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ARTIGOS
GERENCIAMENTO DAQUALIDADE TOTAL:UMA REVISÃO CRíTICA
"Tomaz Wood Jr.""Flávio Torres Urdan
Uma pesquisa com base na produção mais recente sobre o assunto revela crescenteinsatisfação com os resultados conseguidos e indica possíveis alternativas.
A survey based on the most recent publications on TQM shows increasing signals ofunsatisfaction among practioners and indicates alternatives for future developments.
PALAVRAS-CHAVE:Gerenciamento da qualidadetotal, mudança organizacional,análise organizacional.
KEYWORDS:Total quality management,organizational change, organi-zational analysis.
'Doutorando em Administraçãode Empresas na EAESP/FGV eProfessor Universitário."Mestre em Administração deEmpresas pela EAESP/FGV,Consultor de Empresas e Pro-fessor Universitário.
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E.lBÔNIAFU\ ESCOl.HItx:) PARAeNSltJAR-LH~S O QUE
t:' '~auAL'DADE,orAL \\.
Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 34, n. 6, p. 46-59 Nov./Dez. 1994
GERENCIAMENTO DA QUALIDADE TOTAL: UMA REVISÃO CRíTICA
o Gerenciamento da Qualidade Total(TQM) passa por um momento de ama-durecimento e questionamento. Em razãodisso, este trabalho procura formular umavisão crítica do assunto e fornecer ao lei-tor um quadro geral do tema e de sua in-serção na complexidade organizacional.Os objetivos dos autores são os seguintes:
• mostrar as tendências e preocupaçõesmais atuais divulgadas através de livros,artigos e outros meios, proporcionandoao leitor um quadro geral do assunto;
• discutir limitações e problemas práticosde aplicação;
• apontar abordagens complementares ealternativas e suas interações com TQM.
Observe-se· que existe material abun-dante sobre o assunto, o que reflete suaimportância e interesse. No entanto, qua-se não há produção acadêmica abordan-do-o, podendo-se afirmar que existe certopreconceito e que os poucos estudiosos
A~l1GAMEtJTE, QUAL.IDADEERA APeNAS UMA PALA-VRA VAZ(A, QUe SIGNI--FICAVA "ALGO BoM".
A1UALMEN1E, (IGUAL/PAPE"SE TRANSto~MOU NUMMeTODO ALTAMENTE COM-PLEXO De TRANSI="ER"~ oDlNHeU20 De vcx:ês PA~A
CONSUL.1i:'RESINOUSTRIAIS.
que tratam do assunto costumam fazê-lode forma crítica.
O artigo é de caráter limitado, ainda queo universo considerado, acreditamos, sejasuficiente para introduzir o assunto e ana-lisar alguns pontos essenciais, sua ampli-tude e implicações bem pediriam análisede maior fôlego.
Inicialmente, apresenta-se um quadroanalítico ligando qualidade aos conceitosde competitividade e mudança organiza-cional. A seguir, procura-se recuperar as-pectos históricos do desenvolvimento doconceito de TQM. Também são apresen-tadas as tendências atuais e as críticasmaiscomuns encontradas. Discutem-se limita-ções, possíveis soluções para essas limita-ções e abordagens alternativas. As seçõesseguintes são dedicadas às questões cor-relatas da reengenharia e do sistema ISO.Duas seções são destinadas à discussãorelativamente recente da qualidade apli-cada a setores não-industriais. Na conclu-são, aborda-se o ciclo de inovações geren-ciais.
CRIANDO UM QUADRO ANALíTICO
Um discurso corrente dá conta que omovimento da qualidade foi a redençãodo Japão do pós-guerra e deve ser umaprioridade nacional. Implantar um bomprograma de qualidade seria suficientepara aumentar a competi tividade, os lu-cros e garantir a perenidade dos negócios.A felicidade e a prosperidade ao alcancedas mãos!
Para evitar esse tipo de tratamento sim-plista, propomos, então, que o tema TQMseja aproximado através de um quadro dereferências decomposto em dois níveis: oprimeiro, mais amplo, refere-se à compe-titividade nacional; o segundo, no nívelintra-organizacional, refere-se à questãodas mudanças da organização do traba-lho e dos paradigmas gerenciais.
Tomemos o primeiro nível, utilizandoa abordagem de Porter'. Para ele, a condi-ção de sucesso de uma empresa está nacapacidade de inovação, tomada em sen-tido amplo, englobando da tecnologia àsnovas formas de gerenciamento. O autorpropõe um modelo de quatro variáveis,interdependentes e inter atuantes, paraanalisar o problema. São elas: a posiçãode uma nação em termos de infra-estru-tura, educação, trabalho, recursos etc.; aexistência de indústrias fornecedoras ca-
© 1994, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil.
1. PORTER, Michael A. Thecompetítíve advantage of na-tíons. New York: Free, 1990.855 p.
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l1~lJARTIGOS
Figura 1Empresa como coleção de processos
tais e conceitos gerenci-ais, mas nunca perdeuum certo ranço tecnicis-ta, surgindo daí grandeslimitações. Apesar de sepretender um instru-mento de mudança -podendo sê-lo, dentrode certos limites - nãotem alcance sobre acomplexa rede de as-
pectos relacionados à mudança organiza-cional.
Mesmo dentro do quadro funcíonalis-ta, suas proposições soam como oportunis-tas ou ingênuas, diante do estado da artedo assunto. Assim, corre o risco de perma-necer como conhecimento e linguagem degueto, ocupando áreas específicas dentrode empresas, mídia própria etc.
2. HARARI. Dren. Ten reasonswhy TQM doesn't work. Mana-gement Review, Saranac lake,v. 82, n. 1, p. 33-8, Jan. 1993.
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pazes e competidores fortes; as condiçõesrelacionadas à estrutura econômica e em-presarial do país e a existência de ummercado exigente e sofisticado. Percebe-se que no modelo de Porter a qualidade,no sentido amplo, permeia todos os ele-mentos. Deve ser entendida como variá-vel endógena do sistema, sem predomi-nância sobre as demais.
