Post on 03-Dec-2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA
ELABORAÇÃO E APLICAÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA DE ENSINO
SOBRE OS CONCEITOS DE CALOR E TEMPERATURA
FRANCISCO JOSÉLIO RAFAEL
ANDRÉ FERRER P. MARTINS (Orientador)
Dissertação de Mestrado Apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Ciências Naturais e Matemática e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Natal/ 2007.
FRANCISCO JOSÉLIO RAFAEL
ELABORAÇÃO E APLICAÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA DE ENSINO SOBRE OS
CONCEITOS DE CALOR E DE TEMPERATURA
NATAL/RN ABRIL DE 2007
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, sob a orientação do Professor Dr. André Ferrer Pinto Martins.
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN/SISBI/Biblioteca Setorial Mestrado do Centro de Ciências Exatas e da Terra – CCET.
Rafael, Francisco Josélio. Elaboração e aplicação de uma estratégia de ensino sobre os conceitos de calor e de temperatura/ Francisco Josélio Rafael. – Natal, 2007. 70 f.: il. Orientador: André Ferrer Pinto Martins Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Exatas e da Terra. Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática. 1. Física – Ensino – Dissertação. 2. Ensino de Física – Elaboração e aplicação – Dissertação. 3. Estratégia de ensino – Dissertação. 4. Conceitos de calor e de temperatura – Dissertação. I. Martins, André Ferrer Pinto. II. Título. RN/UF/BSE-CCET CDU 51:37
FRANCISCO JOSÉLIO RAFAEL
ELABORAÇÃO E APLICAÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA DE ENSINO SOBRE OS
CONCEITOS DE CALOR E DE TEMPERATURA
Aprovada em: ___/___/______
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________ Prof. Dr. André Ferrer Pinto Martins – Orientador, Universidade Federal do Rio
Grande do Norte – UFRN
_____________________________________________________________ Profª. Dra. Heloísa Flora Brasil Nóbrega Bastos, Examinadora, Universidade Federal
Rural de Pernambuco
______________________________________________________________ Prof. Dr. Marcílio Dias Campos, Examinador, Universidade Federal do Rio Grande do
Norte – UFRN
______________________________________________________________ Prof. Dr. Gilvan Borba, Examinador, Universidade Federal do Rio Grande do Norte –
UFRN
______________________________________________________________ Francisco Josélio Rafael, Mestrando, Universidade Federal do Rio Grande do Norte –
UFRN
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática do Centro de Ciências Exatas e da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática.
AGRADECIMENTOS
Quando chegamos ao final de uma jornada, começamos a pensar sobre todos aqueles
que, de alguma forma, nos ajudaram a ultrapassar os obstáculos e a superar as dificuldades. E
no meu caso, não há de ser diferente. Com todos eles algo aprendi, todos foram meus mestres.
Assim, mais como aluno, agradeço:
A minha esposa, Veras, pela paciência e compreensão.
À minha família, pelo apoio e compreensão, pois sempre estiveram prontos a ajudar em
minha caminhada.
Ao meu orientador, professor André Ferrer Pinto Martins, pela paciência, coerência e
responsabilidade com que conduziu esse trabalho de pesquisa.
Ao professor Francisco Valdomiro de Morais, pelo incentivo e pela confiança que
deposita em mim.
A todos os professores do mestrado, pelos conhecimentos transmitidos.
Aos colegas professores e alunos da 2ª série “E” (2006) do Centro de Educação
Integrada Professor Eliseu Viana, pela colaboração e apoio moral.
Aos meus amigos da Escola Municipal Sindicalista Antonio Inácio, principalmente a
Dona Eudes Maria da Silva Duarte, pela compreensão e ajuda, nos momentos que mais
precisei, “um amigo é como se fosse um outro eu”.
A Adriana, pelo companheirismo e amizade. A Ricardo Magno dos Anjos, uma das maiores inteligências que conheço.
RESUMO
Este trabalho investigou as concepções alternativas apresentadas por alunos do Ensino
Médio, em relação aos conceitos de calor e de temperatura, objetivando a elaboração e
aplicação de uma estratégia de ensino a partir do diagnóstico levantado das concepções
presentes nos estudantes. A estratégia de ensino foi constituída por uma seqüência de
atividades que envolvem História da Ciência e experimentos, inseridas num curso que teve
como base a proposta do Grupo de Reelaboração do Ensino de Física (GREF). Utilizamos
como fio condutor de nosso trabalho de pesquisa o desenvolvimento da Termodinâmica,
desde o desenvolvimento das primeiras máquinas térmicas, passando pela Revolução
Industrial e a evolução dos conceitos de calor e de temperatura. A estratégia de ensino foi
aplicada a uma turma do segundo ano do ensino médio de uma escola pública da cidade de
Mossoró (RN). Procurou-se, com as atividades, tornar os conceitos que fazem parte da
Termodinâmica mais significativos para os alunos. Avaliamos que a aplicação da estratégia
representou ganhos para os estudantes da turma, em termos do aprendizado das leis e
conceitos da Termodinâmica (especificamente dos conceitos de calor e de temperatura), assim
como no que se refere à superação de suas concepções iniciais.
Palavras-chave: Concepções alternativas. calor e temperatura. Termodinâmica. história da
ciência.
ABSTRACT
This piece of work has investigated the alternative conceptions shown by students of secondary school, concerned to the concepts of warmth and temperature, aiming the elaboration and application of a learning strategy as of the diagnose risen from the conceptions present in students. The learning strategy was built up by a sequence of activities that involve History of Science and experiments, put in a course that had as a base the proposal of the Group of Redevelopment of Physics Teaching (GREF). We have used as the conductor wire of our research the development of thermo dynamics since the development of the first thermo machines, passing by the Industrial Revolution and the evolution of concepts of warmth and temperature. The learning strategy was applied to a group of second grade of secondary school in a public school in Mossoró (RN). By doing these activities we tried to become the concepts, which are part of thermo dynamics, more meaningful to the students. We have estimated that the application of the strategy has represented some profits to the students of the group, concerning to learning of laws and concepts of thermo dynamics (specifically the concepts of warmth and temperature), as well as what it is referred to the overcoming of its initial conceptions.
Key-works: alternative Conceptions, warmth and temperature, thermodynamics, history of science.
SUMÁRIO
1 APRESENTAÇÃO .......................................................................................... 06
2 PRESSUPOSTOS ............................................................................................ 09
2.1 Concepções Alternativas ..................................................................... 09 2.2 História da Ciência e Ensino de Física ................................................. 15
3 HISTÓRIA DA TERMODINÂMICA ............................................................ 19
3.1 Contexto Histórico – A Revolução Industrial ..................................... 19 3.2 Máquinas Térmicas............................................................................... 22 3.3 Evolução dos Conceitos de Calor e de Temperatura............................ 25
4 METODOLOGIA E RESULTADOS ............................................................. 35
4.1 Questionário Diagnóstico .................................................................... 35 4.2 Estratégia de Ensino ............................................................................ 40 4.3 Avaliação Após Aplicação de Estratégia de Ensino ............................ 55
5 CONCLUSÕES ............................................................................................... 65
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 68
APÊNDICES ....................................................................................................... 71
APÊNDICE A - Questionário ..................................................................... 71 APÊNDICE B – Texto: A Revolução Industrial e a Termodinâmica ......... 74
6
1 APRESENTAÇÃO
Nosso trabalho de pesquisa foi desenvolvido junto ao Centro de Educação
Integrada Professor Eliseu Viana, município de Mossoró, RN, com alunos da 2ª série do
Ensino Médio. Trata-se de uma pesquisa de caráter aplicado, voltada à melhoria do ensino de
Física no nível médio, mais especificamente do conteúdo de Termodinâmica. O que nos levou
a trabalhar esse tema foi a freqüência com que as pessoas utilizam, em seu cotidiano, os
conceitos de calor e de temperatura, tendo em vista que a cidade apresenta temperaturas
altíssimas o ano inteiro.
Leia o que escreve um dos jornais da cidade:
Calor cada vez maior em Mossoró Não precisa ser nenhum especialista para saber que a cidade está mais quente. Do meio-dia às 15h, o Centro praticamente fervilha. Além do período de verão que eleva a temperatura consideravelmente, a onda de calor é um reflexo do aquecimento global. Em Mossoró, a temperatura nesse horário varia entre 34ºC a 36ºC na estação meteorológica da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA). Já no Centro da cidade, a temperatura ultrapassa os 40ºC (Janaina Holanda).
No entanto, na maioria das vezes as pessoas utilizam esses conceitos de forma
errada, do ponto de vista do conhecimento científico em vigor. Esse conhecimento do senso
comum em relação aos conceitos de calor e de temperatura chega à sala de aula, tornando-se
muitas vezes obstáculos para que o professor trabalhe a concepção científica vigente em
relação a tais conceitos.
Portanto, por esses conceitos fazerem parte da cultura da cidade de Mossoró,
bem como tendo em vista a importância do estudo da Termodinâmica e,
especificamente, o estudo dos conceitos de calor e de temperatura e as dificuldades em se
conseguir uma aprendizagem significativa e consistente de tais conteúdos, optamos em
trabalhar este tema. Nosso trabalho de pesquisa pretende ser um instrumento facilitador da
aprendizagem de tais conceitos.
Como ponto de partida de nosso estudo, necessitávamos responder a uma
questão:
• Quais as concepções alternativas apresentadas pelos alunos da Segunda Série
“E” do Ensino Médio do Centro de Educação Integrada Professor Eliseu Viana,
em relação aos conceitos de calor e de temperatura?
7
Para responder a esse questionamento elaboramos e aplicamos um
questionário, no âmbito de uma pesquisa diagnóstica. Depois de respondida essa questão,
nossa intenção foi a de elaborar e posteriormente aplicar uma estratégia de ensino na
respectiva turma, tendo como um dos objetivos tornar mais significativo para os alunos o
conhecimento relativo aos conceitos de calor e de temperatura, evitando assim que tais
conteúdos tenham significado apenas na escola, durante as aulas, e não na vida. O respectivo
trabalho de pesquisa pretende ser um instrumento prático, capaz de lidar com as concepções
alternativas dos alunos, objetivando a superação das mesmas através de uma estratégia de
ensino, que possibilite aos educandos refletirem sobre as suas concepções acerca dos
conceitos de calor e temperatura e construírem novas concepções que estejam de acordo com
o modelo científico vigente.
Observamos que, a maior parte dos trabalhos na área tem se direcionado para
a identificação de concepções alternativas e apresentado apenas sugestões de ordem geral para
o ensino. Estes trabalhos têm a sua validade, pois, além de chamarem a atenção para a
problemática, fornecem aos professores exemplos concretos de noções alternativas que podem
ocorrer entre seus alunos. Por outro lado, a área ressente-se da falta de pesquisas direcionadas
especificamente no sentido de como trabalhar essas noções em sala de aula.
A estratégia de ensino elaborada teve como princípio fundamental a
contextualização do conhecimento físico, inserindo elementos do cotidiano do aluno. Além
disso, foram trabalhadas atividades experimentais, bem como atividades que contemplaram
aspectos da história da ciência, buscando atender aos princípios defendidos pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais para o ensino de Física:
Espera-se que o ensino, na escola média, contribua para a formação de uma cultura científica efetiva, que permita ao indivíduo a interpretação dos fatos, fenômenos e processos naturais, situando e dimensionando a interação do ser humano com a natureza como parte da própria natureza em transformação (BRASIL, 2002, p. 229).
Enfim, para que todo o processo de conhecimento possa fazer sentido para os
alunos, é imprescindível que ele seja instaurado através de um diálogo constante entre alunos
e professores. E isso somente será possível se estiverem sendo considerados objetos, coisas e
fenômenos que façam parte do universo do aluno, inclusive as suas concepções alternativas.
Assim, devem ser contempladas sempre estratégias que contribuam para esse diálogo, de
forma a permitir ao aluno construir uma percepção significativa da realidade em que vive. É
importante que a estratégia reforce a necessidade de considerar o mundo em que o aluno está
inserido, não somente através do reconhecimento de seu cotidiano enquanto objeto de estudo,
8
mas também de todas as dimensões culturais, sociais e tecnológicas que podem ser por ele
vivenciadas na cidade ou região em que mora.
Inicialmente, neste trabalho, abordamos a questão das concepções alternativas
e a importância em conhecê-las para que se tenha um ensino efetivo, pois, os alunos chegam à
escola já trazendo em sua bagagem cultural, vários conhecimentos físicos que construíram fora
do espaço escolar, e os utilizam na explicação dos fenômenos ou processos que observam em
seu dia-a-dia. Muitas vezes, constroem até mesmo modelos explicativos consistentes e
diferentes daqueles elaborados pela ciência. Trata-se de um conhecimento essencialmente
pragmático, cujo caráter de validade na esfera cotidiana da vida é sua funcionalidade. No
entanto, não é possível ignorar toda a bagagem conceitual que o aluno traz ao se deparar com
o ensino formal de Física na escola.
Em nosso estudo, demos ênfase especialmente às concepções alternativas dos
alunos sobre os conceitos de calor e de temperatura, analisando a influência dessas
concepções sobre a compreensão dos fenômenos estudados na termodinâmica, procurando
reconhecer aquelas mais freqüentes e reincidentes, argumentando que, além de estarem
diretamente associadas ao senso comum, exigem do aluno um grau de abstração que nem
sempre ele está pronto a oferecer.
Em seguida, fizemos um breve relato sobre a História da Ciência e o ensino de
Física, defendendo que elementos históricos contribuem para o aprendizado e devem estar
presentes na sala de aula. Em função disso, abordamos um pouco da história da
Termodinâmica, apontando a importância do seu estudo e fazendo uma descrição das
primeiras máquinas térmicas, procurando ressaltar as possíveis relações com os conceitos
científicos aceitos no período da Revolução Industrial, bem como, o desenvolvimento dos
conceitos de calor e temperatura ao longo da história do conhecimento.
Finalmente, passamos à descrição da elaboração, aplicação das atividades e
avaliação de nossa estratégia de ensino.
9
2 PRESSUPOSTOS
2.1 Concepções alternativas
Muitos trabalhos de pesquisa têm demonstrado que os modelos que os
indivíduos usam para explicar os fenômenos físicos do cotidiano desenvolvem-se desde a
infância, não sendo originados, portanto, exclusivamente de seu aprendizado escolar. Tais
idéias não se constituem em simples concepções isoladas, mas são estruturas conceituais
elaboradas, que proporcionam ao indivíduo uma compreensão coerente da realidade sob seu
ponto de vista.
As concepções alternativas (VIENNOT, 1979, Apud SILVA, 1995), também
chamadas de erros conceituais, idéias intuitivas, concepções espontâneas, etc., possuem as
seguintes características:
� São encontradas em um grande número de estudantes, de qualquer nível
de escolaridade;
� Cobrem uma vasta gama de conteúdos e têm amplo poder explicativo;
� Diferem, na maior parte das vezes, das idéias expressas através dos
conceitos, leis e teorias que os alunos devem aprender;
� São muito difíceis de serem mudadas e resistem ao ensino de conceitos
que conflitam com elas;
� Interferem no aprendizado da Física, sendo responsáveis, em parte,
pelas dificuldades que os alunos encontram em conteúdos dessa disciplina,
acarretando um baixo rendimento quando comparado com disciplinas de outras
áreas;
� Apresentam semelhanças com esquemas de pensamento encontrados na
evolução de teorias físicas, fornecendo uma forte evidência de que os erros dos
alunos não são simplesmente indícios de ignorância.
As características acima mencionadas não deixam dúvida de que, para haver
um ensino efetivo, não é possível ignorar toda a bagagem conceitual que o aluno traz ao se
deparar com o ensino formal de Física na escola. Como ele já tem uma explicação de “como
as coisas funcionam”, frequentemente não aceita bem a visão da ciência. Pode inclusive obter
a solução correta de problemas que exijam a aplicação direta de equações, demonstrando uma
aparente compreensão do conteúdo (PEDUZZI, 1988), mas, no entanto, quando se depara
com problemas envolvendo situações do dia-a-dia nas quais não são necessários “cálculos”
para a sua solução, responde usando o esquema conceitual alternativo.
10
As concepções alternativas têm sua origem na atividade cotidiana das pessoas,
surgindo na interação espontânea com meio cotidiano e servem, principalmente, para fazer
previsões em relação ao comportamento do meio. Estão, além disso, determinadas quanto ao
seu conteúdo por limitações na capacidade de processamento dos seres humanos. Outro
aspecto característico das concepções alternativas é que se organizam em forma de “teoria-
ação” ou implícitas (DRIVER E ERICKSON, 1983, Apud SILVA, 1995), “teorias pessoais”
(CLAXTON, 1984, Apud SILVA, 1995) ou “teorias causais” (POZO, 1987a, 1987b). Todas
essas denominações referem-se, especificamente a duas características bem marcantes das
concepções alternativas, que são: (i) os conceitos espontâneos não se justapõem uns aos
outros, mas constituem estruturas hierarquizadas de conceitos, ainda que geralmente
implícitas ou não conscientes; e (ii) tais estruturas cognitivas possuem uma função
explicativa. Em conseqüência de sua origem na atividade espontânea e sua organização em
teorias, tais conceitos resultam muito resistentes à mudança, persistindo mesmo após uma
longa instrução científica. Em geral, não são abandonados pela simples exposição aos
conceitos científicos corretos.
Mas a superação de tais concepções exige que os alunos se conscientizem de
suas próprias concepções alternativas e que as mesmas sejam analisadas e discutidas em sala
de aula; para isso, pode se fazer uso de experiências de laboratório, tanto em nível qualitativo
quanto quantitativo (CLEMENTE, 1982, Apud SILVA, 1995), fazer apresentações de
exemplos e contra exemplos, fazer uso também da resolução de problemas (não na forma
como normalmente são propostos nas tradicionais listas de problemas, como simples
exercícios de aplicação da teoria, mas como um meio através do qual o aluno possa discutir
mais a situação física envolvida e seus possíveis modelos alternativos (PEDUZZI, 1988)),
utilizar da discussão de aspectos ligados à História da Ciência como forma de estabelecer um
paralelismo entre algumas concepções alternativas dos alunos e importantes idéias mantidas
no passado e também para o aluno perceber a evolução de conceitos e o desenvolvimento de
teorias (GILBERT E ZYLBERSZTAJN, 1985). É interessante que o modelo científico e o
alternativo sejam comparados quanto ao seu poder explicativo e suas limitações e que esse
modelo científico seja aplicado em situações conhecidas e novas.
Alguns pesquisadores, tomando por base que a aprendizagem é um processo
que envolve compreender e aceitar idéias que sejam inteligíveis e racionais, postularam quatro
condições necessárias a uma mudança conceitual (POSNER et al., 1982, Apud SILVA, 1995):
� Dever haver descontentamento com as concepções existentes.
11
O aluno deve verificar que existem situações que não pode explicar com o seu
modelo conceitual. Essa ocorrência de irregularidade cria então uma insatisfação com suas
idéias alternativas que pode favorecer a mudança conceitual.
