Post on 13-Jul-2015
Projeto Editorial I Publishing EditorMarta Mosley
Texto I TextIsabella Perrotta
Revisão de texto I ProofreadingFátima Fadel
Versão em inglês I English VersionSérgio Moraes
Projeto Gráfico I DesignIsabella Perrotta
Capa I CoverGiuseppe Arcimboldo, Il Bibliotecario, s.d.
Impressão e Acabamento I Printing and BindingPancrom Gráfica
Av. Ataulfo de Paiva, 1.079/ sala 704
Leblon - Rio de Janeiro, CEP: 22440-031
Tel./Fax: (21) 2540-8571
Diretor Comercial: Richard Mosley
Tel.: (21) 3204-9285
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www.vmeditora.com.br
Victor BurtonIsabella Perrotta
VIANA & MOSLEYEditora
SumárioContents
Introdução 13
Paixão por livros 17
O livro no Brasil 27
O estilo burtoniano 37
Introduction 55
A Passion for books 59
The book in Brazil 69
The Burtonian style 79
A autora | The author 117
P. 4 – ilustração de Victor Burton ep. 5 – ilustração de Michel Burton, seu pai.
p.4 – An illustration by Victor Burton, and p.5 – Anillustration by Michel Burton, Victor’s father
Ps. 6 e 7, 8 e 9, acima e ao lado: livro-catálogo da exposição A escrita da memória,
Instituto Cultural Banco Santos, 2004.A capa em plástico translúcido, deixa transparecer
foto da folha de rosto.
pp. 6 and 7, 8 and 9, above and on the side:catalog of the exhibit A escrita da memória,
Instituto Cultural Banco de Santos, 2004. The cover,in translucent plastic material, allows the reader to
see the photograph on the front page.
Victor Burton é uma presença marcante. Grande, barba farta,
(aparentemente) sério, vozeirão, eloqüente, altivo, vaidoso, sem modéstia...
De repente se desmancha numa (muito!) sonora gargalhada. É veemente em
suas declarações, especialmente quando se refere a gosto. Adora ou detesta
com muita ênfase. Por isso, a primeira versão do texto deste livro – que
partiu de uma conversa nossa gravada – era cheia de pontos de exclamação
e entrecortada por um excesso de aspas para os fortes adjetivos que usou.
Para dar mais continuidade à leitura, foi necessário suprimir algumas dessas
marcas, mas espero que o estilo burtoniano de ser ainda tenha ficado aparente.
Este livro propõe-se examinar a obra gráfica de Burton, mas cabe dizer que
seu trabalho está diretamente ligado ao seu etilo de vida. Todo profissional
interage a sua formação técnica com a vivência do seu dia-a-dia. No caso de
um designer gráfico essa vivência vai formando o conjunto de elementos de
seu repertório visual e sensível. Um designer também se faz pelos filmes que
vê, os livros que lê, os museus que visita, os shows a que assiste (no caso de
13VICTOR BURTON12 VICTOR BURTON
Introdução
Uma de suas paixões – a gastronomia –em livro.Pães de França, DBA, 1996
One of his passions – gastronomy – ina book.
Victor Burton, as óperas, mais especificamente). É essa história que faz o
profissional identificar-se com os nichos de mercado: imagem institucional,
catálogos de moda, disco de rock ou programas de música clássica. É claro
que um designer está capacitado a fazer hoje um logotipo de uma
metalúrgica e amanhã um livro infantil, mas no nicho com que se identifica,
certamente vai desenvolver melhores produtos. Victor está sempre rodeado
de trabalhos que envolvem seus temas favoritos: história, arte, música e
gastronomia. E sempre traz as referências daquilo que gosta – principalmente
história da arte – para o seu trabalho, qualquer que seja a temática.
Conheci o trabalho de Victor Burton, recém-formada, na exposição de suas
capas de livros na ESDI (Escola Superior de
Desenho Industrial), em 1983. Logo depois,
uma amiga passou a trabalhar com ele e,
vez ou outra, eu fazia uma colaboração.