Mas o tema tratado não é a qualidadeem geral, mas o conceito de Gerenciamen-to da Qualidade Total, o que nos leva aosegundo nível, mais restrito, de análise.Aqui propomos que TQM insere-se noquadro das mudanças organizacionaishoje em curso, o que o inclui num amplomovimento de profundas alterações estra-tégicas, culturais e estruturais.
Desse contexto, origina-se um ponto detensão para a aplicação do TQM. Origi-nalmente uma coleção de técnicas e me-todologias de engenharia e estatística, aonda da qualidade assimilou, ao longo dotempo, alguns elementos comportamen-
o OUE É, AFINAL, TOM?
Hararf argumenta que, em virtude daproliferação de definições, teorias e progra-mas, é difícil especificar com precisão osignificado de TQM.
Comecemos, então, por definir qualida-de. A maior parte dos conceitos foi cunha-da pelos chamados gurus da qualidade.Essas definições, embora tenham variaçõesem amplitude e profundidade, giram sem-pre em torno dos conceitos de conformi-dade, adequação ao uso e satisfação docliente. Um modo alternativo de entender
"''< ." 0 Çluadro 1
"b'€onceitode'TQM: elementos e ferramentas
TQM: el~mçntos básieQ,s• viitãOÓrp-anlzaclonfil• eli ina~ão de barrey:a~:• comWli~a'ção; .• avàliaçãe cóntíhaâ;
TQM:"fertamentas,e técruca$• diagrap1%' ele causa e.,efeito;• "Çoletá'de.0ados .efo}ÍÍás de vey,ifu:ação'• fluxogramas e esmdo de inputs ti oufprttr;., "análise do.fluxo .dê:trabalho; .• ciclo de Derning;• an@ise do Cap:1P2de f(lr~; c
• fixação de obje~ivo.s,; ~~ quadro ÔJl progr1u:pação ge iled~ões;• quaUty,funcÍíofJ. deplO)'rfJént;• audítoriá:• benchmarking;•• anáÍis~ Clé'falhas e éfeft0s,
• melliolía contjnua;• relacionamentos chente/fomecedor;• empew~l}mfnt do. trabalhador;• tremaménto~ . x
• bra[nstêJríning~• méto~o Delpfu.;, nominal. group !ech]dques.;• círculQs de'4uâli,dade;,• qualidade.de serviso;• métodos.estatísticos e-de amostragem;• gráficosdecflntro.l~;"• projeto de experí:nl~rJqs;• j}pe.raç~o evolucionária;• análise'de Paretó;• foolpropfil1,.8 ic,• quem - o quê - quandç
'po)" quê - Gomõ"?
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GERENCIAMENTO DA QUALIDADE TOTAL: UMA REVISÃO CRíTICA
Figura 2Elementos do Hoshin Kanri
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Srakeljolclars
o assunto é pensá-lo de forma sistêmica,como a interação de três variáveis: o pro-duto, o cliente e o uso. É da dinâmica des-sa interação, na multiplicidade de possi-bilidades existentes, que nasce a idéia dequalidade.
Para vincular qualidade a TQM, deve-se recorrer à visão da empresa como pro-cesso - ou coleção de processos. Um mo-delo assim formulado é o dos 5Q's (ver fi-gura 1).
Vejamos, agora, algumas definições deTQM:
• Becker" define Qualidade Total (QT)como um sistema administrativo orien-tado para pessoas cujo objetivo é oincremento contínuo da satisfação docliente a custos reais decrescentes. QT éuma abordagem sistêmica e parte deuma estratégia de alto nível; ela funcio-na horizontalmente através de funçõese departamentos, envolve todos os fun-cionários, fornecedores e clientes daempresa. QT enfatiza o aprendizado e aadaptação às mudanças como fator-cha-ve para o sucesso organizacional;
• Mears" define TQM como um sistemapermanente e de longo prazo, voltadopara alcançar a satisfação do cliente atra-vés da melhoria contínua da qualidadedos serviços e produtos da empresa;
• para Aggarwal", TQM é uma filosofiapara conquistar a confiança do cliente egarantir a rentabilidade de longo prazoda empresa;
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SIST.MASf1.
MEf1IÇAo
• Brocka e Brocka",a partir de outra pers-pectiva, procuram esclarecer o conceitode TQM apresentando seus elementosbásicos e as ferramentas e técnicas quepodem ser empregadas nos programasde implementação de QT, conforme oquadro 1.
ASPECTOS HISTÓRICOS - AS ESCOLAS DAQUALIDADE
Segundo Schneider", a idéia de proverprodutos de qualidade que sejam adequa-dos aos desejosdo consumidor não é nova.Antes da Revolução Industrial os artesãosjá o faziam, interagindo diretamente comos consumidores.
O surgimento do TQM pode ser rela-cionado ao desenvolvimento dos modelosgerenciais e do próprio movimento daqualidade e explicado por uma seqüênciadidática de seis momentos, alguns quasesimultâneos:
• o da inspeção, o focono controle do pro-duto final, associado ao desenvolvimen-to do sistema de produção e consumoem massa;
• o surgimento do foco no processo, comuma coleção de técnicas estatísticas;
• a integração destas técnicas num mo-delo gerencial restrito - o Controle daQualidade Total (TQc);
• a incorporação de elementos comporta-mentais e novas práticas gerenciais as-sociadas ao acirramento da competição
3. BECKER, Selwyn W. TOMdoes work: ten reasons whymisguided atternpts fail (discus-sion of O. Harari's Jan. 1993 ar-ticle). Management Review,Saranac Lake, v. 82, n. 5, p. 30,May 1993.
4. MEARS, Peter. How to stoptalking abouI, and begin pro-gress toward, total quality ma-nagement. Business Horizons,Greenwich, v. 36, p. 11-4, May/June 1993.