• Uma idéia ou conceito novo deve ser inteligível.
Uma idéia ou conceito novo deve ser bem compreendido pelo estudante, de
modo que ele possa enxergar a sua aplicabilidade a novas situações.
• Uma idéia ou conceito novo deve parecer inicialmente aceitável.
• Uma idéia ou conceito novo deve ser útil.
Uma idéia ou conceito novo deve servir para explicar as irregularidades
encontradas, resolvendo novas situações.
Uma pessoa com formação científica poderia rir da ingenuidade do
pensamento infantil, capaz de inventar a entidade frio em contrapartida ao calor, e de
distinguir duas formas de “energia” que podem fluir de um corpo ao outro: o calor e o frio. No
entanto, no seu cotidiano, essa pessoa continuará a usar esses conceitos de uma forma muito
natural. Mesmo porque soaria pedante alguém afirmar que “vestiu uma blusa de lã porque ela
é um bom isolante térmico, impedindo que o corpo ceda calor para o ambiente”. Ora, nós
vestimos lã porque ela é quente e nós estamos com frio. Não há aí nenhum vestígio de
concepções ingênuas, mas apenas usamos a palavra calor num sentido de senso comum que a
nossa cultura consagrou.
Portanto, existe um consenso entre os pesquisadores da área de Ensino de
Ciências em relação às dificuldades na superação das concepções alternativas, apresentadas
pelos alunos quanto aos conteúdos a serem trabalhados nesse nível de ensino. Segundo
Bachelard:
Os professores de Ciências imaginam que o espírito começa como uma aula, que é sempre possível reconstruir uma cultura falha pela repetição da lição, que se pode fazer entender uma demonstração repetindo-a ponto por ponto. Não levam em conta que o adolescente entra na aula de física com conhecimentos empíricos já constituídos: não se trata, portanto, de adquirir uma cultura experimental, mas sim de mudar de cultura experimental, de derrubar os obstáculos já sedimentados pela vida cotidiana. (...) Toda cultura cientifica deve começar por uma catarse intelectual e afetiva. Resta, então, a tarefa mais difícil: colocar a cultura cientifica em estado de mobilização permanente, substituir o saber fechado e estático por um conhecimento aberto e dinâmico, dialetizar todas as variáveis experimentais, oferecer enfim à razão razões para evoluir (BACHELARD, 2005, p. 23-24).
12
A busca da superação das concepções alternativas dos alunos pressupõe uma
mudança de atitude dos professores diante de sua prática didático-pedagógica. O professor
não pode ser um mero transmissor do conhecimento e o aluno apenas um receptor. Nessa
perspectiva, o professor tentará transmitir o conteúdo para o aluno, mas provavelmente não
ocorrerá aprendizagem, já que o aluno será visto como um ser passivo. Então, como suas
concepções alternativas não serão levadas em conta, dificilmente ele relacionará o que é
apresentado pelo professor com o que já sabia e não fará a mudança conceitual. Nessa
abordagem, centrada no professor e não no aluno, este não participará ativamente de sua
aprendizagem, não vivenciará a construção de seu próprio conhecimento.
Segundo Zylberstajn, em artigo publicado em 1983, os pesquisadores em
Ensino de Ciências parecem ter se dado conta das implicações educacionais decorrentes do
fato de que alunos constroem concepções a respeito da realidade que os cerca. Concepções
estas que lhes proporcionam uma compreensão pessoal desta realidade, influindo na maneira
pela qual estes alunos aprendem (ou deixam de aprender) os conceitos que lhes são ensinados.
Atualmente, não existem mais dúvidas da importância em conhecer as
concepções dos estudantes, como fator que tem implicações na aprendizagem, permitindo, a
pesquisadores na área, afirmarem que:
Na realidade há um confronto entre a Física ensinada (oficial) e a espontânea e sem dúvida o objetivo do ensino é a aprendizagem da oficial; este confronto muitas vezes se realiza de forma pouco harmoniosa e seu resultado não é uma visão conceitual coerente e rica, mas a superposição e justaposição de conceitos de diferentes origens e alcance, que prejudicam qualquer pretensão de aprofundamento teórico do aluno (VILLANI et al., 1982, p. 125-150).
Aceitando a idéia que existe um confronto entre a Física “oficial” e a
alternativa durante o processo ensino-aprendizagem, faz-se necessário que os professores
tornem-se pesquisadores, cujo objeto de pesquisa é seus próprios alunos. Esse papel de
professor-pesquisador é necessário, pois o ensino a ser ministrado pelo mesmo será menos ou
mais eficiente dependendo de seu conhecimento sobre alguns aspectos relativos a seus alunos,
em especial as concepções alternativas apresentadas pelos mesmos em relação aos temas a
serem discutidos em sala de aula. De acordo com Villani:
[...] não é produtivo ignorar a bagagem cultural do aluno e todo o conjunto de noções espontâneas que ele carrega ao se deparar com o ensino formal na escola. Se não cuidar adequadamente da física espontânea dos alunos sobrarão duas estruturas superpostas, entre as quais os alunos escolherão
13
uma dependendo do contexto; em geral quando o problema envolver muitos elementos formais usarão a aprendizagem formal; quando o problema envolver elementos do dia-a-dia e com características bem figurativas ou capazes de estimular a percepção, usarão o esquema espontâneo (VILLANI et al., 1982, p. 125-150).
O conhecimento das concepções alternativas dos estudantes permite aos
professores planejarem estratégias de ensino que facilitem o processo ensino - aprendizagem,
pois as atividades a serem desenvolvidas em sala de aula serão direcionadas à superação de
tais concepções diagnosticadas previamente. Superação que, no entanto, nunca é total. Alguns
autores consideram inviável querer extinguir as concepções cotidianas dos alunos, enraizadas
que estão na linguagem cotidiana, dada a existência de um grande número de situações em
que essas concepções são aplicadas com sucesso. Afirmam ainda que:
[...] dependemos das concepções, expressas na linguagem cotidiana para comunicar e sobreviver no nosso dia-a-dia. Em lugar de tentar suprimi–las, seria melhor oferecer aos alunos condições para tornar consciência de sua existência e saber diferenciá–las dos conceitos científicos (MORTIMER & AMARAL, 1998 p 30).
Embora o objetivo principal da escola seja o ensino do conhecimento
científico, compreendemos que nem sempre é fácil fazer com que os alunos adotem a
concepção científica vigente e abandonem suas concepções alternativas, pois essas
concepções são produto de aprendizagem significativa, ou seja, são idéias que têm significado
para o aluno, mas que talvez o importante fosse que o estudante adquirisse consciência de que
tais significados são errôneos no contexto científico.
Muitos pesquisadores, entre eles Mortimer (1994), admitem a possibilidade de
usar diferentes formas de pensar em diferentes domínios e, ainda, que a construção de uma
nova idéia possa, em algumas situações, ocorrer independentemente das idéias prévias e não
necessariamente como uma acomodação de estruturas conceituais já existentes.
Nesse sentido,
(...) permite entender a evolução das idéias dos estudantes em sala de aula não como uma substituição de idéias alternativas por idéias científicas, mas como a evolução de um perfil de concepções, em que as novas idéias adquiridas no processo de ensino-aprendizagem passam a conviver com as idéias anteriores, sendo que cada uma delas pode ser empregada no contexto conveniente. Através dessa noção é possível situar as idéias dos estudantes num contexto mais amplo que admite sua convivência com o saber escolar e com o saber científico. (MORTIMER, 1994).
14
Para esse autor, suprimir as concepções alternativas significaria suprimir o
pensamento de senso comum e seu modo de expressão, a linguagem cotidiana.
Especificamente em relação aos conceitos de calor e temperatura, existe um
consenso sobre a importância da correta compreensão dos mesmos, como requisito básico
para o entendimento de outros conceitos fundamentais da Física. Einstein e Infeld confirmam
essa importância, afirmando:
Os conceitos mais fundamentais na descrição dos fenômenos térmicos são temperatura e calor. Foi necessário um tempo inacreditavelmente longo da história da ciência para que esses conceitos fossem distinguidos, mas uma vez feita essa distinção, resultou em rápido progresso (EINSTEIN E INFELD, 1980, p. 39-40).
Schenberg também chama a atenção para a importância da compreensão
correta dos conceitos de calor e temperatura sob a ótica do conhecimento científico, pois
proporcionará aos estudantes assimilarem e/ou construírem outros conceitos científicos,
permitindo aos mesmos fazerem uma transição segura entre os conceitos macroscópicos para
os microscópicos que permeiam a Física Térmica. O mesmo sinaliza, ao falar da revolução
dos quanta, sobre a importância de uma teoria científica do calor:
Esta grande revolução, talvez a maior de todas que houve na Física depois da criação da Mecânica no século XVII, foi exatamente a criação da teoria dos quanta. E foram os estudos do calor e da termodinâmica que levaram a essa revolução. [...] Durante o século XIX se desenvolveram, portanto, essas duas teorias: a teoria do calor e a teoria do campo eletromagnético. A teoria do calor conduziu à mecânica estatística e à introdução dos conceitos probabilísticos na Física (SCHENBERG, 1984, p. 106 – 110).
Segundo Silva (1995), podemos resumir as concepções alternativas sobre os
conceitos enfocados como:
• Calor é entendido como uma substância, uma espécie de fluido, como às vezes
o frio ganha uma conotação semelhante e contrária;
• Temperatura é a medida do calor de um corpo;
• Calor também está associado às temperaturas altas;
• Tende-se a estabelecer a temperatura como propriedade dos corpos, não
pensando em equilíbrio térmico;
• Há uma tendência de usar o calor como propriedade dos corpos quentes e o
frio como propriedade contrária;
15
• Os conceitos de calor e temperatura são usados como sinônimos. Usa-se
também o conceito de temperatura como sinônimo de energia;
• Há também uma propriedade animista, usada para explicar o aquecimento ou o
resfriamento, sem se constituir em figuras de linguagem;
• Há uma atribuição de propriedades macroscópicas às partículas;
• Calor é um processo interno resultante do atrito entre as partículas.
Segundo Silva (1995), não se deve ensinar os conceitos de calor e temperatura
de forma “tradicional”. É preciso distinguir um do outro, tratando o calor como uma
propriedade extensiva, isto é, dependente ou proporcional à massa do corpo (ou sistema) e
que pode ser definido como sendo a energia transferida de um sistema a outro, quando existe
uma diferença de temperatura. E a temperatura como propriedade intensiva, ou seja,
independente da massa. Sem isso não se pode superar os conceitos prévios dos alunos.
Entendemos que trabalhar essa diferenciação implica, antes de tudo, no conhecimento pelo
professor das concepções alternativas apresentadas pelos estudantes e da concepção científica
em relação a estes conceitos.
2.2 História da ciência e Ensino de Física
Se a ciência é a reunião de fatos, teorias e métodos reunidos nos textos atuais, então os cientistas são homens que, com ou sem sucesso, empenharam-se em contribuir com um ou outro elemento para essa constelação específica.
KUHN, 1998, p. 20.
Consideramos ser a História da Ciência um instrumento importante que deve
ser utilizado pelos professores, pois facilitará o processo ensino-aprendizagem dos alunos. A
mesma pode, segundo Silva (1995) e Vannucchi (1996):
• Propiciar o aprendizado significativo de equações que o utilitarismo do ensino
tradicional acaba transformando em meras expressões matemáticas que servem à
resolução de problemas ou simplesmente de exercícios;
• Ser bastante útil para lidar com a problemática das concepções alternativas, pois
algumas das concepções apresentadas por alunos são encontradas ao longo do
desenvolvimento da ciência;
16
• Incrementar a cultura geral do aluno, admitindo-se neste caso, que há um valor
intrínseco em se compreender certos episódios fundamentais que ocorreram na história
do pensamento científico;
• Desmistificar o método científico, dando ao aluno os subsídios necessários para que
ele tenha um melhor entendimento do trabalho do cientista;
• Mostrar ao aluno como o pensamento científico se modifica com o tempo,
evidenciando que as teorias científicas não são “definitivas, verdades absolutas e
irrevogáveis”, mas objeto de constante revisão e que na maioria das vezes não
apresenta um desenvolvimento linear;
• Chamar a atenção do aluno para o papel de idéias metafísicas no desenvolvimento de
teorias científicas mais antigas;
• Contribuir para um melhor entendimento das relações da ciência com a tecnologia, a
cultura e a sociedade;
• Tornar as aulas de ciência (Física) mais desafiadoras e reflexivas, permitindo desse
modo, o desenvolvimento crítico (MATTHEWS, 1994, Apud SILVA, 1995);
• Propiciar o aparecimento de novas maneiras de ensinar certos conteúdos;
• Melhorar o relacionamento professor-aluno;
• Levar o aluno a se interessar mais pelo Ensino da Física.
Mas, essa utilização da História da Ciência nas aulas de Física só será
significativa existindo uma pesquisa bem feita, em condições de sala de aula e com materiais
históricos apropriados, de boa qualidade. Outro cuidado que se deve ter é que não se pode
exagerar ou supervalorizar a contribuição da história junto ao ensino, para não tornar o ensino
dependente da história, e também para não alimentar expectativas que possam concebê-la
como a solução dos sérios problemas do ensino de Física.
Trabalhar a História da Ciência nas aulas requer também uma mudança na
postura do professor, o mesmo terá de agir como um “professor-pesquisador”, pois, assim ele
não corre o risco de fazer surgirem inoportunas relações de hierarquia e complexidade
crescente entre o passado e o presente. Ou seja, de disseminar a idéia de que o passado seria
constituído de elementos simples que foram se tornando complexos por conta de um processo
contínuo de elaboração científica.
O professor com interesse na utilização da História da Ciência em suas aulas,
terá de realizar uma seleção das fontes e dos materiais, consciente de que essa seleção envolve
decisões que não podem ser dissociadas da visão de mundo e das concepções de ciência do
17
estudioso. Pois, uma seleção histórica da evolução dos assuntos de um corpo específico de
conhecimento, em qualquer situação, será sempre um subconjunto do real que apresenta um
emaranhado de relações que lhe conferiram dinamicidade. Esta dificuldade, no entanto, pode
ser contornada se os professores produzirem, como afirma Matthews:
[...] uma história simplificada que lance uma luz sobre os conteúdos discutidos, que não seja uma mera caricatura do processo histórico. A simplificação deve levar em consideração a faixa etária dos alunos e todo o currículo a ser desenvolvido. História e ciência podem torna-se mais e mais complexas à medida que assim exija a situação educacional (MATTHEWS, 1995 p. 164-214). No entanto, existem correntes de pesquisadores contrários à utilização da
história da ciência no ensino, e que fazem severas críticas. Segundo Kuhn, encorajar os
estudantes de ciência a lerem os clássicos históricos de suas áreas propiciar-lhes-ia o contato
com trabalhos nos quais “poderiam descobrir outras maneiras de olhar os problemas
discutidos nos seus livros de texto”. Assegura Kuhn, “mas onde também encontrariam
problemas, conceitos e padrões de solução que as suas futuras profissões há muito
descartaram e substituíram”. Assim, a exposição à história da ciência poderia abalar ou
enfraquecer as convicções do estudante sobre o paradigma vigente, sendo, nessa leitura,
danosa à sua formação.
De acordo com a visão Kuhniana do desenvolvimento científico, a estabilidade
do cientista em um período de ciência normal contrasta com as suas incertezas e inseguranças
durante as crises e revoluções. Desse modo, por que submeter “novamente” o estudante, quem
sabe, futuro cientista, ao resgate de concepções que os melhores e mais persistentes esforços
da ciência tornaram possível descartar? (KUHN, 1987, p.176). Entretanto, é justamente a
pouca presença da História da Ciência nos livros didáticos e o seu uso distorcido no sentido
de promover uma reconstrução de idéias que parecem fluir naturalmente em direção a teorias
atualmente aceitas, que “tende a apresentar as teorias atuais como resultado de um processo
de gestação, onde os cientistas do passado operavam sobre um embrião que o presente
transformou em rebento” (BIZZO, 1992, p. 28-35), que faz despercebida, para o estudante, as
grandes rupturas no conhecimento científico. Ou seja, a imagem do trabalho científico que
resulta dessa opção educacional é a de cientistas de épocas anteriores trabalhando linear e
cumulativamente em prol de uma ciência em constante desenvolvimento.
Ainda, segundo Kuhn:
18
[...] em vez de procurar as contribuições permanentes de uma ciência mais antiga para a nossa perspectiva privilegiada, devemos atentar para a integridade histórica daquela ciência, a partir de sua própria época. Por exemplo, não devemos perguntar pela relação de Galileu e as da ciência moderna, mas antes pela relação entre as concepções de Galileu e aquelas partilhadas por seu grupo, isto é, seus professores, contemporâneos e sucessores imediatos nas ciências. (...) devemos procurar estudar as opiniões desse grupo e de outros similares a partir da perspectiva que dá a essas opiniões o máximo de coerência interna (KUHN, 1998, p. 22).
Outra crítica feita à utilização da História da Ciência no ensino, é a que
defende ser de uma complexidade sem limites a caminhada do cientista na busca do
conhecimento. Desse modo, a discussão histórico-didática de concepções científicas já não
mais aceita pela ciência contemporânea seria, no mínimo, incompleta e, por essa razão,
passível de receber fortes objeções.
Portanto, observamos a existência de opiniões distintas em relação à utilização
da História da Ciência no ensino. Consideramos que, se utilizada, tendo o cuidado de analisar
de forma coerente os pontos positivos e negativos acima discutidos, torna-se uma ferramenta
indispensável como instrumento facilitador do processo de construção do conhecimento
físico. A História da Ciência pode dar maior significado aos conteúdos de Física trabalhados
no ensino médio, como fórmulas e equações que, às vezes, são trabalhadas sem que muitos
alunos possam apreender o que significam.
19
3 HISTÓRIA DA TERMODINÂMICA
Uma vez discutida, ainda que brevemente, a relevância da História da Ciência
para as questões do ensino de Física, passemos agora a uma breve apresentação de aspectos
relativos à história da Termodinâmica. Isso é fundamental, tendo em vista que os conceitos de
calor e de temperatura são centrais em nosso estudo.
Nessa seção e na próxima, utilizamos como referência principal a obra: Perry
(1985).
3.1 Contexto histórico – A Revolução Industrial
Segundo Roditi, a Termodinâmica é o:
Ramo da Física que investiga as leis e processos que regem as relações entre calor, trabalho e outras formas de transformação de energia, mais especificamente as mudanças de energia que a disponibilizem para a realização de trabalho, assim como a direção das trocas de calor (RODITI, 2005, p. 223)
A palavra Termodinâmica é derivada das palavras gregas thermé (calor) e
dynamis (força). Procura responder a perguntas do tipo. O que é calor? “Quanto” calor é
necessário fornecer a um corpo para aumentar sua temperatura? Como se pode realizar
trabalho, transformar energia, a partir do calor? É possível uma máquina térmica ter
rendimento igual ou superior a cem por cento?