Esse contato mudou meu modo de ver o
design gráfico, contaminado que era pela
formação esdiana ainda bastante
racionalista. Por um ano ocupei o lugar de
sua assistente, deixado por minha amiga,
até montar meu primeiro escritório, onde
ainda fiz eventuais colaborações nos seus
trabalhos. Passados alguns anos, formamos
a Burton & Perrotta Criação Visual, já
desfeita há mais de dez anos.
A convite da Editora Viana & Mosley, foi
um prazer conviver, de novo, tão de perto,
com o seu trabalho.
14 VICTOR BURTON
O cartaz da exposição na Esdi, em 1983, ésímbolo do seu trabalho na época, comcolagens e vinhetas do século 19.
The poster advertising the 1983 Esdi Exhibitis a symbol of his work at the time, withcollages and vignetes of the 19th century.
Parigi, DBA, 2002: gastronomia combina com elegância.
Parigi, DBA, 2002: gastronomy matches elegance.
“Nós somos os países do livro feio. Do livro malfeito. Do
livro incaracterístico”, afirmava em 1925 o antropólogo Gilberto Freire,
referindo-se às produções brasileiras e portuguesas quando comparadas
com o movimento de renovação do livro que acontecia, na época, em parte
da Europa e Estados Unidos, e atingia a estética tipográfica e os meios de
impressão e encadernação. Ainda no mesmo artigo do Diário de
Pernambuco, Freire continua: “O Sr. Monteiro Lobato conseguiu animar de
certa nota de graça o livro brasileiro. Mas ligeiríssima graça. Livro belo, não
saiu nenhum de suas mãos ou de seus prelos.”1
Monteiro Lobato foi um editor modernizador do meio editorial brasileiro
durante o período de 1919 a 1925, e o primeiro a romper com o modelo
vigente de capas apenas tipográficas, produzindo capas ilustradas.
Trabalhava em parceria com Natal Daiuto, um dos primeiros profissionais
brasileiros a ser chamado de “produtor gráfico”.
17VICTOR BURTON
Paixão por livros
1. apud Cunha Lima, Edna Lúcia. “Santa Rosa: um designer a serviço da literatura” in O design brasileiro antes do design. Cosacnaify, 2005.Uma margem distante, Record, 2006.
Victor Burton é filho do francês Michel
Burton, formado no fim da década de
1940, pela escola de Arts et Métiers de
Genebra. Herdeira do movimento Arts and
Crafts, a escola fornecia habilidades
artesanais e artísticas diversas, passando
pelas técnicas de belas-artes e as aplicadas,
como encadernação, vitral e desenho
tipográfico. Michel veio morar no Rio de
Janeiro em 1950, e logo começou a
trabalhar em diversos campos das artes
visuais, preenchendo carências da cidade,
numa época em que a publicidade
brasileira apenas ensaiava seus primeiros
passos. Fez capas para a revista Rio
Magazine, charges e ilustrações para a
imprensa; foi diretor de arte da famosa
revista Senhor (na gestão de Odílo Costa
Filho), passou pelas agências McCann e
Thompson e, numa época pré-design,
chegou a produzir trabalhos institucionais,
como o primeiro logotipo da empresa
aérea Varig, incluindo o desenho de sua
tipografia e da rosa-dos-ventos.
Victor nunca trabalhou com o pai, mas
Michel Burton – com seu background
cultural, seu senso estético e seu traço
19VICTOR BURTON
É verdade que ainda hoje, ao abrirmos a grande maioria dos livros brasileiros
em brochura (com capa de papel encorpado, mas flexível), nos deparamos
com textos sufocados por falta de margens e entrelinhas, e métodos de
impressão ultrapassados que provocam borrões e tornam o desenho
tipográfico impreciso. Mas, sem dúvida, o mercado editorial brasileiro
evoluiu muito. A capa, principalmente, ganhou papel merecido, e grande
parte da nossa produção poderia estar nas prateleiras das boas livrarias
estrangeiras.
