vaginal em fêmeas não grávidas estimulam o comportamento maternal, enquanto a deaferentação retarda o seu aparecimento (graber e Kristal6 1977; Yeo e Keverne7 1986).

Dentre as modalidades sensórias mais importantes para o início do comportamento maternal em roedo-res estão o olfato e a sensação somática. Contudo, outras modalidades sensoriais estão envolvidas nesse controle, como por exemplo: a vocalização ultrassô-nica emitida pelos filhotes sinalizando frio ou fome e estímulos táteis envolvendo o uso da boca na maioria das respostas maternais como, a busca e o agrupa-mento dos filhotes. Segundo Stern8,9 1989a e 1989b, as informações somatossensoriais recebidas pela re-gião perioral enquanto a mãe cheira ou movimenta os filhotes exercem um importante papel na iniciação de vários comportamentos maternais, como agrupamen-to e limpeza dos filhotes, construção e reparo dos ninhos, ataque e mordida contra intrusos.

a resposta tátil dos filhotes sobre a superfície ven-tral da mãe também é importante. Quando a região ao redor da boca dos filhotes é anestesiada de tal forma que não possam se acomodar sob o ventre da mãe, ela não apresentará a postura de cifose fisiológi-ca, que é necessária para amamentá-los. Contudo, ela recuperará os filhotes e irá lambê-los.

Controle hormonal do comportamento maternalComo acabamos de observar, os hormônios não

são essenciais para a ativação das respostas envolvi-das no comportamento maternal, apenas a exposição aos filhotes garantirá esse comportamento. Contudo, muitos aspectos do comportamento maternal são fa-cilitados pelos hormônios; como o comportamento de construção do ninho que é facilitado pela proges-terona durante a gestação e pela prolactina após o parto.

uma queda brusca de progesterona plasmática e aumento nos níveis séricos de estrógeno e prolactina (Figura 1) são essenciais para que ocorra o pronto iní-cio do comportamento maternal, concomitantemen-te ao nascimento dos filhotes (Numan1 1994). moltz

et al.10 (1970) demonstraram a indução do compor-tamento maternal em ratas ovariectomizadas, após tratamento com estrógeno, seguido de aplicações de progesterona e prolactina. Dentro de 48 horas de exposição aos filhotes, essas fêmeas, submetidas ao tratamento hormonal completo, expressaram res-postas comportamentais envolvidas no cuidado com a prole, como a construção do ninho, busca e agru-pamento, limpeza, manter-se em postura apropriada sobre os filhotes e mantê-los aquecidos, enquanto fêmeas que receberam só dois dos três hormônios, não apresentaram o comportamento maternal com a mesma prontidão, indicando, portanto que a alte-ração do perfil hormonal (progesterona, estrógeno e prolactina) no final da gestação é fundamental para a eclosão do comportamento maternal.

outros hormônios lactogênicos produzidos pela placenta também podem estimular o comportamento maternal.

Controle neural do Comportamento MaternalProgesterona, estradiol e prolactina interagem

com diversos sítios neurais envolvidos na modula-ção do comportamento maternal, sendo que a área pré-óptica medial, região do prosencéfalo que exerce papel crítico sobre o comportamento sexual mas-culino, parece ter um papel crucial na expressão e manutenção das respostas maternais (Bridges et al.11 1985; Bridges et al.12 1990; Bridges e Freemark13 1995; Numan1 1994; Numan et al.14 1977). Numan et al.14 (1977) demonstraram que um implante de estradiol na área pré-óptica medial reduz as latências para o

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Figura 1: Níveis plasmáticos de progesterona, estradiol e prolactina em ratas prenhes. (Fonte: advances in the Study of Behavior 1979; 10. p 225-311)

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comportamento maternal, podendo interferir no au-mento da motivação para o comportamento e faci-litando o controle motor a ele associado. Em outro estudo, os mesmos autores relatam que lesões nessa área em ratas primíparas interrompem todos os pa-râmetros do comportamento, ou seja, a busca dos filhotes, construção do ninho e a amamentação (Nu-man et al.14 1977).