5. AGGARWAL, Sumer. A qui-ck guide to lotai quality mana-gement. Business Horizons.Greenwich, v. 36, p. 66-8, May!June 1993.
6. BROCKA, Bruce, BROCKA,M. Suzanne. Qualíty manage-ment: implementing the bestideas of the masters. Home-wood: Business One Irwin,1992. 408 p.
7. SCHNEIDER.AlanJ. TOM andlhe financiai function. Joumalof Business Strategy, Boston,v. 13, n. 5, p. 21-5, Sept./Oct.1992.
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l1~lÉARTIGOS
8. BROCKA, Bruce, BROCKA,M. Suzanne. Op. cit.
9. DOBYNS, Lloyd, CRAW-FORD-MASON, Clare. Qualityorelse. New York: Houghton Mi-fflin Company, 1991. 309 p.
10. DEMING, W. Edward. Outof ttie ctisls. Cambridge,Mass.: Mil 1986. 507 p.
11. CROSBY, Philip B. Qualityts free. New York: McGraw-Hill,1990.
12. JURAN, Joseph M. QualityControl Handbook. New York:McGraw-Hill, 1983.
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entre empresas, ao início da flexibiliza-ção da produção e ao aumento da frag-mentação dos mercados. Consagraçãodo termo TQM;
• a expansão parafora das fábricas,no setor serviços enas empresas pú-blicas;
• tendência de trans-formação profun-da do modelo e/ou sua difusão naspráticas gerenciaisdo dia-a-dia.
Um sistema signi-ficativo do momentoatual vivido peloTQM é oHoshin Kan-ri - ou Policy De-ployment -, que bus-ca unir os elementosessenciais e os diver-sos níveis dos pro-cessos de planeja-mento e ação estraté-
losóficas, as prescrições de Deming têmcaráter revolucionário, pois subentendemprofundas transformações no relaciona-
mento entre a empresae seus clientes, fornece-dores e empregados.Deming alertava sobreas dificuldades e o lon-go tempo necessário àimplementação de suasrecomendações. Seumétodo possui catorzepontos, descritos no li-vro Out of the crieis",
Quality is free", deCrosby, vendeu maisque dois milhões decópias. Formado den-tro de empresas, aocontrário dos demaismestres, considera-seum pensador de negó-cios pragmático e nãoum guru da qualidade.Crosby criou a concep-ção zero defect e popu-larizou o conceito defazer certo da primeira
vez. Teria chegado a eles em virtude dainsatisfação com o que Deming e Juran en-sinavam. Para Crosby, a teoria de Demingfundamenta-se na estatística, que poucossão capazes de compreender e que poucocontribui para o gerenciamento cotidianoda qualidade nas empresas. Deming, re-plicando, negava que o controle estatísti-co da qualidade fosse o fator preponde-rante para o sucesso de uma organização.Além disso, nunca escondeu sua descon-sideração pelos programas de qualidadeministrados por Crosby. Estes, coinciden-temente, também se baseiavam em cator-ze pontos. Crosby é o único entre os mes-tres que considera a qualidade um concei-to de razoável simplicidade.
Juran contribuiu decisivamente no mo-vimento japonês em prol da qualidade. Se-gundo ele, a administração da qualidadecompreende três processos básicos: plane-jamento, controle e melhoria - a trilogiade [uran". Para [uran, as abordagens con-ceituais necessárias ao gerenciamento dostrês processos são similarares àquelas em-pregadas na administração financeira.Assim, enquanto Deming afirma que a ad-ministração da qualidade requer transfor-
Chang comentapesquisa, conduzida em 84
firmas americanas,segundo a qual entre
empresas onde existemprogramas de TQM hámais de três anos, 65 °/0
melhoraram os resultadosoperacionais, 69°/0
obtiveram maiores índicesde satisfação e retenção de
clientes e 53°/0conseguiram melhorar oclima organizacional.
gicos com as váriasmetodologias e conceitos ligados ao mo-vimento da qualidade (ver figura 2).
OS GURUS DA QUALIDADEA maior parte dos princípios e práticas
que suportam o TQM deriva de contribui-ções de um grupo restrito de estudiosos.Tidos como mestres, ou gurus, o conheci-mento de seu trabalho é requisito paraqualquer esforço visando a compreendere implementar o TQM nas organizações.Brocka e Brocka" e Dobyns e Crawford-Mason" descrevem aspectos centrais dopensamento de Philip Crosby, EdwardDeming, Armand Feigenbaun, Kaoro Ishi-kawa e [oseph Juran.
Deming talvez tenha sido o mais cele-brado guru da qualidade. Comparado comos demais mestres, cujas orientações sãode caráter marcadamente prático, pode serconsiderado um filósofo, um pregador embusca de discípulos. Diz-se que muitos dosque adotam suas idéias o fazem com de-voção quase religiosa. Para eles, o métodode Deming não somente aprimora a qua-lidade de bens e serviços mas é capaz defazer suas vidas melhores (!). Além de fi-
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GERENCIAMENTO DA QUALIDADE TOTAL: UMA REVISÃO CRíTICA
Fonte: Ver notas 2 e 18.
mação, Juran sugere que ela pouco diferede práticas já longamente adotadas pelafunção financeira das empresas. Discordade Crosby aonão acreditar que a implanta-ção da qualidade seja simples, mas tam-bém não crê que seja tão complexa quantoDeming propõe. Juran não atribui aosmétodos estatísticos a mesma importân-cia conferida por Deming, considerando-os ferramentas úteis, mas não fundamen-tais. Define qualidade como adequação aouso - produto adequado ao uso é o queatende àsnecessidades de seu consumidor.