Passado o marco de criação de duas mil capas e duzentos projetos de miolo
de livros, Victor Burton – unanimidade entre editores e designers – teve, sem
dúvida, uma grande responsabilidade sobre esta evolução recente. Ainda
bem jovem, quando iniciou a atividade de capista2 na Editora Nova
Fronteira, em 1979, ele não poderia supor o lastro que firmava e os
caminhos que abriria para seus pares. Criou uma marca para a editora, na
contramão do que na época seria considerado “bom design”, tanto pelos
intelectuais como pelos formadores de opinião. Fez a concorrência se mexer
e teve que se mexer em função da concorrência. Hoje, meio blasé, diz que
largaria tudo o que faz para tocar um instrumento… Violino, de preferência.
Então, seria um artista, pois ele insiste em dizer que o trabalho do designer
não é arte. Ainda que adolescente tenha pensado – por pouco tempo – em
ser artista plástico...
Na verdade, Victor nunca imaginou ser designer (no sentido latu). Tornou-se
designer em função da sua paixão pelos livros e da conseqüente vontade de
fazer livros. Por essa razão, não freqüentou nenhuma escola de design. Mas
sua formação erudita impregnou o seu estilo.
18 VICTOR BURTON
2. O termo capista foi usado durante muito tempo para designar os especialistas nesta área. Hoje em dia, com a atividade de designestabelecida, muito se critica sobre o uso deste termo, reducionista. Para Victor, não existem problemas quanto ao uso destanomenclatura, pois para ele, o mercado legitima o termo.
Capas de Michel Burton para a revistaSenhor. O uso de ornamentos tipográficoscomo linguagem estética aparecerá maistarde, no trabalho de Victor.
Michel Burton’s covers for Senhormagazine. The use of typographicornaments as an aesthetic language wouldlater appear in Victor’s works.
21VICTOR BURTON
peculiar – foi, sem dúvida, a principal formação e referência do filho, que
admirava o trabalho do pai, principalmente o desenho e a ilustração. Victor
recorda-se que o ambiente de casa era “totalmente contaminado por ele”,
dos quadros na parede às prosaicas cenas do cotidiano do Rio de Janeiro
pintadas nas portas.
Em 1963, Michel Burton volta para a Europa – Milão – com a esposa Maria
Helena e o filho Victor, brasileiros. A Europa seria a grande responsável pelas
referências de história da arte que o futuro capista apreenderia; mas, aos
sete anos, o contraste entre as duas cidades foi difícil, e só quando
adolescente passou a gostar de Milão – um importante centro de artes
plásticas e design, com excelentes galerias de arte.
Foi ainda em Milão que Victor passou a cultivar uma forte atração pelos
livros, em função da biblioteca de seu pai – herança de uma biblioteca maior
que pertencera ao avô e ao bisavô, ambos bibliófilos. A biblioteca estava
quase sempre fechada. Enquanto criança, lhe eram permitidas visitas
20 VICTOR BURTON
ocasionais. E o fruto proibido virou
fascinação.
Victor chama a atenção para o fato de o
bibliófilo francês não desejar tanto as
primeiras edições, mas sim os livros
encomendados. A “tara”, segundo ele,
são edições de no máximo duzentos volumes,
desenvolvidas artesanalmente por artistas
plásticos e tipógrafos. Livros mais importantes
pela sua beleza do que por seu conteúdo.
“Verdadeiros objetos de fetiche estético.”
Seguindo o desejo de fazer livros, Victor
desenvolveu suas três primeiras capas para a
editora Il Formichiere, em Milão, em 1976. “O
lettering era Letraset e eu não cogitava usar
qualquer outra coisa que não fosse a minha
ilustração”.