A
Termodinâmica foi
desenvolvida em um
momento histórico
marcado por uma fase de
profundas mudanças
sociais e econômicas, na
Europa, concretizadas com
o estabelecimento do modo
de produção capitalista no
período referente aos séculos XVIII e XIX. Uma pequena classe média urbana, no início
restrita a Inglaterra, aos Países Baixos e ao norte da França, rompe com o sistema de produção
Figura 1 – Londres, Século XVIII
20
feudal da Idade Média através, inicialmente, de uma produção artesanal e doméstica. Por
outro lado, os métodos da ciência experimental estabelecidos no século XVII com a revolução
científica (BERNAL, 1979) passam a ser aplicados aos diversos ramos do conhecimento; tais
aplicações, por sua vez, são utilizadas para propiciar as transformações nos meios de
produção. Assim, com a melhor organização do trabalho, através da divisão e da
especialização das tarefas, e com as inovações tecnológicas resultantes do estabelecimento
dos métodos da ciência experimental, a exemplo da maquinaria têxtil, firma-se na prática um
novo sistema de produção. Tal modo de produção atinge rapidamente o comércio e a
agricultura. Para o estabelecimento e êxito do que se chamou de Revolução Industrial, as
inovações tecnológicas tiveram um papel fundamental, destacadamente a máquina a vapor, na
medida em que essa se tornou o ponto de partida para o bom êxito da indústria pesada, assim
como para a evolução dos meios de transporte.
Portanto, o termo Revolução Industrial refere-se à mudança de uma economia
agrária manual para outra dominada pela produção mecanizada em fábricas nas áreas urbanas.
A Revolução Industrial envolveu uma mudança do trabalho manual para o realizado por
máquinas e do trabalho humano ou animal para outras formas de energia, como a máquina a
vapor ou de combustão. A aplicação de inventos às tarefas humanas e à organização do
trabalho em equipes, nas fábricas, teve enormes conseqüências para a sociedade. A mudança
tecnológica apelou para as esperanças de homens e mulheres progressistas, oferecendo uma
promessa de alívio da pobreza, das necessidades e do trabalho duro. Mas a industrialização e a
urbanização rápidas criaram também problemas imensos para o indivíduo e o para o Estado.
O progresso individual não se processou em todos os lugares com o mesmo
ritmo. No entanto, vale ressaltar que a origem da revolução Industrial está vinculada com a
indústria têxtil, naquela época a principal indústria da Inglaterra. Esse processo de
desenvolvimento e expansão que culminou com a Revolução Industrial, teve início com a
invenção da lançadeira volante de Johnny Kay, que foi
aperfeiçoada e duplicou a produção de um tecelão. Essa
lançadeira, que podia ser usada em casa, era uma adaptação
de outras máquinas que tinham sido usadas durante várias
gerações no comércio de lã. Depois, a máquina de fiar de
James Hargreaves, aperfeiçoada por volta de 1768, permitiu
a um operário manipular vários fusos imediatamente (usando
ainda somente a energia humana).
Figura 2 – Lançadeira manual Figura 2 – Lançadeira manual
21
Figura 4 - Spinning mule
O modelo de máquina de fiar de 1768, de
Richard Arkwright, podia ser movido pela ação da água ou
por energia animal, uma vantagem enorme; e a “spinning
mule”, de Samuel Crompton, de início facilitou a
manipulação de vários fusos pela energia do homem, depois
pela energia animal e da água. Essas mudanças na fiação
melhoraram a produtividade de tal modo, que as condições
de tecelagem desenvolveram-se até o tear automático de
Edmund Cartwright em 1787.
Esses inventos não eram
complicados e foram produzidos por
tecelões e fiandeiros, e não por técnicos,
inventores ou cientistas. Eram feitos de
acordo com modelos de máquinas já
existentes. Porém, com o processo de
industrialização que se encontrava em
andamento, exigia uma tecnologia cada vez
mais complexa. Surgia aí uma função para o
engenheiro, um perito na construção e na
adaptação de máquinas, constituindo, assim,
a Revolução Industrial um estímulo à
atividade científica, estando esta voltada para problemas suscitados pela indústria. Portanto,
foi nesse contexto social, econômico e político, enfim, histórico, que se deu a evolução da
Termodinâmica.
Figura 3 – Lançadeira de Richard Figura 2 – Lançadeira manual
Figura 5 – Manuwframe
22
3.2 Máquinas térmicas
Até há cerca de 200 anos, a maior parte do trabalho era feito por pessoas ou
animais. O trabalho era também obtido a partir do vento e da água, mas ambos não eram
fontes confiáveis de energia, porque não podiam ser utilizados facilmente em qualquer local e
quando necessários. No século XVIII, a exploração das reservas de carvão, fez surgir a
necessidade de um método econômico para bombear a água das minas que ficavam inudadas
e que, portanto, teriam de ser abandonadas. A máquina a vapor desenvolveu-se inicialmente
para satisfazer a esta necessidade prática.
A máquina a vapor é um aparelho que converte a energia de alguns
combustíveis (por exemplo, a energia química do carvão ou do petróleo ou a energia nuclear
do urânio) em energia térmica e esta em energia mecânica. Esta energia mecânica pode então
ser utilizada diretamente para realizar trabalho, como numa locomotiva a vapor, ou pode ser
transformada em energia elétrica.
Desde tempos remotos que se sabe que o calor pode ser utilizado para produzir
vapor, podendo este depois produzir trabalho mecânico. A eolípila, inventada por Herão de
Alexandria cerca de 100 anos antes de cristo, trabalhava segundo o princípio da terceira lei de
Newton. O irrigador de jardim rotativo trabalha do mesmo modo, exceto que a força motora é
devida à pressão da água em vez da pressão do vapor.
A eolípila de Herão era um brinquedo, mais para entretenimento do que para
qualquer trabalho útil. Somente, a partir do final do século XVIII foram inventadas máquinas
a vapor com interesse comercial.
Atualmente, diríamos que uma máquina a vapor usa uma “reserva de calor”
para realizar trabalho mecânico, isto é, converte calor em energia mecânica. Mas muitos
inventores nos séculos XVIII e XIX não pensaram no calor deste modo. Olharam o calor
como uma substância fina, invisível, que podia ser utilizada repetidamente para produzir
trabalho sem se esgotar. Todavia, não tiveram que esperar para aprender todas as leis da física
até então conhecidas para que se tornassem engenheiros bem sucedidos. De fato, a seqüência
dos acontecimentos foi precisamente ao contrário: as máquinas a vapor foram desenvolvidas
primeiro por homens que se preocuparam menos com a ciência do que com ganhar dinheiro
ou pelo menos com a melhoria e a segurança na exploração das minas. Mas tarde, cientistas
que tinham não só um conhecimento prático do que trabalhava, mas também a curiosidade de
como trabalhava, fizeram novas descobertas em física.
23
A primeira máquina a vapor com sucesso comercial foi inventada por Thomas
Savery (1698), baseada num projeto de Edward Somerset (1663). Apesar de sua eficiência
duvidosa tem-se notícias de sua utilização no bombeamento de água das minas de carvão.
Resumidamente, a máquina de Savery consistia num grande cilindro de metal
preenchido de vapor, vindo de um ebulidor. Uma válvula interrompia a entrada de vapor,
enquanto o cilindro era resfriado com jato de água à temperatura ambiente. A partir desse
resfriamento, o vapor d'água se condensava formando vácuo no seu interior. Esse vácuo fazia
que, por um tubo controlado por outra válvula, fosse aspirada água de um posto distribuidor.
Um novo ciclo se iniciava quando outra descarga de vapor era introduzida, expulsando água
residual. Aparentemente, essa máquina servia ao propósito para o qual fora construída:
bombear água de minas de carvão, que se inundavam com freqüência devido a sua grande
profundidade; um de seus grandes problemas era como lidar com o vapor a alta pressão, e
consequentemente, alta temperatura. A falta de um resfriamento eficiente do cilindro deve ter
provocado uma série de acidentes desagradáveis, além, é claro de reduzir sua eficiência.
Como a criatividade está muitas vezes a serviço da necessidade, não se pode
falar da máquina de Thomas Newcomen (1712), sem falar antes do êmbolo de Denis Papin
(1690). Quando a água se condensava no interior do cilindro, o vácuo produzido movia o
êmbolo no sentido contrário. Na máquina de Savery esse movimento era provocado pela ação
da pressão atmosférica. Com a introdução de um êmbolo (criado por Papin) que se moveria
pela ação do vapor, estabeleceu-se uma assimetria entre o movimento de entrada do vapor
(rápido) e a influência da pressão atmosférica no retorno (lento).
Mas, um dos sérios problemas da máquina de Savery era como controlar a alta
temperatura do vapor d'água. Houve, então, um avanço da técnica introduzido por
Newcomen, que resolveu o problema incluindo um sistema de válvula que permitia a entrada
de vapor e água fria alternadamente, ou seja, o vapor era admitido por apenas um dos lados do
êmbolo, enquanto a água fria era injetada pelo outro lado, sendo o ar produzido na ebulição
expelido com a entrada do vapor.
Uma máquina a vapor bastante desenvolvida teve origem no trabalho de James
Watt. Pediram a Watt que reparasse um modelo de máquina de Newcomen que era usado em
aulas práticas na universidade. Ao familiarizar-se com o modelo, ficou impressionado com a
quantidade de vapor que era necessário para pôr a máquina em funcionamento. Watt procedeu
a uma série de experiências sobre o comportamento do vapor e chegou à conclusão de que o
maior problema estava relacionado com a temperatura das paredes do cilindro. Observou que
a máquina de Newcomen desperdiçava a maior parte do calor no aquecimento das paredes do
24
cilindro, que eram depois resfriadas sempre que a água fria era injetada para condensar o
vapor.
No início de 1765, Watt descobriu como se podia evitar este desperdício,
concebeu um tipo modificado de máquina a vapor, na qual o vapor contido no cilindro, depois
de efetuar o trabalho de empurrar o êmbolo, era admitido num recipiente separado para ser
condensado. Com este sistema, o cilindro podia manter-se sempre quente e o condensador
podia manter-se sempre frio.
A invenção da máquina a vapor de Watt, com condensador separado, superou a
máquina de Newcomen, estimulou o desenvolvimento de máquinas que podiam fazer muitos
outros trabalhos e/ou atividades fabris diversas, condução de locomotivas, barcos a vapor, e
assim por diante. Deu um estímulo enorme ao crescimento industrial na Europa e na América
e, portanto, ajudou a transformar a estrutura econômica e social da civilização ocidental.
O desenvolvimento em larga escala de motores e de máquinas revolucionou a
produção em massa de artigos de consumo, a construção e os transportes. O padrão de vida
médio na Europa Ocidental e nos Estados Unidos cresceu acentuadamente. Atualmente é
difícil imaginar como era a vida antes da industrialização. Mas, nem todos os efeitos da
industrialização foram benéficos. O sistema de fábricas do século XIX deu oportunidade a
alguns patrões gananciosos e sem escrúpulos para explorar os trabalhadores. Estes patrões
tiveram grandes lucros, enquanto mantiveram os empregados e suas famílias à beira da
miséria. Esta situação, que era especialmente séria na Inglaterra no princípio do século XIX,
conduziu a reinvidicações de reformas, através de novas leis, em que, os excessos mais graves
foram finalmente eliminados. À medida que as pessoas abandonavam os campos para
trabalhar nas fábricas, o conflito entre a classe trabalhadora, constituída por empregados e a
classe média, constituída por patrões e quadros dirigentes, tornou-se mais intenso; ao mesmo
tempo, alguns artistas e intelectuais começaram a atacar as tendências materialistas da
sociedade que viam tornar-se cada vez mais dominada pelo comércio e pela maquinaria. Em
alguns casos, confundiam a própria ciência com aplicações técnicas e denunciavam ambas
enquanto recusavam aprender algo sobre elas.
Embora as máquinas a vapor já não sejam muito utilizadas na indústria e nos
transportes, o vapor é ainda indiretamente a maior fonte de energia. A turbina a vapor,
inventada pelo engenheiro inglês Charles Parsons em 1884, substituiu largamente outros tipos
de máquinas a vapor mais antigas. Atualmente, é por intermédio de turbinas a vapor que
trabalham os geradores elétricos de grande parte das centrais elétricas dos países
desenvolvidos. E são geradores elétricos movidos a vapor que fornecem a maior parte de
25
energia para a maquinaria da civilização moderna. Mesmo nas centrais nucleares, a energia
nuclear é utilizada para produzir vapor que depois move as turbinas e os geradores elétricos.
O princípio básico da turbina de Parsons é mais simples do que o das máquinas de Newcomen
e Watt: um jato de vapor a alta pressão toca as pás de um rotor, fazendo-o mover a alta
velocidade.
3.3 Evolução dos conceitos de calor e de temperatura
Ápeiron era o princípio de todas as coisas, dessa massa primordial, que continha forças como o calor e o frio, emergia um núcleo, o embrião do universo. O frio e o úmido condensavam-se para formar a Terra e o seu invólucro de nuvens enquanto o quente e o seco formavam os anéis de fogo que conhecemos como a Lua, o Sol e as estrelas. O calor que se desprendia do fogo no céu secava a Terra e provocava a retração dos oceanos. Da morna camada de lodo acumulada sobre a Terra surgiu a vida, e das primeiras criaturas marinhas desenvolveram-se os animais terrestres, entre eles os seres humanos.
ANAXIMANDRO, (611-547 a.C.)
Apresentaremos a seguir as idéias e concepções dos principais pensadores,
obedecendo a uma ordem cronológica e buscando compreender como os conceitos de
temperatura e de calor se desenvolveram. Este estudo, ainda que breve, é adequado como
referência para a elaboração de atividades que envolvam a História da Ciência, pois facilitará
a elaboração ou adaptação de textos para os estudantes.
A origem do uso e domínio do fogo como fonte de calor, apesar de haver
controvérsias, é atribuído ao homo erectus, datado de cerca de 700.000 anos (SILVA, 1995 p.
33). Na filosofia Jônica, existia a crença de que na base de tudo havia um único elemento
responsável pelas diversas manifestações e transformações da matéria conhecida. Para Tales
(624-546 a.C.), esse elemento era a água, para Anaxímenes (586-525 a.C.) era o ar e para
Heráclito (535-470 a.C.) era o fogo. As explicações através de um único elemento se
mostravam insuficientes e Empédocles (492-432 a.C.) enunciou a teoria de quatro elementos
(água, ar, fogo e terra), indestrutíveis e eternos, que se uniam e se separavam mediante duas
forças: o amor e o ódio. Estes quatro elementos agregados ao éter (5o elemento) são adotados
por Aristóteles (384-322 a.C.) e triunfaram por vários séculos. No modelo aristotélico,
“quente” e “frio” eram qualidades opostas que, juntamente com “seco” e “úmido”,
combinavam-se duas a duas na constituição dos quatro elementos fundamentais. Para Leucipo
(500-430 a.C.) e Demócrito (460-370 a.C.), a matéria era composta por diminutos átomos e o
calor era atribuído aos átomos muito móveis que escapavam incessantemente dos corpos
muito quentes (SILVA, 1995).
26
Platão (427-347 a.C.) escreveu no Timeu que o fogo era um elemento, que
quando penetrava um corpo, colocava as partículas deste em movimento, o que por sua vez
iria fazer com que estas se separassem. Ao ser esfriado, afastando o corpo do fogo, o ar iria
expulsar o fogo e comprimiria novamente as partículas. Assim, distingue entre a causa, o fogo
que penetra na matéria, do efeito, o calor que seria o movimento das pequenas partes da
matéria (SCHURMANN, 1946).
A interpretação dessa passagem do Timeu de Platão, feita por outro autor
(AGABRA, 1986), é de que nela há uma distinção entre o conceito de calor e o de
temperatura. Isso, porém constitui um exagero, pois como veremos mais adiante, o termo
temperatura (ou correlato a ele) é apresentado por Galeno no século II (d.C.), isto é,
aproximadamente seis séculos após Platão, o que nos leva a concluir que para o pensador
grego havia apenas uma idéia, ou seja, o calor (e o seu "contrário": o frio). Calor e frio não
eram para Platão expressões relativas, pois segundo este a geada se forma a partir do sereno,
quando este perde o seu conteúdo de fogo, ou ainda, a neve se forma quando a água perde sua
porção fogo (SILVA, 1995).
Tanto na obra de Platão como na de Aristóteles (384-322 a.C.) há menções de
que o movimento produz calor. Para este último, porém, "o calor não é constituído a partir do
movimento, mas a partir do éter, excitado pelo sol ou pelas estrelas, produto do calor" (Apud
HOPPE, p. 126). Por outro lado, Poggendorft (Apud GILBERT, p. 220) nos diz que:
"Aristóteles considerava o calor (ou fogo) formado por partículas extraordinariamente
pequenas em movimento”.
Não há controvérsias de interpretações, pois a noção de movimento se refere às
partículas ígneas que constituíam o fogo, portanto, uma substância. Estas concepções foram
adotadas por muito tempo a partir do seu enunciado, tendo sobrevivido por toda a Idade
Média, com poucas modificações. As explicações de Platão e de Aristóteles eram tão aceitas,
que no final da Idade Média vamos encontrar na obra de Giordano Bruno (1548-1600) o uso
das idéias aristotélicas de forma já consagradas:
Mas, acaso existe algum corpo terrestre tão espesso que não tenha os seus poros insensíveis, sem os quais não seriam tais corpos divisíveis e penetráveis pelo fogo, ou pelo seu calor, que é uma substância? ( SILVA, 1995, p. 169).
Devemos dar destaque também a Galeno (129-200), que no tratado de
Medicina propõe a representação do calor e do frio por meio de uma escala de graus
numéricos. Nesta escala o ponto zero correspondia a um "calor neutro" que não era nem frio
27
nem calor. Como o único meio de "medida" era a sensação, Galeno havia determinado como
"calor neutro" à mistura de água fervendo e de gelo (CROMBIE, 1985 p.94). Para Galeno
havia no corpo humano uma mescla ou mistura de calor e de frio, que determinava, entre
outras causas, o estado de saúde do paciente. O grau neutro dessas duas substâncias
correspondia ao estado de saúde melhor. Mesmo não existindo o termômetro para realizar
medidas precisas, as idéias de Galeno foram adotadas por médicos árabes e latinos, que
inventaram uma escala de 0 a 4 graus de calor ou frio ampliada mais tarde para uma escala de
oito graus.
As influências dos trabalhos de Galeno foram marcantes em toda a medicina.
Sua obra foi considerada como o principal guia médico por muitos séculos, encontrando-se
até no séc. XVI considerações sobre o funcionamento do coração e a circulação do sangue
baseadas nas suas idéias (CROMBIE, 1985). Quando os tratados de Galeno foram transpostos
para o latim dos séculos XI e XII, a idéia de mescla ou mistura de graus de calor foi traduzida
pelo termo correspondente: tempera (temperatura). Assim, a idéia de temperatura é atribuída
primeiramente a Galeno, consistindo numa tentativa de estabelecer um padrão de medida para
a mistura entre o quente e o frio no corpo humano. Este padrão torna-se muito popular entre
médicos do ocidente, como a medida de calor ou frio.
