Post on 06-Jul-2015
5/7/2018 Lector in fábula - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/lector-in-fabula-559abb31e3354 1/9
~CCI'J-.
MilenioCopiacora e Encadernadora
Proi·'):~i\Q._:_'fl~WL\.e
3. 0 Leitor-Modelo
3.1. 0 PAPEL DO LEITOR
/Como aparece na sua superfi cie (ou manifestacao) linguisti ca,
lum texto rep resenta uma cade ia de arti flcios de expressao que devem
scr(atualIz<lc@]ppelo dcstinat.irio.y Visto que neste livro resolvemos
ocupar-nos some nte de textos escritos (e, a medida que formos avan-cando, limi ta remos as nossas experiencias de ana li se a textos narra-
tivos), falaremos doravante de "leiter", em vez de destinatario -
bern como usaremos indi feren temente Emiten te e Autor para definir
o produ tor do tex to.
No (~e cOl lceril e :1 sua at\lalizac;ao, \1m texto c incompleto, e
por duasrazoes: a p_ri. !11eiraao se rerere apenas aos obj tlQs lingiiis-
ticoa qus nos propusemos a definir como textos (cf 1.1.), mas qual-qiier mensagem, inc' ases e termos isolados. U~xpresst\:Q
permanece puro atus I vocis en uanto nao f9_r:_~Qrrelacionada, com
refereiida-ii-um eterminado codigo, ao seu c'onteudo convencionado:
nestesen1ido~-o destmaUino e sempre postulado como 0 operador
(nao necessariamente empirico) capaz de abrir, por assim dizer, 0
dicionario para toda I alavra que encontre e de recorrer a uma serie
de-regras--sin-iliticas p eexistentes para reconhecer a func;ao recfproca
do-sjermOSJ1QConiexto da frase.lJizemos entao que__!Qqarnensagem
postula .uma .c?mp~tcrc la gramatica l 'da parte do dest ina t~ mesmo
que seja erni ti a nU]11a ingua co eCI a somente pe 0 emitente -
excetuados casos de! glossolal ia em que 0 proprio emi tente acei ta
5/7/2018 Lector in fábula - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/lector-in-fabula-559abb31e3354 2/9
36 LECTOR IN FABULAo LEITOR-MODELO 37
Abrir 0 diciona rio s ign ifica ace itar tambe rn uma se rie depostu.lados de significado I:um termoce em si incompleto tambem quando
recebe uma de fin icao em termos de dicioriario rr ifni rno. 0 d ic iona ri r,
nos diz que 0 bergantim e uma embarcacao , mas deixa como a lgo i rnp l] .
cito 11 [ernbarcacao] outras propriedades semanticas. Este problema
depende, de um lado, da infinidade da interpretacao (a qual, virnos,
se fundamenta na teoria peirceana dos interpretantes) e, por outro,
reme te 11 te rna tica da impl ic itacao (entailment) i e da relacao entre
propriedades necessarias, essenciais e acidentais (cf.l-l.),
~
Urn texto distingue-se, porem, de outros! tipos de expressao
or sua maior complexidade. E motivo principal da sua cornplexi.
ade e justamente 0 fato de ser entremeado do ha, io-dito (cf. Ducrot,972)_--___
-:--6 "Nao-dito" . si~ifica nJ~fe:tad.o em' superfigie, a niv~l
de expressao: mas e justamenre-esre-nao-dlto qu~ tern de ser atuali-
zado a nivel de atualizacao do conteudo, E pad este prop6sito urn
texto, de uma forma ainda mais decisiva do que qualquer outra men-
sagem, requer movimentos coopera tivos, con~~i~n te s e a tivos da p~eo Ieitor,---
Dado 0 trecho textual:
(9) Joao ent rou no quarto. "Enti io vol taste!" exclamou Maria , radiante
e evidente que 0 leitor deve atualizar-Ihe 0 conteudo atraves de uma
serie complex a de movimentos cooperatives. Por ora deixamos de
lado a atualizacao das co-referencias (isto e , devemos estabelecer
que 0 [tu] implicito no uso da segunda pessoa do singular do verbo
[vol tar] se refere a Joao), mas esta co-referencial' ja se tomou possf-
vel por uma regra conversacional em cuja base 0 leitor ace i ta que, na
falta de esclarecimentos altemativos e dada a presenca de duas perso-
nagens , aquele que fa la se d irige necessa riamente iii out ra . Regra con-
versacional que se articula, porern, em outra deeisao inte rpre tativa,
ou seja, numa operacao extensional e fe tuada pe lo lei to r: e le decidiu
que, baseado no texto que lhe foi subministrado, e desenhada uma
porcao de mundo habitada por do i s i ndividuos - 'Joao e Maria, dota-
dos da propriedade de estarem no mesmo quarto. Que Maria, afinal,se ache no mesmo quarto de Joao depende de out ra inferenc ia origi -
nada pelo uso do artigo definido 101 ou entao pe1a preposicao arti-
culada [no]: existe urn e somente urn quarto de que se fala-. E resta
pergun tar-nos se 0 leitor julga oportuno identificar J o ao e Maria, por
meio de indices re ferencia is, como entidades do rnundo externo, que
conhece devido a experiencia anterior compartilhada com 0 autor,
se 0 autor esta se referindo a individuos que 0 l ei tor desconhece ou
t recho textua l (9) apa rece l igado com trechos anter io re s ou suce~-
se 0 em que Joao e Maria foram ou serao interpretados por descri-SIVOS
i(Oesdefinidas. " .
Mas deixernos de lado tambem, como diz iamos, tod?s estes
roblemas. Permanece certo que en tram ~m jogo ou t ro~ movlil l~n t~s
~e cooperaqao. Antes de mais nada, ~ leI tor deve atuallzar a propna
" . 10 edi de modo a compreender que 0 usa do verbo lvoltar] de-<en~ .. d .
J I g u m modo deixa implicito que 0 suje. lto tena se afasta _ 5 l ante.nor-te (uma analise em termos de gramatica casual desta acao equivale
men ' d b ti Itaa a tribu iqao de postulados de s ign ifica 0 a su stan IVOS: q~em YO.
r: porque se havia afastado, da mesma forma que quem e sol teiro
, mente humano do sexo masculino adulto). Em segundo lugar,e u .. d dcde-se ao leitor urn trabalho inferencial para, com 0 usa a a versa-
~va [entaol, tirar a conclusao de que Maria nao esperava por esse
retomo e, com a determinacao [radiante], a persuasao de que ela em
qualquer hip6tese e ardentemente 0 desejava, ,
o texto esta, pois, entremeado de espacos brancos, de inters-
ti~Iem-pree~ e quem 0 e~i tiu previa que e~se s e spa_?os
e 'intersticios seriam preechidos e os deixou bra~cos por u.as razoes,
Antes de tudo, porque urn tex to e urn mecanlsmo re. I o~~ (o~
economico) que vive da v onza¥ao de senti 0 que .0 destlllatano all
intfoduziu; e somente em casos de extremo formalismo, de extrema
preOc llPayao dida tica ou de ext rema repre ss ividade 0 ~exto. se com-
plica com redundancias e especificacoes ultenores ate 0 limite em
que se violam as regras normais de con~e:sayao3. Em sep_tndo lugar,
porque , 11me dida que passa da funcao dlda tlc. a para a e stet ic a, 0 texto
quer deixar ao lei t or a iniciativa interpretatlva: embora costume ser
interpretado com uma margem suficie nte de univocidade. Todo texto
quer que alguem 0 ajude a funcionar.