Feigenbaun originou o conceito de con-trole da qualidade total, tratando-o comoquestão estratégica que demanda profun-do envolvimento de todos dentro da or-ganização. Aqualidade seria um modo devida para as empresas, uma filosofia decompromisso com a excelência.Nesse sen-tido, Feigenbaun aproxima-se de Deming.Mas, pragmático, empregando a noção decusto da qualidade procurou mostrar aosadministradores que os investimentos fei-tos em qualidade geravam retornos maio-res do que os realizados em outras áreas.Deming, por sua vez, dizia que o custo danão-qualidade não pode ser conhecido. Opensamento de Feigenbaun está conden-sado em Dezenove passos para melhoriada qualidade. Total Quality Control'? é suaprincipal publicação.
Ishikawa criou os famosos círculos decontrole da qualidade. Além dos CCQ, asSete ferramentas de Ish.ikawa constituemimportante instrumental de auxílio nos
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processos de controle da qualidade. Aocontrário de outras metodologias, que co-locam a qualidade nas mãos de especia-listas, Ishikawa acreditava que as sete téc-nicas podiam ser utilizadas por qualquertrabalhador. Ishikawa redefiniu o concei-to de cliente, para incluir qualquer fun-cionário que recebecomo insumo os resul-tados do trabalho executado anteriormen-te por um colega. Seu pensamento estáexposto em What is total qualíty coniroú>.
o CENÁRIO ATUAL: ESGOTAMENTO ETRANSFORMAÇÃO DO MODELO
A prática do TQM vive um momentodelicado. Evidênciaspráticas demonstramuma lacuna entre as expectativas geradaspelos projetos de implantação e os resul-tados efetivamente alcançados. Ecos dedescontentamento são ouvidos por todolugar. Pesquisas indicam que dois terçosdos gerentes consideram insuficientes osresultados alcançados. Um sinal de deca-dência, na visão de alguns autores, é o de-clínio no número de inscrições para o prê-mio Malcolm Baldrige, nos EUA.·'
Davis", falando justamente dos premia-dos, concorda que o TQMvive tempos di-fíceise qlle o entusiasmo dos anos 80 estádando lugar a dúvidas e ceticismo. O es-sencial, para ele, é procurar integrar qua-lidade, estratégia e o gerenciamento finan-ceiro da empresa.
Segundo [acob", se existem culpadospelas dificuldades do TQM, estes são os
13. FEIGENBAUN, Armand V. To-tal Quality Control. New York:McGraw-Hill, 1988.
14. ISHIKAWA, Kaoru. What istotal quality contrai? TheJapa-nese way. Englewood Cliffs:Prentice Hau, 1985. 215 p.
15. DAVIS, Tim R. V. Baldrigewinners link quality, strategy, andfinanciai management (5th annu-ai total quality conference). Plan-ning Review, Oxford, OH., v. 20,n. 6. p. 36-40, Nov./Dec. 1992.
16. JACOB, Rahul. TOM: morethan a dying tad? Fortune, NewYork, V. 128, n. 9. p. 52-4, Oct.18 1993.
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PORQUEANUNCIAREMUMA REVISTAQUE QUASE SÓTEM TEXTOS E
~
NENHUMAFOTO?
A RAE,Revista de Administração
de Empresas da FundaçãoGetúlio Vargas, se orgulha de ser o
único periódico nacional a refletir erevisar valores e conhecimentos sobrea prática administrativa em todas assuas áreas. Há mais de 30 anos, ela é oveículo do know-how da intelligentsiabrasileira em negócios. Sua apresenta-ção editorial e plataforma gráfica estão
consentâneas com as mais importantespublicações internacionais congêneres.
Seu público está sendo constantementeampliado via assinaturas e está também
presente em livrarias e bancasde jornais. O perfil do nossoleitor é o de multiplicador deconceitos - os formadores deopiruao. Nada mais adequa-
do para fixar a men-sagem de sua organi-
zação e seus produtos.Ainda mais porque a RAEnão é descartável: é revistade coleção. Em sua próxima
opção de mídia, pense nisso.
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i1~lEARTIGOS
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Quadro 3TQM: algumas soluções para problemas de aplicação
• participação efetiva do presidente da empresa;• foco no consumidor para evitar confusão entre meios e fins;• ligação dos objetivos de TQM com os objetivos estratégicos da
empresa, definidos de forma clara e bem divulgados;• uso intensivo de benc;hmarking - comparação com os melhores;• entendimento e atendimento das necessidades dos diversos stakeholdérs
- atores organizacionais;• atenção prioritária aos processos críticos, que ge-ram maiores impactos;• hgãção do sistema de-recompensa aos objetivos organizacionais e do
prçgrama de TQM.
fonte: Ver notas 16 e 22.
17. MALONE, John. Creatingan atmosphere of complete em-ployee involvement in TOM (In-ternational Ouality Study byAmerican Ouality Foundationand Ernst & Young). Healthca-re Financiai Management,Westchester, v. 48, n. 6, p. 126-7, June 1993.
18. WILSON, David C. A stra-tegy of change: concepts andcontroversies in the manage-ment of change. London: Rou-tledge, 1992. 147 p.
19. HARARI, Oren. Op. cil.
20. JACOB, Rahul. Op. cit.
21. JURAN, Joseph M. Made inU.S.A.: a renaissance in quallty(including author's experiencesas consultant to post-WW 11Japanese manufacturers). Har-vard Business Review, Boston,v. 71, n. 4, p. 42-7, July/Aug.1993.
22. ERICKSDN, Tamara J.Beyond TQM: creating the highperformance business. Mana-gement Review, Saranac Lake,v. 81, n. 7, p. 58-61, July 1992.
23. BECKER,Selwyn W. Op. cit.
24. CHANG, Richard Y. WhenTOM goes nowhere. Trainingand Development, Alexandria,Va., v. 47, p. 22-9, Jan. 1993.
25, RUSSEL, John. Are wefalling out of love with TQM?Electronic Business, Denver, v.18, p. 158, Oct. 1992.
