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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO DO SUL - UFMS PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO - PROPP COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA
LICENCIATURA EM GEOGRAFIA
Análise da disciplina de Geografia segundo o referencial curricular das escolas indígenas do Mato Grosso do Sul1
Valdeir Santana2
Orientador: Marcos Vinicius Campelo Junior
RESUMO: Este trabalho teve por objetivo a realização de pesquisa documental, sob análise reflexiva comparatória dos referenciais curriculares da educação regular e do referencial curricular das escolas indígenas do Estado de Mato Grosso do Sul. Para isso, realizaram-se estudos enfatizando a disciplina de Geografia com ênfase no 1° ano do ensino fundamental, cuja investigação, deu-se sobre os parâmetros dos referenciais, para então verificar se ambos atendem as necessidades do cotidiano nas comunidades indígenas. Realizou-se uma verificação para apurar e/ou verificar se existe participação de agentes indígenas como professores, pedagogos, líderes das aldeias na elaboração dos referenciais. Como resultado das análises, evidenciou-se que os referenciais da educação regular e indígenas estudados têm perspectivas diferentes.
Palavras chave: Educação Escolar Indígena, ensino de Geografia, RCNEI.
ABSTRACT: Este trabajo tuvo como objetivo la realización de investigación documental, bajo análisis reflexivo comparativo de los referentes curriculares de la educación regular y del referencial curricular de las escuelas indígenas del Estado de Mato Grosso do Sul. Para esso, se realizaron estudios enfatizando la disciplina de Geografía con énfasis en el 1º año de la enseñanza fundamental, cuya investigación se dio sobre los parámetros de los referenciales, para entonces verificar si ambos atienden las necesidades de lo cotidiano en las comunidades indígenas. Se realizó una verificación para constatar si existe participación de agentes indígenas como profesores, pedagogos y lideres de las aldeas en la elaboración de los referenciales. Como resultado de los análisis, quedó evidente que los referentes comunes e indígenas estudiados tienen objetivos diferentes.
1Artigo apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Licenciatura em Geografia, pela UFMS/EAD, sob orientação do Prof. Me. Marcos Vinicius Campelo Júnior. 2Graduado em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus de Coxim, Especializado em História e Antropologia dos Povos Indígenas, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – EAD Pólo Campo Grande.
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Palabras clave: Educación Escolar Indígena, enseñanza de Geografía, RCNEI.
1. Origem da educação escolar indígena
Desde os primeiros anos de colonização do Brasil pelos europeus no século XVI, os
povos indígenas e suas tradições sofreram constantes transformações. Foram forçados a
aprender novos costumes, de modo que não praticassem mais sua cultura, e assim, reproduzir
os valores do Velho Mundo trazidos pelos europeus. Desde então a educação indígena passou
a ser uma problemática até os dias de hoje.
Sobre esses feitos e o método de educação, Henriques et al., (2007, p.11) destacou
que:
A princípio, para ensinar os índios a ler, escrever e contar, bem como lhes inculcar a doutrina cristã, os missionários jesuítas percorriam as aldeias em busca, principalmente, das crianças. Isso comprova então a finalidade dessa educação desses povos, de modo que eles fossem preparados para atender os interesses da Coroa Portuguesa.
A busca pela pelas crianças tinha um objetivo, elas aprenderiam o português e
consequentemente poderiam auxiliar, então, facilitar o trabalho dos jesuítas mais adiante,
assim, elas ajudariam na conversão de outros índios, bem como na propagação do português e
posteriormente, atender os objetivos da metrópole. É claro que isso acabou gerando conflitos
entre os nativos e os colonizadores.
Com o passar do tempo, surgiu à tentativa de atenuar os conflitos entre os
colonizadores e nativos. Foram elaboradas leis durante o período colonial e, posteriormente
no período do império, onde se consolidou o primeiro projeto de Constituição cuja proposta
foi à criação de estabelecimentos de catequese e civilização para os índios. Conforme Santos
(1995, p. 94) “A Constituição que foi outorgada em 1824, mas que de certa forma não faz
referência aos indígenas.