Aos 19 anos, começou a trabalhar na Editora
Franco Maria Ricci, de Milão. “Ricci era o
máximo do máximo! Ele fazia livros
fantásticos e eu queria fazer aqueles livros.”
Com esse editor – que também era diretor de
arte de sua própria editora – aprendeu a
técnica e a prática do design editorial. As
referências estéticas de Ricci também
contribuíram para a formação do estilo
burtoniano. Segundo Victor, o estilo de Ricci –
que parecia ser clássico – era, na verdade,
Em outros trabalhos de Michel Burton, elementos que Victor herdaria: o sol e as vinhetas.
Elements in other Michel Burton works that Victor would inherit: the sun and the vignettes.
Duas, das primeiras capas de Victor, paraa editora Il Formichiere, Itália, anos 1970.
Two of the first covers designed by Victorfor the Il Formichiere editorial house,Italy, in the 1970s.
totalmente revolucionário
para uma época em que
os modelos estéticos
italianos eram o
modernismo, o
racionalismo do designer
Bruno Munari e a
tipografia Helvética (reta e sem serifa). Na Franco Maria Ricci, a tipografia
era muito importante, e o editor, fortemente ligado à tradição tipográfica
européia. Por isso, publicou o fac-símile do famoso Manual Tipográfico de
Bodoni. O tipo Bodoni (1788) era a “letra da moda”, muito utilizada nos
cartazes italianos dos anos 1970, pois sua construção geométrica (serifas
rígidas e grande contraste de espessuras) se aliava muito bem a uma leitura
modernista. Mas Ricci a usava como padrão para a mancha de texto na editora,
o que não era um modelo modernista, que preferia os textos sem serifas.
A fotocomposição de texto dos livros da FMR era encomendada às empresas
especializadas, mas todas as titulagens eram compostas na editora, com as
matrizes que o próprio Franco tinha fotografado no Museu Bodoni, de Parma.
Poder gerar a fotoletra permitia bastante controle aos espacejamentos entre
letras e ligaturas (união de duas letras num mesmo caracter).
Uma prova de uma folha de rosto era presa na parede e observada a dois
metros de distância, inúmeras vezes, até ser considerada resolvida. Então,
22 VICTOR BURTON
um livro levava aproximadamente três anos para ser finalizado.
“Franco me fascinava por ser totalmente diferente de tudo que se fazia na
Itália naquele momento”, diz Victor, lembrando que existia uma ligação
direta entre a estética modernista e o pensamento da esquerda politizada.
Apesar de ser apolítico, Ricci era contra o movimento que pregava um estilo
internacional, sem pátria. Ao contrário, tentava ressuscitar na tipografia e no
ornamento a geografia e a história.
Primeiras capas de Victor Burtonsob a direção de arte de FrancoMaria Ricci, com ilustrações suas.
First covers designed by VictorBurton under the art direction ofFranco Maria Ricci, with Victor’sillustrations.
As referências clássicas de diagramação,como o Manual Tipográfico de Bodoni (nodetalhe), foram incorporadas por Victor.
The classical diagrammatic references, suchas Bodoni’s Typographic Manual (in detail),were assimilated by Victor.
Na capa, uma rebuscada frisa é capaz de se tornarleve na composição que mistura fotos, vinheta eilustração. No miolo, a mancha de texto é amarradapor outra frisa.A Missão francesa, Sextante, 2003.
A recherché frieze on the cover appears light in thiscomposition, which mingles photos, vignettes, andan illustration. Inside, the text blur is tied byanother frieze. A missão francesa, Sextante, 2003.
No miolo, o fio duplo de Bodoni, e umpequeno adorno que faz muita diferença. Na capa, a moldura trabalhada.Fotógrafos alemães no Brasil do século XIX,Matalivros, 2000.
Inside the book, Bodoni’s double thread, and asmall ornament, which makes a strikingdifference. On the cover, an ornated border.Fotógrafos alemães no Brasil do século XIX,Metalivros, 2000.