26. DAVIS, Tim R. V. Op. cit.
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próprios gerentes, por sua crença em so-luções mágicas e postura acrítica. Para oautor, empresas que tiveram sucesso realnas implantações incorporaram os princí-pios aos processos organizacionais, evitan-do estruturas paralelas.
Malone" cita pesquisa da Emst &Youngem quatro setores industriais do Canadá,Alemanha, Japão e Estados Unidos, exa-minando práticas gerenciais em mais de500 organizações. O objetivo foi determi-nar quais tinham real impacto no desem-penho organizacional. Em geral, consta-tou-se que aquelas ligadas à qualidadetêm impacto positivo sobre as empresas debaixo desempenho, não se constatando omesmo efeito nas de alto desempenho. Deforma geral o estudo mostra que existempoucas verdades fundamentais e que asmelhores práticas saem da adequação àrealidade e ao momento da organização.
Wílson" e Harari" alertam para os er-ros e problemas mais comuns enfrentadosem aplicações de TQM. Uma síntese éapresentada no quadro 2.
Analisando o quadro 2, observa-se queas críticas dividem-se em dois blocos: oprimeiro refere-se a problemas de implan-tação que ocorrem na prática quando aintrodução dos programas de TQM nãosegue o receituário e princípios adequa-dos; o segundo refere-se a problemas maiscrônicos, de concepção e características in-trínsecas do TQM. Para as dificuldades doprimeiro grupo e parte do segundo, Ja-cob", [uran-' e Eríckson" propõem algu-mas soluções, sintetizadas no quadro 3.
A despeito do volume significativo deressalvas partindo de diversas fontes, énecessário apontar os argumentos apre-
sentados em favor do TQM. Becker"elabora longo raciocínio para provarque não existe nada intrinsecamenteerrado com a filosofia e os princípiosdo TQM. OS insucessos reportados de-vem-se a falhas na implementação oua programas cujo único vínculo comTQM é a denominação.
Em marcante contraste com o estu-do da Emst & Young, Chang" comen-ta pesquisa, conduzida em 84 firmasamericanas, segundo a qual entre em-presas onde existem programas deTQM há mais de três anos, 65% me-lhoraram os resultados operacionais,69% obtiveram maiores índices de sa-tisfação e retenção de clientes e 53%
conseguiram melhorar o clima organiza-cional.
Russel" pondera que, apesar das críti-cas e da falta de evidências claras quantoao retorno financeiro proporcionado pelosprogramas de TQM, os EUA têm obtidoconsiderável progresso na melhoria daqualidade de seus produtos e organiza-ções. A redução na ênfase colocada noTQM seria um grande erro, justamenteagora que a reputação dos bens produzi-dos naquele país começa a melhorar.
Davis" cita ainda os pontos comuns dosganhadores do prêmio Malcolrn Baldrigeque constituem indicadores da implanta-ção bem-sucedida do TQM. Além da mai-oria dos itens citados anteriormente, sãomencionados: parceria com fornecedorese clientes, empowerment da força de traba-lho, sistemas de medição desenvolvidosespecificamente para cada negócio e ade-quação cultural - ou seja, valores parti-lhados e sintonizados com os objetivos doprograma.
Como pode ser visto, a maior parte dascríticas observadas diz respeito a dificul-dades operacionais na aplicação. Fica pa-tente, todavia, que o movimento vive mo-mento de questionamento e certo declínio.
Em termos de transformação, algumastendências podem ser identificadas: incor-poração das práticas ao dia-a-dia das em-presas; redução ou desaparecimento dasestruturas paralelas, criadas para apoiaras implantações; foco nas questões rela-cionadas à organização do trabalho, comoautonomia, participação, processo decisó-rio, sistemas de recompensa etc.; alinha-mento com objetivos estratégicos da em-presa e assimilação dos conceitos e lingua-gem por toda a organização.
RAE • v. 34 • n. 6 • Nov./Oez. 1994
GERENCIAMENTO DA QUALIDADE TOTAL: UMA REVISÃO CRíTICA
Qkladro 4TOM e Reengenharia: integrac;ão
Diferenças ~• REE busca mudanças radicais 'e ganhos ambiciosos. TQ1vf buscá mudanças incrementais;• TQM parte do processo tal como ele é. REE parte de uma f.olha em branco;• REE é implantada top to down: TQM tende-a ser mais partícipativO:• TQM tenta minimizar variações. REE IOQl.11J,izafontys de, variá§ãó para qiâr mudanças:
x
Similaridades• ambas vêem 0S processos como unidade de análise;• tanto TQM quanto REE exigem medições;• as duas abordagens' ímpltcam e necessitam de mudanças significativas de C~lJlipoTtamento.
Ganhos da integração• maior orientação para resultados da REE COmpensaria a fraqueza-de TQM nesse aspecto;• maior apoio da alta gerência à REE poderia ser capíralizado.-• experiência e conhecimento dos profissionais de TQM em relação li análisee mediçi'\;,0
de processos poderiam ser utilizados; , "• ferramentas de TQM seriam yt~is para entender e melhõrár Ill'QCeSS0.§~xistellte8 !lo
curto prazo;• o trabalho de estabilização dos processos - via TQ~ - poderia ser feito após as
mudanças radicais - via R"EE. "- ~
REENGENHARIA: UM FALSO DESAFIO?
Tornou-se usual contrapor TQM à re-engenharia, considerando-se a primeiracomo superada em função da maior capa-cidade de impacto causado pela segunda.
Hammer e Champy" colaboram para apolêmica, optando pelo estilo contunden-te em seu best seller Reengíneering the cor-poration: a manifesto for business reootution.Os autores comparam-se a ninguém me-nos queAdam Smith e prometem uma for-ma totalmente nova de funcionamentopara as empresas. Talvez não seja tãofácil.