Para eles, foi mais conveniente aos legisladores negar sua existência”. Pode-se notar
claramente que os interesses dos políticos de hoje foram inspirados nos legisladores do
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passado, pois, os índios já sofriam com o descaso entre os políticos não índios que legislavam
em seu próprio favor.
Já no período republicano, principalmente na Constituição Federal de 1988, artigo
210, esses povos começam a ganhar espaço na legislação do país, onde fica assegurado aos
índios o direito à educação diferenciada com o emprego da língua portuguesa e também na
língua nativa com a educação bilíngue a fim de facilitar e propor a inserção dos índios na
sociedade.
Com o direito assegurado constituição a educação indígena então começa a ser gerida
com a escolarização dos índios pelos jesuítas, observando que essa educação atendia mais os
objetivos religiosos e para assegurar ainda mais seus direitos, posteriormente é criado o
Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em 1910, algumas organizações indigenistas não
governamentais surgem entre os anos de 60 e 70 e só a partir da década de 80 que os próprios
índios começam a gerir os processos da educação formal. (FERREIRA, 2001, p.72).
Além disso, o governo brasileiro desenvolveu um trabalho entre a Fundação Nacional
de Assistência ao Índio (FUNAI) que se originou após o SPI ser extinto e o Summer Institute
of Linguístico (SIL), onde elaboraram normas para a educação dos grupos indígenas
mediante da Portaria 75 de 1972, para (SILVA & AZEVEDO, 1995, p.151) “os objetivos
desse instituto era de fazer a conversão dos gentios e a salvação das almas”, ficando clara a
verdadeira intenção da política educacional indigenista.
Assim a educação escolar indígena foi tomando formas, mas sempre de acordo com os
interesses dos governantes desde a colônia aos seus dias atuais, fazendo a transformação
desses povos que foram e são prejudicados com a legislação, de acordo com Azevedo (1996,
p.56) “a compreensão do desenvolvimento da educação indígena no Brasil é necessário
investigar as leis, um dos documentos que comprove a evolução do caráter de uma nação é a
legislação escolar”.
De acordo com Azevedo, é preciso sempre buscar esclarecimentos no que tange os
assuntos voltados à política da educação escolar com o passar dos tempos a fim de que os
resultados possam estar contribuindo para a construção de um debate em prol da educação
escolar indígena.
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Partindo dessa iniciativa, o Ministério da Educação e Cultura publicou em 1998 o
Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), com o objetivo de
oferecer meios para a elaboração de programas, material didático e formação de professores.
No documento fica evidente de que as escolas devem ser comunitária, intercultural, bilíngue,
específica e diferenciada.
A partir da elaboração do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, é
que se pode ter uma notória mudança no que se refere à educação escolar, com a formação de
professores indígenas para lecionar em escolas nas aldeias.
O principal objetivo desta análise foi observar de forma comparatória o Referencial
Curricular da rede Estadual da Educação do Mato Grosso do Sul com o Referencial
Curricular das Escolas Indígenas, na disciplina de Geografia, Identificar quais pontos em que
os dois referenciais se aproximam ou se distanciam e verificar se ambos contribuem para a
formação da população escolar indígena.
A proposta do referencial curricular das escolas não indígenas é nortear o trabalho do
professor de forma dinâmica, objetivando uma perspectiva interdisciplinar e também garantir
a apropriação do conhecimento pelos estudos conforme o referencial curricular 2008, p.5.
Já o RCNEI levanta o questionamento: Para que estudar geografia? Para ampliar o
conhecimento dos índios com a visão geográfica dos não índios, assim os próprios índios
procuram estar a par dos acontecimentos importantes como as demarcações de terras que
envolvem a confecção de mapas. Nesse ensino de geografia eles estariam somando seus
conhecimentos com os conhecimentos dos não índios.
2. Educação escolar indígena em Mato Grosso do Sul
Em relação à educação indígena nas áreas onde hoje se encontra o Mato Grosso do
Sul, de acordo com o site Missão Salesiana, os salesianos iniciaram os trabalhos e
consequentemente foram os responsáveis por se ocupar dessas transformações, pois chegaram
ao Mato Grosso em 1894 com a finalidade de prestar assistência aos povos indígenas dessa
região, que também incluem terras que hoje é Mato Grosso do Sul.