Corroborando, neurônios da área pré-óptica me-dial apresentam receptores de estrógeno, proges-terona, prolactina e ocitocina (Simerly et al.15 1990, Kremarik et al.16 1995, Numan et al.17 1990, Bakowska e Morrell18 2003) e a expressão do comportamento maternal induz a um aumento na atividade neuronal (identificada pelo aumento na expressão da proteí-na Fos) desse sítio neural, observada principalmente quando as fêmeas estão em contato com os filhotes, uma vez que a retirada destes induz a um decréscimo na expressão da proteína Fos nesse sítio neural. adi-cionalmente, giordano et al.19 (1989) demonstraram que a concentração de receptores de estradiol na área pré-óptica medial aumenta durante a gravidez e parece refletir o efeito indutor produzido pela sequ-ência de hormônios que ocorre durante a gestação. Portanto, a área pré-óptica medial pode ser modula-da tanto pela informação hormonal quanto pela in-formação sensorial, ambas críticas para a eclosão e manutenção do comportamento maternal.

Dessa forma, podemos assumir que em termos etológicos a área pré-óptica medial desempenha um papel fundamental tanto na fase apetitiva (agrupamen-to dos filhotes) quanto na fase consumatória (ama-mentação) do comportamento maternal.

a área pré-óptica medial pode atuar modulando a fase consumatória do comportamento maternal atra-vés de uma projeção para um setor particular do me-sencéfalo, a coluna ventrolateral da matéria cinzenta periaquedutal. Esse sítio neural parece ter um papel importante na integração sensoriomotora durante a amamentação, uma vez que recebe importante infor-mação sensorial proveniente da sucção dos mamilos pelos filhotes e modula a postura de cifose fisiológica que consiste no arqueamento do dorso para a ama-mentação (lonstein e Stern20 1997).

Por outro lado, a projeção da área pré-óptica me-dial para outro sítio neural no mesencéfalo, a área tegmental ventral, parece ter um papel crítico na mo-dulação dos aspectos apetitivos do comportamento

maternal, caracterizados pelas respostas voluntárias desencadeadas pela lactante, principalmente o agru-pamento dos filhotes. a área tegmental ventral pos-sui diversas projeções ascendentes e descendentes (Fallon e moore21 1978, Beckstead et al.22 1979, Simon et al.23 1979), sendo que algumas dessas projeções ascendentes alcançam o estriado, particularmente a porção ventral. Visto que as estruturas estriatais fa-zem parte do sistema motor extrapiramidal, que têm influências sobre os mecanismos corticais e prosen-cefálicos da função motora, a projeção área pré-óp-tica medial – área tegmental ventral ganha acesso ao sistema motor e promove processos relacionados ao comportamento maternal, cujo principal neurotrans-missor envolvido é a dopamina (Conrad e Pfaff24 1976, Swanson et al.25 1984, Young et al.26 1984, Haber et al.27 1985; Numan et al.28 2005). a interrupção da via dopaminérgica oriunda da área tegmental ventral para a porção ventral do estriado, em especial o núcleo accumbens, induz a uma drástica queda nas respostas voluntárias do comportamento, sobretudo o agrupa-mento dos filhotes (Hansen et al.29 1991). Segundo Numan et al.28 (2005), a interação da dopamina com receptores dopaminérgicos do tipo D1 no núcleo ac-cunbens é essencial para a expressão das respostas voluntárias do comportamento maternal.

substâncias moduladoras do comportamento mater-nal

além dos hormônios mencionados anteriormen-te, outras substâncias podem estimular ou inibir o comportamento maternal e os efeitos observados, podem ser devidos aos seus papeis na modulação dos sistemas noradrenérgicos, dopaminérgicos e seroto-ninérgicos que estão envolvidos no comportamento maternal. Por exemplo, a destruição dos neurônios noradrenérgicos dos bulbos olfatórios de rato, atra-vés da injeção de uma neurotoxina seletiva, 6-hidro-xi-dopamina, inibe o comportamento maternal (Di-ckinson e Keverne30 1988), o mesmo ocorre com a administração de cocaína, uma droga que bloqueia a reabsorção de dopamina (Zimmerberg e gray31 1992). a administração de paraclorofenilalanina, uma droga que inibe a síntese de serotonina, aumenta o infanticídio pós-parto, enquanto lesões neurotóxicas do núcleo da rafe causam uma ruptura temporária no comportamento maternal, indicando um possível papel da serotonina nesse comportamento (Numan1