Na obra de Lucrécio (aproximadamente. 95-55 a.C.) De Rerum Natura,
aparecem duas substâncias distintas, o calor que está no sol e o frio que está nos rios e
também o fogo, composto por uma substância sutil, que pode-se transferir-se pelos poros da
matéria. Interpretações feitas por autores ingleses do séc. XVIII atribuíam a Lucrécio a
consideração do calor como estado de movimento das moléculas, o que não parece ser exato,
devendo ser um exagero. A idéia de matéria produtora de calor e de matéria produtora de frio
é encontrada na obra de Gassendi (1592-1655), mostrando a permanência da filosofia antiga.
Até agora mostramos teorias que apresentaram o calor e o frio como
substâncias, o que levou à criação de um peso para o calor e um peso para o frio. Estas
concepções iriam persistir até o séc. XVIII. Em plena Renascença, essa representação é
encontrada em diversas obras, entre elas as de Gassendi, Boyle (1627-1691) e Galileu (1564-
1642). Experiências famosas foram realizadas pelo médico inglês George Fordyce em 1785,
para determinar se a água congelada apresentava mudança no seu peso. Também Sir
Benjamin Thompson, Conde de Rumford, (1753-1814) repetiu essas experiências em 1787,
mas só em 1799 apresentou um trabalho, cuja conclusão era de que todas as tentativas de se
observar efeitos do calor sobre o peso se mostraram inúteis ( BASSALO, 1992).
28
Voltando à questão central, foi Roger Bacon (1214-1294) em seu livro Opus
Majus que colocou a questão nova, ao considerar o movimento interno dos corpos como causa
do calor e diz que: "os esforços contrários das partículas constituem o calor."
(SCHURMANN, 1946). Desta forma, as concepções de calor expressas, devem ter uma
interpretação diferente da que possamos lhe dar, pois para HOPPE (1948) esta citação refere-
se ao modelo mecanicista do calor, mas parece não ser bem assim, já que Bacon fala de
movimento que produz o calor e não de calor que é movimento.
Kepler (1571-1630) considerava o calor como um estado de movimento das
partes dos corpos e Galileu, ao contrário, considerava-o como tipo de fluido, havendo o
quente, o frio, o úmido e o seco, de forma análoga às concepções de Aristóteles. Uma
concepção realmente nova, desde os escritos de Platão foi apresentada por Francis Bacon
(Lord Verulan; 1561-1626), no seu De Interpretatione Natural, de 1665, em que o calor não é
apresentado como um movimento de expansão, mas sim como um movimento vibratório das
partículas de um corpo.
Na obra Novum Organum (de 1620), Francis Bacon voltou a falar do calor
como movimento, deixando claro que o calor não produz ou gera movimento, mas "o próprio
calor ou algo do próprio calor é movimento e nada mais”. Sugere mais adiante que se estude a
natureza objetiva do calor, deixando de lado as aparências sensíveis, pois estas atrapalham as
concepções que se pode ter a respeito dos fenômenos térmicos (ROSSI, 1989, p. 130). Esta
postura deve se referir à prática ainda em voga, na época, de se usar as sensações táteis para
aferir valores de calor (tempera), pertinentes aos ensinamentos de Galeno.
A análise das idéias de Bacon e de Kepler pode suscitar a dúvida de que na
concepção do último, já havia a idéia de calor-movimento, o que invalidaria a afirmação de
que as de Bacon foram inovadoras. Porém, cabe assinalar que para Kepler o calor era um
efeito decorrente de uma propriedade da luz e que a luz tinha um aspecto material. Cabe
assinalar ainda que Kepler propôs essa idéia após Francis Bacon.
Contemporâneo de Kepler e Francis Bacon, Galileu (1564-1642) foi um
cientista arrojado e de idéias revolucionárias. Mas no que diz respeito às suas concepções de
calor, não praticou a ousadia que sempre lhe é atribuída. Foi no livro Il Saggiatore (O
Ensaiador) que Galileu apresentou as suas concepções sobre o calor. Neste, o sábio florentino
refutou ferozmente as idéias do padre jesuíta Horácio Grassi, que fizera várias críticas a seu
trabalho Discurso sobre o Cometa. O jesuíta em questão atacou as concepções aristotélicas e
Galileu tenta ridicularizar esse ataque, defendendo no que se refere ao calor as idéias de
Aristóteles. Segundo Galileu:
29
[...] fazem perceber o calor em nós, matérias que nós chamamos com o nome geral de fogo, sejam uma multidão de pouquíssimos corpos, com determinadas figuras [...]. Esses pequenos corpos encontram nosso corpo e o penetram com a sua maior sutileza, e o contato deles, realizado na passagem através de nossa substância é percebido por nós, resulta naquilo que nós chamamos de calor. (GALILEU, 1987, p.121).
O calor sempre foi considerado algo misterioso, mas, ao tempo da fundação da
Accademia del Cimento, as experiências estavam, pelos menos, dando os primeiros passos no
sentido de se elaborar uma concepção científica através da idealização de artifícios destinados
a medir a temperatura. O inventor do primeiro termômetro é desconhecido; pode ter sido
Galileu, o hermetista Robert Fludd, o físico holandês Cornelius Drebbel ou o físico italiano
Santorio Santorio. De qualquer forma, foi algum tempo antes de se verificar que uma escala
termométrica necessitava de dois pontos fixos para poder ser usada cientificamente – um
“ponto de congelamento” e um “ponto de ebulição”. Isso não surgiu antes do século XVIII,
quando Olé Römer imaginou tal instrumento, 1708, usando o álcool como líquido. Römer
empregou uma mistura de água e gelo, e depois, ao que tudo indica, uma mistura de gelo e
cloreto de amônio, para obter o zero. Para o ponto superior, ele tomou a temperatura da água
fervendo, e dividiu o espaço entre os dois em 60 graus.
O trabalho de Römer está hoje completamente esquecido, e o crédito para a
escala – ou antes, para uma modificação dela – é dado ao holandês Daniel Fahrenheit, que,
após uma visita a Römer em 1708, começou a produzir seus próprios termômetros. Parece que
Fahrenheit se enganou, de alguma forma, quanto aos detalhes da escala de Römer: por
exemplo, acreditou que o ponto fixo mais alto representasse a temperatura do sangue e não o
ponto de ebulição, mas compreendeu a necessidade de dois pontos fixos. Construiu seus
termômetros por métodos que ele acreditava serem os de Römer, e estabeleceu como 212
graus o ponto de ebulição da água; o zero de sua escala era o zero de Römer.
Duas outras escalas termométricas bem conhecidas apareceram no século
XVIII – a escala centígrada, ou de Celsius, e a de Réaumur. A primeira foi criada por Anders
Celsius e publicada pela real Sociedade Sueca em 1742; usava o ponto de ebulição da água
em uma extremidade (0 grau) e seu ponto de congelamento na outra (100 graus). Foi o
biólogo sueco Lineu que inverteu a escala para nos dar nossos atuais termômetros Celsius.
Mais ou menos na mesma época, René-Antoine Réamur fazia experimentações com um
termômetro de álcool. Observou que o álcool tem uma expansão da ordem de 80 partes por
mil quando vai do ponto de congelamento ao ponto de ebulição da água. Em 1730, produziu
30
então uma escala termométrica de 80 graus, muito utilizada durante algum tempo na França
Ocidental.
A termometria era uma tentativa de medir o grau de calor, mas o que era o
calor em si mesmo? Vários cientistas do século XVI e do XVII procuravam uma resposta
para essa pergunta. De modo geral, havia duas concepções principais: primeira, o calor se
devia às vibrações de partes de uma substância; segunda, o calor era um fluido
“imponderável”, embora o astrônomo e filosofo francês Pierre Gassendi tenha sugerido que
esse fluido comportava partículas frias e quentes cuja presença provocava o que se chama frio
e calor. Francis Bacon e Robert Hooke eram partidários da teoria da vibração, mas foi o
conceito do calor como substância imponderável que finalmente se tornou aceito – a teoria
“calórica”, como a chamavam os químicos franceses Lavoisier e Berthollet. A teoria do
calórico era baseada em alguns pressupostos básicos, tais como:
• O calórico é um fluido elástico que permeia as outras substâncias, sendo as suas
partículas atraídas pelas das outras substâncias e repelidas pela dele mesmo.
• O calórico é sensível às variações de temperatura, escoando de um corpo mais quente
para um mais frio, quando postos em contato térmico.
• Durante um processo físico, o calórico não pode ser criado nem destruído sendo,
portanto, conservado.
Esta teoria foi aceita pela grande maioria da comunidade científica da época.
No entanto, desde o início do século XVIII, alguns cientistas como Bacon, Newton e Hooke
começaram a manifestar a sua discordância com a teoria, pois entenderam que a mesma não
explica, de modo satisfatório, certos fenômenos como, por exemplo, a produção de calor
quando se atritam dois corpos. Para explicar os fenômenos térmicos como este, a idéia dos
opositores à teoria do calórico poderia ser expressa pela seguinte afirmativa de Newton: “O
calor consiste num minúsculo movimento de vibração das partículas” ( ROCHA, 2004).
Os defensores da teoria do calórico contra-argumentam a afirmativa acima
com a hipótese de que, por exemplo, o atrito sobre as substâncias faz com que o calórico seja
“espremido” para fora, havendo assim a produção de calor. Então, como vimos, havia os que
pensavam de modo diferente, e, ao fim do século XVIII, o americano Benjamin Thompson,
futuro conde Rumford, mostrou que sua experiência, ao construir canhões de ferro para o
príncipe da Baviera, indicava que o calor podia ser gerado pela fricção. Isso dificilmente
poderia ser incorporado pela teoria calorífica, e Rumford inclinou-se pela vibração. Após
algumas reflexões, o Conde Rumford concluiu:
31
E, meditando sobre este assunto, não devemos esquecer de considerar a mais considerável circunstância, de que a fonte de calor gerada pelo atrito nessas experiências parece ser evidentemente inexaurível. É desnecessário acrescentar que algo que qualquer corpo ou sistema de corpos isolados possa continuar a fornecer sem limitações não poderá ser provavelmente uma substância material; e a mim, me parece extremamente difícil, se não assaz impossível, formar qualquer idéia distinta de algo capaz de ser excitado e transmitido do modo como o calor o era nessas experiências exceto se for o movimento ( ROCHA, p.149).
Mas, a questão não foi resolvida senão na metade do século XIX, e mesmo
então físicos famosos, como William Thomson (Lorde Kelvin), ainda aceitavam a hipótese do
fluido imponderável.
Se a natureza do calor era principalmente um motivo de especulação, o
desenvolvimento da termometria estimulou outro trabalho quantitativo – a medição do calor,
qualquer que fosse sua natureza. O calor das misturas – água quente e água fria – foi
examinado, especialmente por Jean-Baptiste Morin e Georg Richmann, verificando que os
corpos perdem calor para o ambiente que os circunda e que quaisquer experiências de
medidas de temperatura deveriam levar esse fato em conta, além das perdas de calor nos
próprios aparelhos em que os corpos estão contidos. Essa advertência estimulou a busca de
uma maior precisão. No entanto, o trabalho mais significativo do século XVIII foi
apresentado pelo médico, químico e físico escocês e professor da Universidade de Glasgow,
Joseph Black. A grande contribuição de Black ao estudo do calor foi sua constatação de que
corpos de diferentes matérias têm diferentes capacidades de “armazenar” calor.
Anteriormente, fora sugerido que, quando todos os corpos estão com a mesma temperatura,
todos possuem a mesma quantidade de calor, mas Black não concordou. Declarou que, à
mesma temperatura, um bloco de ferro parece mais quente que um bloco de madeira de igual
volume, pois o ferro “possui mais calor”, isto é, sua “capacidade de ‘armazenar’ calor” é
maior. Isso o levou, a formular o conceito de “calor específico” – a capacidade de um corpo
de absorver calor -, e ele foi capaz de fornecer métodos experimentais para medir essa
grandeza. Black também estudou o calor necessário para mudar gelo em água ou água em
vapor. Experiências sobre esse tópico conduziram-no a propor um segundo conceito, que ele
chamou de “calor latente”, isto é, o calor necessário a um corpo para provocar a mudança de
estado. Eram ambas idéias importantes e conduziram a uma apreciação quantitativa daquilo
que, no princípio do século XVII, parecera um assunto insolúvel.
Portanto, foi no século XIX que se conseguiu desenvolver uma teoria
consistente em relação à natureza do calor, tendo início com as idéias do Conde Rumford, que
32
defendia uma teoria vibratória para explicar o calor gerado quando se perfurava um canhão,
tendo realizado uma série de experiências para tentar obter alguma espécie de resultado
quantitativo em apoio à sua idéia. Usando um cilindro de metal e um perfurador sem corte,
colocou dois cavalos arreados em condições de fazer o cilindro girar 34 vezes por minuto. Em
algumas experiências, o cilindro foi envolto em flanela para conservar o calor; em outras,
Rumford imergiu o cilindro em um tonel e descobriu que se gerava calor suficiente para
derreter blocos de gelo que estavam boiando no tonel ou fazer ferver a água. Em cada caso, o
suprimento de calor parecia inexaurível, e se tornou claro que o calor não poderia,
simplesmente, ser um fluido imponderável.
Depois da pesquisa de Rumford, coube ao francês Sadi Carnot levar o assunto
adiante. Carnot fez uma análise permanente e particularmente penetrante de máquinas que
produziam força mecânica com o calor, concentrando-se especialmente na energia e no calor
perdidos por um motor a vapor. Foi um estudo cuidadoso que permitiu a Carnot provar que
cada motor, de qualquer espécie, podia ser dividido em três partes constituintes; cada uma
possuía uma fonte de calor (no motor a vapor, era a fornalha), uma substância que conduzia o
calor (a água e o vapor no motor a vapor) e um recipiente para o calor (no motor a vapor, o
condensador). Ao passar da fonte para o recipiente, o calor passava de uma temperatura muito
alta para uma mais baixa, e o trabalho era realizado. A partir dos resultados dessa análise,
Carnot declarou que, uma máquina perfeita, em que nenhum calor se perdesse em seu
ambiente nem houvesse perda por fricção, nenhum calor ou calórico escaparia. O motor
realiza o trabalho mecânico devido à queda de temperatura e não à perda de calor. Em suma, a
idéia era que nenhum calor jamais é criado ou destruído; ele apenas muda de um corpo para
outro. Em um motor ideal, então, seria possível – ao menos teoricamente – levar o calor de
volta ao recipiente para a fonte, e tudo se daria como no princípio do processo. Em outras
palavras, na teoria, o ciclo do calor é reversível, embora, na prática, nunca seja assim.
Em seguida, na busca de uma teoria moderna do calor, surgiu James Joule, que
fez experiências sobre a constituição dos gases e estudou o trabalho realizado por um gás
quando se expande e o calor gerado quando se comprime – duas instâncias da relação entre
ação mecânica e calor -, e em 1847 descreveu o que agora se tornou uma experiência famosa.
Consistia em uma roda de pás mergulhada na água, e na mensuração do trabalho realizado
para girar a roda e das mudanças de temperatura do banho de água. A experiência forneceu
uma determinação precisa da quantidade de trabalho necessária para gerar uma quantidade
estabelecida de calor ou, como é usualmente chamado, o equivalente mecânico do calor.
33
Os resultados de
Joule foram aproveitados por
William Thomson, depois Lorde
Kelvin, que tentou determinar as leis
matemáticas apropriadas para
expressar o trabalho de Joule, e logo
verificou que, para formulá-las,
precisava de alguma escala de
temperatura absoluta, em vez de uma escala arbitrária, baseada apenas nos pontos de
congelamento e ebulição da água ou de outro líquido conveniente. Kelvin voltou-se para o
trabalho publicado por Carnot sobre o ciclo do calor e verificou que o trabalho mecânico
realizado por um motor perfeito, sem fricção, dependia apenas da quantidade de calor, bem
como das temperaturas da fonte e do recipiente de calor. Em conseqüência, tentou encontrar
uma escala de temperatura em que a unidade de calor e de trabalho mecânico desenvolvido
fosse sempre a mesma, em qualquer parte da escala em que a diferença de temperatura se
encontrasse. Tal escala deveria ser independente da substância utilizada ou do corpo em que a
mudança de calor estivesse ocorrendo. Para conseguir isso, Kelvin teve de esclarecer a relação
precisa entre o calor gerado na experiência de Joule (aquele sobre o qual falara Carnot).
Foi nesse ponto que entrou em cena Rudolf Clausius, que se tornou conhecido
por um artigo sobre a teoria do calor. Revivendo o trabalho publicado por Carnot sobre o
motor a vapor, Clausius verificou que Carnot havia se enganado quando pensara em um motor
que trabalharia somente porque seu calórico diminuía de temperatura. Ele concordava em que
o calórico não podia ser destruído, mas afirmava que ele poderia ser convertido em outra
coisa; por exemplo, em um motor, seria convertido em trabalho mecânico. Isso o levou a
formular duas leis para expressar a relação entre o fluxo de calor e o trabalho mecânico, as
duas primeiras leis da termodinâmica. A primeira declara que, em qualquer sistema fechado, o
total da energia é constante. A segunda diz que o calor não pode passar de um corpo mais frio
para outro mais quente espontaneamente; para que isso aconteça, alguma causa externa deve
entrar em operação. Essa última lei é muitas vezes expressa dizendo-se que a entropia sempre
aumenta, sendo a entropia (do grego “trope”, transformação) a medida da indisponibilidade de
energia.
O trabalho de Clausius contribuiu para provar que o calórico de Carnot e o
calor de Joule eram os mesmos, e Kelvin tinha agora a pista de que necessitava. A quantidade
de calor tirada de uma fonte e a absorvida pelo recipiente dependem da diferença de
Figura 6 – Experiência de Joule
34
temperatura entre a fonte e o recipiente. O que o recipiente de calor não absorve é convertido
em trabalho mecânico. Além disso, se o recipiente estiver à temperatura zero e assim
permanecer, não está tirando calor da fonte. Toda a energia está, então, disponível para se
converter em trabalho mecânico. Kelvin considerou o 0 grau em sua escala “absoluta” como o
ponto de congelamento da água, e 100 graus como o de ebulição; isso lhe deu um “zero
absoluto” de -273,1 graus centigrados.
O ponto zero absoluto da escala de Kelvin não é, de fato, atingível, devido ao
modo pelo qual os átomos são construídos. O trabalho de Clausius e de Kelvin tornou claro
que o calor não era nenhum misterioso fluido sem peso, mas sim uma forma de transferência
de energia. Assim também acontecia com o trabalho mecânico. Também se tornou evidente
que nenhuma forma de energia podia ser destruída, embora uma pudesse ser convertida em
outra. Dessa constatação, chegou-se ao princípio que se tornaria conhecido como da
conservação da energia, princípio esse que já fora formulado em 1847 pelo físico alemão
Hermann Von Helmholtz, mas ao qual Clausius e Kelvin deram um significado mais
profundo.