No ano de 1918 foi aberta a primeira escola primária da região, composta por
índios Bororos e não índios, a intenção era orientar os alunos nos trabalhos escolares, onde
todo o processo escolar era realizado com métodos aplicado em escolas regulares e
preparavam os alunos para desenvolver as atividades agrícolas. Posteriormente esses serviços
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foram impostos em toda a região Centro-Oeste e o leste de do estado de São Paulo,
contribuindo para o desenvolvimento da região.
Essas missões catequizavam os nativos à fé cristã por meio da escola, esse método foi
usado em todo o território nacional, onde eles eram obrigados a aprender a língua portuguesa
e deixar de praticar seus costumes e tradições, esse processo acabou se tornando uma
violência cultural contra os povos nativos. Uma espécie de epistemicídio, que segundo
Zeballos:
Se trata de la liquidación de algunas formas de apre(he)nder, crear y transmitir conocimientos-saberes comunitarios, ancestrales o los propios de ciertas culturas de naturaleza genuina especialmente tras el nacimiento y uso del método científico como el único validador por parte de lasclases dominantes. (ZEBALLOS, 2015)
De acordo com informações obtidas no site do Museu da Cultura Indígenas Dom
Bosco, as etnias presentes em Mato Grosso do Sul são Atikum, Guarani Kaiowá, Guarani
Ñandeva, Guató, Kadiwéu, Kiniquinau, Ofaié e Terena. Juntos somam aproximadamente
67.433 mil índios e que são distribuídos conforme o mapa a seguir:
Figura 1. Distribuição dos povos indígenas em MS
Fonte: Programa Kaiowá/GuaaniNeppi/Ucdb – Geoprocessamento – Celso R. Smaniotto, 2007.
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Em relação ao emprego dos referenciais das escolas indígenas do Mato Grosso do Sul,
segundo o professor índio Joaquim Adiala Hara3 da etnia guarani formado em pedagogia, ao
tratar a situação das escolas indígenas, ressalta o seguinte: apenas o povo Guató tem suas
escolas vinculadas à Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul (SED), já as
demais etnias tem suas escolas vinculadas às secretarias municipais (SEMED).No mapa a
seguir verificamos as regiões do Estado onde se encontram as escolas municipais e estaduais.
Figura 2. Localização das escolas indígenas de MS
Fonte: Google Maps (2017)
De acordo com levantamento da SED/MS (Secretaria de Estado de Educação de Mato
Grosso do Sul), os alunos indígenas estão distribuídos em escolas urbanas e rurais nas esferas
estaduais, municipais e uma escola particular, os dados da tabela abaixo podem ser
encontrados no site da SED, tais dados são do ano de 2016:
Tabela 1. Dados referentes às distribuições das escolas urbanas, rurais, particulares, estaduais e municipais de
Mato Grosso do Sul.
Rede Ensino Infantil Ensino
Fundamental
Ensino Médio EJA
Estadual 0 396 1.624 711
Municipal 1.625 13.886 0 558
3Joaquim Adiala Hara é professor indígena formado no Magistério Indígena Ára Verá, Pedagogia e Licenciatura em Matemática Intercultural Indígena.
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Particular 44 0 0 0
Fonte: http://www.sed.ms.gov.br/censo-escolar-6/2016
Após a análise desses dados referentes às escolas indígenas do Mato Grosso do
Sul, foi preciso fazer uma análise do Referencial Curricular das Escolas Indígenas (RCNEI)
especificamente na disciplina de Geografia. Foi observado o primeiro ano do ensino
fundamental, pontuado os principais tópicos e feito uma comparação com o Referencial
Curricular do ensino regular da rede estadual de Mato Grosso do Sul.
3. Metodologia
O trabalho é de natureza qualitativa e foi realizado por meio de análise documental. De
acordo com (GIL, 2008, p. 45) a análise de documentos pode ser caracterizado pela pesquisa
[...] “de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser
reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa”. Assim a análise proposta foi buscar e
constatar se ambos levam em consideração a dinamização do ensino, de forma que beneficie a
inclusão dos índios nas comunidades não indígenas. Foram verificados os parâmetros
curriculares do ano de 2012, indígenas e não indígenas, os conteúdos do 1º ano do Ensino
Fundamental, especificamente os conteúdos de geografia.