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1994). Dentre as várias substâncias moduladoras do com-

portamento maternal, os opioides e as anfetaminas são tidos como potentes inibidores desse compor-tamento. Dessa forma, Slamberová et al.32 (2001) de-monstraram que o tratamento com morfina é capaz

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Certamente o desafio de engravidar e de garantir a sobrevivência da prole induz alterações persisten-tes no cérebro materno, capazes de interferir com as emoções, memória, aprendizado e de explicar a faci-lidade com a qual as mães executam múltiplas tarefas simultâneas (Figura 2). Todas as mães mantêm um equilíbrio entre os meios de sobrevivência e reprodu-ção. Para os mamíferos, esse balanceamento da sub-sistência e reprodução durante o período pós-parto é fundamental, pois exige uma grande capacidade de adaptação e versatilidade. assim, uma estratégia bem sucedida para a manutenção de certas espécies pode depender da seleção da resposta comportamental de maior valor adaptativo (Felicio e Canteras34 2008).

Figura 2: Todas as mães equilibram trocas entre subsis-tência e reprodução. Hrdy35, 2001 (Fotógrafo desconhecido)

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ProPoSTa De um CoNJuNTo De iNDiCaDoreS De QualiDaDePara uma FarmÁCia HoSPiTalar

Ameliana de Paula silotti *

* monografia apresentada a Faculdade uNa, como requisito para obtenção do título de mBa em estratégias na Área da Saúde com ênfase em Serviços de Saúde. orientador (a): João auad.

analista do setor de compras de materiais médicos e medicamentos para unimed BH. Farmacêutica responsável Técnica pela unimed BH. graduada em Farmácia pelo Centro universitário Newton Paiva , Pós-graduação em Farmácia Hospitalar e Serviços de Saúde pela universidade estadual montes Cla-ros - uNimoNTeS, mBa em Negócios da Área da Saúde com ênfase em marketing em Saúde, mBa em estratégias em Saúde com ênfase em Qualidade para assistência pelo Centro universitário uNa, mestranda da Faculdade de medicina da universidade Federal de minas gerais - uFmg.

Resumo

1 – Introdução: A qualidade da Assistência Farmacêutica pode ser acompanhada, mensurada e avaliada por meio de medidas de desempenho. Para se montar um projeto de avaliação, é necessário primeiramente que alguns pontos estejam fundamentados. São eles: planejamento, organiza-ção, coordenação/direção, onde as necessidades e os dese-jos são levantados e posteriormente atendidos através de programas e serviços. Este trabalho visa avaliar a proposta de diversos autores e propor um conjunto de indicadores para uma farmácia hospitalar. 2 – Objetivos: Analisar a pro-posta de diversos autores a fim de propor um conjunto de indicadores para uma farmácia hospitalar. 3 – Metodologia: Foi feita uma revisão bibliográfica qualitativa e quantitativa selecionando as publicações disponíveis nas bases Medline, Lilacs e Scielo com data superior ao ano de 2000. Foram considerados, ainda, três artigos, sendo um do ano de 1990, 1992 e outro do ano de 1999, pois as informações contidas foram fundamentais para maiores esclarecimentos e forma-ção de opinião. Foram analisados 52 artigos entre revistas de circulação, monografias, livros científicos e artigos ele-trônicos e destes foram selecionados apenas 20 que tinham importância direta sobre o assunto proposto. Os critérios para inclusão: artigos que mencionem quais os critérios de qualidade que são avaliados e quais os indicadores de qualidades para Farmácia Hospitalar que são mensurados. Após seleção dos artigos iniciou-se a fase exploratória de revisão da literatura. Foram separados os artigos por data e se iniciou a leitura e compreensão dos mesmos. 4 – Re-sultados: De acordo com o levantamento bibliográfico feito, foram divididos os indicadores em grupos dentro de um setor de Farmácia Hospitalar e classificados de acordo com sua necessidade e risco/benefício. Os Indicadores foram di-vididos em grupos de: Prescrição, Dispensação, Comissão de Farmácia e Terapêutica, Armazenamento, Informações Farmacoterapêuticas e Farmacovigilância. 5 – Conclusões: Pôde-se perceber que a construção de indicadores para uma farmácia hospitalar é um tema em desenvolvimento por ser muito específico e que a subjetividade para cons-trução de indicadores é, além dos recursos financeiros, uma complexidade. Logo, não se tem um modelo-padrão para criação de indicadores para uma Farmácia Hospitalar, o que há são sugestões e alguns conceitos para que cada institui-ção faça-o da maneira que julgar importante.