- Naturalmente, nao estamos aqui tentando uma tipologia dos
textos em funcao da sua "preguica" ou da sua oferta de liberdade,
alhures definida como "abertura". Mais adiante tomaremos a falar
do caso. Mas 0 que devemos dizer ja e que um texto pos~ul~ 0 p~
prio dest inata rio como condiqao indispensave l nao s6 d~ p:opna ca~a -
cidiide concreta de comunicayao, mas tambem da propna potencla_:.
l i( lade significativa . Em outros termo~, urn texto e emi tid? por a lguem
que 0 attI~ize embora-naOse espere (ou nao se quelrn) que esse
algUe"m~xista concreta e empiricamente.\1I
3 . Pa ra as r eg ra s convers ac ionais , veja -s e natu ralmen te Gri ce , 1 ,9~7 . Em
tad o s os cas os, lembramos as maximas de conversacao de Gnce. Maxima da
quantidade: fa ca que a tua contr ibuic ao se ja tanto in f<: .rmat iv~ quanta ex igi da
pela situacao de intercfimbio; maximas da qualidade: nao dire! ? 9ue acho que
seja falso e nao direi aquilo de que nao hi provas ad~quadas; maxima da expo-
s i r a o [relacdo}: se relevante; maximas da maneira: eVl tao?scundage de expres-
sao, evit a a a rnb ig ilidade, s e br eve ( evi ta pr olix idades inu t e is) . s e o rgani z ado.
1. Cf. Camap, 1952. A quest fo e abordada neste l ivr6 em 8.5.I
2. Sob re es te s p rocedi rnen to s de iden t ifl cacao em rel acao com 0 uso dos
artigos definidos, cf. van Dijk, 1972a, no tocante a um~ resenha da questao.Quanto a uma serie de exemplos, cf. neste livro 8.11 e 10. '
5/7/2018 Lector in fábula - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/lector-in-fabula-559abb31e3354 3/9
.. -
38 LECTOR IN FABULA
3.2. COMO 0 TEXTO PREYb 0 LElTOR
•Esta condicao 6bvia de existencia do s texto s' par ece, no en tanto,
chocar-se com uma igualmente 6bvia lei pragmatica que, se pode
rnanter- se ocu lta du rante tanto tempo na hist6 ria ida teo ria das cornu-
nicacoes, nao 0 e mais hoje em dia. A lei pode s~r facilmente formu-
.\lada num s!ogan:"A competencia do destinatdrio ndo Iinecessariamente
\ \1 do emitentei' . I, .
Iii se criticou amplamente (e de maneira definitiva no Tratado,
2.15) 0 modelo de cornunicacao divulgado pelos primeiros teoricosda info rrnacao: ur n Emitente, uma Mensagem e urn Destinatario, onde
a Mensagem e tanto ger ada quanta in terpretada na'base deu rn C6digo .
E ja sabemos que os codigos do destinatario pOdem dife~e~cia~s;,
totalmente ou em parte,crosc6digos do errutente; que_ 0 COdlgO n ao
e uma entidade simples~fl!_Jl'Lmalona_das vezes 11m cornplexo
sis temaaesiStCmasoeregras ' qJlLQ_c6digo_lingii i~ticQ nao e g,lficienteparacorTIpi-eender uma mensamIl_Jingil ls tica: IFurra?1 INaol e li~g.ilis-ticarr ieiife decod lf'icavel como pergun ta e respo sta sob re os habitos
do destinatario da pergunta, mas, em determinadas circunstancias
de emissao, a resposta conota-se como "rnal-educada" com base num
c6digo que nao e l inguis tico, porern etiquetal .L era pr eciso dizer
[nao , muito ob rigadolr'Por consegu inte, p ara "decod if icar" urna men-
~
agem verbal e p reciso ter, aler n da competencia ,linguistica_ , uma
ompetenc ia var iadamente c ircuns tanc ia l, uma capac idade pass fvel deesencadear pressuposicoes, de reprimir idios~i~cras .. .as etc~ etc. Tant?
que no Tratado sempre suger iamos uma sene de coercoes pragma-
cas exemplificadas na Figura 1./ !
ciI=mtinciuqueorientam iU pn:slupQSi~{)es
Figura 1
o LEITOR-MODELO
o que garante a cooperacao textua l d iante des tas pos sibi lidades
de interpreta9ao mais ou menos "aberrantes"? Na comunicayao face
a f ace in ter vem infin itas fo rmas de r eforco ex tralingilistico (gestual,
ostensiYQ: e ass~p-or diante) e infinitos procedimentos de r edun -
dancia e feedback, urn em apoiodo outro, Sinal de que nunca existe
meia-comunica9ao I inguistica, mas a tividade semi6ti ca em sentido lato,
onde mais sistemas de signos se comp letam reciprocarnen te. 0 que
acontece, porern, com urn texto escrito que 0 autor gera e confia a
multiplos atos de interpretacao, como uma mensagem numa garr a fa?
A esta altura a conclusao parece simples. Para organizar a pro-
pr ia estrategia tex tual,. 0 auto r deve r efe,~ ir -se a ~ma serie de, com ,:-
tericTasTexpressao mais vasta 0 que conhecimen to de codigos )
qUeconfiram conteudo as expressoes que ~a. Ele deve aceitar que
o c-Ci rl. j1Jl !tQ-de-c:ompe tenc lasa ue se rel ere, e 0 mes:n0 a ue se refere
o 2~6[J_ri()_1eitoL Por conseguinte, prevera urn Itor-Mode capaz
de- cooperar para a atualizacao textual como eJe, 0 autor; pensava~
de-movl ff ientar -s e interpret at ivamente conforme e le se movimentou
g~rativamente.
--- Dissemos que 0 texto postula a cooperacao do lei tor como con-
diyao pr6pria de atualizacao , Podemos dizerinelho r que 0 :ex.to e um (' fpro~lyo cujo destina.1nterpretativ0 d~ve fazer parte do propno, ~leca-nismo gerativo. Gerar urn texto srgnlfica executar uma estrategla de
que fazem parte as prev isoes dos mov imento s de ou tros - : ~omo , al,ias,
err iqualquer estrategia. Na estrategia militar ( ou xad rezistica - d iga-
mos em toda estrategia de jogo), 0 estrategista projeta urn modelo
de adversario. Se efetuo este movimento - aventurava Napoleao
Wellington deveria reagir assim. Se executo este movimento - argu-
mentava Wellington -, Napoleao deveria reagir assim. No caso em
foco, Welling ton gerou melhor a pr6pria estr ategia de Napoleao, pois
Wellington construiu urn Napoleao-Modelo que se parecia ao Napa-
leao concr eto mais do que 0 Well ington-Modele , imaginado por Napa-
leao, se par ecia ao Wellington concr eto . A analog ia s6 pode ser invali-
dada pelo fato de que, num texto, 0 autor costumeiramente quer levar
o adversario a veneer, ao inves de perder. Mas is to nao e dito. A nar-
racao de Alphonse Allais, que analisaremos no u ltimo capitu lo , asse-
melha-se mais it batalha de Waterloo do que it Divina Comedia. _
Mas na estrategia m ilitar ( ao contrario da xadrezistica) podern
inte rv ir acidentes casuai s (por exemplo , a inepcia de Grouchy) . Ocorre
tambem nos textos, pois as vezes Grouchy volta (como ndo fez em
Waterloo), as vezes chega Massena (como aconteceu na batalha de
Marengo). 0 b ravo estr ateg ista deve levar em consideracao tambern
estes eventos casua is, com urn calculo probabi li sti co propr io , E como
deve agir 0 au tor de urn tex to. "Aquele brace do lago de Como'.':_
e se me aparece urn lei tor que nunca ouviu falar de Como? Devoagir
de modo a recupera-lo mais adiante; por enquanto, jogamos como se
o lago Como fo sse flatus vocis, tal qual Xanadu. Mais adiante se farao
a lusoes ao ceu da Lombardia , it relacao ent re Como, Milao , Bergamo,
a situa9ao da penin su la italica. Mais cedo ou mais tar de, 0 leitor enci-
ciopedicamente carente sera pego de surpresa,
5/7/2018 Lector in fábula - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/lector-in-fabula-559abb31e3354 4/9
40 LECTOR IN FABULA
O s meio s sao mu itos: a esco lha de uma 1in~a (que exclui obvia-
mente quem nao a fala), a escblha de urn tipo de enciclopedia (se
comeco urn texto com [como esta c la ramentee )(~ei ra
Cr i t ica. . . 1 , ja reduzi, e bastante corporativamente, a imagem do meu
Leitor-Modelo) . a eS_C_Qlh~ urn dado patrim6nio lexical ,e estilis-
t!~. Posso fomecer sinais de genero que sel~cio~ a a~diencia:
IQueridas cnanyas, era uma vez u rn pais d istante ... I ; posso restring ir
ocampo geograf ico: [Amigos , romanos , concidadaos!l. Muitos t ext os
tomam evidente 0 seu Leitor-Modelo, pressupondo a pe rt is v er bi s(perdoem-rne 0 oximoro) uma especifica cornpetencia ericiclope.