Tentamos nesse capítulo contar um pouco dessa história fascinante do
desenvolvimento da Termodinâmica, especificamente em relação aos conceitos de calor e de
temperatura, observando a contribuição de cada cientista e os obstáculos enfrentados na
construção do conhecimento científico.
O conteúdo aqui abordado tem relevância, em nosso estudo, na medida em que
forneceu subsídios para a elaboração de atividades que compõem nossa estratégia de ensino, a
qual passaremos a descrever a seguir.
35
4 METODOLOGIA E RESULTADOS
Rigorosamente, a importância de nossas tarefas tem que ver com a seriedade com que levamos a cabo, com o respeito que temos ao executá-las, com a lealdade ao sonho que elas encarnam. Tem que ver com o sentido ético de que as tarefas devem “molhar-se” com a competência com que as desempenhamos, com o equilíbrio emocional com que as efetivamos e com o brio com que por elas brigamos. (FREIRE, 2000, p.50.)
4.1 Questionário diagnóstico
Utilizando como referência trabalhos da literatura especializada, elaboramos
um questionário (ver ANEXO 1), objetivando diagnosticar as concepções alternativas
apresentadas pelos alunos em relação aos conceitos de calor e de temperatura. Esse
instrumento de diagnóstico foi aplicado, inicialmente, a 50 alunos de uma turma da segunda
série do ensino médio (2ª “E”) de uma escola pública da cidade de Mossoró (RN).
Apresentaremos a seguir os dados coletados com a aplicação do questionário,
reproduzindo abaixo todas as questões nele contidas (assinalamos com * a resposta correta
para cada questão):
1 – Associamos a existência de calor:
a) A qualquer corpo, pois todo corpo possui calor.
b) Apenas àqueles corpos que se encontram “quentes”.
c) A situações nas quais há, necessariamente, transferência de calor. *
Alternativas % de respostas
A 54,0
B 20,0
C 26,0
Com esse questionamento, observamos que a maioria dos alunos (74%) apresentou uma
concepção errada a respeito do que seria o calor, com ênfase principalmente na idéia de
que “qualquer corpo possui calor”.
36
2 – Para se admitir a existência de calor:
a) Basta um único corpo.
b) São necessários, pelo menos, dois corpos. *
c) Basta um único corpo, mas ele deve estar “quente”.
Alternativas % de respostas
A 42,0
B 10,0
C 48,0
Essa questão vem confirmar os dados obtidos no primeiro questionamento. Poucos alunos
da turma pesquisada atentaram para a questão do calor como uma forma de energia que se
transmite de um corpo para outro, ou seja, da necessidade de existir mais de um corpo
para que ocorra a transferência de calor. Fica clara, também, a associação do calor a
corpos “quentes”, em boa parcela das respostas.
3 – Dois objetos de mesmo material, porém de massas diferentes, ficam durante muito tempo
em um forno. Ao serem retirados do forno são imediatamente colocados em contato. Nessa
situação:
a) Passa calor do objeto de maior massa para o de menor massa.
b) Nenhum dos objetos passa calor ao outro. *
c) Passa calor do objeto de menor massa para o de maior massa.
Nesse terceiro item, embora muitos alunos tenham conseguido acertar a resposta, dando a
entender que têm conhecimento sobre equilíbrio térmico, a maioria dos alunos continuou a
apresentar uma concepção errada sobre o calor, e parece não compreender a noção de
equilíbrio.
4 – Os mesmos objetos da questão anterior são agora deixados muito tempo em uma
geladeira. Nessa situação, ao serem retirados e imediatamente colocados em contato:
a) Nenhum dos objetos possui calor.
Alternativas % de respostas
A 54,0
B 38,0
C 8,0
37
b) Passa calor do objeto de maior para o de menor massa.
c) Nenhum dos objetos passa calor ao outro. *
Alternativas % de respostas
A 54,0
B 16,0
C 30,0
Nessa questão parece que a noção de equilíbrio térmico persiste em um grupo
considerável de alunos, mas a idéia de que apenas corpos quentes possuem calor foi
evidenciada mais uma vez, pois a grande maioria dos alunos assinalaram que os objetos
não possuíam calor por estarem na geladeira, isto é, “frios”.
5 – Uma pessoa afirma que seu cobertor é bom, “porque impede que o frio passe através
dele”. Esta afirmativa é:
a) Correta
b) Errada *
c) Depende do material de que é feito o cobertor
Alternativas % de respostas
A 14,0
B 18,0
C 68,0
Nessa questão, os alunos parecem conceber o frio como uma substância, cuja passagem
seria evitada por um “bom cobertor”.
6 – Quando dois corpos de tamanhos diferentes estão em contato e com a mesma temperatura,
ambos isolados do meio ambiente, pode-se dizer que:
a) o corpo maior é o mais quente
b) o corpo maior cede calor para o corpo menor
c) não há troca de calor entre os corpos *
38
Alternativas % de respostas
A 62,0
B 22,0
C 16,0
Com os dados coletados nessa questão fica evidente que a maioria dos alunos
desconhecem a idéia de equilíbrio térmico, que tem uma importância fundamental para a
compreensão correta dos conceitos de calor e de temperatura.
7 – Um estudante descalço, em uma sala de piso cerâmico, coloca seu pé esquerdo
diretamente sobre a cerâmica e seu pé direito sobre um tapete aí existente. É correto afirmar
que:
a) A temperatura do tapete é menor do que a da cerâmica.
b) O tapete e a cerâmica estão a uma mesma temperatura. *
c) A temperatura da cerâmica é menor do que a do tapete.
Alternativas % de respostas
A 30,0
B 14,0
C 56,0
Essa questão confirma o resultado do item anterior, ou seja, os alunos desconhecem a
noção de equilíbrio térmico. Evidencia, ainda, o peso da “sensação térmica” do contato
com os objetos na avaliação – errada – da temperatura dos mesmos.
8 – Observe os desenhos e responda qual a temperatura do corpo C, em cada situação:
1) tA = 40ºC tB = 40ºC 2) tA = 40ºC tB = 60ºC
TC = ? TC = ?
39
9 – Observe o desenho e responda qual a temperatura dos corpos B e C.
TB = ? TC = ?
Temperaturas do
Corpo B (TB)
% de respostas
40ºC * 52,0
20ºC 28,0
Outros valores 20,0
Embora nas questões anteriores os alunos não tenham demonstrado conhecer noções sobre
equilíbrio térmico, em se tratando dos questionamentos de número 08 e 09, os resultados
foram bem satisfatórios. Ainda assim, menos da metade dos questionados acertou o item 2
da questão 8, certamente mais difícil que o item 1. Há um número significativo de alunos
que somam as temperaturas ou as dividem entre os corpos, não compreendendo o caráter
intensivo dessa grandeza.
Após análise dos dados coletados, através da aplicação dos questionários,
constatamos que a maioria dos alunos pesquisados possui a concepção de calor como sendo
Temperaturas
(situação 2)
% de respostas
50ºC * 42,0
100ºC 24,0
Outros valores 34,0
Temperaturas
(situação 1)
% de respostas
40ºC * 70,0
80ºC 20,0
Outros valores 10,0
Temperaturas do
Corpo C (TC)
% de respostas
40ºC * 52,0
20ºC 28,0
Outros valores 20,0
40
uma substância, algo contido em cada corpo e, especialmente, naqueles corpos que se
encontram “quentes”. Isso ficou evidente ao analisarmos as respostas à segunda questão, em
que um número grande de alunos admite que, para existir calor, basta um único corpo.
Outro aspecto observado é que os alunos compreendem o calor como sendo
diretamente proporcional à temperatura; os corpos quentes possuem calor, os que estão
submetidos a uma baixa temperatura, por exemplo, abaixo de zero grau, para a maioria dos
alunos não possuem calor. Os estudantes também não atentam para a questão do equilíbrio
térmico. Essa constatação ficou clara ao analisarmos a questão de número sete (07) do
questionário.
Portanto, após análise dos dados coletados, identificamos algumas concepções
alternativas apresentadas pelos alunos pesquisados em relação aos conceitos de calor e de
temperatura, listadas a seguir:
- calor como sendo uma substância;
- o calor como algo dependente da temperatura;
- o calor existe apenas nos corpos quentes;
- temperatura como característica do material.
- ausência da noção de equilíbrio térmico.
Essas concepções constatadas nos alunos pesquisados estão de acordo com a
literatura, que descreve três características principais das concepções de calor e temperatura
apresentadas por estudantes, que estão intimamente relacionadas à forma como nos
expressamos sobre esses fenômenos na vida cotidiana: calor é uma substância; existem dois
tipos de calor (o quente e o frio) e que o calor é diretamente proporcional à temperatura
(ZYLBERSZTAJN, 1983; SILVA, 1995; MORTIMER, 1998).
4.2 Estratégia de ensino
[...} não basta enunciar a concepção correta para que os desvios sejam corrigidos; é necessário abalar as certezas, desautorizar o senso comum. E para isso nada melhor do que demonstrar a falsidade daquilo que é tido como obviamente verdadeiro demonstrando ao mesmo tempo a verdade daquilo que é tido como, obviamente falso. Meu objetivo,... foi o de polemizar, abalar, de se instalar, inquietar, fazer pensar.
Dermeval Saviani
Partindo do princípio de que vivemos em um mundo globalizado, altamente
tecnológico e em constante transformação, considerando que o ensino de Física, em nível
médio, tem como finalidade permitir ao educando a decodificação e o agir consciente como
41
cidadãos pensantes, críticos e produtivos neste mundo real, torna-se necessário uma mudança
de atitude do professor frente à metodologia a ser utilizada em sala de aula, que passa entre
outros fatores pela produção e/ou adaptação do material didático a ser trabalhado, ou seja,
requer uma mudança na postura didático-pedagógica do professor. Essa mudança de postura
deve ser flexível e acompanhar as transformações sociais e que venham atender o indivíduo
em sua formação plena. O professor deve ter a compreensão de desenvolver em seus alunos
habilidades e competências que possibilitem ao mesmo a capacidade de torna-se um agente de
transformação social; e que este conhecimento deve ser utilizado no seu desenvolvimento
sócio-cultural e pessoal. O aluno deve apropriar-se dos conhecimentos da Física e aplicar
esses conhecimentos para explicar o funcionamento do mundo natural, executar e avaliar
ações de intervenção na realidade natural, aplicando conhecimentos físicos na escola, no
trabalho e em outros contextos importantes para a vida.
Com atenção a esses princípios, bem como aos nossos pressupostos
apresentados no capítulo 2, estruturamos um curso de Termodinâmica, para o nível médio,
utilizando como base o texto do GREF (Grupo de Reelaboração do Ensino de Física). Isso,
por si só, representa uma opção metodológica diferenciada, em relação ao que muitas vezes
vemos estar presente no ensino médio da Física. O GREF privilegia aspectos relacionados ao
mundo vivencial dos alunos, favorecendo a contextualização do conhecimento.
Além do texto, elaboramos e aplicamos um conjunto de atividades. A
estratégia de ensino é constituída por atividades teóricas, experimentais, e por material
didático especificamente selecionado em virtude dos objetivos a serem alcançados com o
trabalho de pesquisa. A seguir apresentaremos as atividades desenvolvidas durante o curso de
Termodinâmica.
As atividades abaixo relacionadas estão na ordem em que foram trabalhadas.
Essa seqüência foi definida de acordo com os conteúdos a serem ministrados, que estão
contidos na Proposta Pedagógica da Escola.
Esta atividade tem como finalidade reconhecer a Termodinâmica como uma
construção humana e sua relação com o contexto cultural, social e econômico do período
histórico em que a Revolução Industrial se consolidou, bem como utilizar a história da ciência
Atividade 1 - Discussão sobre a Revolução Industrial e sua importância para o
desenvolvimento da Termodinâmica.
42
como instrumento facilitador para a compreensão da construção e desenvolvimento da
Termodinâmica. Utilizamos um texto construído por nós, baseado no livro “Civilização
Ocidental”, de Marvin Perry, que trata da relação entre a Revolução Industrial e a evolução da
Termodinâmica, através do desenvolvimento da máquina a vapor (como esse texto reproduz
uma série de informações já apresentadas no capítulo 3, resolvemos colocá-lo no ANEXO 2).
Os alunos foram divididos em grupos, para que fizessem a leitura do texto e,
em seguida, foi feita uma discussão no grande grupo, seguindo um roteiro previamente
elaborado pelo professor:
Questionamentos
� O que compreende por Revolução Industrial?
� De que inovação tecnológica fala o texto que está relacionado com a
termodinâmica? Ela surgiu espontaneamente ou por necessidade?
� A Revolução Industrial no século XVIII trouxe alguma implicação negativa
para o meio ambiente? E atualmente, o processo de industrialização afeta o
meio ambiente?
� Compreendem a existência da relação entre ciência, a técnica, a economia e a
política? Comente, apresentando exemplo.
Finalizando a atividade os alunos realizaram uma pesquisa e confeccionaram
três painéis: utilizando recortes de jornais, revistas, fotografias, frases, textos e/ou poesias; que
retrataram os temas abaixo relacionados:
� Revolução Industrial e a Termodinâmica
� Brasil do século XVIII e a Termodinâmica
� Termodinâmica e Meio ambiente.
Como foi a primeira atividade a ser desenvolvida, criou-se toda uma
expectativa em torno da aplicação da mesma, portanto os alunos foram receptivos e
conseguimos fazer um bom trabalho. Um ponto facilitador das discussões, bem como do
desenvolvimento da atividade como um todo foi que eles haviam estudado sobre a Revolução
Industrial na disciplina de História, o que facilitou em muito o andamento da atividade.
Apresentavam um bom conhecimento sobre a Revolução Industrial e facilmente conseguiram
relacionar a importância das máquinas térmicas como instrumento que facilitou e acelerou
esse processo de industrialização que estava acontecendo na Inglaterra. Despertaram ainda,
para a questão de que as máquinas térmicas não surgiram por acaso, mas para resolver uma
43
Atividade 2 – Entrevista com o calor
situação real, e que as pessoas que as construíram inicialmente, não se preocupavam com o
conhecimento científico, ou simplesmente não o tinham. No entanto, isso não foi obstáculo
para que as máquinas fossem construídas.
Outro dado, que consideramos importante foi a relação que os alunos fizeram
entre o desmatamento ocorrido nas florestas inglesas e as agressões ao meio ambiente que
ocorrem atualmente, em todo o planeta, inclusive no Brasil, em nome do progresso.
O objetivo dessa atividade foi proporcionar aos alunos um maior
aprofundamento sobre o que é o calor, do ponto de vista do conhecimento científico, de uma
maneira mais prazerosa, sem, contudo, banalizar o conhecimento. Foi entregue aos alunos um
texto de Maurício Pietrocola e Aníbal Figueiredo chamado Um “interrogatório” com o calor
e a partir do texto os alunos fizeram a leitura e algumas adaptações. Foi escolhido um aluno
para representar a figura do calor, um para ser o coordenador da entrevista e outros para serem
os entrevistadores. A sala de aula foi preparada como se fosse um estúdio de TV e os demais
alunos estavam presentes como platéia. Todo o desenvolver e planejamento da atividade
ocorreu com a participação dos alunos e do professor, não foi uma atividade levada pronta
para a sala de aula, e sim construída.
DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE
COORDENADOR:
- No dia-a-dia, usamos com freqüência a palavra calor. “Estou com calor!”, “ o calor hoje está
demais!” principalmente aqui em Mossoró, mas, também falamos: “o frio hoje está demais!”
“Estou morrendo de frio!”. Então, O calor e o frio seriam mesmo elementos opostos de
mesma natureza? Seriam essas duas “coisas” responsáveis por parte de nosso mau tempo? E o
que são o frio e o calor? Portanto, com essa entrevista queremos retirar as nossas dúvidas a
respeito desse misterioso ente físico.
ALUNO A:
- Qual o seu nome?
ALUNO X: (representando o calor)
44
- Calor.
ALUNO B:
- Então é você que provoca as secas, algumas queimadas e outros tantos acontecimentos?
ALUNO X:
- É ... mas também sou responsável pelas chuvas...
ALUNO C:
- Como? Quer dizer que é você culpado pelas cheias, pelas enchentes do Rio Mossoró?
ALUNO X:
- Sim. No fundo, sou.
ALUNO D:
- Tentamos marcar essa entrevista com você e o frio juntos, mas, como pode ver, ele não
apareceu.
ALUNO X:
- Eu sabia que ele não viria.
ALUNO D:
- Como você sabia? Ele o avisou?
ALUNO X:
- Não, não... Ele não existe! Nunca existiu! Na verdade, sou o responsável pelas geadas, pelas
tempestades de neve e pela névoa que raramente cai aqui em Mossoró.
ALUNO E:
- O quê? Como você pode esquentar e esfriar?
ALUNO X:
- posso explicar como tudo acontece. Mas talvez fosse melhor começar por um caso em
particular. Você já deve ter se esquentado, pela manhã, com a chegada dos primeiros raios
solares, não é?
ALUNO E:
- Sim, claro. Principalmente nas manhãs de período chuvoso.
ALUNO X:
- E também já deve ter pego um dia de inverno, com o céu encoberto, em que sentiu os pés
esfriarem.
ALUNO E:
- Claro que sim.
ALUNO X:
45
- Pois bem, sou o responsável por essas situações. Chego diariamente em grande quantidade
na Terra, vindo do Sol. Na verdade uma grande estrela, cuja superfície apresenta uma
temperatura de 6000 ºC.
ALUNO F;
- Se você vem de um lugar em que a temperatura é tão alta, é natural que você possa
esquentar. Mas e sobre as geadas e a sensação de frio? Como isso é possível?
ALUNO X:
- É que o Sol não me envia sozinho, mas em “bandos”. Todos nós aquecemos, mas alguns
fazem outras coisas além disso. Uns vêm com a função de colorir o mundo na forma de luzes.
Outros não são visíveis como a luz, mas têm a capacidade de esquentar muito a pele humana,
como a radiação infravermelha. E ainda há a radiação ultravioleta, que em excesso pode fazer
mal aos seres vivos, pois pode modificar o código genético das células.
ALUNO F:
-Quer dizer que você e a radiação solar são a mesma coisa?
ALUNO X:
- Nesse caso, sim. Mas nem sempre isso ocorre...
ALUNO F:
- Afinal de contas, quem é você? Ou melhor, o que é você? E como pode produzir geadas e
frio...
ALUNO X:
- Desculpe se estou complicando as coisas. Vou tentar explicar melhor. Na realidade, as
pessoas me associam com as mudanças de temperatura dos corpos, mesmo que isso nem
sempre seja verdade. Quando uma chama aquece uma panela com água, por exemplo, dizem
que estive lá. O mesmo ocorre se no lugar da chama for colocado carvão em brasa...
ALUNO G:
- Lembro de alguns relatos antigos, nos quais as pessoas afirmavam que, ao pôr um corpo
quente em contato com um frio, havia passagem de um fluido do primeiro para o segundo.
Então, você é esse tal fluido!
ALUNO X:
- Essas histórias são muito antigas. As pessoas nem se lembram mais delas.