Davenporf", numa posição mais conci-liatória, apresenta o seguinte argumento:se, nos anos 80,as empresas mais avança-das adotaram processos de melhoria con-tínua (ou seja, um dos elementos básicosdo TQM),nos anos 90,muitas dessas mes-mas empresas estão tentando mudançasmais radicais e adotando processos de re-desenho com base em reengenharia -REE. Sua conclusão é que ambos podemser integrados num programa coerente demudança. O quadro 4mostra as principaisdiferenças e similaridades dos dois pro-cessos e os ganhos da integração.
O autor propõe ainda que a integraçãoseja realizada através de quatro aborda-gens: a primeira, por meio de um ciclo al-ternando inovação (mudança radical) emelhoria (mudança incremental): a se-
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gunda, criando-se portfolios de processos,com identificação e análise dos processosprincipais e adequação do tipo de mudan-ça às necessidades de cada um; a terceira,modulando-se o grau de participação acada nível hierárquico, com o balancea-mento inteligente das características apa-rentemente antagônicas da REEe do TQM;a última, combinando-se as duas meto-dologias para obter um compromisso deresultados de curto e longo prazo, de for-ma a permitir melhorias de performanceconsistentes e qualitativamente interes-santes.
Além dos aspectos apontados por Da-venport, outros são também compartilha-dos pelo TQM e pela REE: ambas atingi-ram notoriedade, o que facilita seu empre-go nas organizações; a aparente simplici-dade e os grandes benefícios alardeados,factíveis ou não, aumentam sua atrativi-dade junto aos gerentes em busca de solu-ções descomplicadas para seus problemas;ambas implicam esforços de mudança or-ganizacional, mas são limitadas ao não to-marem em consideração, pelo menos ex-plicitamente, elementos culturais, intera-ções sociais e relações com o ambiente.
Então, a verdadeira questão não é adaexclusão, mas a da integração e da aplica-ção combinadas. É o que deve acontecer àmaioria das empresas, onde geralmente seadota um amálgama de sistemas e meto-dologias.
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Davenport, numaposição mais
conciliatória, apresenta oseguinte argumento: se,nos anos 80, as empresasmais avançadas adotaram
processos de melhoriacontínua (ou seja, um dos
elementos básicos doTQM), nos anos 90 muitas
dessas empresas estãotentando mudanças mais
radicais e adotandoprocessos de redesenho
com base emreengenharia - REE.
o SISTEMA ISO 9000
A adoção das normas ISO tem cresci-do, especialmente na União Européia,onde muitas empresas passaram a exigiro certificado ISO de seus fornecedores.Shípman" aponta a implantação das nor-mas ISO como alternativa para o TQM,cujos resultados estão sendo consideradosdecepcionantes.
Numa edição especial com o títuloWorld quality: making connections throughstandards, a revista Quality Progress" defi-ne as normas ISO através de uma analo-gia: "imagine a indústria mundial como umaplaca de memória de um computador e cadaindústria nacional como parte da placa. Os Es-tados Unidos poderiamser um chip; o Cana-dá, um processador; oReino Unido, um capa-citor, e assim por dian-te. Cada parte teria sidoprojetada para uma cer-ta finalidade. Mas, paratrabalharem juntas, aspeças precisariam estaradequadamente conec-tadas à placa e umas àsoutras. Sem as devidasconexões, a placa nãopassa de um monte inú-til de peças. Na indús-tria, essas conexões de-rivam dos padrões".
A série ISO 9000(composta de cinconormas: ISO 9000,ISO 9001, ISO 9002,ISO 9003 e ISO 9004)foi desenvolvida peloComitê Técnico 176da International Stan-dards Organization (ISO) e aprovada nasua primeira versão em 1987,vindo ocu-par o lugar de uma profusão de sistemascriados por empresas ou associações.
No mundo, em 1993, já eram mais devinte mil as empresas certificadas. No Bra-sil, o número chegava a uma centena. Numsuplemento especial da Gazeta Mercantipl,empresas operando no Brasilcontam comoconseguiram o certificado. Atualmente asnormas ISOpassam por uma atualização,cujos principais objetivos são: refletir a ex-periência das empresas e as melhores prá-ticas existentes (benchmarking) e adequá-las a organizações de qualquer porte.
Do ponto de vista da aplicação, algunscríticos vêem riscos de as normas ISOprenderem as empresas a padrões inferio-res, ignorando mudanças ambientais, ins-titucionalizando procedimentos que nãoagregam valor, fossilizando práticas e ne-gligenciando o imperativo da melhoriacontínua. Kallínosky" contrapõe-se a essaposição, acreditando que as normas ISOpodem servir de base para um sistema dequalidade total. No modelo que sugere, oautor integra a essa base elementos com-petitivos, tecnológicos, comportamentaise organizacionais, criando uma pirâmideda qualidade.
As normas ISO constituem denomina-dor comum de boas maneiras industriais
voltadas para a quali-dade. Por si só nãogarantem qualidadeQU competitividade,~as podem servir deguia para implantaçãode sistemas. Uma crí-tica possível é que asnormas ISO se assen-tam sobre um para-digma organizacionalsuperado, fundadoem normas e procedi-mentos documenta-dos. Assim, organiza-ções com tendênciasburocráticas tendem acriar camisas-de-forçaatravés das normas.Por outro lado, empre-sas que necessitem deum mínimo de estru-turação podem encon-trar na norma um guiaadequado. Teorica-mente, é possível fa-
zer uma leitura não-ortodoxa da norma,evitando os riscos de rigidez e inibição dainovação através do desenvolvimento deum modelo sob medida para as necessi-dades estratégicas da empresa. De qual-quer forma, a questão essencial parece sera exigência de sua adoção pelos clientes.Contra esse imperativo, é difícil encon-trar argumentos.