4. Análises e Discussões
A educação escolar indígena é uma modalidade de ensino alicerçada em um novo
modelo educacional de respeito à interculturalidade, ao multilinguismo e à etnicidade
A educação, para os povos indígenas não se realiza em uma única instituição, mas pela ação e pelo envolvimento de toda a comunidade. Ocorre em tempos e espaços cotidianos, por meio de pedagogias próprias e diversas, que garantem tanto a reprodução quanto a recriação da identidade, da tradição, dos valores, dos padrões de comportamento e de relacionamento, na dinâmica própria de cada cultura (CIMI, 2001, p.82).
“A proposta do referencial curricular das escolas comuns é nortear o trabalho do
professor de forma dinâmica, objetivando uma perspectiva interdisciplinar e também garantir
a apropriação do conhecimento pelos estudos” REFERENCIAL CURRICULAR (2008, p.5).
Constata-se que o currículo para as escolas indígenas tem suas complexidades em relação aos
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não indígenas principalmente na área de geografia, cada povo vive em diferentes lugares
criam diferentes maneiras de entender e aprender suas culturas.
O Referencial das escolas indígenas foi escrito na expectativa de que possa contribuir
para diminuir a distância entre o discurso legal e a as ações efetivamente postas em prática
nas salas de aula das escolas indígenas. Isto foi possível porque nos últimos anos os
professores indígenas vêm afirmando a necessidade de contarem com currículos mais
próximos de suas realidades e mais condizentes com as novas demandas de seus povos.
Eles reivindicam a construção de propostas curriculares para as escolas indígenas. Este
referencial pretende servir como instrumento para auxiliar em discussão e reflexão seguindo
propostas tais como, explicitar os marcos comuns que distinguem escolas indígenas das não
indígenas, refletir as novas intenções educativas que devem orientar as políticas públicas
educacionais para as escolas indígenas e apresentar os princípios mínimos necessários em
cada área de estudo do currículo, para que se possam traduzir os objetivos que se quer
alcançar em procedimento de sala de aula.
O RCNEI deixa claro que os espaços geográficos são sagrados construídos em intima
relação sociedade/natureza o elemento definidor dessa construção é a cultura, o trabalho, a
forma de apropriação do espaço, ou seja, o estudante indígena entende seu espaço como parte
de sua vida. Ao chegar à escola na aula de geografia ele quer saber o que é geografia,
diferentemente do estudante não indígena, aprendem a observar a paisagem local, vegetação,
relevo, rios e construções.
Em uma análise do referencial curricular da escola comum 2012, p. 315, pode-se
verificar que só no quarto bimestre do 4º ano do Ensino Fundamental, é que vai ser abordado
sobre a questão do modo de vida social e econômica indígena, porém são observados apenas
seus modos de vida e costumes, no 5º e 7º ano aborda sobre a população indígena, ficando
claro que, o que é exposto no ensino da geografia nesses anos são apenas assuntos
relacionados sobre a cultura indígena e não de como inserir os índios na sociedade e com um
ensino diferenciado nas escolas públicas do estado.
No Ensino Médio o assunto sobre os indígenas é abordado no final do 1º ano, onde
começa a ser discutida a questão da política de terras envolvendo os conflitos. No primeiro
bimestre do 2º ano vai abordar sobre a situação dos índios e dos afrodescendentes no Brasil,
são os conteúdos propostos e, novamente ficando claro também que apenas são assuntos
tratados como se ambos fossem problemas sociais, e a educação indígena sendo deixada de
lado. MATO GROSSOS DO SUL, 2008 p. 240.
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No referencial curricular comum 2008, p. 32, o assunto educação indígena é citado
como grande relevância e obedece as leis federais que obrigam as escolas a cumprirem, porém
foi verificado com maior ênfase no 1º ano do Ensino Fundamental que acredito ser um dos
mais importantes, o assunto educação indígena não é mencionado. Tudo o que é ofertado nos
bimestres do primeiro ano são assuntos voltados para os alunos no geral, e os alunos
indígenas que possivelmente frequentam, não estarão sendo beneficiados com a educação
para a vida na comunidade indígena.