PalavRas-chave: Indicadores de Qualidade em assistência à Saúde • Serviço de Farmácia Hospitalar

aBsTRacT

1 - Introduction: The quality of pharmaceutical care can be monitored, measured and evaluated using performance measures. To build a project evaluation, you must first few points that are substantiated. They are: planning, organiza-tion, coordination / direction, where the needs and desi-res are raised and subsequently served through programs and services. This study aims to evaluate the proposal of several authors and propose a set of indicators for a hos-pital pharmacy. 2 - Objectives: To analyze the proposal of several authors in order to propose a set of indicators for a hospital pharmacy. 3 - Methodology: We performed a literature review qualitative and quantitative selecting the publications available in the Medline, Lilacs and Scielo to date than the year 2000. It is also considered three articles and one of 1990, 1992 and another in 1999, because the information was essential for further clarification and opi-nion formation. We analyzed 52 articles from magazines, monographs, scientific books and electronic items, these were selected only 20 items that had direct relevance on the topic proposed. Inclusion criteria: articles that mention that the quality criteria that are evaluated and what qua-lity indicators for hospital pharmacy are measured. After selection of articles began exploratory review of the lite-rature. Separated the items by date and began to read and understand them. 4 - Results: According to the literature done, we divided the indicators into groups within a sector of Pharmacy and ranked them according to your needs and risk / benefit. The indicators were divided into groups: pres-cription, dispensation, Commission of Pharmacy and The-rapeutics, Storage, Information and pharmacotherapeutic and Pharmacovigilance. 5 - Conclusions: It can be seen that the construction of indicators for a hospital pharmacy is a theme developed by being very specific, and that subjec-tivity to construct indicators is beyond the resources of a complexity. Therefore, there is no one standard model for development of indicators for a hospital pharmacy, which have are some suggestions and concepts for each institution to apply it the way it sees fit.

Key woRds: Quality Indicators, Health Care Service • Hos-pital Pharmacy

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1 - INTRoduçãoa implantação de um Sistema de gestão da Quali-

dade é requerida pelo mercado, uma vez que um dos principais fatores de desempenho de uma organiza-ção é a qualidade de seus produtos e/ou serviços. as medidas de desempenho ajudam a avaliar a eficácia dos protocolos clínicos implantados, a efetividade da execução dos processos e apresentam oportunidades de melhoria quando são comparados com referen-ciais externos (benchmark) ou do próprio serviço.

o surgimento de indicadores principiou com a necessidade de registrar os resultados, satisfatórios ou insatisfatórios. através dos indicadores pode-se conhecer a realidade da instituição e, a partir daí, es-tabelecer metas e planejar as estratégias.

a qualidade da assistência Farmacêutica pode ser acompanhada, mensurada e avaliada por meio de me-didas de desempenho. Para se montar um projeto de avaliação, é necessário primeiramente que alguns pontos estejam fundamentados. São eles: planejamen-to, organização, coordenação/direção, nos quais as necessidades e os desejos são levantados e posterior-mente atendidos através de programas e serviços.

este trabalho visa avaliar a proposta de diversos autores e apresentar um conjunto de indicadores para uma farmácia hospitalar.

2 – obJeTIVosanalisar a proposta de diversos autores a fim de

apresentar um conjunto de indicadores para uma far-mácia hospitalar.

Conceituar indicadoresavaliar a proposta de autores diversos e selecionar

dentre as propostas dos diversos autores um conjun-to de indicadores para uma farmácia hospitalar.

3 - MeTodoLoGIAFoi feita uma revisão bibliográfica qualitativa e

quantitativa selecionando as publicações disponíveis nas bases medline, lilacs e Scielo com data superior ao ano de 2000. Foram consideradas, ainda três arti-gos sendo um do ano de 1990, 1992 e outro do ano de 1999, pois as informações contidas foram funda-mentais para maiores esclarecimentos e formação de opinião.