ALUNO G:
- Não é bem assim... Muita gente ainda se lembra disso. Acreditava-se que você se escondia
no fogo e de lá seguia para toda a vizinhança, esquentando tudo ao seu redor. Havia até quem
46
dissesse que, ao se instalar nos corpos, você aumentava o “peso” deles. Você era chamado por
alguns de calórico.
ALUNO X:
- Tudo engano. Não sou um fluido nem nada de material. É que as pessoas são curiosas e, ao
tentarem compreender os fenômenos envolvendo as sensações térmicas de quente e frio,
usavam informações e idéias disponíveis na época. Percebiam que, ao receber calor, uma
barra de ferro dilatava um pouco e concluíam que a dilatação ocorria porque o ferro ganhara
algo. Esse “algo” deveria ser um tipo de matéria e, portanto, o corpo aquecido tinha seu
“peso” aumentado.
ALUNO H:
- É, e depois pararam de falar nesse tal calórico.
ALUNO X:
- Pararam porque, entre outras coisas, ao “pesarem” alguns corpos que ganhavam calor viram
que o “peso” não variava.
ALUNO H:
- Esse resultado deve ter sido inesperado. Como os estudiosos da época reagiram a isso?
ALUNO X:
- A natureza é cheia de surpresas. A todo momento ela nos desafia, exigindo novas idéias. A
reação de muitos foi abandonar a idéia de fluido e adotar outra. Outros insistiam na existência
do calórico, porém, como um fluido sem massa.
ALUNO F:
- Tudo bem. Já entendi como você esquenta as coisas e que não é um fluido. Mas estou
ficando irritado com sua má vontade em responder minha pergunta: como consegue fazer
gelo?
ALUNO X:
- Espere um pouco. Não falei isso. Afinal, não sou uma geladeira (risos). Disse que também
sou responsável pelas coisas frias. Mas é por omissão!
ALUNO F:
- Por ação ou por omissão, para mim dá no mesmo! Pode explicar, por favor.
ALUNO X:
- Pois bem. Vamos voltar à radiação solar. Qualquer uma das radiações, ao ser absorvida
pelos objetos, aumenta a vibração de suas moléculas. É uma magnífica transformação de
energia! Essa vibração que as moléculas ganham provoca o aumento de temperatura do corpo.
ALUNO F:
47
- Muito interessante...
ALUNO X:
- Ao ficarem quentes, os objetos transformam-se numa eficiente fonte de calor.
ALUNO F:
- Tudo bem, só que você ainda não explicou como pode esfriar as coisas.
ALUNO X:
- Estou chegando lá. Se o Sol não enviasse uma quantidade enorme de radiação para a Terra,
de onde as moléculas da superfície terrestre ganhariam energia para vibrar? Se não vibrassem,
permaneceriam frias. Quanto menos vibrarem, mais baixa será a temperatura do corpo que
elas constituem. Ou seja, o corpo que não ganhar calor permanecerá gelado.
ALUNO F:
- E os objetos que já estão quentes?
ALUNO X:
- Pois é... Os corpos que já se encontram com temperatura elevada podem esfriar ao perder
calor, isto é, ao cedê-lo para a vizinhança.
ALUNO I:
- É um verdadeiro crime de omissão deixar essas moléculas com pouco ou sem movimento
algum!
ALUNO X:
- Não é possível contentar todos ao mesmo tempo!
ALUNO J:
- Que dizer que o frio não existe?
ALUNO X:
- Isso mesmo. O que existe é o calor, uma maravilhosa sensação que você sente na própria
pele! Minha ausência deixa os corpos frios.
COORDENADOR:
- Obrigado a todos pela presença.
Durante a atividade, era impressionante o grau de concentração e compromisso
com que os alunos conduziram o desenvolvimento da mesma. Era visível o quanto a atividade
tinha sido bem aceita. Alguns alunos comentavam que iriam sugerir a referida atividade para
os professores de História e Filosofia, pois, acreditavam que daria certo também. No nosso
caso, acreditamos que a atividade cumpriu a sua finalidade, pois com certeza, os estudantes
aprofundaram seus conhecimentos em relação ao estudo do calor e ao mesmo tempo, que
48
Atividade 3 – Experiência: condução de calor e condutividade térmica
continuavam motivados a aprender e a descobrir mais coisas a respeito dos conceitos de calor
e temperatura. O conhecimento não estava sendo imposto aos alunos, mas, estava
acontecendo uma construção coletiva contínua e gradativa.
A condução do calor é um processo de transmissão que se manifesta com
maior intensidade nos sólidos, embora os gases e os líquidos também conduzam o calor.
Verificamos ainda, que alguns metais são melhores condutores de calor do que outros.
Material utilizado:
- dois fios metálicos, de mesmo diâmetro e de metais diferentes
- lamparina a álcool
- vela ou cera de mel de abelha
- suporte
- percevejos, brochas, etc.
Procedimento:
Utilizamos para realizar a experiência, dois fios de mesmo diâmetro e de
mesmo comprimento, um fio de cobre e outro de alumínio. Enrolamos uma das extremidades
dos fios entre si. Em seguida, utilizando a cera prendemos as brochas ao longo dos pedaços
livres dos fios de cobre e alumínio num intervalo máximo de 2 cm..
Com o auxílio do suporte, prendemos a barra horizontalmente e com a chama
da lamparina aquecemos a extremidade dos fios em que se encontravam enroladas entre si.
Resultado observado:
Observou-se que a cera ia-se derretendo e as brochas iam caindo a partir da
extremidade aquecida.
Explicação:
Quando se aquece a extremidade dos fios de metais aumenta-se o estado de
agitação dos átomos do metal. Essa agitação ou vibração se transmite aos átomos vizinhos e
vai-se propagando gradativamente por todo o fio. Esse é o modelo explicativo da transmissão
de calor por condução. Quando o calor atinge a cera em que está presa a brocha ela se derrete
e a brocha cai. Verifica-se que as brochas caem sucessivamente a partir da extremidade
aquecida, evidenciando-se o sentido da condução do calor. Observando que em um dos metais
ela comecará a cair antes.
Questionamentos:
49
Atividade 4 – Experiência: calor específico
1) O que foi observado?
2) Por que isso acontece?
3) O tempo necessário para que o calor atinja a cera onde está presa cada brocha. É
pequeno ou bem maior do que se espera? Por quê? E, esse tempo é igual para os dois
fios?
4) Por que os cabos das panelas são de plástico ou de madeira?
Os alunos ficaram empolgados com essa atividade, principalmente no
momento que as brochas começaram a cair Então, eles tentaram buscar explicações para o que
estava acontecendo e chegaram à conclusão de que algo tinha sido transmitido através dos
fios e que mais rapidamente no fio de cobre. Após os questionamentos e discussões,
explicamos para os alunos que, à medida que recebem calor da chama, os átomos ou
moléculas da estrutura cristalina do metal vibram mais intensamente. Esse movimento
vibratório se transmite de átomo para átomo, de molécula para molécula, em interações
sucessivas. Através dessas interações, a energia cinética de cada partícula é transferida a outra
– essa transferência de energia cinética é a transferência do calor.
Material utilizado:
- bola de sinuca e chumbadas de rede de pesca.
- 2 béqueres
- água
- 2 copos grandes de vidro
- termômetro.
Procedimento:
1. Coloque a mesma quantidade de água nos dois béqueres. Depois acrescente a um béquer a
bola de sinuca e ao outro as chumbadas.
2. Leve os béqueres ao fogo, deixando a água de cada um ferver por cerca de 5 minutos.
3. Enquanto a água ferve, coloque água até a metade em outros dois copos.
50
Atividade 5 – Diferenciação dos conceitos de calor e temperatura
4. Após a fervura, retire a bola de sinuca e coloque-a em um dos copos que você colocou
água até a metade.
5. . Retire também as chumbadas e coloque-as no outro copo.
6. Depois de aproximadamente 3 minutos, veja qual dos copos tem água mais quente. Para
isso, use um termômetro.
Conclusão:
Com esta atividade os alunos em sua grande maioria, verificaram que a bola de
sinuca apresentava calor específico maior do que as chumbadas. A idéia era a seguinte: como
foi elevada a temperatura dos dois materiais a 100ªC, assim, o que precisou ganhar mais calor
para chegar aos 100ªC liberou mais calor quando colocado em água fria. No copo em que a
água ficou mais quente estava o material de maior calor específico.
No entanto, um grupo de alunos, argumentou o seguinte, e se a experiência for
feita com corpos de mesmo material e massas diferentes, o que irá ocorrer? Ao planejarmos a
atividade, não tínhamos pensado nessa hipótese, acreditávamos que poderia surgir dúvida em
relação ao volume, mas, não em relação a massa. Então, o grupo foi convidado a repetir a
experiência, utilizando um mesmo tipo de material, no caso, as chumbadas, e em seguida
deveria apresentar o resultado a turma, realizaram o experimento, e concluíram que existe
uma relação entre a massa e a quantidade de calor absorvida e a liberada, pois, o corpo de
maior massa, provocou um aquecimento maior da água. Mas, o calor específico era o mesmo,
pois, o material era o mesmo, portanto, teria uma outra grandeza envolvida, que seria a
capacidade térmica.
Esta atividade é proposta por Silva (1995), que estudou as trajetórias
cognitivas de alunos no ensino da diferenciação dos conceitos de calor e temperatura. A
atividade é muito interessante, pois, através do texto procura-se deixar bem claro a diferença
entre os dois conceitos, embora exista uma relação entre ambos. Portanto, resolvemos
trabalhar esta atividade por a mesma esta de acordo com os objetivos de nosso trabalho de
pesquisa.
Na aula que antecedeu a atividade foi pedido aos alunos que fizessem a
leitura em casa do texto: “Diferenciação dos conceitos de Calor e Temperatura”
(SILVA,1995) para facilitar a discussão em sala de aula. No desenvolvimento da atividade,
51
inicialmente a turma foi dividida em grupos, para que fizessem a leitura do texto e se
preparassem para o debate no grande grupo. Mas, agora, os grupos fariam a leitura do texto
com um roteiro contendo alguns questionamentos que serviriam como base para a discussão
final com todos os grupos.
Questionamentos:
1. Em seu dia a dia como utiliza os conceitos de calor e de temperatura? Acredita que são a
mesma coisa?
2. De acordo com Black: "Se fosse suficiente uma quantidade muito pequena de calor
transmitida pelo ar, na primavera, para reduzir em água imensas quantidades de gelo e
neve, formados ao longo do inverno, assim a fusão seria operada em poucos minutos e
inevitavelmente iria produzir inundações catastróficas". O que Black quer desmistificar
com isso? Você concorda com ele?
Texto: Diferenciação dos conceitos de Calor e de Temperatura
É comum usarmos os conceitos de calor e de temperatura como sinônimos,
quando são empregados indistintamente: “hoje está muito calor”, “ele queimou a mão porque
a panela passou temperatura” etc. Ainda, para complicar mais se usa os dois conceitos como
propriedade de algo: “O piso de cerâmica é frio”, “carne gordurosa é muito quente” etc.
Este contexto sintetiza o pensamento espontâneo encontrado nas falas de
muitas pessoas (mesmo as escolarizadas!), e uma rápida olhada na história da ciências permite
reconhecer idéias semelhantes em pensadores da antigüidade. De fato, o conceito de calor era
entendido na Grécia antiga por Aristóteles (384-322 a.C.) como sendo uma substância que
permeava a matéria ou ainda para Platão (427-347 a.C.) o fogo era um elemento que ao
penetrar na matéria, colocava as partículas do corpo em movimento, e para ser esfriado, o ar
iria expulsar o fogo e comprimir novamente as partículas. Já o conceito de temperatura surge
nos tratados do célebre médico Galeno (129-200), o qual afirmava que no corpo humano há
uma mescla (mistura) de calor e de frio e que o homem são possui quantidades iguais desses
elementos, sendo que os estados de doença eram determinados pelo desequilíbrio dessa
quantidades. Quando se traduziu as obras de Galeno para o latim, a palavra mescla foi
traduzida pela equivalente: temperatura. O sucesso desses tratados médicos e a conseqüente
repercussão alcançada fizeram aparecer a palavra temperatura, nos discursos de todos os
cientistas que vieram depois.
52
Assim temperatura por muito tempo passa a representar a medida do calor, o
que significava que os dois conceitos expressavam a mesma idéia. No século XVI, Francis
Bacon (1561-1626), propõe uma nova concepção do calor, qual seja, de que o calor era o
movimento vibratório das partículas de um corpo. Esta nova idéia é geradora de uma também
nova corrente de pensamento na Física, da teoria mecânica do calor, a qual irá ser
desenvolvida e modificada nos 200 anos seguintes, configurando como a mais aceita hoje em
dia, em detrimento da anterior que reconhecia o calor como substância.
Voltando ao propósito central deste texto, para todo cientista e pensador dos
séculos XVI e XVII, calor e temperatura eram conceitos idênticos, mesmo sendo adeptos de
uma ou de outra teoria. O aperfeiçoamento do termômetro no século XVIII, por Daniel
Fahrenheit (1686-1736), permite que se possa medir a temperatura de forma muito precisa,
reforçado a idéia de que os conceitos eram iguais.
Foi só em 1760 que Joseph Black (1728-1799), realiza experiências muito
precisas para medir os pontos de ebulição da água e de fusão do gelo, observado que mesmo
estando a fornecer calor para uma massa de água ou de gelo, nestes pontos a temperatura não
se altera, o que implica em distinguir os dois conceitos. Nas palavras do próprio Black:
"A fusão está universalmente considerada como produzida por uma pequena
adição de uma quantidade de calor a um corpo sólido, quando ele é aquecido até o seu ponto
de fusão e o retorno de tal corpo para o estado sólido depende de uma pequena diminuição da
quantidade de calor após ele ter esfriado de um mesmo número de graus. Acreditava-se que
esta pequena adição de calor ao corpo não fazia necessariamente o aumento de um pequeno
valor na temperatura de um corpo, indicada pela medida de um termômetro, colocado no
líquido resultante. [...] encontrei uma razão para desaprová-la, como inconsistente em relação
a muitos fatos observáveis quando atentamente considerados. [...] Quando o gelo ou outra
substância é fundida, eu penso que ele recebe uma grande quantidade de calor, maior que
aquela que é perceptível nele, imediatamente depois por meio de um termômetro. "Uma
grande quantidade de calor penetra a substância naquela ocasião sem aparentemente fazê-lo
mais quente. Este calor, contudo deve ser introduzido para lhe dar forma de líquido e eu
afirmo que esta maior adição é a principal causa da liquefação produzida”. Em outro trecho da
obra ele usa um argumento simples e convincente: "Se fosse suficiente uma quantidade muito
pequena de calor transmitida pelo ar, na primavera, para reduzir em água imensas quantidades
de gelo e neve, formados ao longo do inverno, assim a fusão seria operada em poucos minutos
e inevitavelmente iria produzir inundações catastróficas" (extraído da obra Lectures on the
Elements of Chemistry, de 1803).
53
Para entendermos o que Black quer dizer com estas palavras, devemos conotar
que o fato do gelo se fundir a uma temperatura constante já era conhecido, mas se acreditava
que uma pequena quantidade de calor era suficiente para transformar muito gelo em água
líquida. Black argumenta o contrário. Outro ponto importante é o cuidado que devemos ter
com as palavras do autor, pois ele foi um adepto do modelo substancialista do calor.
Após a aceitação da teoria mecânica (ou cinética) do calor, passou-se a
relacionar temperatura ao grau de agitação das partículas de um corpo, sendo uma medida
média e macroscópica, tendo relação com o calor, mas não sendo a mesma coisa. Por fim, o
calor, após o estabelecimento da teoria mecânica será entendido como a energia que é
transferida de um corpo a outro, devida uma diferença nos valores de temperaturas dos
corpos. Quando esta energia é recebida, fará aumentar a energia cinética das partículas do
corpo que recebeu.
DESENVOLVIMENTO E CONCLUSÃO DA ATIVIDADE
Após a leitura do texto tentamos fazer com que os alunos despertassem através
das discussões para o aspecto que Black tenta provar no seu texto: a ruptura com a crença de
que para fundir, por exemplo, um bloco de gelo, seria necessário o fornecimento de uma
pequena quantidade de calor, pois como a temperatura não variava durante o processo, se
acreditava que esta fosse a medida do calor. Então essa pequena quantidade iria acrescentar
uma dimensão desprezível na temperatura. Black tenta provar que muito pelo contrário, é
necessário uma grande quantidade de calor, pois era fato conhecido a constância do valor da
temperatura durante a mudança de estado de algumas substâncias. Além de fazer com que os
alunos pudessem discutir em grupos suas concepções sobre os conceitos de calor e
temperatura, tendo em vista que já haviam participado de outras atividades relativas ao tema e
que, portanto, apresentavam conhecimento e maturidade suficiente para discutir e/ ou
confrontar seus conhecimentos espontâneos com o conhecimento científico trabalhado pela
escola.
Acreditamos que essa atividade cumpriu a sua finalidade, pois a discussão foi
bastante interessante e proveitosa para os alunos, que tiveram contato com um texto científico,
refletiram um pouco mais sobre suas idéias em relação aos conceitos de calor e temperatura,
ficando ainda mais interessados em conhecer e compreender mais sobre os conceitos
trabalhados, tendo em vista que tais conceitos fazem parte do cotidiano dos mesmos.
54
Atividade 6 – Construção de uma Máquina Térmica
O calor é uma forma de energia, sendo possível, portanto, transformá-lo em
energia mecânica. Os dispositivos que efetuam esta transformação, tornando possível a
realização de trabalho a partir do calor, são denominados máquinas térmicas.
Esta atividade consiste na construção de um modelo rudimentar de máquina
térmica, em que os alunos terão oportunidade de observar alguns aspectos relativos ao
funcionamento das máquinas, bem como aos conteúdos envolvidos. Tais como: mudança de
estado da água, rendimento e leis da termodinâmica.
Material utilizado:
1. Lata de refrigerante vazia.
2. Lamparinas pequenas a álcool ou giz embebido com álcool.
3. Agulha número 2 de injeção de uso veterinário
4. Diversos: cola durepoxi, pedaços de isopor, arame, madeira e alumínio, cordões,
carretel de máquina de costura ou semelhante, papel cartão, etc.
Procedimento: Construção da caldeira
1. Retire totalmente a tampinha da lata.
2. Faça um pequeno furo no meio da tampinha e encaixe nele a agulha de injeção
colando-a.
3. Coloque um pouco d’água na lata de refrigerante.
4. Recoloque a tampinha no local de onde foi tirada utilizando para isso cola durepoxi
com a agulha voltada para fora da lata.
5. Apóie horizontalmente a caldeira numa armação de arame de maneira que a agulha
fique na parte mais alta.
6. Abaixo da caldeira coloque as lamparinas a álcool (fonte de energia térmica da
caldeira).
Procedimento: Construção da turbina
1. Cole, nas laterais do carretel, aletas de papel cartão, isopor ou de alumínio.
2. Ponha a turbina numa armação, ajustando a altura para que coincidam com a
agulha da caldeira, por onde sairá o jato de vapor de água.