dica Par a prestar homenagem a tantas ilustres discussoes de filosofia
da linguagem, veja-se 0 infcio daquele Waverley de que 0 autor e noto-
riamente 0 autor:
(10) ... 0 qu e pod er ia rn t er es pe ra do os meu s l ei tor eS !d e ep ite tos cavalheires-cos como Howar d, Mor daunt, Mort imer ou St anley, ou dos sons pouco
suaves e sen tirnen ta is de Belmore , Belvi lle, Bellied e Belgrave, senao pag i-
n as de b an al ida des , s emelhan te s as q ue a ss im foram ba ti za da s hi ja meioseculo?
No entanto, neste ultimo exemplo ha rnais coisa. Par urn lado,
o autorp r~ssupOe, mas, po r outro, institui a competencia,do proprio
!Le~. Pois bern, tambem nos, que sequer tinhamos expe-
r ienc ia dos romances got icos conhecidos dos le itores de Wal te r Scott,
/ somos convidados a ficar sabendo que certos notpes conotam "herois
I cavalheiresco s" e que ex istem romances cavalheirescos habitados
~
pelas sup ramencionadas pe.rson. agen .s qU,e, oste. p '. tam caracteristicasde est ilo de algum modo censuraveis . i
Portanto, pr~E_~._P~9{l.!i.o~i!QJ.:...Mo_gelo_n~() significa som~,!!te
"esperar" que exista, mas significa tambem mover 0 texto de modo
a con·sf iU'i-lo. 0 texto nao apenas repousa nurna co rnpetencia, mas
conti1bui para produzi-la. Portanto, urn tex to e !menos pr eguicoso e
a sua so licitacao cooperativ a e menos lib er al do 'que quer fazer crer?
Porventura, assernelha-se mais a uma caixa cornl elementos prefabri-
cados, cham ada kit, que obriga 0 usuar io a t raba lhar somente para pro-
duzir urn so e unico tipo de produto final, sern perdoar os erros possf-
veis, ou se parece mais com urn jogo de pecas corn 0 qua l pode cons-
t ru ir muit as formas, a escolha? E somente caixa ]muito cara que con -
tern as pecas de urn quebra-cabeca que, uma vez resolvido, sempre
deixara sair a Gioconda, ou e definitivamente e nada mais do que
uma caixa de lapis de co r?
Ha t ex tos prontos para encar regar-se dos poss ivels eventos pre -
vistos na Figura I? E porventura existem textos 9ue agem sobre esses
desvios, que os sugerem, que contam com eles - e sao os textos "aber-
tos" que podem ser lidos de mil maneiras, todas de u suf ruto infinite?
E sera que esses textos de usufruto desistem de !postular urn Lei tor-
-Mode lo ou pos tu lam urn de natureza diferente?"
4. Sobr e a obra aber ta, remet emos naturalrnent e' a Obra Aberta (Eco,
1 962) . Acons elha -s e, p orern, a e di ca o de Ta sc ab il i Bornp ia ni qu e s e c on ce nt ra,
o LEITOR-MODELO 41
poderiamos tentar estabelecer especies de tipologias, so que a
[ista se apresentaria em forma de continuum graduado pelas inf in i-
tas esfumatur as. A nfvel intuitivo, sugerimos somente dois extremos
(depois voltaremos a procurar uma regra unificada e unificadora,
urna matriz gerativa muito transcendental).
3 .3 . TEXTOS "FECHADOS" E TEXTOS "ABERTOS"
Existem certos autores que conhecem a situayao pragmatica
exemplificadaIiaFrgura 1. So que acreditam que seja a descricao de
umn~-de ~ci~e~tes possiveis. mas evitaveis. P_9r iss?, ~.~ ~
perSpifaGlaSOGIOlo81ca-e-com bnlhante medledade estatJs tlca 0 seu
Leitor -Mode lo: d ir ig ir -se -ao, sucess ivamente , a c ri anQas, a meloma-
nfacos,a"!TIfci i<;Qi, '. .i .homossexuais, a surfistas , a empregadas domes-
t icas -da-pequena burguesia, a a fi cc ionados de roupas inglesas, a pesca -
dor es submar inos. Con forme d izem os publicitarios, escolherao par a
si urn target (e urn "alvo" pouco ajuda,pois espera ser atingido).
Farao com que todo termo, que toda maneira de dizer, que toda
referencia enc ic lopedica , s eja aquilo que previ sive lmen te 0 seu lei tor
pede entender. Empenhar-se-ao no sentido de estimular urn efeito
preciso; para estar seguros de que se desencadeara uma reacao de
horror, dirac antecipadamente que "a esta altura aconteceu algo de
horrivel", Em certos niveis, 0 expediente tera exito.
Bastara, porem, que 0 livro de Caro lin a I nvernizio, escrito para
aprendizes de costureira de Turim, no final do seculo, caia nas maos
do mais desatin ado degustador de kitsch literario, para que se trans-
forme na quermesse da lei tura t ransversa l, das interpret acoes nas ent re -
l inhas, do saboreamento do poncif, do gos to huysmaniano pelos t extos
que balbuciam. De "fechado" e repressivo que era, 0 texto se tor-
nara mui to aberto, qua l rna quina para c ri ar aventuras perve rsas.
Mas poder a acontecer coisa p io r (ou rnelho r, segundo os casos).