Para a localização dos artigos, foram usados os se-guintes descritores de assunto da Biblioteca Virtual em Saúde BVS/Bireme: indicadores de Qualidade,

Farmácia Hospitalar e avaliação em Saúde.Foram analisados 52 artigos entre revistas de cir-

culação, monografias, livros científicos e artigos ele-trônicos e destes foram selecionados apenas 20 ar-tigos que tinham importância direta sobre o assunto proposto. os critérios para seleção foram:

para inclusão: artigos que mencionem quais os cri-térios de qualidade que são avalia-dos e quais os indicadores de quali-dades para Farmácia Hospitalar que são mensurados.

para exclusão: artigos que objetivam a avaliação de indicadores em outros setores diferentes de Farmácia Hospitalar.

Dentre a seleção, os artigos apresentavam seme-lhança no que diz respeito aos critérios de avaliação da qualidade e dentre estes critérios as propostas de indicadores de qualidade para uma farmácia hospitalar tinham grande proximidade.

Buscou-se refinar a importância em se ter quali-dade e como fazê-la. Pôde-se observar o comporta-mento da instituições em saúde no que interessa o tratamento ao cliente e como isso tornou-se sinô-nimo de qualidade. após seleção dos artigos iniciou-se a fase exploratória de revisão da literatura. Foram separados os artigos por data e se iniciou a leitura e compreensão dos mesmos. em cada artigo foram fei-tas observações importantes no que se refere à cons-trução de indicadores para uma Farmácia Hospitalar.

4 - ResuLTAdosPara se criarem indicadores, o primeiro passo é

definir o que se deseja mensurar de forma quantitati-va. Não há regras de como fazê-los, o que os grandes autores sugerem é um modelo para criá-los. além disso, os indicadores podem permitir uma compara-ção entre outras instituições identificando os riscos e trocando informações em busca do processo de melhoria.

De acordo com o levantamento bibliográfico feito, os indicadores foram divididos em grupos dentro de um setor de Farmácia Hospitalar e classificados de acordo com sua necessidade e risco/benefício. esta divisão segue abaixo:

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A. Prescriçãoos indicadores de Prescrição permitem conhecer

as práticas terapêuticas correntes, comparar parâme-tros entre instituições similares e descrever as neces-sidades de medicamentos da população atendida. eles podem ser:

• média de medicamentos por prescrição mé-dica - objetiva medir o grau de polimedicação do paciente, visto ser este um dos fatores de interações medicamentosas e reações adversas. Permite observar a educação e a informação do prescritor;

• Porcentagem de medicamentos prescritos pelo nome genérico - a prescrição de medicamentos pelo nome genérico propicia o controle dos cus-tos de medicamentos no serviço de saúde, de-vido ao fato de os medicamentos de referência geralmente serem mais onerosos;

• Porcentagem de medicamentos prescritos da lis-ta de medicamentos essenciais - além do fator de controle dos custos, a lista de medicamentos essenciais tem por objetivo garantir o tratamen-to para as principais patologias da população. Dessa forma, este indicador possibilita verificar o grau de adequação das prescrições à padroni-zação de medicamentos;

• Porcentagem de antibióticos prescritos - o prin-cipal problema relacionado à prescrição exces-siva e inapropriada de antibióticos é o desen-volvimento de resistência bacteriana, que pode acarretar graves consequências ao paciente;

• Percentagem de medicamentos prescritos não padronizados para avaliar a racionalidade das prescrições

• Percentagem de medicamentos prescritos que apresentam interação medicamentosa a fim de avaliar a polifarmácia e a segurança ao paciente

b. dIsPeNsAção:os indicadores de Dispensação avaliam como a

farmácia hospitalar está se comportando perante a necessidade de um outro setor em se ter um medica-mento ou material. Podemos avaliar:

• Percentagem de erros de dispensação de mat/med para avaliar o risco e a segurança da dis-pensação

• existência de um perfil farmacoterapêutico

acompanhado por uma equipe multidisciplinar• Percentagem de medicamentos não dispensados

por falta na farmácia ou ausência do fornecedor• Números de doses não dispensadas por não

administração da equipe de enfermagem em pa-cientes hospitalizados, avaliando-se o tratamento farmacoterapêutico está sendo realmente assis-tido