O aluno indígena estará sendo preparado para a sociedade no geral, atendendo o
sistema da qual ele não pertence diretamente. É preciso que o referencial da escola comum
seja repensado para que os alunos indígenas sejam beneficiados, ou o estado precisa investir
nas escolas indígenas, aumentando o número de professores com especialização na área para
atuar ou serem indígenas, equipando as escolas presentes nas aldeias, cumprindo o que
realmente o que pede o referencial das escolas indígenas 1998, p. 11, visto que, a maioria dos
alunos indígenas frequentam escolas não indígenas que não seguem os seus e, por ventura,
estes descumprem os requisitos da escola indígena. Por fim, o referencial curricular na
disciplina de Geografia do ensino público no Mato Grosso do Sul em sua maior parte aborda
sobre a educação voltada para os alunos não índios, tratando de assuntos de compreensão da
estrutura física do planeta Terra e a interação do homem/natureza, a questão indígena é tratada
no que diz respeito à parte cultural dos povos indígenas.
Já o RCNEI propõe mecanismos que atendam os objetivos da escola indígena, o
referencial se difere do outro porque os conteúdos não são separados como apresenta os
conteúdos do referencial da escola comum e já começa levantando o questionamento: Para
que estudar geografia? Para ampliar o conhecimento dos índios com a visão geográfica dos
brancos, assim os próprios índios procuram esta a par dos acontecimentos importantes como
as demarcações de terras que envolvem a confecção de mapas, o próprio referencial indígena
confirma que os índios são bons cartógrafos, mas do modo deles e nesse ensino de geografia
eles estariam somando seus conhecimentos às tecnologias e ao conhecimento dos brancos,
isso não acontece apenas na confecção de mapas, como também em outros campos
geográficos.
“Contrariando essa lógica, a escola se impõe na realidade indígena como um grande
desafio” (CIMI, 2001, p.182). De forma articulada com o Ministério da Educação e as
Secretarias Municipais de Educação, a Secretaria de Estado de Educação vem implementando
as políticas de educação escolar indígena, atendendo aos preceitos legais estabelecidos na
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Constituição de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/1996,
no Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI/Indígena e na
Resolução CEB n° 3/CNE/1999, com objetivo de assegurar e garantir o direito à diferença
étnico-cultural das comunidades indígenas.
De acordo com o referencial comum, o currículo, diferenças e identidades são três
aspectos de uma mesma realidade, os quais se (re) produzem dentro do universo da educação
indígena. O currículo é tomado, no âmbito do trabalho, como um contínuo jogo de forças, um
entre lugar (BHABHA, 1998), no qual se busca independência epistêmica, estabelecendo
relações entre tradição e tradução, desconstrução das subalternidades (MIGNOLO, 2003),
articulando um processo de negociação cultural que possibilite à escola indígena ser um
espaço para expressar valores, fortalecer a identidade étnica e dialogar com os "outros”.
(MATO GROSSO DO SUL, 2012, p 33).
Nesse sentido, o currículo escolar tem que ser traduzido como linguagem, evento que
expressa uma realidade que percorre um caminho, que vive um tempo: um tempo de
negociações internas, locais, elaboradas no fragmento, no cotidiano e que no continuum vão
sendo coletivizadas, assimiladas. “É na cultura que se dá a luta pela significação, na qual os
grupos subordinados tentam resistir à imposição de significados que sustentam os interesses
dos grupos dominantes” (MATO GROSSO DO SUL, 2012, p. 33).
Na atualidade, quando se fala em educação escolar indígena, normalmente temos
por um lado: currículo indígena, professor indígena, língua e saberes indígenas e, por outro
lado: educação e disciplinas escolares, sistemas de ensino, conteúdos legitimados em “grades
curriculares”. Duas lógicas de produção de conhecimento, de leitura da realidade que
pressupõem o encontro de identidades e diferenças que buscam dialogar sob o paradigma da
interculturalidade e construir um cotidiano escolar para os povos indígenas com um novo
sentido e um novo significado. (MATO GROSSO DO SUL, 2012, p. 34).