Ou seja, q u e tambem a competencia do Leitor-Modelo nao tenha
sidQj~revista com su ficiencia - por car encia de analise h istoric a, err o
de aval iacao semioti ca , preconcei to cul tura l, subaval iacao das c ircuns -
tancias de destinacao. Esp lendido exemplo de tais aventuras da inter -pretacao sao as Misterios de Paris, de autoria de Sue. Escrito com
propositos dandfsticos para narrar ao publico culto os eventos mor-
dazes de uma mise ria p itor esca, e lido pelo proletariado como des-
criyao clara e honesta da propria sujeicao. Como 0 autor percebe
i sso , cont inua a esc reve-lo para 0 prole ta ri ado e 0 recheia de morali-
dades social -democrat icas para convencer est as c lasses "perigosas" ,
que ele compreende mas teme, a tr atar 0 proprio desespero, confiando
na justica e na boa vontade das classes abastadas. Acambarcado par
Marx e Engels como modelo de peroracao reformista, 0 livro realiza
uma v ia gem misteriosa no espirito dos p roprios leitor es, leitores estes
nas varia s redacoes da obra e acrescenta 0 ensaio "Sobre a Possibi lidade de Gerar
Mensagens Este ticas nurna Linguagem Edenica" .:
5/7/2018 Lector in fábula - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/lector-in-fabula-559abb31e3354 5/9
42 L EC TOR IN FABULA
que vamos encontrar de novo sobre as barricadhs de 1848, tentanda
a revolucao , tambem porque tinh'lll1 lido Os Misterios de Paris>, Sera
que 0 l ivro encerrava tambern aquela possfvel a tualizacao, desenhava
em filigrana tambern aquele Leitor-Modelo? Certamente, com a Con_
dicao de que 0 leia, porern pulando as partes moralizadoras - ou dendo querer entende-las, i
l';{[ghLnada mais aberto que urn texto f~chado. So ue a SUa
abertura e efeito de iniciativa ex t erna, de urn I~odo de usar 0 tex a,
e~r 'f~g__de ser suavemente usados por ele_.Mais dp..Que de coo~aa,
trata-se de violencia. Pode-se tambern cometer lviolencia contra- urn
texto (pode-se tariibern comer urn Iivro, como faz 0 apostolo e m
Patmos) e com isso tirar sutis desfrutes. Mas aqui estamos falanda
de cooperacao textual qual atividade promovida pelo tex t o e, por
conseguin te, estas modalidades nao in teressam. Nao in t eressam,
note-se, nesta circunstancia: 0 mota de Valery if n y a p as de vrai
sens d'un texte - permite duas leituras: que d~ urn texto se pode
fazer 0 uso que se queira - e e a leitura que aqui nao interessa; e
que de urn texto sao dadas infinitas interpreta£oes - e e a leitura queagora tomaremos em considerac;:ao.
Temos urn texto "aberto" quando 0 autorconhece toda a va n.
tagem a tirar da Figura J. A lei como modelo de uma situacao prag-rnatica que nao pode ser eliminada. Assume-a como hipotese regula-
dora da propria estrategia, Decide (eis onde a tipologia dos textos
corre 0 risco de converter-se num continuum ~e esfumaturas) ate
que pon to deve controlar a cooperacao do leitor] e on de esta e pro-
vocada, para onde e dirigida , onde deve t ransforrnarse em livre aven-
tura interp re ta tiva . Dira [urna flor] e, embora saiba (e queira) que
da palavra se extraia 0 perfume de todas as flores ausentes, sabera
certamen te que nao se ex t raira 0 bouquet de urn ll icor be rn envelhe-
c ido , a rnpl ia ra e cont ra ir a 0 jogo da semiose ilimitada como queira.
So uma coisa ele ten t ara com sagaz estrategra: que, por maior
que se ja 0 mimero de interpretacoes possfveis, uma ecoe a ou t ra, de
modo que nao se exc luam, mas antes , se re forcem mutuamente.
Como acontece com 0 F in ne ga ns W ak e, podera postular urn
autor ideal acometido de uma insonia ideal, pela !competencia varia-vel: mas este autor ideal devera ter como competencia fundamental
o dominio do ingles (embora 0 l ivro nao seja escrito em "verdadeiro"
Ingles): e nao podera ser urn leitor helernstico ~o segundo seculo
depois de Cristo que ignore a existencia de Dublin) como nao podera
ser urn iletrado que nao conheca duas mil palavras do dicionario (ou
podera, mas entao sera de novo urn caso de USO! l iv re , dec id ido de
fora, ou de lei tur a ext remamente reduz ida, Iimi tada a s mais evidentesestru turas discursivas, cf. 4). I
5. Cf Eco, 1976, em particular "Sue: 0 Soclalismoe 0 Consolo". Sobreos problemas da interpretavao "aber rante" , veja-se , adernais, "Della dif ficulta
di essere Marco Polo" ("Da dificuldade de ser Marco PolO") in Dallaperiferiadell'impero ("A per if er ia do Imper io") , Mil ao, Bompiani! 1977 . Ct ; tambernPau lo Fabbri , 1973 . bern como Eco e Fabbr i, 1978 . !
o LE ITOR-MODELO 43
Por conseguinte, 0 F in ne ga ns W a ke e spe ra con tar co~ ~r: ' leitorideal, que disponha de mui~o. tempo, tenha rr:uita p~rspicacia ass~-
. iva com uma enciclopedia com limites indefinidos, mas nao
clal[1 :e r t ipo de lei tor. Cons troi 0 proprio Leitor-Modelo, escolhendoqua ql. . c •. .
S de dificuldade linguistica, a nqueza das rererencias e inse-oS grau . .. ., .ind no texto chaves alusoes possibilidades mesmo que vanaveis
nn 0 " . ke E Id I ituras cruzadas. 0 Leitor-Modelo de Finn egans W a e e aque e
o~er:dor capa z de efetua r, no tempo, 0 maior nurnero possivel dessas
leiluras cruzadas".
Em outras palavras, tambern 0 ultimo Joyce, autor do ~exto
rnais aberto de que se possa falar, constr6i 0 proprio Ieito~ mediante
estratezia textual. Referido a leitores que 0 texto nao pos tulaum a c- ·1 ' I ( . d ee nao contribui para produzir, 0 t ex to faz-se I egive mars 0 qu
o e ) ou toma-se ou tro l iv ro.
3.4. us a E INTERPRETA<::AO
D;.ytgnos, assim: di~tingujr e~!re 0 us a ~ivre de urn texto aceito i tcomo estimulo imagmativo e a mterpretafao de uz:n. texto ab~r~.
€ 'nesta fronteira que se baseia sem ambigilidade teonca a possibili-
dade daquilo que ~~I~~es chama de texto de fruiyao ou gozo: a pessoa
tern que decidir se usa urn texto como ~ext? de frulC;:,ao ou se u~
determinado texto considera como constitutiva da propna estrat~-
gia (e, portanto, da propria interpretacao) a estID:uI.ayao ~o uso mars
livre possfvel. Ac~,:~_itamovorem~ue alguns lirnites sao e~ta?e.le-
cidos e que a nOyao de interpretacao .sempre envolve uma dialetica
erifre estrategia do autor e resposta do Leitor-Modelo. , .
() - Naturalmente, alem de uma pratica, pode ocorrer uma estetica
Ido usa livre, aberrante, desiderativo e malicioso dos te:tos. ~orges
sugeria que se Jesse a Odisseia c omo se fosse _postenor, a Eneida ou
a Imitaciio de Cristo como se tivesse sido ~~n~a por Cehne. Propos-
tas e sp lend idas , exc itantes e faci lmente r ea lizave is , Mas do que outra s,
criativa, porque de fato e produz ido urn novo texto (da mesma forma
que 0 Quixote de Pierre Menard e bern diferente daquele de Cervant~s,
ao qual casualmente corresponde palavra por palavra). E que de_p_01s,
ao escrever esse outro texto (ou texto Outro), se chegue a criticar
o texto original ou a descobrir-lhe possibilidade s e valenc~as ocultas
- isto e obvio, nada e mais reve lador de uma cancatura justa rnente
porque parece, mas nao 0 e, 0 objeto caricaturado, e, por outro lad~,
sem duvida certos romances que foram renarrados se tornam mais
bonitos porque se conve rtem em "outros" romances.
Do ponto de vista de uma semiotica geral e justo a luz da. cor_n-
p lexidade dos proce ssos pragma ticos (Figura 1) e da ~ontr~dlton~,
dade do Campo Semantico Global, todas estas operacoes sao teon-
6. Cf. Umberto Eco, Le poetiche di Joyce , Mil a? , Bompiani , 196~
(1. ed. , 1962, in Obra Aberta, cit.). Cf. tambern "Sernantica del la metafora
C'Sernant ica da me t af ora ") in Eco, 1971.