Resultado:
Além da própria movimentação da turbina, é interessante ressaltar o fluxo
contínuo e uniforme de vapor que se forma depois que a água entra em ebulição. A turbina
55
gira por ação direta e visível do vapor decorrente do aquecimento e da ebulição da água. Vale
apena destacar a enorme quantidade de vapor que uma pequena quantidade de água pode
gerar e a energia obtida nessa mudança de estado da água. Salientamos que, a montagem
proposta não é uma máquina térmica no sentido estrito do termo, pois não tem uma
característica básica: o movimento em ciclos causado pela transferência de calor entre um
fluido e duas fontes externas com temperaturas diferentes. Mas não há dúvida: toda turbina
com as mesmas características da turbina que construímos pode realizar trabalho a partir do
calor. Portanto, no sentido amplo do termo, nossa montagem pode ser considerada uma
máquina térmica.
4.3 – Avaliação após aplicação da estratégia de ensino
Depois de elaborada e aplicada a estratégia de ensino, aplicamos novamente o
questionário (diagnóstico) na referida turma, com a finalidade de verificarmos se ocorreu
alguma mudança na concepção dos alunos em relação aos conceitos de calor e de temperatura.
Aplicamos, ainda, o questionário a uma outra turma, na qual não foi trabalhada a estratégia de
ensino, e que teve um curso de termodinâmica em que o principal recurso metodológico
utilizado foi a exposição dialogada. A turma escolhida foi a 2ª série “C” do mesmo
estabelecimento de ensino, por apresentar as mesmas características e o mesmo número de
alunos da 2ª série “E” (turma em que foi aplicada a estratégia). O objetivo de se aplicar o
questionário a essa turma é utilizá-la como referência, para observarmos e/ou constatarmos se
com a introdução de pequenas mudanças na metodologia desenvolvida em sala de aula, com o
professor fazendo um diagnóstico das concepções alternativas dos alunos em relação aos
conceitos a serem trabalhados e a partir daí produzir ou adaptar o material didático a ser
utilizado em suas aulas, se efetivaria em um ensino mais significativo para os alunos.
Na 2ª série “C” não houve a preocupação em diagnosticar as concepções
alternativas apresentadas pelos alunos, bem como em preparar um material didático específico
para se trabalhar a concepção científica sobre os conceitos de calor e de temperatura.
Apresentaremos, a seguir, os resultados obtidos com o questionário antes e
depois da aplicação da estratégia de ensino elaborada, na 2ª série “E”, bem como as respostas
da 2ª série “C” às mesmas questões.
56
2ª “E” – Antes da
aplicação da E.E.
2ª “E” – Depois da
aplicação da E.E.
2ª “C”
Turmas pesquisadas
A
B
C
QUESTÃO 1:
Turmas pesquisadas Alternativas
2ª “E” – Antes da
aplicação da E.E.
2ª “E” – Depois da
aplicação da E.E.
2ª “C”
A 54,0% 6,4% 21,3%
B 20,0% 4,2% 19,1%
C* 26,0% 89,4% 59,6%
QUESTÃO 2:
Turmas pesquisadas Alternativas
2ª “E” – Antes da
aplicação da E.E.
2ª “E” – Depois da
aplicação da E.E.
2ª “C”
A 42,0% 8,5% 31,9%
B* 10,0% 74,5% 36,2%
C 48,0% 17,0% 31,9%
57
2ª “E” – Antes
da aplicação da
E.E.
2ª “E” – Depois
da aplicação da
E.E.
2ª “C”
Turmas pesquisadas
A
B
C
2ª “E” – Antes da
aplicação da
E.E.
2ª “E” – Depois
da aplicação da
E.E.
2ª “C”
Turmas pesquisadas
A
B
C
QUESTÃO 3:
Turmas pesquisadas Alternativas
2ª “E” – Antes da
aplicação da E.E.
2ª “E” – Depois da
aplicação da E.E.
2ª “C”
A 54,0% 12,8% 25,5%
B* 38,0% 78,7% 57,4%
C 8,0% 8,5% 17,0%
58
QUESTÃO 4:
Turmas pesquisadas Alternativas
2ª “E” – Antes da
aplicação da E.E.
2ª “E” – Depois da
aplicação da E.E.
2ª “C”
A 54,0% 14,9% 29,8%
B 16,0% 8,5% 12,8%
C* 30,0% 76,6% 57,4%
2ª “E” – Antes da
aplicação da E.E.
2ª “E” – Depois
da aplicação da
E.E.
2ª “C”
Turmas pesquisadas
A
B
C
QUESTÃO 5:
Turmas pesquisadas Alternativas
2ª “E” – Antes da
aplicação da E.E.
2ª “E” – Depois da
aplicação da E.E.
2ª “C”
A 14,0% 6,4% 12,8%
B* 18,0% 85,1% 70,2%
C 68,0% 8,5% 17,0%
59
2ª “E” – Antes da
aplicação da E.E.
2ª “E” – Depois
da aplicação da
E.E.
2ª “C”
Turmas pesquisadas
A
B
C
QUESTÃO 6:
Turmas pesquisadas Alternativas
2ª “E” – Antes da
aplicação da E.E.
2ª “E” – Depois da
aplicação da E.E.
2ª “C”
A 62,0% 8,5% 25,5%
B 22,0% 10,6% 31,9%
C* 16,0% 80,9% 42,6%
2ª “E” – Antes da
aplicação da E.E.
2ª “E” – Depois
da aplicação da
E.E.
2ª “C”
Turmas pesquisadas
A
B
C
60
QUESTÃO 7:
Turmas pesquisadas Alternativas
2ª “E” – Antes da
aplicação da E.E.
2ª “E” – Depois da
aplicação da E.E.
2ª “C”
A 30,0% 4,3% 10,6%
B* 14,0% 85,1% 61,7%
C 56,0% 10,6% 27,7%
2ª “E” – Antes da
aplicação da
E.E.
2ª “E” – Depois
da aplicação da
E.E.
2ª “C”
Turmas pesquisadas
A
B
C
QUESTÃO 8:
QUESTÃO 8 - SITUAÇÃO 1
Turmas pesquisadas Temperaturas
2ª “E” – Antes da
aplicação da E.E.
2ª “E” – Depois da
aplicação da E.E.
2ª “C”
40ºC* 70,0% 93,6% 74,5%
80ºC 20,0% 4,3% 21,3%
Outros valores 10,0% 2,1% 4,2%
61
2ª “E” – Antes
da aplicação
da E.E.
2ª “E” –
Depois da
aplicação da
E.E.
2ª “C”
Turmas pesquisadas
40ºC
80ºC
Outros valores
QUESTÃO 8 – SITUAÇÃO 2
Turmas pesquisadas Temperaturas
2ª “E” – Antes da
aplicação da E.E.
2ª “E” – Depois da
aplicação da E.E.
2ª “C”
50ºC* 42,0% 91,5% 76,6%
100ºC 24,0% 6,4% 21,3%
Outros valores 34,0% 2,1% 2,1%
2ª “E” – Antes
da aplicação
da E.E.
2ª “E” –
Depois da
aplicação da
E.E.
2ª “C”
Turmas pesquisadas
50ºC
100ºC
Outros valores
62
QUESTÃO 9: Temperatura do Corpo B (TB)
Turmas pesquisadas Temperaturas
2ª “E” – Antes da
aplicação da E.E.
2ª “E” – Depois da
aplicação da E.E.
2ª “C”
40ºC* 52,0% 89,4% 74,5%
20ºC 28,0% 8,5% 21,3%
Outros valores 20,0% 2,1% 4,2%
2ª “E” –
Antes da
aplicação da
E.E.
2ª “E” –
Depois da
aplicação da
E.E.
2ª “C”
Turmas pesquisadas
40ºC
20ºC
Outros valores
Temperatura do Corpo C (TC)
Turmas pesquisadas Temperaturas
2ª “E” – Antes da
aplicação da E.E.
2ª “E” – Depois da
aplicação da E.E.
2ª “C”
40ºC* 52,0% 89,4% 74,5%
20ºC 28,0% 8,5% 21,3%
Outros valores 20,0% 2,1% 4,2%
63
2ª “E” –
Antes da
aplicação da
E.E.
2ª “E” –
Depois da
aplicação da
E.E.
2ª “C”
Turmas pesquisadas
40ºC
20ºC
Outros valores
Muitos questionamentos podem ser feitos em relação a esse procedimento. Por
um lado, os alunos da 2ª série “E” já estavam familiarizados com as perguntas do
questionário, o que propiciou um rendimento mais satisfatório do que o dos alunos da outra
turma, para quem as questões eram novas. Por isso, pode-se questionar se o uso do mesmo
instrumento, “antes” e “depois”, é ou não adequado nesse caso.
Por outro lado, houve uma falha em não aplicarmos o instrumento diagnóstico,
antes, na 2ª série “C”. Dessa forma, não foi possível vislumbrar a evolução dessa turma.
De qualquer modo, acreditamos que os dados obtidos colaboram na avaliação
de nossa estratégia de ensino, na medida em que sejam complementados por outras
informações de natureza descritiva e qualitativa, que ajudem a construir um “quadro” da
experiência realizada.
Uma observação que consideramos interessante foi a participação dos alunos
nas aulas e os altos índices de freqüência e aprovação. Eram espontâneos, e eu não tinha que
ficar “lutando” para conseguir realizar as atividades. Eles conheciam a seqüência e, alguns,
até se preparavam em casa para realizá-las.
Nas atividades experimentais a turma teve que ser dividida: enquanto metade
fazia a atividade, a outra metade permanecia em sala de aula, fazendo atividades
complementares, como, por exemplo, lendo os textos (todos os alunos tinham a estratégia e o
mais importante sozinhos). Outro ponto que me deixou muito feliz é que na turma existiam
quatro alunos que estavam na dependência em Física, ou seja, cursavam a 3ª série do ensino
64
médio no matutino e cursavam a disciplina de Física no vespertino por terem sido reprovados
no ano anterior. E, por felicidade nossa, os quatro alunos que haviam sido reprovados em
Física, fizeram o vestibular e dos quatro, três foram aprovados no último vestibular da
Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (2007), para o curso de Licenciatura em
Física.
Outro aspecto que observamos e consideramos importante foi a participação
dos alunos nas atividades que envolvia a História da Ciência, eles demonstraram um interesse
muito grande; liam os textos com prazer e participavam ativamente das discussões e com isso,
a atividade fluía de forma prazerosa. Alguns alunos comentavam: “professor, Física não
poderia ser ensinada sempre assim, fica bem mais fácil compreender os conceitos”.
Acreditamos que os educadores, principalmente do Ensino Médio não podem deixar de
utilizar um instrumento tão importante, como a História da Ciência, no processo ensino-
aprendizagem de seus alunos.
Portanto, acreditamos que o trabalho tenha valido a pena, apesar das
dificuldades. É muito bom saber que fizemos, estamos fazendo e continuaremos a fazer algo
para melhorar a nossa atuação como professor do ensino médio.
65
5 CONCLUSÕES
Não gosto de conclusões. Conclusões são chaves que fecham (do latim con e
claudere, fechar). Palavras não conclusivas, que deixam abertas as portas das
gaiolas para que os pássaros voem de novo. Cada conclusão faz parar o
pensamento. Como nos livros de Agatha Christie: resolvido o crime, nada sobra
em que pensar. E não adianta ler o livro de novo. Quando o pensamento aparece
assassinado, pode-se ter a certeza de que o criminoso foi uma conclusão...
( ALVES, 2001, p.26.)
Esta pesquisa esteve centrada em diagnosticar as concepções alternativas de
alunos da 2ª série do ensino médio em relação aos conceitos de calor e de temperatura como
embasamento para elaboração e aplicação de uma estratégia de ensino. A estratégia seria uma
forma de dar maior significado ao ensino de ciências, em especial ao ensino da Física.
Procuramos inserir em nossa estratégia de ensino a História da Ciência como uma maneira de
auxiliar o aluno a compreender a Física como algo mais do que simples fórmulas a serem
memorizadas, mas como uma construção humana que leva tempo e que depende do contexto
histórico em que esse conhecimento está sendo produzido. Tentamos mostrar aos nossos
alunos a ciência como uma construção de natureza humana, “feita por homens e para homens”
(PRIGOGINE; STENGERS, 1979, Apud HÜLSENDEGER,2004 p.146). E, portanto, tendo
características bem humanas, apresenta um desenvolvimento que não é linear ou cumulativo.
Assim, para compreendermos, por exemplo, as motivações que levaram à
construção das primeiras máquinas térmicas e, como conseqüência, à Revolução Industrial
instaurada no século XVIII na Inglaterra, torna-se importante conhecermos e entendermos a
luta de todos aqueles que antecederam esse período e a forma como conseguiram superar
modelos do que era considerado, na época, fazer ciência. Compartilhamos a crença de que a
compreensão desse processo pode auxiliar a desmistificar a ciência e aumentar as
possibilidades do aluno de participar da construção e do controle dos conhecimentos.
Outro dado importante que identificamos em nossa pesquisa é a importância do
conhecimento por parte dos professores das concepções alternativas apresentadas pelos alunos
diante dos conceitos que pretendemos desenvolver. Partimos do princípio de que ao ignorá-las
ou menosprezá-las poderemos estar correndo o risco de dificultar, ainda mais, o processo de
ensino-aprendizagem. Temos que compreender e perceber os alunos como sujeitos com idéias
e explicações próprias para a realidade que os cercam. O reconhecimento da presença dessas
66
representações, trazidas pelos alunos para dentro da sala de aula, pode também auxiliar os
professores a compreender melhor o caráter relativo do processo de ensinar e aprender. Ou
seja, entender que não será pela simples repetição de conceitos aceitos pela Ciência, que o
aluno irá abandonar suas próprias explicações para os fenômenos à sua volta.
E quanto à compreensão dos fenômenos termodinâmicos? Houve uma
melhora? Foram alcançados os objetivos pretendidos por esta pesquisa?
Algo que este trabalho nos ensinou foi conseguir compreender e aceitar a
relatividade do processo de ensino-aprendizagem. Assim, minha resposta às duas questões
anteriores seria um sim, apesar de que, ao fim do trabalho, alguns de meus alunos:
• Ainda continuem a ter problemas em distinguir as diferenças entre os conceitos de
calor e de temperatura;
• Tenham, um ano depois, dificuldades em trabalhar com as equações que descrevem os
fenômenos termodinâmicos; e
• Continuem a encontrar dificuldades em estabelecer conexões entre o que estudam na
Física e o seu cotidiano.
Mas, talvez, eles hoje compreendam um pouco melhor que a Ciência e,
portanto, a Física,
Não é uma atividade exercida pelos homens desde toda a eternidade e sob as mesmas formas, nascida um belo dia já pronta da cabeça de um cientista, mas que ela é determinada ou, pelo menos, condicionada por fatores históricos, sócio-econômicos, tecnológicos, ideológicos e psicológicos (JAPIASSU, 1999, p.226).
Para concluir, ainda resta uma última questão: como tudo isso se refletiu em
minha prática docente?
Hoje, meus olhos estão mais abertos, minha visão dos diferentes contextos de
uma sala de aula está mais clara e abrangente. Hoje, vejo caminhos que antes sequer percebia
diferentes de todos aqueles até hoje percorridos.
Sentimos-nos mais preparado em aceitar as dificuldades dos nossos alunos
como parte de um processo amplo e complexo de construção do conhecimento. Processo
também vivenciado por todos os grandes homens da Ciência em todos os tempos. Sentimos-
nos, hoje, mais reflexivo e menos rígido na defesa de verdades absolutas e certezas imutáveis,
pois compreendo melhor que “Uma verdade congelada torna-se uma anestesia intelectual. Seu
efeito paralisante gera inúmeras doenças de espírito, entre as quais a paralisia adulta da
inteligência” (JAPIASSU, 1999, p.328). Enfim, hoje, definitivamente, não sou o mesmo
67
professor de ontem, confinado em uma sala de aula, mas consciente da necessidade de se
continuar estudando e procurando novos caminhos na direção de um ensino de ciência mais
eficiente e que faça sentido para os alunos.
E, como Rubem Alves, também não gosto de conclusões, pois não acredito que
elas existam.
E se a vida é um grande enigma, não acreditemos, portanto, que este seja o
final de um caminho ou um pensamento que foi assassinado (ALVES, 2001), mas um começo
ou, quem sabe, um recomeço de uma nova jornada. Que possamos aprender com essa e com
outras experiências a encarar as dificuldades com esperança. Que possamos aprender a nos
ver como parte de algo bem maior do que aquilo que nossos sentidos são capazes de perceber.
E, finalmente, que possamos voltar a nos “admirarmos com as coisas do mundo”
(GAARDER, 1995, p. 30), encarando-o com expectativa, não temendo a incerteza, pois ela
representa o desafio que nos faz querer sempre avançar e crescer.
68
6 – REFERÊNCIAS
AGABRA, J. Echanges Thermiques. ASTER, 1986.
ALVES, Rubem. A Alegria de Ensinar. 5. ed. São Paulo: Papirus, 2002.
BACHELARD, Gaston. A Formação do Espírito científico: contribuição para uma
psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
BASSALO, J. M. F. Crônicas da Física. Belém: UFPA, 1991.
BERNAL, J. D. História Social de la Ciência. Barcelona: Ed. Península, 1979.
BRASIL, MEC. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares
Nacionais: ensino médio. Brasília, 2002.
BIZZO, N. M.V. História da Ciência e ensino: onde terminam os paralelos possíveis? Em
aberto, v.11, n. 55, 1992.
CROMBIE, A.C. Historia de la Ciencia: de San Agustín a Galileu. (tradução de J. Bernia).
4. ed. Madrid: Alianza Editorial, 1985. 2.V.
DELIZOICOV, Demétrio et al. Ensino de Ciências: fundamentos e métodos. São Paulo:
Cortez, 2003.
EINSTEIN, Albert; INFELD, Leopold. A Evolução da Física. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar,
1980.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia: romance da história da filosofia. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
GALILEU L, Galilei. O Ensaiador. (tradução de H. Barraco, org.). São Paulo: Abril Cultural,
1987 [original de 1623].(coleção os pensadores).
GASPAR, Alberto. Física: termodinâmica. São Paulo: Ática, 2000.
GASPAR, Alberto. Experiências de Ciências para o Ensino Fundamental. São Paulo:
Ática, 2003.
GILBERT, A. Origens Históricas da Física Moderna. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1982.
69
GILBERT, J. K.; ZYLBERSTAJN, A. A Conceptual framework for science education: the
case study of force and movement. International Journal of Science Education, v.7, n.2, p.
107-120, 1985.
GREF (Grupo de Reelaboração de Ensino de Física). Física 2. Física Térmica/Óptica 4. ed.
São Paulo: EDUSP, 1998.
HAMBURGER, W. Ernst. O que é física. São Paulo: Primeiros passos, 1995.