No RCNEI a Geografia foi preparada por índios e não índios com intuito de buscar
uma forma de solucionar a questão da educação escolar indígena em nosso país. Na disciplina
de Geografia o referencial já começa com a pergunta: Por que estudar geografia nas escolas
indígenas? Para responder essa pergunta o próprio referencial tece comentário de que cada
povo em qualquer lugar do mundo com situações diferentes procuram criar maneiras de
interagir com a natureza e seu lugar, esse exercício acaba transformando o espaço do convívio
social. De acordo com o RCNEI “A geografia é isso: o povo, os lugares e suas paisagens, e a
relação do povo com seu espaço em um determinado tempo histórico”.
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Partindo deste principio, a preocupação do referencial das escolas indígenas é
propiciar o ensino de geografia de acordo com suas vivências e expectativas como fica
exposto no texto:
“Geografia é onde o rio está. Onde o município está. E para onde vem o sol. E para onde vai o sol. Este rio para onde vai? Geografia é a divisão das águas. E igarapé, igapó, lago, açude, mar. E a medição da terra, a demarcação. E fotografia, desenho, cor, é um mapa. E descobrir e aprender o que tem um mapa. Geografia é o homem que transforma muitas coisas, a mata numa cidade, a terra num roçado, a filha num remédio, a madeira em barco, a macaxeira em farinha. Geografia é o entendimento da aldeia e Do nosso mundo e do mundo do branco. E a cidade, o Brasil e os outros países Geografia é a historia do mundo O mundo é a terra, a terra é aldeia, o rio, o rio que cai num outro rio, que cai num outro rio, que cai no mar. Geografia é o depois do mar.(RCNEI, 1992, p. 213)
Este texto nos fornece uma visão da possibilidade de desenvolver uma geografia
diferenciada às escolas indígenas no Brasil e no Mato Grosso do Sul, e isso diferencia este
referencial daquele proposto pelo estado.
O referencial traz sugestões de temas para as aulas de geografia nas escolas indígenas.
Orienta-se a começar as aulas de geografia de algum ponto que seja significativo para a
comunidade como, por exemplo, a água. A partir daí, pode-se abordar a importância da água
para a comunidade e o planeta. A questão do fogo e agricultura pode dar início aos estudos
geográficos. Também temas como a valorização de vida indígena e comparação de vida em
outras aldeias e até mesmo cidades.
Em relação aos espaços geográficos da aldeia, do território e outros territórios os
objetivos didáticos são o conhecer e valorizar o conhecimento tradicional de seu grupo
familiar, a aldeia, os traços culturais do seu povo, desenvolver a autoestima dos índios,
fortalecimento da identidade cultural mediante o conhecimento de outros modos de viver.
Orientar-se no espaço e conhecer outras formas de orientação. Conhecer e valorizar a história
antiga do lugar onde vive, entre outros objetivos didáticos. Os conteúdos são: componentes da
natureza e modos de vida, identidade, território e relações sociais, usos dos recursos naturais,
relação com os não índios.
O RCNEI contempla o espaço geográfico brasileiro com os conteúdos: cartografia,
bacias hidrográficas, ocupação histórica do espaço no Brasil pelos povos indígenas, o
território brasileiro ocupado pelos povos indígenas hoje, a questão ambiental dentro dos
territórios indígenas brasileiros, Terras indígenas brasileiras, Apropriação e utilização do
território brasileiro pelos não índios, A economia no Brasil de hoje, quem é o brasileiro? O
Brasil no espaço internacional.
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O espaço geográfico mundial – o local e o global, os conteúdos são: Apropriação,
utilização e conservação do espaço geográfico mundial pelos diferentes povos indígenas,
Apropriação, utilização e conservação do espaço geográfico mundial pelos outros povos, A
ordenação do mundo; como a história, a economia e a política vão definindo as regiões do
mundo, As marcas deixadas na natureza pela ocupação do espaço pelas sociedades humanas:
os grandes desequilíbrios ecológicos do mundo hoje, Quem são os outros?