5/7/2018 Lector in fábula - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/lector-in-fabula-559abb31e3354 6/9
44 LECTOR IN FABULA
camente explicaveis. (Mas, se a corrente das interpretacoe s pode ser
"infini ta , con forme Pei rce nos rnos trou , 0 unive r~o do discurso intej ,, I
ve rn entao pa ra l irni ta r 0 formato da enciclopedia. E urn texto outra
coisa nao e senao a est ra tegia que cons ti tui 0 universo das suas inter-
pretacoes legitimaveis - se nao "legitimas", Qualquer outra decisao
de usar l ivr ernente urn texto corr esponds a decisao de ampliar 0 uni,
verso do discurso. A dinamica da semiose ilimitada nao 0 veda, e ate
chega a encora ja -Io. Mas cumpre sabe r se que re rnos exe rc itar a serniose
ou interpre ta r urn tex to." , I
Para concluir, a crescentamos que os te xtos fechados resistem
rnais ao uso do que os textos abertos. COncebidos para urn Leitor-
-M-Ode lo mui to de finido, com 0 intuito de dirigir repressivamente a
sua cooperacao, deixam espacos de uso bastan te [elasticos, Tomemos
as historias policiais de Rex Stout e interpreternos a relacao entre
Nero Wolfe e Archie Goodwin como uma rela91ao "kafkiana": por
que nao? 0 texto suporta muito bern este usa, n er n s e perde 0 entre-
ten irnento da fabula e 0 gosto final da descoberta do assassino. Mas
tomernos agora 0 Processo de Kafka e leiamo-lo 'como se fosse uma
historia polic ia l. Legalrnente e permi tido, mas textua Irnente produz
ur n resultado infelicfssimo, !
Proust podia ler 0 horario dos trens, reencdntrando nos nomes
dos lugarejos do Valois doces e labirinticos ecof da viagem nerva-
liana em busca de Silvia Mas nao se tratava de interpretacao do hera-
rio, porern de urn usa Iegftimo deste quase psicodelico. Por sua vez,
o horario preve urn unico tipo de Le itor-Modelo, 'urn operador carte-
siano ortogonal com urn senso vigil da irreversibilidade das suces-sees temporais, !
3.5. AUTOR E LEITOR COMO ESTRATEGIAS TEXTUAIS• I
I
Num processo de cornunicacao, temos urn Ernitente, uma Men-
sagem e urn Destinatario, Com frequenc ia , tanto 6 Emitente quanta
o Destinatario sao gramaticalrnente rnanifestados pela mensagem:
lE u te digo que . ._1 I
Quando esta as voltas com rnensagens de fun9ao referencial,
o destinatario utiliza estes traces grama tica is como indice s re fe ren-ciais (leu] designara 0 sujeito empirico do ato de enunciacao do enun-
ciado em questao, e assirn por diante), 0 mesmo pode acontecer tam-
bern com textos bastante compridos como c ar ta s] p ag in as de diario
e , enfi rn, tudo 0 que e l ido para adquirir inforrnacoes a cerca do autor
e das circunstancias da enunciacao, i
Mas, quando urn texto e considerado enquanto texto e espe-
c ia Irnente nos casos de textos concebidos pa ra uma audiencia bastante
vasta (como romances, discursos politicos, instrucoes cientfficas e
a ss irn por d iante), 0 Emitente e 0 Destinatario acham-se presentes
no texto nao tanto como palos do ato de enun~iayao, mas como
papeis actanciais do enunciado (cf. Jakobson, 1957). Nestes casos
I
o LEITOR-MODELO 45
autor e t extua Irnente manife stado apenas como (i) urn estilo reco-
n l ccfvel - que pode ser tam bern urn idioleto textua1, ou de corpus,n 1 de epoca historica (cf Tratado, 3.7.6); (ii) urn puro papel actan-
c i a l (Ieui = "0 su je ito deste enunciado"); (i ii ) como ocorrenc ia ilo-
cutiva (leu jura que] = "ha urn sujeito que realiza a acao de jurar")
~)U como operador de forca pe rlocut iva que denuncia uma "instancia
da enuncia9ao" ou entao uma intervencao de urn sujeito estranho
ao enunciado, mas de qualquer maneira presente ~o tecido t~xtual
mais amplo (limprevistamente acontece alguma coisa de horrivel.: I;
I . . . disse a duquesa com voz de fazer tremer os mortos ... I). Esta evo-cay30 do fantasma do Emitente costurna ser correlativa a urna evo-
cac,:aodo fanta srna do Destinatario (Kristeva, 1970). Vejamos este
Irecho ext ra ido das I nves t igacoe s F i lo so fi cas , de Wittgenstein, § 66:
(11) Considere , por exemplo , os p rocessos que cham amos de " jogos ", Entendo
com isto jogos de xadrez, jogos de baralh o, jogos de bola, competicoes
espor tivas, e ass im por diante. 0 que e comum a todos estes jogos? - Nao
diga: "deve have r al guma cois a comum a todos , porque, s e as sim nao foss e,
nao se chamariam 'jogos' " - mas olhe se existe alguma coisa comum a
todcs. - De fato, se os observar, decerta nao vera alga que seja comurn
a todos, mas ve ra s ernel hancas , parent escos, e, a te , vera t oda uma ser ie
delas...
Todos_GLl2Ionornes pessoais (irnplicitos ou explicitos) nao
indicam absolutarnmte__uma_pessoa chamada Ludwig Wittgenste inO1i-~pirico qualquer: representam tambern estrategias
texfuais. A interferencia de urn sujeito falante e complementar aativa9lo de urn Leitor-Modelo cujo perfil intelectual s6 e dete rrni-
nado pelo tipo de operacoes interpretativas que se supce (e se exige)
que ele saiba execu tar: reconhecer sirniliridades, tornar em conside-
rayao certos jogos . .. Do mesmo modo, 0 autor nao e senao uma estra-
tegia tex tua l capaz de estabe lece r corre lacoes semant ic as : [entendo . ..1
(lch meine...) signi fica que no ambi to deste texto 0 termo [ jo g o] d e v er a
a ssumir certa extensao (abrangendo jogos de xadrez, jogos de bara lho
e assirn por diante), enquanto que se abstem propositalmente de fazer
deles uma desc ricao intenciona l. Neste texto, Wittgenstein nao e outracoisa senao urn estilo filosofico e 0 Leitor-Modelo nao e senao a capa-
cidade intelectual de compartilhar este estilo, cooperando para atua-
liza-lo.Fica claro, portanto, que, doravante, toda vez que usarmos
terrnos como Autor e Le itor-Mode lo, sempre entende re rnos, e rn ambos
os casas, bpos de estrategia textual. 0 Le itor-Modelo constj tl lj urn
conjunto de condi90es de exita, textualrnente estabelecidas, ~
devem ser satisfeitas para que urn texto seja plenamente atualizado
no seu conteudo potencial?
1969.7 . Par a a s cond icoes de exito, veja-se obviarnen te Austin, 1962; Searle,
5/7/2018 Lector in fábula - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/lector-in-fabula-559abb31e3354 7/9
. .
44 LECTOR IN FABULA
camente explicaveis. !Mas, se a corrente das interpretacoe s pode ser
' in finita, conforrne Pe ir ce nos mostpou , 0 univer~o do discurso inter .
ve rn entao pa ra 1imi ta r 0 formato da enciclopedia. E urn texto ~Utra
coisa nao e se nao a estrategia que constitui 0 universe das suas inter .
pretacoes legitimaveis - se na o "leg itimas" . Qua lque r out ra decisao
de usar Iivremente urn texto corr esponds it decisao de ampliar 0 uni,
verso do discurso. A dinarnica da semiose ilimitalla nao 0 veda, e ate
chega a encora ja -lo. Mas cumpre sabe r se que remos exe rc itar a semiose
ou interpretar urn texto." I
Para concluir, a crescentamos que os textos fechados resistem
~ ao uso do que os textos abertos. Conce bides para urn Leitor.