HÜLSENDEGER, Margarete. Termodinâmica e Revolução Industrial: Contribuições da
História da Ciência ao Ensino da Física. Rio Grande do Sul, 2004. Dissertação de Mestrado,
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. PUC.
JAPIASSU, Hilton. As Paixões da Ciência: estudos de História das Ciências. 2. ed. São
Paulo: Letras & Letras, 1999.
KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1987.
LOPES, Alice Ribeiro Casimiro. Conhecimento escolar: ciência e cotidiano. Rio de Janeiro:
Ed. da UERJ, 1999.
MATTHEWS, Michael R. História, Filosofia e Ensino de Ciências: A tendência atual de
reaproximação. Caderno Catarinense do Ensino da Física, Florianópolis, v.12, n.3,. p.164-
214, 1995.
MÁXIMO, Antônio; ALVARENGA, Beatriz, Curso de Física. São Paulo: Scipione, 2000.
v. 2.
MORTIMER, Eduardo Fleury; AMARAL, Luiz Otávio F. Quanto mais quente melhor: calor
e temperatura no ensino de termoquímica. Revista Química Nova na Escola, n. 7, p. 30-34,
1998.
OSTERMANN, Fernanda; MOREIRA, Marco A. A Física na Formação de Professores do
Ensino Fundamental. Porto Alegre: ed. Universidade/ UFRGS, 1999.
PEDUZZI, L. O. Q., As Concepções espontâneas, a resolução de problemas e a História e
Filosofia da Ciência em um curso de Mecânica. Florianópolis, 1988. Tese de Doutorado –
UFSC.
PERRY, Marvin et al. Civilização Ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins
Fontes, 1985.
70
PIETROCOLA, Maurício. Ensino de Física: Conteúdo, metodologia e epistemologia em
uma concepção integradora. Florianópolis: editora da UFSC, 2005.
POZO, Juan Ignacio. Teorias Cognitivas da Aprendizagem, 3. ed. Porto Alegre: Artmed,
2002.
POZO, Juan Ignácio. Aprendizage de la ciência y pensamiento causal. Madrid: Visor,
1987.
POZO, Juan Ignacio. Pensamiento causal: un cemento para los ladrillos del conocimiento.
Boletín de Psicologia, 14, 45–77, 1987b.
RODITI, Itzhak. Dicionário Houaiss de Física. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
RONAN, A. Colin. História Ilustrada da Ciência: A ciência nos séculos XIX E XX. Vol. 4,
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
RONAN, A. Colin. História Ilustrada da Ciência: Da renascença à revolução científica. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. v. 4.
SCHURMANN, P. F. Luz y Calor – 25 Siglos de hipóteses a cerca de sua Natureza.
Buenos Aires: Espasa – Calpe Argentina, 1946.
SCHENBERG, M. Pensando a Física. São Paulo: ed. Brasiliense, 1984.
SILVA, Dirceu. Estudo das Trajetórias Cognitivas de Alunos: no ensino da diferenciação
dos conceitos de calor e temperatura. Tese de Doutorado, Faculdade de Educação, USP, São
Paulo, 1995.
VANNUCCI, Andréa Infantosi, História e Filosofia da Ciência: da teoria para a sala de aula.
Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação, USP, São Paulo, 1996.
VILLANI et al. Analisando o ensino de Física: contribuições de pesquisas com enfoques
diferentes. Revista de Ensino de Física, 4, 1982.
ZYLBERSZTAJN, Arden. Concepções espontâneas em física: exemplos em dinâmica e
implicações para o ensino. Revista de Ensino de Física, vol. 5, número 2, 1983.
71
APÊNDICE A - Questionário
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA
QUESTIONÁRIO
NOME: ___________________________________ SÉRIE: ______ TURMA: ______
SEXO: MASCULINO FEMININO
IDADE: ______
� Responda as questões a seguir escolhendo apenas uma das alternativas.
1 – Associamos a existência de calor:
a) A qualquer corpo, pois todo corpo possui calor.
b) Apenas àqueles corpos que se encontram “quentes”.
c) A situações nas quais há, necessariamente, transferência de calor.
2 – Para se admitir a existência calor:
a) Basta um único corpo.
b) São necessários, pelo menos, dois corpos.
c) Basta um único corpo, mas ele deve estar “quente”.
3 – Dois objetos de mesmo material, porém de massas diferentes, ficam durante muito tempo
em um forno. Ao serem retirados do forno são imediatamente colocados em contato. Nessa
situação:
a) Passa calor do objeto de maior massa para o de menor massa.
b) Nenhum dos objetos passa calor ao outro.
c) Passa calor do objeto de menor massa para o de maior massa.
4 – Os mesmos objetos da questão anterior são agora deixados muito tempo em uma
geladeira. Nessa situação, ao serem retirados e imediatamente colocados em contato:
a) Nenhum dos objetos possui calor.
b) Passa calor do objeto de maior para o de menor massa.
c) Nenhum dos objetos passa calor ao outro.
5 – Uma pessoa afirma que seu coberto é bom, “porque impede que o frio passe através dele”.
Esta afirmativa é:
72
a) Correta
b) Errada
c) Depende do material de que é feito o cobertor.
6 – Quando dois corpos de tamanhos diferentes estão em contato e com a mesma
temperatura, ambos isolados do meio ambiente, pode-se dizer que:
a) o corpo maior é o mais quente
b) o corpo maior cede calor para o corpo menor
c) não há troca de calor entre os corpos
7 – Um estudante descalço, em uma sala ladrilhada (cerâmica), coloca seu pé esquerdo
diretamente sobre a cerâmica e seu pé direito sobre um tapete aí existente. É correto afirmar
que:
a) A temperatura do tapete é menor do que a da cerâmica.
b) O tapete e a cerâmica estão a uma mesma temperatura.
c) A temperatura da cerâmica é menor do que a do tapete.
8 – Observe os desenhos e responda qual a temperatura do corpo C, em cada situação: 1)
tA = 40ºC tB = 40ºC 2) tA = 40ºC tB = 60ºC
TC = ? TC= ? 9 – Observe o desenho e responda qual a temperatura dos corpos B e C. TB = ? TC = ?
73
* As questões do referido questionário foram retiradas ou baseadas em: MÁXIMO, ANTÔNIO; ALVARENGA, BEATRIZ. Curso de Física - vol. 2. São Paulo: Scipione, 2000. OSTERMANN, FERNANDA; MOREIRA, MARCO A. A Física na Formação de
Professores do Ensino Fundamental. Porto Alegre, ed. Universidade/ UFRGS, 1999.
74
APÊNDICE B - Texto: A Revolução Industrial e a Termodinâmica
O termo Revolução Industrial
refere-se à mudança de uma economia agrária
manual para outra dominada pela produção
mecanizada em fábricas nas áreas urbanas. A
Revolução Industrial envolveu uma mudança do
trabalho manual para o realizado por máquinas e
do trabalho humano ou animal para outras
formas de energia, como a máquina a vapor ou
de combustão.
A máquina a vapor,
desenvolvida por James Watt na década de
1760, era usada para mover a maquinaria nos
moinhos têxteis. Mulheres e crianças, que
ganhavam menos que os homens, podiam
manejar facilmente as máquinas movidas a
vapor. Embora, os empresários que
dispunham de muitos operários nem sempre
tendiam rapidamente para a energia a vapor,
já que o trabalho dos homens era barato
também. Mas, com o correr do tempo
adotaram o novo sistema. Então, a expansão
tornou-se ainda mais rápida.
As máquinas a vapor
possibilitaram aos mineiros bombear a
água das minas de carvão com mais
eficácia e a um nível muito mais profundo
do solo, o que significou que os limites
alcançados pela mineração, no século
XVII, puderam ser grandemente
ultrapassados. Pois, desde o século XII até
o século XVI, as florestas inglesas foram sendo cortadas para fazer lenha para aquecer as
Figura 1 – Crianças trabalhando nas fábricas
Figura 2 – Indústria têxtil
Figura 3 – Minas inglesas
75
casas no inverno, e também para as indústrias que começavam a ser instaladas. Assim, no
século XVII não havia mais lenha suficiente, e os habitantes recorreram ao carvão de pedra.
As minas de carvão eram inicialmente superficiais, mas logo acabaram essas jazidas e foi
necessário abrir buracos e galerias cada vez mais profundos. Essas minas freqüentemente
ficavam inudadas de água e era necessário bombear a água para obter carvão.
Portanto, o período referente aos séculos XVIII e XIX corresponde a uma fase
de profundas mudanças sociais e econômicas, na Europa, concretizadas com o
estabelecimento do modo de produção capitalista. Uma pequena classe média urbana, no
ínicio restrita à Inglaterra, aos Países Baixos e ao norte da França, rompe com o sistema de
produção feudal da Idade Média através, inicialmente, de uma produção artesanal e
doméstica. Por outro lado, os métodos da ciência experimental estabelecidos no século XVII
com a revolução científica passam a ser aplicados aos diversos ramos do conhecimento; tais
aplicações, por sua vez, são utilizadas para propiciar as transformações nos meios de
produção. Assim, com a melhor organização do trabalho, através da divisão e da
especialização das tarefas, e com as inovações tecnológicas resultantes do estabelecimento
dos métodos da ciência experimental, a exemplo da maquinaria têxtil, firma-se na prática um
novo sistema de produção. Tal modo de produção atinge rapidamente o comércio e a
agricultura. Para o estabelecimento e êxito do que se chamou de Revolução Industrial, as
inovações tecnológicas tiveram um papel fundamental, destacadamente a máquina a vapor, na
medida em que essa se tornou o ponto de partida para o bom êxito da indústria pesada, assim
como para a evolução dos meios de transporte. Vale registrar, porém, que a gênese da
Revolução Industrial está relacionada com a indústria têxtil, naquela época a principal
indústria da Inglaterra.
Por outro lado, a Revolução Industrial constitui um estímulo à atividade
científica, estando esta voltada para problemas suscitados pela indústria; é neste sentido que a
Termodinâmica evolui. Não se pode negar, no entanto, que as inovações tecnológicas sejam
aplicações do pensamento científico, como por exemplo, a máquina a vapor. Segundo Bernal,
mudanças político-socio-econômicas e conquistas científicas e tecnológicas não ocorrem
independentemente. Ainda Bernal, reflete sobre as conseqüências desta interdependência:
Na realidade, quanto mais estreitas são as relações entre a ciência, a técnica, a economia e a política do período, mais claramente se mostra a formação de um processo único de transformação da cultura. Tal período é de capital importância para o progresso da humanidade (ROCHA, p.141).
76
O período da Revolução Industrial se insere nitidamente nesta reflexão, tendo
a Termodinâmica um importante papel neste processo de transformação.
Até há cerca de 200 anos, a maior parte do trabalho era feito por pessoas ou
animais. O trabalho era também obtido a partir do vento e da água, mas ambos não eram
fontes confiáveis de energia, porque não podiam ser utilizados facilmente em qualquer local e
quando necessários. No século XVIII, a exploração das reservas de carvão, fez surgir à
necessidade de um método econômico para bombear a água das minas que ficavam inudadas
e que, portanto, teriam de ser abandonadas. A máquina a vapor desenvolveu-se inicialmente
para satisfazer a esta necessidade prática.
A máquina a vapor é um aparelho que converte a energia de alguns
combustíveis (por exemplo, a energia química do carvão ou do petróleo ou a energia nuclear
do urânio) em energia térmica e esta em energia mecânica. Esta energia mecânica pode então
ser utilizada diretamente para produzir trabalho, como numa locomotiva a vapor, ou pode ser
transformada em energia elétrica.
Desde tempos remotos
que se sabe que o calor pode ser
utilizado para produzir vapor, podendo
este depois produzir trabalho mecânico.
A eolípila, inventada por Herão de
Alexandria cerca de 100 anos antes de
cristo, trabalhava segundo o princípio da
terceira lei de Newton. O irrigador de jardim rotativo trabalha do
mesmo modo, exceto que a força motora é devida à pressão da água
em vez da pressão do vapor.
A eolípila de Herão era um brinquedo, mais para
entretenimento do que para qualquer trabalho útil. Somente, a partir do
final do século XVIII foram inventadas máquinas a vapor com
interesse comercial.
Atualmente, diríamos que uma máquina a vapor usa
uma reserva de calor para produzir trabalho mecânico, isto é, converte calor em energia
mecânica. Mas muitos inventores nos séculos XVIII e XIX não pensaram no calor deste
modo. Olharam o calor como uma substância fina, invisível, que podia ser utilizada
repetidamente para produzir trabalho sem se esgotar. Todavia, não tiveram que esperar para
Figura 4 – Barco a vapor
Figura 5 – Eolípila de Herão
77
aprender todas as leis da física até então conhecidas para que se tornassem engenheiros bem
sucedidos. De fato, a seqüência dos acontecimentos foi precisamente ao contrário; as
máquinas a vapor forma desenvolvidas primeiras por homens que se preocuparam menos com
a ciência do que com ganhar dinheiro ou pelo menos com a melhoria e a segurança na
exploração das minas. Mas tarde, cientistas que tinham não só um conhecimento prático do
que trabalhava, mas também a curiosidade de como trabalhava, fizeram novas descobertas em
física.
A primeira máquina a vapor com sucesso comercial foi inventada Thomas
Savery (1698), baseada num projeto de Edward Somerset (1663), apesar de sua eficiência
duvidosa tem-se notícias de sua utilização no bombeamento de água das minas de carvão.
Resumidamente, a máquina de Savery consistia no grande cilindro de metal
preenchido de vapor vindo de um ebulidor. Uma válvula interrompia a entrada de vapor,
enquanto o cilindro era resfriado com jato de água à temperatura ambiente. A partir desse
resfriamento, o vapor d'água se condensava formando vácuo no seu interior, esse vácuo fazia
que, por um tubo controlado por outra válvula, fosse aspirada água de um posto distribuidor.
Um novo ciclo se iniciava quando outra descarga de vapor era introduzida, expulsando água
residual. Aparentemente, essa máquina servia ao propósito para o qual fora construída:
bombear água de minas de carvão, que se inundavam com freqüência devido a sua grande
profundidade; um de seus grandes problemas era como lidar com o vapor alta pressão, e
consequentemente, alta temperatura. A falta de um resfriamento eficiente do cilindro deve ter
provocado uma série de acidentes desagradáveis, além, é claro de reduzir sua eficiência.
78
Como a criatividade estar muitas vezes a serviço da necessidade não se pode
falar da máquina de Thomas Newcomen (1712), sem falar antes do êmbolo de Denis Papin
(1690). Quando a água se condensava no interior do cilindro, o vácuo produzido movia o
êmbolo no sentido contrário, na máquina se Savery esse movimento era provocado pela ação
da pressão atmosférica. Com a introdução de um êmbolo (criado por Papin) que se moveria
pela ação do vapor se estabeleceu uma assimetria entre o movimento de entrada do vapor
(rápido) e a influência da pressão atmosférica no retorno (lento).
Mas, um dos sérios problemas da máquina de Savery era como controlar a alta
temperatura do vapor d'água. Houve, então, um avanço da técnica introduzido por
Newcomen, que resolveu o problema incluindo um sistema de válvula que permitia a entrada
de vapor e água fria alternadamente, ou seja, o vapor era admitido ou apenas um dos lados do
êmbolo, enquanto a água fria era injetada pelo outro lado, sendo o ar produzido na ebulição
expelido com a entrada do vapor.
Uma máquina a vapor bastante
desenvolvida teve origem no trabalho de
James Watt, pediram a Watt que reparasse
um modelo de máquina de Newcomen que
era usado em aulas práticas na universidade.
Ao familiarizar-se com o modelo, ficou
impressionado com a quantidade de vapor
que era necessário para pôr a máquina em
funcionamento. Watt procedeu a uma série
de experiências sobre o comportamento do
vapor e chegou à conclusão de que o maior
problema estava relacionado com a
temperatura das paredes do cilindro.
Observou que a máquina de Newcomen desperdiçava a maior parte do calor no aquecimento
das paredes do cilindro, que eram depois resfriadas sempre que a água fria era injetada para
condensar o vapor.
No início de 1765, Watt descobriu como se podia evitar este desperdício,
concebeu um tipo modificado de máquina a vapor, na qual o vapor contido no cilindro, depois
de efetuar o trabalho de empurrar o êmbolo, era admitido num recipiente separado para ser
condensado. Com este sistema, o cilindro podia manter-se sempre quente e o condensador
podia manter-se sempre frio.
Figura 7 – Máquina de Newcomen
79
A invenção da máquina a
vapor de Watt com condensador separado,
superou a máquina de Newcomen,
estimulou o desenvolvimento de máquinas
que podiam fazer muitos outros trabalhos
e/ou atividades fabris diversas, condução
de locomotivas, barcos a vapor, e assim
por diante. Deu um estímulo enorme ao
crescimento industrial na Europa e na
América e, portanto, ajudou a transformar
a estrutura econômica e social da civilização ocidental.
O desenvolvimento em larga escala de motores e de máquinas revolucionou a
produção em massa de artigos de consumo, a construção e os transportes. O padrão de vida
médio na Europa Ocidental e nos Estados Unidos cresceu acentuadamente, atualmente é
difícil imaginar como era a vida antes da industrialização. Mas, nem todos os efeitos da
industrialização foram benéficos, o sistema de fábricas do século XIX deu oportunidade a
alguns patrões gananciosos e sem escrúpulos para explorar os trabalhadores, estes patrões
tiveram grandes lucros, enquanto mantiveram os empregados e suas famílias à beira da
miséria, esta situação, que era especialmente séria na Inglaterra no princípio do século XIX,
conduziu a reinvidicações de reformas, através de novas leis, onde, os excessos mais graves
foram finalmente eliminados. À medida que as pessoas abandonavam os campos para
trabalhar nas fábricas o conflito entre a classe trabalhadora, constituída por empregados e a
classe média, constituída por patrões e quadros dirigentes, tornou-se mais intenso; ao mesmo
tempo, alguns artistas e intelectuais começaram a atacar as tendências materialistas da
sociedade que viam torna-se cada vez mais dominada pelo comércio e pela maquinaria. Em
alguns casos, confundiam a própria ciência com aplicações técnicas e denunciavam ambas
enquanto recusavam aprender algo sobre elas.
Embora as máquinas a vapor já não sejam muito utilizadas como fontes diretas
de energia na indústria e nos transportes, o vapor é ainda indiretamente a maior fonte de
energia. A turbina a vapor, inventada pelo engenheiro inglês Charles Parsons em 1884,
substituiu largamente outros tipos de máquinas a vapor mais antigas, atualmente, é por
intermédio de turbinas a vapor que trabalham os geradores elétricos na maior parte das
centrais elétricas. E são geradores elétricos movidos a vapor que fornecem a maior parte de
energia para a maquinaria da civilização moderna, mesmo nas centrais nucleares, a energia
Figura 8 – Máquina de Watt
80
nuclear é utilizada para produzir vapor que depois move as turbinas e os geradores elétricos.
O princípio básico da turbina de Parsons é mais simples do que o das máquinas de Newcomen
e Watt: um jato de vapor a alta pressão toca as pás de um rotor, fazendo-o mover a alta
velocidade.