O referencial indígena também oferece sugestões de trabalho escolar como à
preparação de pesquisas para fomentar nos alunos indígenas a possibilidade de formar
pesquisadores de seu povo, as sugestões são explicadas passo a passo.
Além dessas possibilidades e sugestões, o referencial aborda sobre a avaliação do
ensino de geografia na educação escolar indígena, onde ao final os alunos poderão estar aptos
a reconhecer, organizar seu próprio conhecimento sobre o espaço geográfico, problematizar
ações de marginalização, racismo e preconceito da sociedade brasileira, especialmente em seu
entorno, de modo a tornar o conhecimento um instrumento de luta e defesa do seu território e
sua cidadania, entre outros.
O RCNEI 1998, p. 212, apresenta a noção de espaço que envolve não só as ações de
uso e modificação do lugar e sua paisagem, mas a relação afetiva, o imaginário, a visão de
mundo. Para os estudantes indígenas e alguns outros povos do mundo, o espaço geográfico é
um espaço sagrado, construído em intima relação sociedade/natureza. O elemento definidor
dessa construção é a cultura, o trabalho, a forma de apropriação de espaço.
O referencial curricular, não indígena, utilizado nas escolas estaduais de Mato Grosso
do Sul é organizado de forma a ser compreendido e desenvolvido por todos aqueles que fazem
parte do processo de ensino e aprendizagem, na intenção de organizar e efetivar o processo
educativo, em conformidade com as etapas e modalidades da educação básica.
Na área da geografia apresenta competência/habilidade como reconhecer semelhanças
e diferenças entre áreas rurais e urbanas. Identificar diferenças e semelhanças na paisagem do
meio urbano. Representar diversos espaços, através de desenhos, planta e croqui. Observar
lugares de posições diferentes. Constata-se que o estudante indígena é parte de sua cultura,
enquanto o estudante não indígena é inserido a essa cultura através de conteúdos escolares
como a aula de geografia.
Para finalizar, o referencial também aborda indicações sobre a formação dos
professores indígenas para as escolas nas aldeias. Esses cursos de formação de professores
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índios devem ter objetivo de criar condições para que eles desenvolvam atividades que
poderão fazer um diferencial na vida comunitária nas aldeias.
5. Considerações Finais
A Educação escolar representada nas propostas contidas nos referenciais curriculares
das escolas de Mato Grosso do Sul, é descrita como importante caminho no sentido de
sistematizar ações voltadas ao aprendizado qualitativo e do desenvolvimento dos potenciais
da criança de acordo com as perspectivas que se estabelecem socialmente. No intuito de,
formar o futuros cidadãos, as perspectivas que despontam no RCNEI abordam amplamente a
educação como um processo articulado às vivências socioculturais que a criança manifesta e
de acordo com a realidade que vive.
Pensa-se que a consistência teórica revelada no RCNEI mostra o quanto sua utilização
como dimensão orientadora da prática pedagógica do professor merece ser considerada, visto
que anteriormente as propostas se efetivavam desarticuladas de uma dimensão mais concreta,
assim a fundamentação teórica descrita permite dar melhor consistência nas ações dos
professores no cotidiano.
É preciso idealizar que a busca da Educação de qualidade na sociedade brasileira, é
possível no momento que as propostas começam a ser apresentadas, e certamente que o
RCNEI não se revela como um documento pronto e acabado que deve orientar
permanentemente a prática pedagógica dos professores, mas entende-se que por meio dele é
possível adaptar o ensino e voltado ao atendimento das necessidades reais dos alunos na
sociedade e na comunidade indígena, respeitando seu contexto e as fases que ela se encontra.
Conclui-se que o referencial curricular da escola pública não indígena não celebra os
objetivos encontrados no RCNEI, mesmo com as orientações junto ao Ministério da Educação
e Cultura as escolas públicas não indígenas não estão preparadas para lidar com alunos índios,
quanto ao RCNEI atende as expectativas dos índios junto aos demais grupos da sociedade.
Sendo assim, este documento é de extrema relevância como norteador das aulas de geografia.
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