-Modelo muito definido, com 0 intuito de dirigir repressivamente a
sua cooperacao, de ixam espacos de uso bastan te [e la st icos . Tomemos
as historias policiais de Rex S tou t e interpreternos a relacao entre
Nero Wolfe e Archie Goodwin como uma relal(lao "kafkiana": por
que nao? 0 texto suporta muito bern este usc, nern se perde 0 entre.
tenimento da fdbula e 0 gosto final da desccberta do assassino. Mas
tornemos agora 0 Processo de Kafka e l ei am o -l o c omo se fosse urna
historia polic ia l. Legalmente e permi tido, mas t~xtua lmente produz
ur n resultado infelicissimo. i
Proust podia ler 0 horario dos trens, reencontrando nos nomes
dos lugarejos do Valois doces e labirfnticos ecos da viagem nerva-
liana em busca de Silvia Mas nao se tratava de int~rpretal(aO do hora-
rio, porern de urn uso legftirno deste quase psicodelico. Por sua vez,
o horario preve urn unico tipo de Leitor-Modelo, lum operador carte.
siano ortogonal com urn senso vigil da irreversibilidade das suces-soes temporais.
I
I
3.5. AUTOR E LEITOR COMO ESTRATEGIAS TEXTUAIS" I
Nurn processo de comunicacao, t emos urn Ernitente, uma Men-
sagem e urn Destinatario, Com frequencia, tanto 0 Emitente quanto
o Destinatario sao gramaticalmente rnanifestados pela mensagem:
l Eu t e digo que . .. 1 :
Quando esta as voltas com mensa gens de rUnl(aO referencial,
o destinatario utiliza estes tracos gramaticais como indices referen-
ciais (leu] designara 0 sujeito emp irico do ato de enunciacao do enun-
ciado em questao, e assim por diante). 0mesmo pode aeontece r tam-
bern com textos bastante compridos como c ar ta s, p ag in as de diario
e, enfun, tudo 0 que e lido para adquirir informacoes a cerca do autor
e das circunstancias da enunciacao. i
Mas, quando urn texto e considerado enquanto texto e espe-
c ia lmente nos casos de textos concebidos pa ra uma audiencia bastante
vasta (como romances, discursos politicos, instrucoes cientfficas e
a ss im por d iante), 0 Emitente e 0 Destinatario acham-se presentes
no texto nao tanto como p610s do ato de enunciacao, mas como
pa pe is a ct an c ia is do enunciado (cf. Jakobson, 1957). Nestes casos
I
o LEITOR·MODELO 45
o autor Ii t extua lmente manife stado apenas como (i) urn est ilo reco-
hcciveI - que pode ser tarnbem urn idioleto textual, ou de corpus,ou de epoca histor ic a (c f. Tratado, 3.7.6); (ii) urn puro papel actan-o .cial (Ieul = "0 sujeito deste enunciado"); (iii) como ocorrencia ilo-
(ut iva ( leu ju ro que ] = "ha urn sujeito que realiza a acao de jurar")
ou como operador de forc a perlocutiva que denuncia uma "instancia
da enuncial(ao" ou entao uma intervencao de urn sujeito estranho
ao enunciado, mas de qualquer maneira presente no tecido textual
rnais amplo (limprevistarnente acontece alguma coisa de horr i ve l . . . . I;
/...disse a duquesa com voz de fazer trem er os mortas...!). Esta eva-c39ao do fantasma do Emitente costuma ser correlativa a uma eva-
c3yao do fantasma do Destinatario (Kristeva, 1970). Vejamos este
t rc cho ext ra ido das I n ve s ti gaco es F i lo s of i ca s , de Wittgenstein, § 66:
(11) Considere , por exemplo , o s p rocess os que chamamos de "jogos", Entendo
com is to j ogos de xadrez, j ogos de bar al ho , jogos de bola , cornpe ticoe s
e spo rti va s, e as sim por di an te. 0 que e comum a todos estes jogos? - Nao
diza: "deve have r al guma coi sa comum a t odos , porque, se a ssim nao foss e,
nio se chamariam 'jogos'" - mas olhe se existe alguma coisa comum a
todos. - De fato, se os observar, decerto nao vera algo que seja comum
a todos, mas vera sernelhancas, parentescos, e, ate, veri toda uma serie
delas...
Todos_OLpronomes pessoais (implfcitos ou explicit os) nao
indic~e lima peSSDa chamada Ludwig Wittgensteina u - u r n lei t or empirico qualquer: representam tambem estrategias
texfuais. A interferencia de urn sujeito falante e complementar aatival(ao de urn Leitor-Modelo cujo perfil intelectual s6 e de t e rmi-
nado pelo tipo de operacoes interpretativas que se sup5e (e se exige)
que ele saiba executar: reconhecer similiridades, tomar em conside-
racao certos j og o s . .. Do mesmo modo, 0 autor na o e senao uma estra-
tegia textual capaz de estabelecer c or re la co es s er na nt ic as : [ en te nd o . .. 1
(Ich me in e . .. ) significa que no ambito deste texto 0 terrno [jogo] devers
a ssumir certa extensao (abrangendo jogos de xadrez , jogos de bara lho
e assim por diante), enquanto que se abstern proposita lmente de fazer
deles uma desc ricao in tenc iona l. Neste tex to, Wittgenstein nao e outracoisa senao urn estilo filosofico e 0 Leitor-Modelo nao e senao a capa-
cidade in t electual de compartilhar este estilo, cooperando para atua-
Iiza-lo.Fica claro, portanto, que, doravante, toda vez que usarrnos
termos como Autor e Le itor·Mode lo, sempre entende remos , em ambos
o_s_casos,tIpos de estra tegia textual .•0 Le itor-Modelo consti tl lj urn
conjunto de condi90ev de exiia, textualmente estabelecidas, ~
devem ser satisfeitas para que urn texto seja plenamente atualizado
no seu contetido potencial".
7. Para as condicoes de exito, veja-se obviamente Austin, 1962; Searle,1969.
5/7/2018 Lector in fábula - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/lector-in-fabula-559abb31e3354 8/97-
' I
I
46 LE~TOR IN FABULA I
3.6. 0 AUTOR COMO HIPOTESE INTERPRE1!ATIVA
~Se 0 Autor e 0 Leiter-Modele constituerrr duas estrategias tex,
tuais, entao nos encontramos diante de uma dupla situacao, De u m
lado , con forme d issemos ate aqu i, 0 aut~r ~mpirco , en~uanto sujeita
da enunciacao textual, formula uma hipotese I de Leitor-Modelo e,
ao traduzi-la em term os da propria estrategia, configura a si rnesrm,
autor na qualidade de sujeito do enunciado, e r n term os igualmente"estrategicos", como modo de operacao textual. Mas, de outro lada,
tambern 0 leitor empirico, como sujeito concreto dos atos de coops,
racao, deve configurar para si uma hipotese d~ Autor, deduzindo.,
jus tamente ,d.os dados de estra~e~a textual.js, hipotese formul.ada pelo
leitor ernpinco ace rca do propno Autor-Modelo parece mars garan,
tida do que aquela que 0 au tor empfrico f ormu la acerca do propr io
Lei tor-Mode lo , Com efe ito , 0 segundo deve postular algo que atual.