TOM NO BRASIL
Não é preciso ir além do senso comumde consumidor para constatar que, em suagrande parte, os produtos e serviços bra-
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GERENCIAMENTO DA QUALIDADE TOTAL: UMA REVISÃO CRITICA
sileiros não atingem padrões internacio-nais de qualidade. Da análise do setorpúblico ao privado, de pequenas a gran-des empresas, de companhias nacionais atransnacionais, obtém-se um quadro pou-co animador. Mas a situação já foi pior.Segundo o Inrnetro, em 1990, o índice derefugo em manufaturas brasileiras chega-va a ser mais de cem vezes superior aonorte-americano ou europeu e mais de milvezes superior ao japonês. Pesquisa damesma época, realizada pela l!'rnst &Young-Sotec,comparava índices da indús-tria nacional com parâmetros de manufa-turas classe mundial aquelas que, sem dis-tinção de origem, eram as melhores domundo em sua indústria. Quase todos osíndices de desempenho mostravam o lon-go caminho a percorrer até atingirmos ní-veis razoáveis de competitividade. Ames-ma pesquisa revelava, segundo visão dosempresários, os grandes obstáculos a se-rem vencidos. Três deles se destacavam:insuficiência de fundos para investimen-tos em tecnologia e treinamento, em razãode instabilidade política eeconômica, altos custos deimportação e mercado prote-gido; cultura inadequada,conservadorismo e visões ul-trapassadas do próprio em-presariado e falta de empe-nho da mão-de-obra; e faltade conhecimento técnico eadministrativo.
Nos últimos anos, o qua-dro econômico sofreu profundas altera-ções. Instabilidade econômica, falta depolítica industrial e problemas com a for-mação básica persistiram. Por outro lado,a redução de alíquotas de importação co-locou importantes segmentos industriaisdiante de ameaças concretas e imediatas.Ao mesmo tempo permitiu, pelo menospotencialmente, uma atualização tecnoló-gica das empresas. Qualidade e custospassaram a ser objeto de atenção redo-brada.
Em 1992, pesquisa da ConfederaçãoNacional da Indústria - CNI - revelavaque 68% das grandes companhias nacio-nais já atingiam elevado grau de uso detecnologias para aumentar a qualidade eprodutividade". Pesquisa da Price Wa-terhouse, pouco posterior à da CNI, mos-trava que 61% das maiores firmas tinhamprogramas de qualidade implantados".Ambas mencionavam dificuldades de pla-
nejamento em função da instabilidade eco-nômica, falta de treinamento dos funcio-nários e cultura inadequada como gran-des obstáculos aos esforços pela qualida-de. Empresas e empresários são tambémcriticados por consultores e ·profissionaisda área. Moura Estevão, do Comitê Brasi-leiro da Qualidade, declarou que "muitasempresas usam os programas de qualidade to-tal como ferramenta de marketing, mas pou-cas estão convencidas de que seja um investi-mento lucratiuo"": Para Schettino Mattos,da Andersen Consulting, três fatores atra-palham a implantação dos programas: afalta de comprometimento da alta direção,a confusão entre qualidade e treinamentoe a resistência dos níveis gerenciais mé-dios".
APLICAÇÕES NÃO-INDUSTRIAIS DO TQM
Para alguns estudiosos, grande parte dotrabalho desenvolvido pelos mestres daqualidade, base dos programas de TQM,esteve vinculado ao contexto da produção
de bens manufatura-dos. Rosander" lembraque Shewhart desen-volveu os conceitos e astécnicas de inspeção daqualidade para contro-lar as dimensões deprodutos; tratava-se deum problema de enge-nharia equacionadopela aplicação de esta-
tísticà e probabilidades. Ainda segundoRosander, a premissa de que a qualidadede produtos e serviços são similares, im-plícita nos programas de TQM, conduz àcrença, refutada pela experiência acumu-lada nos últimos 40 anos, de que a segun-da pode ser satisfatoriamente equacíona-da apenas com instrumental fornecido poraquelas duas disciplinas.
Para um grande número de autores -Albrecht e Bradford", Berry e Parasura-man", Gronroos'", Heskettet al," e Rosan-der42 , em virtude das características dis-tinguindo bens e serviços, a compreensãoe a gestão eficaz da qualidade de serviçosdependem de conceitos adicionais àque-les desenvolvidos e aplicados a produtos.Como os programas de TQM geralmentenão fazem referência a tais características,parece residir aí uma limitação. A despeitode tais considerações, é grande o interessena aplicação do TQM ao setor serviços.
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Zabloki" nota que as técnicas de geren-ciamento da qualidade estão sendo final-mente empregadas em hospitais, com re-sultados encorajadores. Como parte sig-nificativa dos gastos com assistência mé-dica derivam de desperdícios e ineficiên-cias, a aplicação do TQM pode gerar nosetor hospitalar benefícios maiores do queos obtidos em outras indústrias. Feigen-baun", discutindo a qualidade nos servi-ços de saúde, recomenda aos seus admi-nistradores que aprendam sobre a impor-tância do TQMa partir da experiência acu-mulada em outros setores. Cerber" aler-ta que, apesar do TQM ter ajudado, emalguns casos, a reduzir desperdícios, ine-ficiências e erros, muitos profissionais daárea de saúde estão insatisfeitos com osefeitos na melhoria da assistência aos pa-cientes. Somente hospitais que aliarem bai-xo custo e melhor tratamento ao doenteirão prosperar.
Numa época de déficits orçamentáriose escassez de recursos, aumenta a cons-ciência nos administradores do setor go-verno, da necessidade de mudanças e me-lhoria dos serviços públicos. Hyde" des-taca que a administração da qualidadedespertou grande interesse em diversos ní-veis do setor público americano na déca-da passada, mas observa existirem reaispreocupações se o TQM constitui modis-
mo ou genuíno movimento de reforma. Oautor aponta ainda seis dimensões paraexame antes de se aplicar TQM ao setorpúblico. Stupak" lembra que no passadomuitos estudiosos consideravam a filoso-fia TQM incompatível com as organiza-ções públicas. Mas isto tem mudado emdecorrência de importantes demandas: au-mento de produtividade, envolvimento dousuário, atribuição de maior poder deci-sório aos funcionários, necessidade demedir e divulgar o desempenho e desen-volver planos estratégicos de longo pra-zo. Similarmente, Kline" vê na adoção doTQM por mais de cem governos munici-pais e doze estaduais uma resposta aosanseios dos contribuintes para que os fun-cionários públicos modifiquem sua filoso-fia e abordagem administrativas. Segun-do Swiss'" , os métodos do TQM utiliza-dos pelo setor privado podem contribuirna administração pública, mas apenas seforem substancialmente adaptados às cir-cunstâncias únicas do contexto governa-mental.