C. CoMIssão de FARMáCIA e TeRAPêuTICAa Comissão de Farmácia e Terapêutica é uma jun-

ta deliberativa com a responsabilidade e supervisão de todas as políticas de seleção e utilização de me-dicamentos no Hospital com o intuito de assegurar resultados clínicos ótimos e com risco potencial mí-nimo. Também há a possibilidade de criação de indi-cadores para essa área:

• Funcionamento da Comissão de Farmácia e te-rapêutica, avaliando as atas das reuniões, temas discutidos e a frequência dos encontros.

• Percentagem de aquisição de medicamentos não padronizados no manual de padronização; avaliar custo/benefício

• Percentagem de mat/med excluídos ou substitu-ídos por novas tecnologias

d. ARMAZeNAMeNToConsiste no armazenamento dos materiais e me-

dicamentos de forma segura e sem alterar a sua es-tabilidade. esse local deve ser apropriado fisicamente (estruturas de sustentação segura, não permitir a en-trada de insetos e roedores, ser limpo diariamente, as paredes e piso devem ser laváveis, ventilação e lumi-nosidade adequada ...) e ter seus processos operacio-nais bem definidos. São exemplos de indicadores de armazenamento:

• avaliação da temperatura de armazenamento de materiais e medicamentos e a frequência de registros da mesma, para assegurar que o mat/med está seguro e mantendo-se seus padrões de qualidade.

• avaliação da rastreabilidade para garantir a inte-gridade do paciente ao administrar um fármaco.

• Percentual de medicamentos perdidos (seja por validade, quebra, alteração durante o modo de preparo ...)

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• Percentual de giro de estoque e análise do con-sumo de mat/med estocado há mais de 3 meses.

e. INFoRMAções FARMACoTeRAPêuTICAsas informações Farmacoterapêuticas devem ser

fornecidas pelo farmacêutico, pois apenas este tem conhecimento técnico-científico para fornecê-las.

• Percentual de perguntas atendidas e o tempo médio por cada informação para avaliar a eficácia e eficiência da informação

• Quantidade de fontes e consultas a fontes dispo-níveis para avaliar a segurança da informação

F. FARMACoVIGILâNCIAa Farmacovigilância é importante pois nos permi-

te observar durante a etapa de uso comercial em lar-ga escala, a segurança real do medicamento e, assim, detectar efeitos adversos não previstos nas etapas prévias ao seu lançamento no mercado. a Farma-covigilância requer medicamentos mais seguros no mercado, detectando precocemente reações adver-sas (indesejáveis) conhecidas, mal uso dos mesmos e interações medicamentosas, assim como seus au-mentos de frequência, além de identificar fatores de risco. algumas propostas de indicadores de Farmaco-vigilância são:

• Percentagem de eventos adversos indesejáveis ocorridos e notificados por período.

• Número total de reações adversas a medicamen-

tos supostos ou confirmado dos clientes que re-ceberam tratamento de infusão, durante o perí-odo de notificação estabelecido, subclassificados segundo o tipo e gravidade da reação e a classe de medicamento.

• Percentagem de eventos adversos indesejáveis ocorridos, sem notificação após a administração dos medicamentos.

De acordo a literatura consultada, os indicadores de qualidade acima permitem assegurar um aumento da produtividade, monitoramento da operacionaliza-ção, um nível de comunicação igualitário, aumento da capacidade estratégica, alinhamento organizacional e interação entre as equipes em busca de alcançar sua meta.

5 - CoNCLusãoatravés da pesquisa bibliográfica feita para o de-

senvolvimento deste artigo, pode-se perceber que existem muitos artigos que se propõem a tratar de qualidade, porém poucos mostram ou direcionam como consegui-la.

Pode-se perceber que a construção de indicadores para uma farmácia hospitalar é um tema em desenvol-vimento por ser muito específico e que a subjetivida-de para construção de indicadores é, além dos recur-sos financeiros, uma complexidade. logo, não se tem um modelo-padrão para criação de indicadores para uma Farmácia Hospitalar, o que há são sugestões e alguns conceitos para que cada instituição faça-o da maneira que julgar importante.

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