men te ainda nao ex iste e r ealiza- lo como serie de operacoes textuais;
o primeiro, ao inves, deduz uma imagem-tipo ~e algo que se verifi,
cou anteriormente como ato de enunciacao e esta textuaImente pre-
sen te como enunciado . Vejamos 0 exemplo (J 1),: Wittgenstein postula
apenas que exista ur n Leitor -Modelo capaz de executar as operacr es
cooperativas que ele propoe, enquanto nos leitores reconhecernos
a imagem do Wittgens te in textual como ser ie de 10perayOese propostascooperativas manifestas. Mas nem sempr e se pede distingu ir tao clar a-
mente 0 Autor-Modelo e com frequencia 0 leiter empfrico tende a
ofusca-lo com noticias que ja possui a respeito do autor empirico
enquanto su jeito da enunciacao . E stes risco s, estas exclu soes, to rnam
as vezes perigosa a cooperacao textual . I
Antes de mais nada, como cooperacao teitual nao se deve en-
tender a atualizacao das intencoes do sujeito ernpfrico da enuncia-
yao, mas as intencoes virtualmente contidas no I enunciado. Exempli-
fiquemos. I
Num debate politico ou num artigo, julga-se que quem designa
as autoridades ou os cidadaos da URSS comol [ russos ], ao inves de
como [soviet icos] , e ste ja pre tendendo a tiva r urna expli ci ta conotacao
ideologica, como se recusasse reconhecer a existencia politica do
Estado sovietico que surgiu da Revolucao de Outubro e ainda pen·
sasse na Russia cza ri sta . Em cer tas si tuacoes, torna-se muito discrimi-
nat6rio 0 usa de urn ou de outro .termo. ~ois l~e:n' pode acontecer
que urn autor isento de preconceitos antl-SOv/etlcos use, contudo,
o termo t ru sso ] por distracao, habito , co rnodidade, lev iandade, ade-
rindo .a urn uso muito difundido. Todavia, cornparando a manifes-
tacao linear (0 uso do lexema em questao) com los subc6digos de q u e
t ern competenc ia (ve ja as operacoes coopera tivas del ineadas em 4.6j .o leitor teIILQ_rlir~atribuir ao termo trhs..so! H il la c QD oU fa o
id r--1 6 -'(;-Tem ireito a isto or ue textualmente a conota ao esta
ativada: e esta e a intencao que ele deve atribuir ao proprio Autor-
-Modelo, independentemente das intencoes do autor empirico. ~
cog_p_er a ao textual e fenomeno ue se r ealiza, nj etimo-Io tre duas
estrategias discurs ivas e nao entre dois sujei tos ind,viduai
o LEITOR-MODELO 47
Para rea li za r-se como Lei tor-Mode lo , 0 leitor emp mco tern
naturalmente deveres "filologicos", ou seja, tern 0 dever de recuperar,
com a maxima aproximacao possfvel, os c6digos do emitente. Supo-
nhamos que 0 emitente seja urn falante com urn c6digo bastante res-
trito, de escassa cultura politica, que nao pode ter presente (devido
ao tamanho de sua enciclopedia) esta difer enca - isto e, suponhamos
que a fr ase seja pr ofer id a po r urn iletr ado que possui imp recisos conhe-
cimentos politico-linguisticos, 0 qual d iga, po r exemplo, que Kruschevera urn politico russo (quando na realidade era urn ucraniano). Eclaro que interpretar 0 texto neste sentido sign ifica reconhecer uma
enciclopedia de ernissao mais restrita e generica do que a de desti-
nayao. Mas i sto s ignif ica ver 0 tex to nas suas circunstancias de enun-
ciayao. Se aquele texto executa u rn trajeto comunicativo mais arnplo
e circula como texto "publico" nao mais atribuivel ao seu sujeito
enunciativo original, entao sera preciso ve-lo na sua nova situacao
comunicativa, como texto que, por interrnedio do fantasma de urn
Autor-Modelo muito generico, se reporta ao sistema de codigos e
subc6d igos aceito pel o s seus possiv eis destin atar ios e que, po r conse-
guinte, quer ser atualizado segundo a cornpetencia de destinacao.
o tex to conotar a en t ao discr iminacao ideo logica. Trata-se natural-
mente de decisoes cooperativas que exigem avaliacoes a proposito
da circulacao social dos textos, de modo que se devem prever casosem que se delineia conscientemente urn Autor-Modelo que chegou
a tar situacao em virtu de de eventos sociol6gicos, embora sabendo
quees te nao coinc ide com 0 autor emp irico".
Naturalmente, subsiste 0 caso em que 0 leitor levan ta a hipo-
tese de que a expressao [ russo] t enha s ido usada nao-lntencional rnente
(intencao psicologica atribuida ao autor emp irico) e, nao obstante,
arrisca uma caracterizacao s6cio- ideol6gica ou psicanalitica do erni-
tente empirico: aquele nao sabia estar ativando certas conotacoes,
mas sem saber queria faze-lo, Em tal caso, podemos falar de correta
cooperacao textual ou entao de interpretacao semantics do texto?
Nao e dificil perceber que aqui esta se delineando 0 estatuto
das "interpretacoes" sociol6gicas ou psicanaliticas dos textos, em
que se procura descobri r 0 que 0 t ex to , independentemente da inten-
9ao do au t or, de fato diz, seja ace r ca da personalidade ou das origens
socials do au t or, seja acer ca do pr6pr io mundo do leitor .
8. Estamos certos de que com [dai a Cesar 0 que e de Cesar] Jesus pre-
tendia estabelecer uma equivalencia de Cesar = Poder Estatal em Geral, e que
nliopretendia indicar somente 0 i rnperador romano cern relacao ao poder daquele
momen to , s em cont udo p ronunc ia r- se sob re os deve res dos p roprio s segu ido res
em circunstancias temporais e espacia is diferentes? Haja vis ta a polernica sobre
a posse dos bens e a pobreza dos apostolos, con forme se desenrola no seculo
XIVent re f ranc is canos "e sp irit uai s" e pontf fi ce , ber n como aquel a, ai nda ma is
ampla e antiga, entre 0 papado e 0 imperi o, onde se ve como es ta decis ao in te r-
p:e~ativa era diffcil, Hoje em dia, porem, temos aceitado como dado enciclo-
ped lCo a equacao hi per codif ic ada ( po r s inedoque) en tre Cesar e Pode r Es ta tal
e nestas bases agirnos a tim de atualizar as intencoes do Autor-Modelo dito 0
Jesusdos evangelhos canonicos.
5/7/2018 Lector in fábula - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/lector-in-fabula-559abb31e3354 9/9
.
48 LECTOR IN FABULA
!