Pressionadas por empresas insatisfeitas,para as quais os profissionais recém-for-mados estão cada vez menos preparadospara trabalhar num ambiente de negócioscada vez mais hostil e complexo, diversasuniversidades americanas passaram a ofe-recer disciplinas sobre TQM nos cursos de
Figura 3Ciclo de uma panacéia
consultores,pacotese"grifes"
iniciadorcarismático,livro
~ seminal'"Cl
~6~coo(:/J•....;:Jo~
O:::
custossuperambenefícios,
burocratizaçãoe cristalização;status interno
oadolescência manrridade declínio
40Tempo(anos)~ ~ ~L- ~ L- __
10 20 30
Fonte: Ver nota 53.
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GERENCIAMENTO DA QUALIDADE TOTAL: UMA REVISÃO CRíTICA
Administração. Entre elas, incluem-se Mi-chigan, Chicago, Carnegie-Mellon, Co-lumbia, Cornell e Duke'". Mesmo assim,menos de 5% das 600 escolas americanasde Administração estão comprometidasnesse movimento. Na visão de Froilland,oprincipal obstáculo à introdução do TQMna academia reside na postura dos docen-tes, que prezam sua independência e ten-dem a valorizar idéias individuais em de-trimento do pensamento grupal. Para Fei-genbaun", o sistema educacional ameri-cano ainda não percebeu, ao contrário depaíses como Alemanha e Japão, que a me-lhoria da qualidade representa um corpode conhecimentos 'muito mais profundodo que o ensino de procedimentos estatís-ticos, técnicas motivacionais e relatos ane-dóticos de experiências bem-sucedidas.Bonser'" articula interessante raciocíniosobre o emprego dos princípios do TQMpara revitalizar o sistema e as práticas ad-ministrativas do ensino superior nos EUA.No Brasil, praticamente não há informa-ções sobre esforços desse tipo. Existe, en-tretanto, a iniciativa da EAESP/FGV, quecaminha na implementação de seu PlanoDiretor da Qualidade.
CONCLUSÃO - GERENCIANOO PORPANACÉIAS
As metodologias fechadas (ou pacotes),destinadas a aumentar a eficácia gerenci-al, são cíclicas e costumàm apresentar emsua história seqüências que vão do entu-siasmo da adoção em larga escala até oesgotamento e abandono. Gill e Whittleê'as denominam panacéias e acreditam queessa transitoriedade está ligada a fenôme-nos culturais e psicodinâmicos.
A figura 3, proposta pelos autores, mos-tra o possível ciclo de vida de uma pana-céia. Utilizando o modelo, poderíamosdizer que abordagens como Gerenciamen-to por Objetivos e Desenvolvimento Or-ganizacional estariam em fase adiantadade declínio'. Já o TQM estaria numa faseadiantada çie maturidade e a REE aindana etapa de adolescência.
As panacéias fazem uso de símbolos ca-talisadores e usam apelo emocional paraconquistar possíveis praticantes. Criamuma linguagem comum, compartilhada.Emcertas fases de implantação, espalham-se histórias de sucesso, utilizam-se pará-
bolas e surgem heróis. Todo esse processosó é possível porque as organizações nãosão unicamente moldadas pelo ambientee por uma realidade objetiva. Líderes egrupos têm muito poder na construção deuma visão comum. A dinâmica desse pro-cesso é complexa e parece caracterizar-sepela constante necessidade de gerar novi-dades e operar rituais de renovação. Nes-se sentido, é significativa a presença degurus no movimento da qualidade, a qualpode estar associada à dependência acrí-tica de líderes patriarcais, inquestionáveisdetentores da sabedoria.
Gill e Whittle consideram esse proces-so não-cumulativo e negativo. O primeiroproblema seria a necessidades de venderprogramas simples (turn-key) pelos consul-tores. Como reagiria um possível clientediante de uma exposição cheia de condi-cionantes e sem sequer mencionar a solu-ção para o seu problema? Além disso, amaior parte das organizações valoriza ostatus e a agressividade e não o aprendi-zado e a reflexão. Assim, imperam postu-ras anti-intelectuais e falta de rigor. Umasugestão é que as empresas implantem naestrutura posições com o papel de exercero espírito crítico, como a de um ombusd-man, que os autores chamam de truthsayerou organizational fool. Este seria o respon-sável por alertar continuamente a organi-zação sobre as armadilhas das soluçõesaparentemente fáceis.
Modismos realmente parecem fazerparte do dia-a-dia das organizações. Exis-te procura por fórmulas mágicas, concei-tos simples que condensem todo um cor-po complexo de idéias. Dada a dificulda-de de implementar mudanças, principal-mente em grandes empresas, com intrin-cadas redes de poder, é fácil compreenderos pacotes como uma possível via prefe-rencial. Isto não elimina suas limitações,pois geralmente são soluções simplistas enem sempre adequadas ao problema. Defato, o caminho seria as empresas tenta-rem adquirir, pelo menos em suas áreasestratégicas centrais, noções mais profun-das dos mecanismos de mudança organi-zacional e conceitos mais avançados degerenciamento.
~ 0940605~
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Artigo recebido pela Redação da RAE em maio/94, avaliado em julho e outubro/94, aprovado para publicação em outubro/94. 59