Mas e ig ualm en te claro qu e aqui estam os nos aproximando
d a qu e la s e s tr ut ur as sernanticas ~prpfundas que urn texto nao exibe
a su perficie , m as qu e sao "hipotizadas" pelo le itor como chav e para
a atu aliz acao comp leta do texto: e st ru tu r as ~ c ta n ci ai s (perguntas
a cerca do "s uje ito" efe tiv o do te xto, a lern da h 'ist6 ria in div id ua l da
persona gem fulan o ou sicrario qu e ali e ap are nte me nte n arrad a) e
e s tr u tu r a s i d eologi c as . E sta s e stru tu ra s s era o d eltn ea da s e m p ri me ira
in sta nc ia n o ca pi tu lo s eg uin te e d is cu ti da s m ai s p orm en oriz ad am en teno Cap. 9, no qu al retom arem os este problem a. ,
P or e nq ua nto p ode ria mos lim ita r-n os a coriclu ir q ue ha Autoj,
-M odelo como hip6tese in terpre ta tiv a qu an do se nos config ura 0
suje ito de uma estrategia textual, conforme aparece no texto em
exam e e nao quando se "hipotiza" , em funcao da estra teg ia textual,
u rn s uje ito e mp iri co q ue ta lv ez q ui se ss e o u p en sa ss e o u q uis es se p en sa r
coisa s d ife re nte s d aq uilo q ue 0 t ex to , a de qu ad o p ro po rc io na Im en te
a os c od ig os a q ue s e re fe re , diz a o p ro p ri o L e i to r-Mod e lo ,
N Jo obstan te , nao podemos esconder 0 peso q ue a dq ui re m
as c ir cu n st dn c ia s d e e n un c ia ci io , lev an d o a forrn ular um a hip6tese
sobre as in tencoes do suje ito empirico da en unciacao, ao determi.
n ar a e scolha de u rn A utor-M ode lo . Urn c as o t ip i co e 0 d a i n te rp re -
tacao dada pela impren sa e pelos partidos as c~rtas de Aldo M oro
du ra nte a p ris ao q ue a nte ce de u se u as sa ss in ato , sobre a s q ua is L ucre-c ia E s cu d er o e s cr ev e u o bs e rv a co e s m u it o p e rs p ic az e s" .
N ao ha duv ida de que se deve dar as cartas I de M oro u ma in te r-
p re tacao q ue lev e em conta os c6digos correnteS , ev itando-se frisar
as circu ns tiin cia s d e e nu ncia ca o: tra ta -se de ca rta s ( e e de se p re su -
m ir que jus tamen te a carta privada q u er ia e xp ri rn ir c om s in ce ri da de
o p en sa me nto d o e sc re ve nte ), c ujo s uje ito d a e nu nc ia ca o rn an if es ta -s e
c om o s uj eito d o e nu nc ia do e e xp ri me p ed id os , co 'n se lh os , a fi rrn ac oe s.
Se nos referim os tanto a s r eg ra s conver s ac i ona i s i comu ns quanta ao
s ig nif ica do d as e xp re ss oe s e mp re ga da s, M oro e st a [p ed in do u ma tro ca
de pris ion eiros. C ontudo, grande parte da im prensa adotou aquilo
q ue chamaremos de e st ra te gi a c oo pe ra ti va d e r ej ei cd o: de urn lado,
q ue stio na a s co ndico es de p rodu cao dos e nu nciad os ( Moro e scre ve u
sob coacao e, por con seguinte, nao disse 0 qu e' queria d izer) e , de
o utro , a id en ti da de e ntre s uj ei to d o e nu nc ia do e s uj eito d a e nu nc ia ca o( os e nu nc ia do s d ize m le u, M oro ], m as 0 s u je it o d a ! e nu n ci ay a o e outro,
os rap tores que, ao fa lar, assum ern a m ascara de M oro). Em am bos os
ca so s, m uda a con fig ura ca o do A utor-M ode lo e a s ua e strate gia n ao em ai s id en tif ica da c om a e stra te gi a q ue , d e o utro mbdo, s e ri a a t ri b u id a
a person agem em pirica A ldo M oro (ou entao 0 Au to r- Mo de lo d es ta s
cartas nao e 0 A uto r-M od elo d os o utro s te xto s I ve rb ai s o u e scri to s
d e A ld o M o ro em c on di co es n or ma is ). I
I
9. "0 Caso Moro ; Manipula cao e Reconhec imen to" , comunicacao ap te-
s en tada no Co loqu io sobr e 0 discurso pol it ico, Cen t ro Intemacional de Sernic-
t ic a Lingu is ti cs , Urbino, j ul ho de 1978. Ve ja -se t ar nber n 6 que d iz Bak tin sob re
a natureza "dialogica" dos textos, abordado tambern par Kristeva, 1967.
I
o LEITOR-MODELO 49
Don de a s v a ri as h ip 6t es es : (i) Mo ro e sc re v e 0 q ue es cre ve , m as
I fn pli cita me nte s ug ere q ue q ue r d iz er 0 c on tr ar io e , p or c on se gu in te ,
ICUS conv ites nao sao torn ados ao p e da le tra ; ( ii) M oro em prega urn
e stilo dife re nte do co stu me iro p ara v eicu la r u ma ( mica m en sa ge m,
Isto e , "nao acreditem no q ue escrev o"; ( iii) M oro nao e Mo ro , p or -
q ue diz coisas que sao diferentes daqu elas qu e normaIm en te dizia,
que no rma lmen t e diria, q u e r az oa v elm en te d e v e na d iz er . E por esta
ultim a hip6 tese log o se v e qu an ta as expecta tiv as ideol6gicas dos
dcstinatarios jogaram com seu s processos de "verid icao" e corn a
d cf in iq 30 ta n to d o a uto r e m pi ri co c om o d o A u to r- Mo de lo .
Por outro lado, partidos e grupos fav orav eis as n eg ociacoes
jog ara rn co m a p arte coo pe ra tiv a o posta , e la bora nd o u ma estrategia
d e aceitar:i io: a s c arta s d iz em p e sa o a ss in ada s M oro ; p orta nto , M oro
di z p. 0 suje ito da enun ciacao nao foi posto em discu ssao e, conse-
qUentemente , 0 A utor-M odelo dos textos mu dav a de fis ion om ia (e
cstrategia).
N atura lm ente , aqui nao se trata de dizer qual das du as es tra te-
g ia s era a "ju sta ". S e 0 p ro ble ma e ra " qu em e scre ve u a qu ela s c arta s? ",
a resposta fica por con ta de p rotocolos urn tanto im prov av eis. S e 0
problem a era "q ual e 0 Au to r- Mo de lo d es ta s c ar ta s? ", e cla ro q ue
a d ec is ao e ra in fl ue nc ia da ta nto p or a va lia co es s ob re a c irc un sta nc ia
d e e n un ci ac ao q ua nt o p or p re ss up os ic ce s e nc ic lo pe di ca s s ob re 0 "pen-samento habitual" de M oro, bern com o (mas este u ltimo fato deter-
m inav a sobejam ente e com ev iden cia os ou tros dois) p or pontos de
v is ta id eo lo gic os p re lirn in are s ( do q ue f al are mo s e m 4 .6 .7 ). S eg un do
o A uto r-M ode lo q ue se e scolh ia , m uda va 0 ti po d e a to l in giii stic o
p re sum id o e 0 te x t o a ss um ia s ig nif ic ad os d iv ers os , im po nd o d iv ers as
form as de coop eracao. C oisa qu e acontece , afinal, se se decide ler
um enunciado absolu tamen te serio como enunciado ironico, ou. . IVIce-ver sa .
A con fig ura ca o do A u tor-M ode lo de pe nd e de tra ce s te xtu aiS 'im as p oe e m jog o 0 u niv erso do q ue es ta a tra s d o te xto , a tra s d o d es ti-
n atario e p rov av elm en te dian te do te xto e do p ro ce sso d e ccop era ca o
(no sen tido de que depende da pergunta : "Q ue quero :fazer comeste texto?")!? .
.. 10. A ""0" de Leitor-Modelo circula /ob outras denominacoes e com
vanas diferencas em muitas teorias textuais; Veja-se, por exemplo, Barthes,
1966 ; Lorman, 1970; Ri ff ate rr e, 1971, 1976; van Dij k, 1976c; Schmidt, 1976;
Hi rs ch, 1967; Corti , 1976 (c f. nes te u ltimo li vre t oda 0 segundo capitulo. "Erni-
tente e Destinatario", com as nocoes de "~o" e "lei tor 'hipotizado'
como virtual au ideal"). Em Weinrich, 1976 - 7, 8 e 9 - encantramos indica-
"ees indiretas, porern preciosas.